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CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS PROF. PAULO EMÍLIO DIREITO PENAL I – AULA III IV – FONTES DO DIREITO PENAL. Iniciemos, pois, o estudo das fontes do direito penal. O que são fontes? No sentido vulgar, fonte é o local de onde nasce água. No sentido jurídico, fonte indica a origem e a forma de manifestação da norma jurídica. As fontes do direito penal subdividem-se em: A)Fontes Materiais (ou de produção) – que são os órgãos encarregados de elaborar o direito penal. O art 22, I da Constituição determina que à União compete legislar privativamente sobre direito penal. Todavia o parágrafo único do mesmo artigo prevê hipótese em que os Estados-Membros poderão legislar sobre tal matéria, desde que autorizados por Lei Complementar da União. Obs: A lição de Luiz Vicente Cernicchiaro1 é no sentido de que tal autorização (conferida por Lei Complementar) não poderia abranger a competência para legislar sobre normas gerais do direito penal, mas somente acerca de questões específicas e locais, tal como, a proteção da vitória-régia na região amazônica. 1 in ‘Direito Penal na Constituição’, Editora RT, pp. 26- 30 B)Fontes Formais – são as formas pela qual se exterioriza o direito penal. - Subdividem-se em: imediata e mediatas B.1)Fonte Formal Imediata – é a lei B.2) Fontes Formais Mediatas – costume, princípios gerais de direito e atos administrativos (segundo orientação de Flávio Augusto Monteiro de Barros, que assim entende, uma vez que há normas penais em branco, que se complementam por meio de atos administrativos). Costume é a repetição de determinada conduta, de maneira constante e uniforme em razão da convicção de sua obrigatoriedade. Tem dois elementos, portanto: Objetivo: repetição do comportamento Subjetivo: convicção de sua obrigatoriedade. Os costumes distinguem-se em: 1) secundum legem: segundo a lei: é o que auxilia a esclarecer o conteúdo do tipo legal. Também chamado de costume interpretativo. Ex: art. 233 CP – (conceito de ato obsceno) 2) contra legem – seria o costume derrogante, o costume que ensejaria a derrogação da norma pelo desuso. Não é possível, em nosso sistema, a revogação pelo desuso ou a justificação de uma ação ilícita pelo costume contra legem. O costume atua de outro modo, motivando o legislador a derrogar a lei penal em desuso por meio de outra lei. Exemplo recente foi a derrogação, pela Lei 11.106/05 dos tipos penais de rapto (art. 219) e adultério (art. 240 CP). O art. 2º, § 1º da LICC dispõe que uma lei somente pode ser revogada por outra lei. Também o STJ já decidiu que: “O sistema jurídico brasileiro não admite possa uma lei perecer pelo desuso, porquanto, assentado no princípio da supremacia da lei escrita (fonte principal do direito), sua obrigatoriedade só termina com sua revogação por outra lei. Noutros termos, significa que não pode ter existência jurídica o costume contra legem” (STJ, 6ª Turma, Resp 30.705-7). 3) Praeter legem – é o costume além do conteúdo da lei, que preenche lacunas e especifica o conteúdo da norma. Observação: O costume não cria delitos, nem comina penas. Princípios gerais do direito – São princípios éticos extraídos do contexto político e do ordenamento jurídico, como, por exemplo, o princípio democrático, o princípio da legalidade e o princípio da dignidade humana, já vistos. A analogia não é fonte formal de direito mas método interpretativo e integrativo do Direito Penal, como será estudado adiante: V. A ANALOGIA NO DIREITO PENAL A analogia não é fonte formal do direito penal, mas método de integração do ordenamento jurídico penal. O que é método de integração? É o meio pelo qual se preenchem as lacunas do ordenamento jurídico através da aplicação de normas estabelecidas para casos semelhantes. Na analogia o caso fático não é regido por qualquer norma, motivo pelo qual se aplica a norma prevista para um caso análogo. Em Direito Penal, somente é aceita a utilização da analogia no que diz respeito às normas permissivas (diz-se analogia in bonam partem). Não é lícito aplica-la para criar crimes ou cominar penas (analogia in malam partem). Exemplo de emprego de analogia in bonam partem é o seguinte: Fernando Capez admite a seguinte situação : O art. 128, II do Código Penal dispõe que o aborto praticado por médico não é punido “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. Trata-se de causa de exclusão da ilicitude prevista somente para o caso de gravidez decorrente de estupro (art. 213). Como não se trata de norma incriminadora (ao contrário, permite a prática de fato descrito como crime, no caso o aborto), é possível o emprego de analogia à gravidez decorrente de atentado violento ao pudor. ART 128, II, CP Nenhuma norma Aborto em gravidez decorrente de estupro Aborto em gravidez decorrente de atentado violento ao pudor A ANALOGIA, no caso, é feita para permitir a aplicação do art. 128, II do CP para permitir a hipótese de aborto em gravidez decorrente de atentado violento ao pudor. É preciso ter em mente que não se