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Fisiologia do Sistema Urinário

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Fisiologia do Sistema Urinário 
Gustavo Ribeiro de Souza Filho 
INTRODUÇÃO 
No nosso corpo continuamente ocorre um balanço entre ganho e perda de água e 
eletrólitos. Este balanço é regulado pelos rins, que possuem como função principal 
eliminar do corpo o material indesejado que é ingerido ou produzido pelo metabolismo. 
Ao filtrar o plasma sanguíneo, o rim remove as substâncias em intensidades variáveis 
conforme as necessidades do organismo. Tal mecanismo reflete em sua função 
homeostática de: excreção de produtos indesejáveis; regulação do balanço de água e 
eletrólitos; regulação da osmolalidade (concentração de partículas em uma solução) dos 
líquidos corporais; regulação da pressão arterial; regulação do balanço acidobásico; 
secreção e excreção de hormônios. 
O balanço de água e eletrólitos ocorre de uma maneira simples. Se o ganho de água no 
corpo pela ingestão ou por produtos de reações for maior do que a excreção nos rins, a 
quantidade de água e eletrólitos aumentará no corpo. Porém, se o ganho for menor que a 
excreção, a quantidade de água e eletrólitos diminuirá. Nesta situação, os rins têm que 
aumentar ou diminuir sua reabsorção e excreção conforme as alterações homeostáticas. 
Tais mecanismos serão discutidos mais adiante. 
Quanto à influência na pressão arterial, os rins atuam excretando quantidades variáveis 
de sódio e água, além de secretar o hormônio renina que atua como vasoativador. Em 
outro aspecto, temos a ação no controle acidobásico, em que os rins excretam tampões 
dos líquidos corporais e alguns ácidos produzidos por metabolismo de proteínas. 
Mas antes de aprofundar na filtração e controle homeostático do rim, vale a pena abordar 
o trajeto básico da excreção no sistema urinário. 
Inicialmente, o sangue chega por capilares no glomérulo do néfron (a unidade funcional 
do rim). O sangue nesta região flui para o interior da cápsula de Bowman que reveste o 
glomérulo renal, em seguida, o sangue é filtrado passando para o túbulo proximal, alça 
de Henle, mácula densa e túbulo distal. Deste, o filtrado passa para os túbulos coletores, 
caindo na pelve renal pelas papilas renais. Da pelve, a urina prossegue para os ureteres 
até a bexiga. 
O caminho da urina até a bexiga ocorre por meio de contrações peristálticas da parede 
dos ureteres em direção à bexiga. Estas contrações ocorrem por distensão da parede dos 
ureteres por conta do acúmulo de urina, que causa o estímulo do plexo nervoso gerando 
a contração. Vale ressaltar, que os ureteres possuem muita inervação, de modo que a 
ocorrência de cálculos renais causa muita dor no paciente. 
A urina desemboca dos ureteres na bexiga e se acumula no colo vesical. O depósito de 
urina gera o estiramento do músculo detrusor da bexiga, o que acarreta no estímulo dos 
receptores sensoriais de estiramento, estes conduzem o impulso até os nervos pélvicos, 
que respondem com contrações de micção. 
Conforme a bexiga enche, estas contrações se tornam mais frequentes, estimulando a 
abertura do esfíncter externo. Caso os músculos vesicais se contraiam excessivamente, 
pode ocorrer a abertura do esfíncter, independente do controle voluntário do indivíduo, 
levando à micção. 
Agora, abordaremos mais detalhadamente a formação da urina no néfron. 
 
FORMAÇÃO DA URINA 
A concentração de diferentes substâncias na urina depende de três fatores importantes: 
Intensidade da filtração glomerular; Intensidade da reabsorção de substâncias; Taxa de 
secreção de substâncias do sangue nos túbulos renais. 
Na etapa de filtração glomerular, o plasma sanguíneo é filtrado para a cápsula de Bowman 
com todas as substâncias exceto as proteínas, de modo que o plasma na cápsula possui 
constituição semelhante ao plasma do sangue. Assim, para cada substância neste plasma 
sanguíneo são aplicados os 3 fatores para decidir sua concentração final na excreção. 
