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IESB - PENAL I - 13ª aula ANTIJURIDICIDADE

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CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE 
BRASÍLIA 
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE 
BRASÍLIA 
CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS 
 
 
PROF. PAULO EMÍLIO 
 
IESB - DIREITO PENAL I – 
AULA XIII 
 
ANTIJURIDICIDADE OU ILICITUDE 
Como já estudado, a segunda categoria 
conceitual do crime é a antijuridicidade, 
que vem a ser a contrariedade da conduta 
típica praticada no mundo real ao Direito. É 
a relação de aversão entre fato e norma 
jurídica. 
Na arguta lição de ASSIS TOLEDO1, pode-
se também (e é até preferível, segundo o 
mesmo autor) denominá-la de ilicitude, pois 
reflete a situação de antagonismo entre o 
fato típico e todo o ordenamento jurídico. 
Segundo o ilustre jurista, a ilicitude “é a 
relação de antagonismo que se estabelece 
entre uma conduta humana voluntária e o 
ordenamento jurídico, de modo a causar 
lesão ou a expor a perigo de lesão um bem 
jurídico tutelado”2. 
 
EXCLUSÃO DA ILICITUDE. 
A tipicidade, na visão de grande parte da 
doutrina, é um forte indicador de que a 
 
1
 TOLEDO, Francisco de Assis. ‘Princípios básicos de 
direito penal’, Ed. Saraiva ,4ª ed., p. 160 
2
 op. cit., p. 163 
conduta é, em princípio, antijurídica. Isso é o 
que se costumou a designar por caráter 
indiciário do tipo penal. Assim, significa dizer 
que a prática de fato, no mundo real, que seja 
típico, indica que essa mesma conduta é 
também, em princípio, ilícita ou antijurídica. 
Isso porque havendo tipicidade da conduta 
(correspondência entre o fato praticado e a 
conduta prevista no tipo penal), a ilicitude 
somente restará afastada se estiver presente 
alguma das causas excludentes da ilicitude. 
Dessa forma, sempre que o operador do direito, 
após a análise da tipicidade, concluir pela sua 
presença, deverá atestar a presença de alguma 
causa excludente de ilicitude (justificante), 
previstas nos tipos penais permissivos. 
Essas normas justificantes são chamadas de 
causas de exclusão de ilicitude, também 
conhecidas por causas de justificação, 
justificativas, excludentes, eximentes, 
descriminantes ou excludentes de ilicitude. De 
todas, preferimos a denominação de causas 
excludentes de ilicitude, por nos parecer mais 
exata. 
Se presente, no caso concreto, qualquer das 
causas justificantes, restará afastada a ilicitude 
da conduta e, assim, não haverá a existência do 
crime. 
O Código Penal prevê diversas causas de 
exclusão da ilicitude, algumas na sua parte geral 
e, portanto, aplicáveis a todos os crimes e outras 
previstas especificamente na Parte Especial, e 
aplicáveis somente aos crimes a que se referem 
e, por isso são causas especiais de exclusão da 
ilicitude (Ex. Art 128, diz que não são punidos 
os casos de aborto ali permitidos. Assim, é 
certo que excluem a ilicitude). 
Dentre as causas excludentes da ilicitude, 
há as que são expressamente previstas no 
Código Penal (arts. 23 a 25 – também 
chamadas de causas justificadoras). 
“Art. 23 - Não há crime quando o agente 
pratica o fato: 
I - em estado de necessidade; 
II - em legítima defesa; 
III - em estrito cumprimento de dever legal 
ou no exercício regular de direito”. 
 
A doutrina e a jurisprudência admitem a 
existência de causa supralegal de exclusão 
da ilicitude como é o caso do 
consentimento do ofendido. 
 
