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A CRIANÇA E A QUESTÃO DA MORTE

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A CRIANÇA E A QUESTÃO DA MORTE
 A morte é tão difícil 
		 para o adulto quanto 
		para a criança. Não se 
		deve encobrir a 
		realidade da morte sob 
		histórias fantasiosas 
		que em nada ajudam na 
		elaboração da mesma 
		por parte da criança. 
 
 Atualmente é difícil para a criança compreender a morte 			como algo natural, pois não lhe é dado o direito de poder conviver com ela dentro de sua própria família. 
Segundo Ariés (1977), a família foi destituída 
	de seu papel como principal responsável 
	pelo cuidado da saúde de seus membros, 
		em favor da instituição hospitalar, 
		que passou a assumir essa função.
Segundo Domingues:
 "O sentimento de morte para a criança não surge apenas quando ela ocorre de fato, mas em diferentes situações de vida que configuram perdas ou frustração de expectativas, como o brinquedo quebrado ou perdido, a perna imobilizada, o bichinho de estimação que fugiu, 
 a briga com o melhor amigo, 
 a mudança de lar ou a separação dos 
 pais, entre outros."
As investigações sobre a compreensão da morte pela criança, se iniciaram com o trabalho pioneiro de Schilder e Wechsler (1934), prosseguiram com os estudos de Nagy (1959), começaram a crescer na década de 60, e se intensificaram nas décadas de 70 e 80, chegando atualmente a fornecer uma ampla gama de informações sobre este tópico. A pesquisa de Nagy (1959) representa o ponto de partida para examinar como as crianças conceituam a morte.
Para a criança, a morte é não apenas um desafio cognitivo, mas 				também um desafio afetivo (Torres, 1999). Nas fases iniciais do desenvolvimento as crianças frequentemente pensam sobre a morte como reversível e não acreditam na inevitabilidade da morte. A aquisição dos três componentes 
básicos do conceito de morte– 
irreversibilidade, não-funcionalidade e 
universalidade – ocorre em torno dos 7 
anos. (Speece & Brent, 1984). 
Universalidade: compreensão de que todos os seres vivos (plantas, 					bichos e pessoas), sem exceção, um dia, morrerão. Ou seja, a morte é um evento inevitável. 
Não funcionalidade: compreender que, na morte, todas as funções vitais cessam: a pessoa não respira, não se mexe, não pensa, não sente absolutamente nada. No corpo, nada mais funciona. 
Irreversibilidade: capacidade de perceber que quem morre, não volta mais. A morte não é temporária. Não se morre só um pouquinho. Não existe uma mágica que faça a pessoa “desmorrer”. (Kovács, 1992; Nunes et al., 1998; Schonfeld, 1996; Torres, 1999; Velasquez-Cordero, 1996).
Torres (1999) fez um estudo sobre a aquisição do conceito de morte pelas crianças, de acordo com os estágios estabelecidos por Jean Piaget (1987, 1996): 
Período Sensório-motor: crianças de 0 a 2 anos (antes da aquisição da linguagem):
— O conceito de morte não existe. 
— A morte é percebida como ausência e falta. 
— A morte corresponde à experiência do dormir e acordar: percepção do ser e não ser. 
2. Período Pré-operacional: crianças de 3 a 5 anos:
 — Compreendem a morte como um fenômeno temporário e reversível. Não entendem como uma ausência sem retorno. 
— Atribuem vida à morte, ou seja, não separam a vida da morte. Não distinguem os seres animados dos inanimados. Entendem a morte ligada à imobilidade. 
— Apresentam pensamento mágico e egocêntrico. São autorreferentes, e, para elas, tudo é possível. 
— Compreendem a linguagem de modo literal/concreto.
3. Período Operacional: crianças de 6 a 9 anos:
			— Apresentam uma organização em relação a espaço e tempo. 
— Distinguem melhor os seres animados dos inanimados. 
— Entendem a oposição entre a vida e a morte, compreendendo a morte como um processo definitivo e permanente. Compreendem a irreversibilidade da morte. 
— Há uma diminuição do pensamento mágico, predominando o pensamento concreto. 
— Ainda não são capazes de explicar adequadamente as causas da morte. 
— Conseguem apreender o conceito de morte em sua totalidade: em relação à não funcionalidade, à irreversibilidade e à inevitabilidade da morte.
 4. Período de Operações Formais: crianças de 10 anos até a adolescência:
— O conceito de morte, devido ao pensamento formal, torna-se mais abstrato. Já compreendem a morte como inevitável e universal, irreversível e pessoal. 
 — As explicações são de ordem natural, fisiológica e teológica
Vários outros autores também descrevem a compreensão infantil da 	morte, 			baseando-se no desenvolvimento cognitivo da criança, a partir da teoria piagetiana (Bromberg, 1997; Grollman, 1990; Kovács, 1992, 2003; Nunes et al., 1998; Priszkulnik, 1992; Velasquez-Cordero, 1996). 