A filtração de fato ocorre para a maior parte das substâncias, contudo, a reabsorção varia 
conforme a importância do composto para o organismo. Ureia, creatinina, ácido úrico e 
fármacos possuem uma taxa de reabsorção muito baixa; enquanto eletrólitos, água e íons 
são bastante reabsorvidos. A secreção atua quantitativamente menos do que a reabsorção, 
sua função é basicamente de liberar íons potássio e hidrogênio na excreta. 
Como dito anteriormente, na filtração glomerular o plasma é filtrado sem a presença de 
suas proteínas. Isto ocorre porque a membrana capilar do glomérulo é constituída por 3 
camadas: o endotélio capilar, com as fenestras que permitem a passagem livre de 
substâncias; a membrana basal, que é constituída de colágeno e fibras proteoglicanas, 
permitindo a passagem de água e solutos, mas bloqueando a passagem de moléculas 
maiores como as proteínas; e os podócitos que criam fendas de filtração para também 
impedir a passagem de proteínas plasmáticas. 
Além disso, as barreiras de filtração glomerular possuem alta carga negativa, o que 
diminui a filtração de moléculas com carga negativa, mas aumenta a filtração das com 
carga positiva. 
Mas quais fatores influenciam na filtração glomerular? Para isto temos que elaborar uma 
simples fórmula, em que a filtração glomerular (FG) é determinada pela pressão efetiva 
de filtração e o coeficiente de filtração capilar glomerular (Kf) na seguinte relação: 
FG = Kf X Pressão líquida de filtração 
A pressão de filtração por sua vez é o somatório das forças atuantes. São elas: a pressão 
hidrostática nos capilares glomerulares (PG); a pressão hidrostática na cápsula de 
Bowman (PB); a pressão das proteínas plasmáticas (G) dentro do capilar; e a pressão das 
proteínas na cápsula de Bowman (B). 
É sabido que a pressão hidrostática nos capilares e a pressão das proteínas na cápsula de 
Bowman favorecem a filtração, enquanto a pressão hidrostática na cápsula de Bowman e 
das proteínas no capilar se opõem à filtração. 
Assim temos a fórmula como: 
FG = Kf X (PG + B – PB - G) 
Estas 4 pressões já possuem valores conhecidos. As duas forças favoráveis, PG e B, 
possuem valores de 60 e 0 respectivamente. Enquanto, as forças que se opõem, PB e G, 
são de 18 e 32, todos valores em mmHg. 
Algumas patologias podem levar ao aumento ou a redução da filtração glomerular. Por 
exemplo: a formação de cálculos renais reduz a filtração, enquanto o aumento da pressão 
arterial pode aumentar a filtração. 
Não somente isso, a constrição de arteríolas aferentes reduz a FG. Por outro lado, a 
constrição leve das arteríolas eferente eleva a FG, porém, uma constrição grave pode 
também reduzir a FG. 
Ao mesmo tempo, temos o controle fisiológico do organismo deste sistema de filtração. 
A ativação do sistema nervoso simpático pode gerar a constrição das arteríolas renais, 
diminuindo o fluxo sanguíneo e, consequentemente, a filtração glomerular. 
Os hormônios também podem atuar na FG. A norepinefrina, epinefrina e a endotelina 
causam a vasoconstrição, o que diminui o poder de filtração no glomérulo. Já a 
angiotensina II mantém estáveis os níveis de filtração, impedindo sua redução. Em 
contrapartida, o óxido nítrico, prostaglandinas e bradicininas provocam a vasodilatação 
renal e aumento da FG. 
Em aspectos intrínsecos, temos a autorregulação da FG. Ela serve basicamente para 
manter a filtração constante mesmo com níveis alterados de pressão arterial por conta de 
repouso ou exercício físico, evitando a excreção excessiva de líquido corpóreo. 
O mecanismo desta autorregulação ocorre por meio do feedback tubuloglomerular. Neste 
processo participam as células da mácula densa, que formam o complexo justaglomerular, 
localizado nos túbulos distais. Estas células são sensíveis à concentração de sódio, deste 
modo, caso a filtração glomerular estejabaixa, poucos íons sódio chegam até as células 
da mácula densa. Tal situação provoca o estímulo do complexo justaglomerular, que 
reduz a resistência ao fluxo sanguíneo, aumentando a FG. Paralelo a isto, as células 
justaglomerulares secretam a renina, que gera a contração leve das arteríolas eferentes, o 
que leva ao aumento da pressão hidrostática glomerular. 