Causas supralegais de exclusão da 
ilicitude 
O ordenamento jurídico não faz qualquer 
alusão às causas supralegais (‘acima da 
lei’), mas a dinâmica social aliada aos 
princípios gerais de direito, autorizam 
algumas situações que conduzirão à 
exclusão do caráter antijurídico da conduta. 
As hipóteses relacionadas no art. 23 do 
Código Penal (legítima defesa, estado de 
necessidade, exercício regular de direito e 
estrito cumprimento do dever legal) deixam 
pouco espaço para o surgimento das 
referidas causas supralegais. O exemplo 
ordinário de causa supralegal de exclusão 
da ilicitude, aceito na doutrina penal, é o do 
consentimento do ofendido, nos crimes 
em que o bem jurídico tutelado seja disponível. 
Nos tipos penais onde o titular do bem jurídico 
dele possa dispor, sem prejuízo a outras pessoas, 
é unânime que há a possibilidade da incidência 
da mencionada causa supralegal (ex. cárcere 
privado – art. 148; furto – art 155; dano – art. 
163). 
A doutrina aponta alguns requisitos para a 
ocorrência da referida causa supralegal: 
- que o consentimento seja livre, sem coação; 
- que o ofendido, ao consentir, tenha capacidade 
para fazê-lo; 
- que se trate de bem jurídico disponível; 
- que o fato típico se limite e se identifique com 
o consentimento do ofendido. 
 
CAUSAS JUSTIFICADORAS – 
EXCLUDENTES DA 
ANTIJURIDICIDADE. 
 
1)ESTADO DE NECESSIDADE 
O estado de necessidade é uma das causas legais 
de excludente de antijuridicidade que se 
caracteriza pela colisão de interesses 
juridicamente protegidos, devendo um deles ser 
sacrificado em prol do outro. Heleno Fragoso 
salientava que “O que justifica a ação é a 
necessidade que impõe o sacrifício de um bem 
em situação conflito ou colisão, diante da qual 
o ordenamento jurídico permite o sacrifício do 
bem de menor valor”. 
Ponderamos, ainda, que os bens jurídicos em 
colisão podem ser do mesmo valor. 
O exemplo clássico é o de duas pessoas que, 
após um naufrágio, disputam uma tábua para 
evitar afogarem-se. Todavia, a tábua somente 
suporta o peso de uma pessoa, sendo certo 
que, pelas circunstâncias, os agentes 
disputarão, para salvar a própria vida, 
aquela mesma tábua. 
O vencedor da disputa terá, 
invariavelmente, sacrificado o perdedor à 
morte por afogamento. Todavia, sua 
conduta não será antijurídica, pelo 
reconhecimento do “estado de 
necessidade”, no caso. 
Legalmente, está previsto no art. 24 do 
Código Penal, assim redigido: 
“Art. 24 - Considera-se em estado de 
necessidade quem pratica o fato para 
salvar de perigo atual, que não provocou 
por sua vontade, nem podia de outro modo 
evitar, direito próprio ou alheio, cujo 
sacrifício, nas circunstâncias, não era 
razoável exigir-se. 
§ 1º - Não pode alegar estado de 
necessidade quem tinha o dever legal de 
enfrentar o perigo. 
§ 2º - Embora seja razoável exigir-se o 
sacrifício do direito ameaçado, a pena 
poderá ser reduzida de um a dois terços”. 
O melhor conceito em doutrina é de 
Damásio de Jesus3, para quem o estado de 
necessidade é “uma situação de perigo 
atual de interesses protegidos pelo Direito, 
em que o agente, para salvar um bem 
próprio ou de terceiro, não tem outro meio 
senão o de lesar o interesse de outrem”. 
Também Ney Moura Telles4 expõe sua 
definição, assim: “Quando numa situação 
 
3
 Direito Penal, op. cit., v. 1, p. 322 
4 Op. cit., v. I, p. 251 
em que um bem jurídico está na iminência de 
sofrer uma lesão, pela presença atual de um 
perigo, e não podendo o Direito proteger tal 
bem, deve permitir que seja sacrificado outro 
bem, de valor menor ou relativamente igual, 
ainda que de um inocente, desde que não haja 
outra saída”. 
 
