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Ensaio - Circularidade Cultural (Carlo Ginzburg)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE TOCANTIS/CAMETÁ (ABAITETUBA) 
FACULDADE DE HISTÓRIA DA AMAZÔNIA TOCANTINA - FACHTO
 
RAYANNE CORRÊA CABRAL
CIRCULARIDADE CULTURAL
 ABAETETUBA/PA
2015
RAYANNE CORRÊA CABRAL
CIRCULARIDADE CULTURAL
Ensaio apresentado à Universidade Federal do Pará-UFPA como pré-requisito avaliativo da disciplina Tópicos de História e Cultura ministrada pelo prof. Tunai Rehm.
ABAETETUBA/PA
2015
A “circularidade cultural” é um conceito muito bem utilizado por vários pesquisadores quando é associado às diferenças culturais no sentido de apropriação e transformação social. Por esta razão é que este presente ensaio objetivou tratar da temática circularidade cultural, tento como referência a visão do autor, historiador e antropólogo italiano Carlo Ginzburg (1939), o qual traz em sua obra “O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição” (1987) e uma análise crítica sobre a circularidade.
Nesse contexto, Ginzburg enfatiza essa questão baseando-se no que foi abordado por Mikhail Bakhtin (1895-1975), onde ele enfatiza, a circularidade como “[...] influxo recíproco entre cultura subalterna e cultura hegemônica, particularmente intenso na primeira metade do século XVI” (GINZBURG, 1987, p.15), isto é, trocas similares entre duas diferentes classes sociais.
Para tanto na obra “O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição” o autor fala sobre Menocchio, moleiro de uma pequena aldeia, que havia sido processado pela inquisição. Ao ser interrogado os presentes viam dificuldade em analisar o que o moleiro dizia, pois mesmo com um precário alfabetizado, ele continha ideias surpreendentes, diferentemente da grande maioria da camada popular do século XVI, o que chamou a atenção de Ginzburg “[...] era exatamente uma cultura oral, camponesa e irredutível à cultura erudita, baseada em um universo de experiências compartilhadas pelo moleiro e o mundo camponês no qual Scandella havia crescido e vivia que fecundava sua leitura original [...]” (LIMA, 2010, p.19). Ou seja, de acordo com a hipótese do autor, o moleiro passou por um processo de transformação continua de ambas as culturas populares e eruditas.
Logo, a circularidade pode ser entendida como uma forma de troca de valores entre duas culturas diferentes. Cuja uma pessoa de uma determinada classe dominante, que tem sua uma cultura pertencente, procure conhecer e apropriar-se de características culturais de outro individuo de classe inferior, diferente da sua, pelo fato de gostar, se aventurar, ou relacionar a algo de sua importância. Possibilitando assim, uma nova visão de mundo, sem abandonar seus antigos valores culturais, mas permitindo a entrada de novos. O outro individuo por sua vez procura fazer o mesmo e conhecer a cultura do outro, assim por diante. A partir disso, é enfatizada uma troca de conhecimentos de duas pessoas diferentes, onde estará sendo transmitida mutuamente, de forma circular, surgindo assim o nome “circularidade cultural”.
O que talvez possa esclarecer a dificuldade dos inquisidores para designar o que o moleiro da obra de Ginzburg dizia, provavelmente ele teria compartilhado suas experiências de sua forma de vida com outras classes eruditas que passaram a ser desenvolvidas e apropriadas para ele. Ganhando assim, novas características e ideias. 
É interessante analisar que a circularidade cultural está envolvida em vários âmbitos de contextos históricos e sociais, não somente retratada como um mero acontecimento. Sendo, a apropriação da capoeira africana para as classes designadas eruditas, após a abolição da escravatura em 1888, um exemplo dessas inter-relações entre duas camadas culturais. Outro exemplo de circularidade cultural, agora proposto no dia-a-dia habitual é o compartilhamento da literatura, arte e a música clássica, antes redigida a um só público considerada o mais intelectual, agora fornecida para o restante do povo. Dessa forma, Ginzburg retrata a circularidade, de forma bastante abrangente, associando a musicais, hábitos, valores, entre outros elementos oriundos e de várias singularidades culturais. 
	Contudo, há uma ampla problemática desse assunto que é importante notar sobre a circularidade, é o fato que ela só pode ser visada quando ambas as culturas subalternas e eruditas são fragmentadas por relações de convívio social e comunicação. Por isso, é necessário que essas estejam associadas à mesma linguagem para se estabelecer essa relação de interesses. O convívio direto entre as duas classes deve ser fragmentado pelo cotidiano, em função a sua socialização entre estas culturas, que deve ser imposta para que ocorra o interesse pelo outro. Além disso, a circularidade cultural pode estabelecer vertentes de uma cultura à outra, pois ambas são diferentes no sentido de classe, mas pode ser associada a alguma característica de sua própria cultura que compare com a outra, de forma similar, mas não igual. De forma, que proporcione uma curiosidade e instigação. 