Outro mecanismo é a autorregulação miogênica. É sabido que o aumento da pressão 
arterial leva ao aumento do fluxo sanguíneo. Este fluxo estira as arteríolas aferentes no 
glomérulo renal, o que leva a contração da musculatura lisa do vaso e consequente 
estabilização da FG. 
REABSORÇÃO E SECREÇÃO 
A reabsorção é muito expressiva no organismo. Calcula-se que na filtração remove-se 
180 litros de água da corrente sanguínea, porém a maior parte deste valor é reabsorvido 
nos túbulos, de modo que cerca de 1,5 litros apenas são secretados na forma de urina. 
Além da reabsorção de água, ocorre a reabsorção quase que completa de glicose e 
aminoácidos. Outros íons como sódio, cloreto e bicarbonato são reabsorvidos conforme 
as necessidades do organismo. Já a ureia e a creatinina, como já dito antes, quase não são 
reabsorvidas. 
O mecanismo básico consiste em as substâncias serem transportadas através das 
membranas epiteliais tubulares para o líquido intersticial renal, posteriormente, passarem 
para os capilares peritubulares e retornarem para o sangue. 
Cada substância é reabsorvida de uma maneira diferente, podendo ocorrer por osmose, 
difusão ou ação de transportadores. A mais complexas destas substâncias é o sódio, íon 
que é reabsorvido principalmente nos túbulos próximas. 
Inicialmente, o sódio é transportado para o capilar peritubular por meio da bomba sódio-
potássio ATPase nas células epiteliais tubulares. Esta bomba libera o sódio no capilar ao 
mesmo tempo que captura o potássio do capilar e libera no interior da célula epitelial. 
A ação desta bomba cria um gradiente químico, em que o interior da célula epitelial fica 
cheio de potássio. Tal gradiente permite que o sódio, que se encontra no líquido filtrado 
pelos glomérulos e corre nos túbulos proximais, passe por difusão para dentro da célula 
epitelial, dessa vá para a ATPase e caia na corrente sanguínea. 
Como o sódio entra na célula epitelial de maneira difusa, é gerada energia que atua em 
outros transportadores para a reabsorção de glicose e aminoácidos, em um mecanismo de 
cotransporte. O sódio e a glicose entram dentro da célula epitelial por um mesmo 
transportador, a glicose segue para o transportador GLUT, que a libera no capilar 
peritubular, enquanto o sódio atua na ATPase como dito anteriormente. 
Outra forma é o cotransportador de aminoácidos e sódio. Os aminoácidos que entram na 
célula epitelial atravessam por difusão para o capilar sanguíneo, enquanto o sódio vai para 
a ATPase. Em um outro exemplo, temos a entrada de sódio na célula epitelial e a liberação 
de íons H+ no lúmen do túbulo distal dessa vez por contratransportador. 
Vale ressaltar que o transporte de substâncias possui um valor máximo, isto ocorre 
quando as enzimas e transportadores envolvidos na reabsorção encontram-se todos 
ocupados. Assim, em condições normais, toda glicose é reabsorvida nos túbulos, porém 
em casos de uma dieta excessiva em glicose ou em situações de diabetes, a glicose 
excedente não é reabsorvida e sim liberada na urina. Contudo, algumas substâncias como 
o sódio, que utilizam da difusão e não de transportadores, são reabsorvidas livremente 
nas células epiteliais. 
Conforme estes solutos são transportados para o capilar sanguíneo, é criado uma diferença 
de concentração entre capilar e túbulo proximal, que causa a osmose da água em direção 
ao capilar sanguíneo. A água ao sofrer osmose carrega junto com ela alguns solutos em 
um processo denominado “arrasto de solvente”, em que são reabsorvidos íons como 
sódio, cloreto, potássio, cálcio e magnésio. 
Outro íon que é reabsorvido por difusão passiva é o cloreto. A entrada de sódio, de carga 
positiva, cria um gradiente elétrico que atrai os íons cloretos para dentro da célula 
epitelial. Paralelo a isto, a osmose da água aumenta as concentrações de cloreto no lúmen 
do túbulo, causando a difusão para dentro da célula epitelial. 