REQUISITOS DO ESTADO DE 
NECESSIDADE: 
A) SITUAÇÃO DE PERIGO: 
- Existência de perigo atual: O perigo deve ser 
atual, ou seja, deve ser verificado no exato 
momento em que o agente atua. O perigo deve 
ser real para a existência do estado de 
necessidade. 
Se o perigo é somente imaginado e acreditado 
pelo agente, ocorrerá a situação prevista no art. 
20, § 1º (Descriminantes putativas, a exemplo 
do que ocorrerá com as demais causas 
excludentes de ilicitude). 
- O perigo deve ameaçar direito próprio ou 
alheio: direito, aqui, é entendido como qualquer 
bem jurídico tutelado pelo ordenamento 
jurídico. Há estado de necessidade próprio, 
quando em defesa de bem jurídico próprio e 
estado de necessidade de terceiro, se o direito 
defendido é alheio ao agente. 
Importante frisar que o direito de terceiro pode 
ser defendido, mesmo que não expressamente 
consentido pelo terceiro. Ex: o agente não 
precisa aguardar a chegada e a permissão do 
vizinho para invadir o seu quintal e derrubar a 
árvore que ameaça ruir sobre acasa. 
- O perigo não pode ter sido criado 
voluntariamente pelo agente: 
Damásio entende que somente o perigo 
causado dolosamente impede que seu autor 
alegue estado de necessidade, pensamento 
que compartilhamos, também na companhia 
de Ney Telles. De outro lado, Assis Toledo 
defende que também o perigo decorrente de 
conduta culposa impediria o 
reconhecimento do estado de necessidade. 
Assim, se o agente ateia fogo dolosamente 
no cinema, durante a execução do filme, 
causando grande pavor nos presentes, não 
pode alegar estado de necessidade para 
justificar as lesões corporais que produziu 
em terceiros para conseguir sair da sala de 
exibição. 
Todavia, caso o incêndio tenha sido 
causado por culpa do agente, a excludente 
poderia ser reconhecida em seu favor. 
- Inexistência do dever de combater o 
perigo (Art. 24, § 1º, CP) sempre que a lei 
impuser ao agente o dever de combate ao 
perigo, deve combatê-lo sem sacrificar o 
bem jurídico em perigo, mesmo que para 
isso tenha que correr os riscos inerentes à 
sua função. Ex.: de nada adianta o 
bombeiro se atirar na correnteza do um rio, 
se na situação de perigo, pudesse ser 
reconhecido, em seu favor, o estado de 
necessidade no caso de sacrificar a vida da 
vítima para salvar a própria. Válido, por 
derradeiro, consignar que profissões como 
as de bombeiro, policiais, civis e militares, 
enfermeiros, médicos, sanitaristas, dentre 
outros, exercem atividades que, por sua 
natureza, têm o de combater determinados 
perigos (assim, ao bombeiro incumbe o 
dever de combate ao fogo e salvamento, mas 
não ao médico). 
Todavia, como bem alerta Damásio, não há que 
se confundir o dever de enfrentar o perigo com 
o dever legal de impedir o resultado. Uma coisa 
é enfrentar o perigo, de que trata o art. 24, § 1º 
do CP; outra é o de impedir o resultado, referido 
no art. 13, § 2º. 
Assim, é dever de agir para impedir o resultado 
é tema da tipicidade dos crimes omissivos 
impróprios, conquanto o dever de enfrentar o 
perigo é norma que impede (elemento negativo) 
a exclusão da ilicitude por estado de 
necessidade. 
 
B) RESPOSTA (CONDUTA) LESIVA 
- Inevitabilidade do comportamento – 
somente se admite o sacrifício do bem quando 
não existir outro meio de se efetuar o 
salvamento; Assim, se houver outro meio de 
afastar o perigo, sem o sacrifício do bem 
jurídico, não se configurará o estado de 
necessidade. 
- Razoabilidade do sacrifício – o sacrifício deve 
ser razoável, observando-se o senso comum. Os 
bens em colisão devem guardar, entre si, 
determinada proporcionalidade. O bem a ser 
sacrificado pode ainda ser de menor valor do 
que o será salvo, só não pode ser de muito maior 
valor (e aqui não se diz somente quanto ao valor 
econômico). Assim, não se admite o sacrifício 
de uma vida humana para salvar a de um animal 
de estimação, ou mesmo o de um animal 
raríssimo ou bem material de alto valor 
econômico. 
É evidente que não há como se mensurar 
com precisão milimétrica os valores dos 
bens jurídicos, motivo pelo qual a 
comparação dos bens jurídicos em 
confronto deve atentar ao bom-senso e à 
proporcionalidade. 
OBS: Se o sacrifício não era razoável, há 
causa de diminuição de pena. Permanece a 
ilicitude, mas com pena abrandada em 1/3 a 
2/3, conforme a redação do §2 do artigo 24. 
 