Ginzburg analisa essa questão ressaltando Bakhtin e seu livro fundamental sobre as relações entre Rabelais e a cultura popular de seu tempo, o qual enfatiza o carnaval “[...] mito e rito no qual conflui a exaltação da fertilidade e da abundância, a inversão brincalhona de todos os valores hierarquias constituída, o sentido cósmico do fluir destruidor e regenerador do tempo [...]” (GINZBURG, 1987, p.15). De acordo com Bakhtin, esse acontecimento elaborado na idade média pelas camadas populares, ligado à exaltação e ao caráter cômico popular e a seriedade da classe dominante, foi estabelecido não somente por uma divisão de características, mas uma circularidade mútua de união entre a cultura subalterna e a cultura hegemônica.
 Ginzburg cita que o termo cultura é utilizado “[...] para definir o conjunto de atitudes, crenças, códigos de comportamentos próprios das classes subalternas num certo período histórico [...]” (GINZBURG, 1987, p 12). Nesse sentido, um exemplo claro é a questão dos índios no Brasil, mas necessariamente os seus costumes, que foram enquadrados e devidamente apropriados nos séculos atuais, por ventura do contexto de colonização no século XVI, no qual os colonos buscaram conhecer suas práticas culturais. Através disso, foram proporcionados futuramente aspectos culturais presentes no território brasileiro, tais como hábito de andar descansos, dormir em “redes”, as lendas e os folclores, a culinária indígena e ervas medicinais, que são características do povo indígena do Brasil. Alguns índios por sua vez, também herdaram aspectos de Portugal, ou foram submetidos a herdar, como a religião.
Nesse caso, o que foi mencionado à cima, foi a respeito de uma troca recíproca, ou seja, uma circularidade cultural? É importante perceber que a troca deve ser exercida espontaneamente. Nesse aspecto, se os índios buscassem a religião cristã, por interesse sem abandonar seus valores seria uma troca. Contudo, não era sempre assim, na obra “A heresia dos índios” de Ronaldo Vainfas fala sobre “[...] rebelião milenarista indígena, conhecida como Santidade [...] Ela surgiu na década de 1580, em Jaguaripe, ao sul do recôncavo baiano, como já disse, e provocou a maior rebelião indígena ocorrida no Brasil português do primeiro século. Era liderado por um índio chamado Antônio, nome de batismo dado pelos jesuítas no tempo em que Antônio viveu num aldeamento de Ilhéus, onde aprendeu rudimentos da fé católica, antes de fugir dali. Cerca de 1584, o grupo de indígenas liderado por Antônio estava já organizado nos "sertões" de Jaguaripe e estimulava fugas e revoltas em toda a capitania. Muitos engenhos foram saqueados ou incendiados, como o do Conde de Linhares, e algumas missões foram abandonadas. Inúmeros portugueses foram aprisionados e mortos, o que está registrado inclusive em correspondência do Governador Geral Manuel Teles Barreto, então ocupante do cargo[...]” (VAINFAS,1995). Nessa obra, retrata também a questão dos índios criticarem os padres e os sacramentos por eles ministrados, alegando que tinham sua verdadeira fé, os quais estes fizeram uma intepretação da religião que os jesuítas pregavam de forma diferenciada. O que passou a ser perseguido pelo Santo Oficio de Lisboa pela “falsa” idolatrias indígenas. 
Se formos analisar em relações os costumes que os brasileiros herdaram dos índios, foi uma adequação por interesse, já a religião em relação aos índios, foi imposta a eles. Logo não ocorreu uma circularidade cultural entre ambas as partes. Entretanto se algum índio buscou a fé cristã por vontade própria, é provável que seja classificada como circularidade.
Diante dos fatos mencionados é visto que uma breve reflexão sobre esse termo abrangente que é circularidade cultural, tendo como base algumas citações do historiador italiano Carlo Ginzburg para a construção de uma análise crítica pessoal. Entre a inter-relação de duas culturas que se envolvem em forma circular, trocando interesses e aspectos culturais, que só pode ser submetido com a comunicação e o convívio social dessas classes. Por isso, é necessário que elas falem a mesma língua, ou aprenderem a falar para ter uma maior interação e se conhecerem. Para assim, se apropriarem de suas características e apresentarem as suas, fornecendo dessa forma, uma troca que possibilitará em uma circularidade futuramente. Através disso, tanto as interações sociais como o conhecimento de diversas culturas irão promover uma visão de mundo mais esclarecedora e intelectual para a atualidade e as futuras gerações. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GINZBURG, Carlo. IN___O queijo e os vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Cia das Letras, 1987.
LIMA, Henrique Espada. “Carlo Ginzburg”. IN: LOPES, Marcos Antônio & MUNHOZ, Sidnei J [Orgs.]. Historiadores de Nosso Tempo. São Paulo, Alameda, 2010.
VAINFAS, Ronaldo. IN___A heresia dos índios. São Paulo, COMPANHIA DAS LETRAS, 1995.

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