Como podemos perceber, os túbulos proximais possuem alta capacidade para a 
reabsorção passiva e ativa, porém o mesmo não ocorre nas demais partes dos túbulos 
renais. Um exemplo são os túbulos distais e a alça de Henle, esta possui funcionalmente 
três partes: segmento descendente fino, ascendente fino e ascendente espesso. 
O segmento descendente fino é muito permeável à água e moderadamente permeável aos 
solutos, sendo responsável por difusão simples. Já o segmento ascendente espesso e fino 
são impermeáveis à água. Porém, a parte espessa é capaz de realizar transporte ativo de 
sódio, cloreto e potássio por mecanismos semelhantes aos túbulos proximais. 
No túbulo distal e coletor ocorre a reabsorção ativa de grande parte dos íons como 
potássio, cloreto, magnésio, sódio, cálcio e bicarbonato. Tal fato torna o líquido tubular 
menos concentrado em soluto, por isso esta parte recebe também o nome de “segmento 
diluidor”. 
A absorção de água nos túbulos distais é quase inexistente. Contudo, pela ação do 
hormônio antidiurético (ADH), os túbulos distais podem aumentar sua permeabilidade, 
absorvendo água junto com os íons. 
Com estas informações em mente, podemos prosseguir para os mecanismos de regulação 
da reabsorção tubular. Este sistema conta com um controle hormonal, nervoso e local, 
semelhante ao que ocorre com a filtração. 
A regulação mais simples se faz pelo balanço glomerulotubular, em que os túbulos 
aumentam a sua reabsorção por conta de um aumento da carga tubular, ou seja, quanto 
maior a FG, maior a reabsorção. Isto ocorre devido às forças físicas hidrostáticas e 
coloidosmótica (relativo às substâncias diluídas), semelhante à equação discutida para a 
FG. 
Mas o que pode alterar estas duas forças? Basicamente, a força hidrostática sofre 
interferência da pressão arterial e do grau de resistência das arteríolas aferentes e 
eferentes. Já a força coloidosmótica muda conforme a concentração proteica plasmática 
da corrente sanguínea sistêmica, em que uma alta desta substância no capilar favorece a 
reabsorção. 
Outro meio de regulação é por meio de hormônios. Entre os principais podemos citar: 
aldosterona; angiotensina II; hormônio antidiurético (ADH); hormônio da paratireoide; e 
o peptídeo natriurético atrial (ANP). 
O efeito da aldosterona é aumentar a reabsorção de sódio e estimular a secreção de 
potássio. Para isto, este hormônio atua nos túbulos coletores corticais, estimulando a ação 
da bomba sódio-potássio ATPase. 
A angiotensina II aumenta a reabsorção de sódio e água. Primeiramente, isto ocorre 
devido à angiotensina estimular a liberação de aldosterona, que aumenta a reabsorção de 
sódio. Outra ação é por meio da contração das arteríolas eferentes, o que reduz a pressão 
hidrostática dentro dos capilares peritubulares. Além disso, a angiotensina também 
estimula a bomba de sódio-potássio ATPase, o trocador sódio-hidrogênio e o cotransporte 
de sódio e bicarbonato. 
Já o ADH aumenta a reabsorção de água. O motivo está em sua ação no epitélio do túbulo 
distal, túbulo coletor e ducto coletor, em que este hormônio estimula a ativação das 
aquaporinas, que permitem a passagem livre de água. 
Em contrapartida, o ANP diminui a reabsorção de sódio e água pelos túbulos renais. Sua 
ação está relacionada à inibição da secreção de renina, o que impede a formação de 
angiotensina II e, consequentemente, reduz a reabsorção tubular. 
O paratormônio aumenta a reabsorção decálcio nos túbulos distais. Além disso, sabe-se 
que ele também inibe a reabsorção de fosfato e estimula a reabsorção de magnésio. 
Por último nesta sessão, o sistema nervoso simpático é responsável por aumentar a 
reabsorção de sódio no túbulo proximal e no ramo ascendente espesso da alça de Henle. 
Além disso, as fibras simpáticas aumentam a liberação de renina e contraem as arteríolas 
renais, o que reduz a FG.

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