- Conhecimento, pelo agente, da situação 
justificante – como as demais causas 
excludentes, somente se reconhece a sua 
presença, se o agente sabia da existência do 
fato justificante. Se, por coincidência, havia 
situação de perigo que justificasse a 
conduta de um agente, por estado de 
necessidade, mas o mesmo desconhece sua 
existência, não se pode reconhecê-la em seu 
favor. 
OBSERVAÇÃO – Toda a doutrina 
concorda em apontar o conhecimento da 
situação justificadora e a vontade de agir 
conforme o Direito como requisito de todas 
as causas excludentes da ilicitude. 
 
2) LEGÍTIMA DEFESA. 
A legítima defesa é, historicamente, a causa 
excludente que maior acolhida tem recebido 
ao longo dos tempos e nos diversos 
ordenamentos jurídicos ao redor da Terra e 
ao longo da História, e deita raízes no 
Direito Romano, onde CÍCERO, na sua 
oração - Pro Milone, a reputa um direito 
natural do homem, derivado da necessidade 
– non scripta sed nata lex, proposição 
verdadeira, se considerarmos o substractum 
fisiológico e psicológico da defesa, como reação 
do instinto de conservação que brota e se 
desenvolve independente de qualquer 
regulamentação5. 
Conceito: É causa excludente da ilicitude 
consistente em repelir injusta agressão, atual ou 
iminente, a direito próprio ou alheio, usando 
moderadamente dos meios necessários. 
Verifiquemos, ainda, o conceito legal, contido 
no art. 25 do Código Penal, assim colocado: 
 
“Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, 
usando moderadamente dos meios necessários, 
repele injusta agressão, atual ou iminente, a 
direito seu ou de outrem”. 
 
O que inspira, portanto a legítima defesa é a 
agressão injusta. Não há aqui, ao contrário do 
estado de necessidade, uma situação de perigo 
pondo em conflito dois ou mais bens. Ao 
contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra 
o agente ou terceiro, legitimando a repulsa. 
 
REQUISITOS DA LEGÍTIMA DEFESA. 
A) Agressão injusta – é toda conduta humana 
(não abrange as ações de animais) dirigido à 
lesão de um bem jurídico e, ao mesmo tempo, 
não é aceita pelo Direito. 
Não é toda e qualquer agressão que justifica a 
resposta legítima, mas apenas as injustas 
(Exclui-se, portanto, do conceito, as ações 
legítimas, autorizadas pelo Direito, motivo pelo 
 
5
 Cf. preciosas lições tomadas de Galdino Siqueira, in ‘Tratado 
de Direito Penal: parte geral’, 2ª edição, p. 305- 306 
qual, por exemplo, não existe falar de 
legítima defesa contra quem pratica ato sob 
o manto de descriminante putativa). 
– A agressão ser injusta não significa, 
necessariamente, que deva constituir em si 
mesma um ilícito penal, mas exige-se 
apenas que seja um comportamento 
proibido pelo Direito. 
B) Atual ou iminente – atual é o que está 
ocorrendo, iminente é a que está 
extremamente próxima, prestes a ocorrer. 
Não se pode repelir agressões já passadas (o 
que consistiria em legitimar a vingança), 
nem se antecipar repelindo as que nem 
ainda se apresentaram. 
C) A direito próprio ou alheio – A vida, a 
integridade corporal, o patrimônio, a 
liberdade, a honra, enfim, todos os bens 
jurídicos podem ser legitimamente 
defendidos. O bem jurídico defendido pode 
ser do próprio agente ou de terceiro. 
D)Meios necessários: são os menos lesivos 
colocados à disposição do agente no 
momento em que sofre a agressão. Para se 
dizer que o agente se utilizou dos meios 
necessários, é preciso verificar quais eram 
os que se encontravam à sua disposição no 
momento da agressão. Um meio pode ser 
mais do que o suficiente para repelir injusta 
agressão, mas ser o único à disposição do 
agente naquele momento e, por isso 
mesmo, ser considerado necessário. 
“Uma arma de fogo pode ser o meio 
necessário para obstar uma agressão física 
praticada com os próprios punhos. Um 
sujeito franzino, raquítico que tenha uma 
arma de fogo à sua disposição, agredido a 
murros por um lutador de artes marciais, deve 
utilizar o revólver como meio necessário para se 
defender, ainda que junto dele exista um 
porrete, ou uma barra de ferro. Tais 
instrumentos, na mão do frágil cidadão, podem, 
a toda evidência, ser aquém do necessário para 
impedir a agressão do exímio lutador”6. 
Todavia, devemos ponderar que se o agente tem 
ao seu dispor vários meios eficazes de repelir a 
agressão, deve optar por aquele que, como 
eficiência, resulte no menor dano ao agressor. 
E) Moderação no uso dos meios necessários: 
Não basta que o agente eleja os meios 
necessários para afastar a agressão injusta, mas, 
ainda, que os utilize com moderação, sem 
exageros ou excessos. Aqui não se exige uma 
precisão matemática na análise da moderação do 
agente, que resta seriamente abaladaem 
situações onde se encontre injustamente 
agredido. Assim, entendemos não se pode 
concluir pelo excesso quando, por exemplo, 
bastava um tiro para cessar as agressões e o 
agente efetuou dois disparos. O que dever ser 
analisado, no caso, é a proporcionalidade e 
razoabilidade na resposta, atendidas as 
circunstâncias presentes na situação. 
F) Conhecimento da situação justificante. 
 