Torres (1999), assim como Bowden (1993), falam que a aquisição do conceito de morte pelas crianças não está somente correlacionada à idade. Depende também de aspectos social, psicológico, intelectual e da experiência de vida. Portanto, pode-se afirmar que a criança percebe a morte de forma diferente do adulto, de acordo com faixa etária e condições cognitivas. 
As crianças geralmente aprendem sua resposta à perda com os 	adultos da família:
- Podem ficar assustadas ou inseguras, porque sentem a tristeza e o estresse dos adultos e se sentem impotentes para ajudar. Precisam de mais amor, apoio e estrutura em sua rotina diária.
- Quando alguém morre as crianças geralmente ficam com medo de morrer e de que outras pessoas morram.
- Precisam de uma explicação adequada sobre a causa da morte, com o uso de termos corretos como morte e morrer. Deve-se evitar associações de expressões como ir embora, dormir ou doença à morte.
- As crianças têm pensamento mágico e podem acreditar que seu comportamento ou pensamentos podem causar ou reverter a morte.
- Não devem ser excluídas da vivência do luto dos adultos, elas precisam aprender a lidar com perdas e tristezas.
- Devem ser ajudadas a expressar seus sentimentos;
- Importante ter crenças religiosas. Elas podem ficar com medo ou ressentidas com um Deus que leva alguém amado e necessário
Na adolescência, a capacidade cognitiva é semelhante à do adulto:
	Compreende os aspectos de irreversibilidade, não funcionalidade e universalidade da morte, tornando-a um evento mais real. 
Etapa de descobertas sobre si mesmo e sobre o mundo, construção de uma identidade pessoal (Kovács, 2002). Por se caracterizar como a porta para a liberdade, é uma fase em que ocorre grande número de mortes inesperadas devido a acidentes e a comportamentos de alto risco. 
A sensação de liberdade leva ao sentimento onipotente, e envolvimento em situações ameaçadoras, sem perceber risco para a saúde ou de morte precoce. Embora exista o domínio cognitivo sobre o fenômeno da morte em seus elementos constitutivos, a consciência sobre sua universalidade parece não ter ainda se estabelecido nessa etapa do desenvolvimento. (Kovács, 2003a; Rodriguez & Kovács, 2005).
LUTO.
 Para ajudar a criança no processo de luto é necessário: 
1. Promover comunicação aberta e segura dentro da família, informando a criança sobre o que aconteceu. 
 2. Garantir que terá o tempo necessário para elaborar o luto. 
3. Disponibilizar um ouvinte compreensivo toda vez que sentir saudade, tristeza, culpa e raiva. 
4. Assegurar que continuará tendo proteção (Torres, 1999). 
 
Worden (1998) cita quatro pontos fundamentais do luto: 
 1. Aceitar a realidade da perda — as crianças devem crer que a pessoa está morta e não voltará. Para tanto, devem ser adequadamente informadas sobre a morte numa linguagem apropriada à sua idade. 
2. As crianças devem reconhecer e trabalhar com a variedade de emoções associadas à morte. (Os sentimentos da criança incluem tristeza, raiva, culpa, ansiedade e depressão. Se esses sentimentos não forem encarados, serão manifestados de outras formas como sintomas psicossomáticos ou desajuste de comportamento.) 
3. Ajustar o ambiente agora sem a presença da pessoa que morreu. 
4. Recolocar a pessoa morta dentro da vida pessoal e encontrar caminhos para lembrar
essa pessoa. 
Velasquez-Cordero (1996) enumera dez maneiras de ajudar a criança no enfrentamento da perda e do luto: 
Encorajar a criança a expressar seus sentimentos. 
2. Responder às perguntas com sinceridade e expressar suas emoções honestamente. 
3. Discutir a morte de forma que a criança possa entender. 
4. Falar com a criança de acordo com seu nível de desenvolvimento. 
5. Ser paciente. Permitir que a criança repita a mesma pergunta, expondo sua confusão e seu medo. 
6. Não criar expectativas. 
 7. Sugerir caminhos para que a criança possa lembrar-se da pessoa (desenho, cartas...). 
8. Aceitar os sentimentos, percepções e reações da criança, bem como diferenças de opiniões, dúvidas e questões. 
9. Indicar serviços especializados, se for necessário. 
10. Preparar a criança para continuar sua vida. Reforçar que ela se sentirá melhor depois de um tempo (lembrando que esse tempo é diferente para cada um). 
 Não há como evitar a dor de uma perda para a 			criança, o importante para a saúde psíquica, é 				que se possa atribuir sentido ao que se 								vivencia. A morte remete à perda. 								Quando uma criança encontra-se 									hospitalizada com uma doença terminal, 						vive intensas situações de perda, de 							"morte". 