emprega a analogia para criar crimes ou estender a proibição decorrente de normas incriminadoras. Exemplo. O art. 250 prevê o crime de incêndio. O parágrafo 1º, inciso II, d, prevê o aumento de pena se o incêndio é em “estação ferroviária ou aeródromo”. Não é possível o emprego da analogia para aplicar o aumento da pena em casos de incêndio em rodoviárias ou portos, somente porque são semelhantes àqueles. Outro exemplo, o art. 20 da Lei 4.947/66, define como crime a conduta de quem: “Invadir, com intenção de ocupá-las, terras da União, dos Estados e dos Municípios: Pena: Detenção de 6 meses a 3 anos.” A norma incriminadora não menciona terras do Distrito Federal, motivo pelo qual entendemos que não se pode aplicar a analogia para incluí- las sob a proteção da referida norma. V.A) ANALOGIA VS. INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA. Quando se trata de normas incriminadoras, o único recurso possível é a interpretação analógica, que é dada quando o próprio legislador, no corpo da norma incriminadora, após elencar uma seqüência casuística, estabelece uma formulação genérica, autorizando o intérprete da norma a se valer da interpretação analógica. Ex. O art 121, § 2º, I, qualifica o homicídio quando cometido “mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe”. A formulação “outro motivo torpe” autoriza-nos a estabelecer outros motivos de natureza torpe que não estão elencados na norma incriminadora. A distinção entre analogia e interpretação analógica reside no fato de que na interpretação analógica existe uma norma regulando a hipótese (o que não ocorre na analogia), ainda que de forma genérica. Espécies de analogia: - legal ou legis – o caso é regido por norma reguladora de hipótese semelhante. - Jurídica ou juris – aplica-se princípio extraído do ordenamento jurídico - ‘In bonam partem’: a analogia é empregada em benefício do agente. - ‘In malam partem’ – a analogia é empregada em malefício do agente – proibida de ser utilizada no nosso sistema penal. Repita-se que a aplicação de analogia em norma penal incriminadora fere o princípio da reserva legal, uma vez que um fato não previsto pela lei como crime estaria sendo considerado como tal. O exemplo é o do furto de uso (subtração de coisa alheia para uso), por força de analogia do art. 155 do Código Penal (subtrair coisa alheia móvel com ânimo de assenhoramento). Nesse caso,um furto não considerado criminoso pela lei passaria a sê-lo, com afronta ao princípio constitucional do art. 5º, XXXIX da Constituição Federal (princípio da legalidade), que será estudado logo adiante. VI) LEI PENAL A lei penalpode ser classificada em duas espécies: a) lei incriminadora (são as que descrevem crimes e cominam penas); b) não incriminadoras (permissivas – tornam lícitas certas condutas tipificadas em normas incriminadoras – ex. legítima defesa/ finais ou complementares – esclarecem o conteúdo de outras normas e delimitam o âmbito de aplicação. Ex: art. 1º, 2º e todos os demais da Parte Geral, à exceção dos que tratam de causas de exclusão da ilicitude). A lei penal incriminadora não é proibitiva, mas descritiva, adotando-se a técnica do tipo penal, idealizada por Karl Binding. Tipo penal é o modelo legal dentro do qual o legislador faz a descrição do comportamento proibido. Ex: art. 155, caput, do Código Penal: “Art 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos, e multa” . A técnica adotada divide o tipo penal incriminador em: - preceito primário – descrição da conduta proibida - preceito secundário – sanção – pena cominada em abstrato. Características da lei penal incriminadora: - Exclusividade: somente elas definem crimes e cominam penas - Anterioridade: as leis penais que definem crimes somente incidem se estavam em vigor na data da prática do crime. - Imperatividade: impõe-se coativamente a todos, sendo obrigatória sua observância. - Generalidade: têm eficácia erga omnes, dirigindo-se a todos. - Impessoalidade: dirigem-se impessoal e indistintamente a todos. VI.A) PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE DAS LEIS PENAIS INCRIMINADORAS Devemos analisar o princípio da taxatividade, pelo qual a lei penal deve conter um mínimo de determinação na definição da figura típica, minimizando, o quanto possível, a possibilidade de subjetivismo por parte do aplicador. Ocorre, todavia, que a lei é incapaz de definir objetivamente todos os elementos do tipo penal, assim, o que ocorre é a necessidade de um mínimo de determinação do preceito primário da lei penal incriminadora. Nada obstante, restam, em certos casos, tipos penais que veiculam elementos que devem ser valorados pelo aplicador da lei ou por outro ato legal ou administrativo, que são: VI.B) NOMAS PENAIS EM BRANCO: Foi visto que a norma penal, em regra, traz os seus preceitos primário e secundário completos. Enquanto a maioria das normas penais incriminadoras é composta de normas completas que possuem preceito e sanção integrais de modo que sejam aplicadas sem a complementação de outras, existem algumas com preceitos