Distinções entre o estado de necessidade e a 
legítima defesa: Algumas distinções podem ser 
feitas entre as duas causas excludentes. 1) No 
estado de necessidade, a situação pressuposta é 
a colisão de dois ou mais interesses jurídicos 
 
6
 TELLES, Ney Moura. Op. Cit., Vol. I, p. 264 
protegidos pelo Direito, conquanto na 
legítima defesa, a agressão é ilícita, injusta 
e, portanto, contrária ao Direito; 2) No 
estado de necessidade, a situação de perigo 
pode resultar de comportamento humano, 
ataque de animal ou fenômeno da natureza; 
na legítima defesa, a agressão deve partir 
necessariamente de um ser humano. 
 
ESTRITO CUMPRIMENTO DO 
DEVER LEGAL. 
Ao contrário do estado de necessidade e da 
legítima defesa, o Código Penal não cuidou 
de definir os elementos do estrito 
cumprimento do dever legal, limitando-se a 
dizer que é causa de exclusão da ilicitude, 
no termos do art. 23, III do Código Penal: 
 
“Art. 23. Não há crime quando o agente 
pratica o fato: 
(...) 
III – em estrito cumprimento de dever 
legal..." 
 
Assim coube à doutrina delimitar os 
estreitos limites da referida causa de 
exclusão da ilicitude. Fernando Capez 
assim o define: "É a causa de exclusão da 
ilicitude que consiste na realização de um 
fato típico, por força do desempenho de 
uma obrigação imposta por lei, nos exatos 
limites dessa obrigação;” 
Em outras palavras, a lei não pode punir 
quem cumpre um dever que ela mesma 
impõe. Ora, como a própria expressão 
sugere, é uma obrigação imposta por lei, 
significando que o agente, ao atuar tipicamente, 
não faz nada mais do que "cumprir uma 
obrigação". Mas para que esta conduta, embora 
típica, seja lícita, é necessário que esse dever 
derive direta ou indiretamente de "lei", em 
sentido amplo. Por "lei", entenda-se não apenas 
a lei penal, mas também a civil, comercial, 
administrativa etc. 
Não é necessário, também, que esta obrigação 
esteja imposta textualmente no corpo de uma lei 
"stricto sensus". Pode constar de decreto, 
regulamento ou qualquer ato administrativo 
infra-legal, desde que "originários de lei". O 
mesmo se diga em relação a decisões judiciais, 
que nada mais são do que determinações 
emanadas do Poder Judiciário em cumprimento 
da lei. 
O estrito cumprimento, por sua vez, significa 
que o cumprimento do dever legal se dá com 
atenção aos limites e parâmetros definidos na 
norma que o estabelece. 
Damásio aponta para o exemplo dos 
componentes de um pelotão de fuzilamento que 
deva cumprir uma sentença de morte de um 
criminoso de guerra. Apesar de provocarem a 
morte do infrator (e assim, praticar conduta 
típica) a ilicitude resta excluída por força do 
estrito cumprimento do dever legal (vide, a 
propósito, o art. 5º, inciso XLVII, que prevê a 
pena de morte somente para os casos de crimes 
de guerra). 
Exemplo clássico de estrito cumprimento de 
dever legal é o do policial que priva o fugitivo 
de sua liberdade, ao prendê-lo em flagrante. 
Nesse caso, o policial não comete crime de 
constrangimento ilegal ou abuso de autoridade, 
por exemplo, pois que ao presenciar uma 
situação de flagrante delito, a lei obriga que 
o policial efetue a prisão do respectivo 
infrator, mais precisamente o art. 301do 
CPP. 
Outro exemplo tradicional é o do oficial de 
justiça que retira da casa de alguém objetos 
de sua propriedade, em cumprimento de 
mandado de penhora contra aquela pessoa. 
Ora, por um lado, há o dever legal de assim 
agir, pois que o mandado judicial entregue 
ao oficial de justiça impõe-lhe o dever de 
cumpri-lo, não havendo, portanto, crime de 
furto ou roubo, embora a conduta se ajuste 
a um ou outro tipo legal. 
Alguns operadores do direito agem em 
crasso erro ao defender que os agentes 
policiais possam, em estrito cumprimento 
do dever legal, matar criminosos em fuga 
da prisão, ou em tentativa de evasão após a 
prática de outro crime. Não atua aqui a 
referida discriminante, á vista de não haver 
o dever legal de matar em nosso sistema, à 
exceção dos crimes de guerra, após 
sentença lavrada em Corte Marcial. 
 
EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO 
Conceito – causa de exclusão da ilicitude 
que consiste no exercício de uma 
prerrogativa conferida pelo ordenamento 
jurídico, caracterizada como fato típico. 
O fundamento jurídico de tal excludente 
reside no fato de que a pessoa que exerce 
um direito dentro do que lhe permite o 
ordenamento jurídico não pode, da mesma 
forma, estar agindo contra o direito. 
Um exemplo de direito conferido a qualquer do 
povo é a faculdade de realizar a prisão em 
flagrante. Assim, o particular que a pratica não 
comete o crime de constrangimento ilegal, a não 
ser que se exceda em sua conduta. 
Outro exemplo é a defesa da posse dos bens 
imóveis, estabelecida no § 1º do art. 1.210 do 
Código Civil, assim colocado: 
“O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá 
manter-se ou restituir-se por sua própria força, 
contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou 
de desforço, não podem ir além do 
indispensável à manutenção ou à restituição da 
posse”. 
É consagrado o direito do possuidor, ou do 
proprietário, de bem imóvel de defendê-lo 
contra invasões, desde que o faça 
imediatamente, e com a prática apenas dos atos 
indispensáveis à defesa da posse. 
Incluímos também a atividade dos lutadores de 
artes marciais que, durante as competições 
esportivas, praticam lesões corporais, mas que, a 
toda evidência, não o fazem em contrariedade 
ao Direito, mas dentro do que é um direito: 
participar das referidas atividades esportivas. 
Também o ato corretivo empregado na educação 
dos filhos pelos pais, desde que de forma 
moderada, será entendido como exercício 
regular do direito de educar, previsto no art 
1634, I do CC. 
 
Excesso nas causas excludentes da ilicitude 
Em qualquer das causas excludentes da 
antijuridicidade, o excesso que o agente incidir, 
dolosa ou culposamente, será penalizado. É o 
que predica o parágrafo único do art. 23, in 
verbis: “o agente, em qualquer das 
hipóteses deste artigo, responderá pelo 
excesso doloso ou culposo”. 
As hipóteses justificadoras só afastam a 
ilicitude da conduta quando o agente faça 
uso moderado dos meios necessários em 
sua atuação. O excesso será doloso quando 
o agente deliberadamente aproveita-se da 
situação que lhe permite agir para impor 
sacrifício maior do que o estrito necessário 
à defesa do direito violado ou ameaçado. 
Nessa hipótese o agente responderá pelo 
resultado obtido em excesso, em sua forma 
dolosa, beneficiando-se somente da 
atenuante prevista no art. 65, II, c do CP ou, 
se for o caso de homicídio, poderá incidir 
na forma privilegiada, prevista no § 1º do 
art. 121 do CP. 
Será culposo o excesso quando 
involuntário, e, assim, só pode decorrer de 
erro, consistente na avaliação equivocada 
do agente quanto ao limite da sua atuação, 
quando, nas circunstâncias, lhe era possível 
agir adequadamente. Assim, responderá o 
agente, nesses casos, pelo resultado, em sua 
forma culposa (* sempre lembrar que a 
modalidade culposa do crime deve estar 
tipificada na parte especial. Se não a 
houver, não há se falar no determinado 
crime culposo).

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