Mas é quando a criança adoece gravemente que o confronto com a morte ocorre de uma forma mais direta. Nesse caso, além do medo da morte, que representa o desconhecido e que, por si só, provoca angústia e sofrimento, ela teme o sofrimento causado pelo tratamento e pelas separações frequentes das pessoas da família, quando a hospitalização é necessária. Receia ser esquecida por ela e pelo seu grupo social, o que não deixa de representar uma forma de morte (Torres, 1999; Kovács, 1992).
Uma outra linha de investigação se refere ao impacto que a tendência suicida possa ter na aquisição do conceito de morte. 
As crianças que tentam suicídio têm conceitos de morte “distorcidos”, ou “imaturos”, tais como a morte como processo reversível, mais do que as crianças não suicidas. 
Shaffer e Fisher (1981) consideram 
que a crença na reversibilidade 
pode contribuir para o comportamento 
suicida. 
O impacto que a doença crônica grave e/ou terminal tem sobre o conceito da criança sobre a morte foi pesquisada em observações clínicas e no relato das equipes que atendem a estas crianças. Para Raimbault (1977/1979) e Bluebond-Langner (1978), no que diz respeito à experiência da terminalidade, não há qualquer dúvida de que a criança sabe que vai morrer. 
É, provavelmente, o conhecimento de sua finitude que leva as crianças terminais a se referirem mais frequentemente ao temor da morte e da ameaça à integridade do corpo do que as crianças não terminais. 
Os autores dizem que a criança terminal tem um crescente sentimento de separação psicológica em relação ao hospital, pessoas e circunstâncias. Da mesma forma, os resultados da investigação de Brewster (1982) apontam para a importância da maturação dos processos cognitivos na compreensão da doença, e na concepção da morte como parte da doença.
Percepção das crianças:
 1) Perdas frente à hospitalização. 
As perdas experimentadas pela criança ao ser hospitalizada: 
afastamento da família, dos amigos e do ambiente familiar 
alteração da sua rotina de vida diária.
2) Percepção da hospitalização como uma nova situação de vida, interferindo na rotina de vida. 
A hospitalização obriga a criança a enfrentar uma nova situação e a adaptar-se a ela. 
Representa uma situação de estresse, mas, por outro lado, também pode ser uma nova possibilidade de aprendizado. 
A equipe de enfermagem tem papel importante no sentido de auxiliar esta criança internada 
a passar por essa experiência de maneira menos traumática. 
Tem papel importante no cuidado com a família.
A MELHOR DEFINIÇÃO DE SAUDADE (Dr. Rogério Brandão, Médico oncologista).
“Como médico cancerologista, já calejado com longos 29 anos de atuação profissional (...) posso afirmar que cresci e modifiquei-me com os dramas vivenciados pelos meus pacientes...
Não conhecemos nossa verdadeira dimensão até que, pegos pela adversidade, descobrimos que somos capazes de ir muito mais além...
Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como profissional... Comecei a frequentar a enfermaria infantil e apaixonei-me pela oncopediatria.
Vivenciei os dramas dos meus pacientes, crianças vítimas inocentes do câncer. Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento das crianças.
Até o dia em que um anjo passou por mim! Meu anjo veio na forma de uma criança já com 11 anos, calejada por dois longos anos de tratamentos diversos, manipulações, injeções e todos os desconfortos trazidos pelos programas de químicos e radioterapias
Mas nunca vi o pequeno anjo fraquejar. Vi-a chorar muitas 		vezes; também vi medo em seus olhinhos; porém, isso é humano!
Um dia, cheguei ao hospital cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto. Perguntei pela mãe. A resposta que recebi, ainda hoje, não consigo contar sem vivenciar profunda emoção.
— Tio, — disse-me ela — às vezes minha mãe sai do quarto para chorar escondido nos corredores... Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com muita saudade. Mas, eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta vida!
Indaguei:
— E o que a morte representa para você, minha querida?
— Olha tio, quando a gente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e, no outro dia, acordamos em nossa própria cama, não é? (Lembrei das minhas filhas, na época crianças de 6 e 2 anos, com elas, eu procedia exatamente assim.)
— É isso mesmo.
— Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!
Fiquei "entupigaitado",(mudo, confuso) não sabia o que dizer. Chocado com a maturidade com que o sofrimento acelerou, a visão e a espiritualidade daquela criança.
— E minha mãe vai ficar com saudades — emendou ela.
Emocionado, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei:
— E o que saudade significa para você, minha querida?
— Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um a dar uma definição melhor, mais direta e simples para a palavra saudade: é o amor que fica!
Meu anjinho já se foi, há longos anos. Mas, deixou-me uma grande lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores.
Quando a noite chega, se o céu está limpo e vejo uma estrela, chamo pelo "meu anjo", que brilha e resplandece no céu. Imagino ser ela uma fulgurante estrela em sua nova e eterna casa.
Obrigado anjinho, pela vida bonita que teve, pelas lições que me ensinaste, pela ajuda que me deste. Que bom que existe saudade! 
O amor que ficou é eterno".

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