indeterminados ou genéricos, que devem ser preenchidos ou completados. Todavia, há exceções a essa regra geral, como no caso de normas penais em branco: As normas penais em branco são aquelas em que o preceito secundário da norma está completo, mas há indeterminação do conteúdo do preceito primário, que deve ser completado por outra disposição legal ou regulamentar. Assim dividem-se: - Normas penais em branco em sentido lato ou homogêneas: quando o complemento provém da mesma fonte formal, ou seja o conteúdo da lei penal incriminadora provém de outra lei. (ex. art 237 do Código Penal, que encontra o complemento de seu conteúdo no art. 1.521, I a VII do Novo Código Civil – que trata dos impedimentos ao casamento). - Normas penais em branco em sentido estrito ou heterogêneas: o complemento da norma provém de fonte formal diversa (ato normativo infra-legal, como uma portaria ou decreto. Exemplo: No crime de tráfico de droga (art. 33 da Lei 11.343/2006), a definição de droga não é feita pela própria lei, e sim é realizada por Portaria de órgão do Ministério da Saúde (ato infralegal), conforme previsto nos art. 1º, parágrafo único e art. 66 da mesma lei. VI.C) TIPO PENAL ABERTO – CONCEITO E DISTINÇÃO COM NORMA PENAL EM BRANCO. Por fim, há de se fazer, ainda, uma distinção entre norma penal em branco, em que a complementação do conteúdo do preceito primário é feito por regra jurídica, e os tipos penais abertos, em que essa complementação é realizada pelo magistrado ou intérprete do direito penal, mediante um juízo social, político e cultural. Como nem sempre é possível ao legislador fixar com precisão objetiva os elementos do tipo penal, há tipos que delegam ao aplicador a função de exercer um juízo valorativo. A lei que define um crime deve alojar um mínimo de determinação. Alguns doutrinadores festejam a tarefa valorativa que é deferida pela lei ao juiz (ou ao aplicador), em face de possibilitar a evolução de sua interpretação, de acordo com a mudança dos valores e costumes da sociedade. Nos tipos penais abertos, de forma diferente das normas penais em branco, a tarefa complementar é do juiz (ou do aplicador) e não de outra norma legal (norma penal em branco em sentido lato) ou ato administrativo (norma penal em branco em sentido estrito). Exemplo de tipo penal aberto é o multicitado art. 233 que contém a expressão ato obsceno, que defere ao aplicador a valoração do que possa ser obsceno. Também o tipo penal do art. 154 contém elemento normativo (justa causa) de modo que a sua interpretação dependerá do juízo de valoração acerca de sua presença ou não. VII. INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL A interpretação é a atividade consistente da norma o seu exato alcance e seu exato significado. Etimologicamente interpretar tem origem em vocábulo do latim que significava retirar das entranhas, método de adivinhação antigo. A interpretação deve buscar a vontade da lei (mens legis), desconsiderando a de quem a fez (mens legislatoris). Classificação dos métodos. A) quanto ao sujeito que interpreta: - Autêntica ou legislativa: feita pelo próprio órgão encarregado da feitura da lei. Pode ser contextual, quando inserta na própria lei (ex. art 327 do CP), ou posterior, quando feita por lei posterior. (Obs: A lei interpretativa posterior retroage (ex tunc) uma vez que apenas esclarece o conceito da lei) - Doutrinária ou científica: feita pelos estudiosos e cultores do direito (Obs: exposição de motivos é tida como interpretação doutrinária, uma vez que não é lei) - Judicial – feita pelos órgãos jurisdicionais. B) Quanto aos meios empregados. - Gramatical, literária ou sintática – leva-se em conta o sentido literal das palavras utilizadas na norma legal. - Lógica ou teleológica – observa o sistema de normas, atendendo aos fins da norma e à sua posição dentro do ordenamento jurídico. C) Quanto ao resultado. - Declarativa – quando há perfeita correspondência entre a palavra da lei e sua vontade (há inclusive antigo brocardo que proclama: “in claris no fit interpretatio” - cessa a interpretação quando o sentido da norma for claro). - Restritiva: quando a letra escrita foi além da sua vontade (a lei disse mais do que era preciso). A interpretação, nesses casos, deve restringir o significado da lei - Extensiva: a lei escrita ficou aquém da sua vontade (a lei disse menos do que era preciso). A interpretação deve ampliar o significado da norma, sem todavia, alcançar outras hipóteses não previstas implicitamente na própria norma, tal como no exemplo de Damásio, no crime de perigo de contágio venéreo, previsto no art. 130 do CP também há de ser interpretado para abranger o contágio efetivo em seu âmbito. Por fim cabe dizer sobre a interpretação progressiva, adaptativa ou evolutiva: é aquela que, ao longo do tempo, vai adaptando-se às mudanças político-sociais e ao conjunto de valores da sociedade. Atenção – Sobre o conceito de interpretação analógica e sua distinção com a analogia, consultar o item V.A acima.
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