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. . 6 u "1 rl^Ng w/-r Sjí^^^N ^ OMUNDODOLIVRO L. da Trindads, 11 - 1 3 T t l . 2 9951 - LISBOA PRINCÍPIOS DO DESENHO T I R A D O S D O GRANDE LIVRO DOS PINTORES, o u DA ARTE DA PINTURA, DE GERARDO LA1RESSE, TRADUZIDOS DO FRANCEZ PARA BENEFICIO DOS GRAVADORES DO AnCO DO CEGO , DE O R D E M , E DEBAIXO DOS AUSPÍCIOS D X S U A A L T E Z A R E A L O PRÍNCIPE REGENTE N. S. L I S B O A , * WA TYPOGRAPHIA CHAECOGRAPHICA , TTPOPLASi TICA , E UTTEIIAR1A DO ARCO D© CEGO. M. DCCCX. S E N H O R . O Tèr sido incumbido em norhe de V. A. R. dá criação do novo corpo de Gravadores do Ar- co do Cego, cujo humero nó breve período d' hum ãnno chegou a vinte e quatro, me fez conhe- cer que sahiaõ das Aulas de Desenho, estabe- lecidas pelo Augusto Avô de V~. A., que Santa ihèmoria haja, unicamente com alguma prática ãe Copiar, mas nenhuma dos princípios, e/h que esta se deveria estabelecer, menos da no- ticia histórica dos hêróès , que se fizeraô cele- bres nesta sublime profissão, náò só para se animarem com calor a imitàllos, mas também para chegarem, a oecupar hum dia no templo da immortalidade hum assento a pàr dos mais sublimes Mestres. Assim debaixo dáprotecçaõ de V A. R. vemos ir no seu encalço a Freitas, Costa , Silva, Eloi, fianna , e outros , ten- do somente por Mestres o seu gênio, e ta- lento Por este motivo, SENHOR para que fos- se omnimoda a minha obediência às Soberanas intenções de -V*. A* M, the resolvi a traduzir, * 2 e efazer traduzir, e imprimir tudo, quanto se tem escripto a este respeito , deixando aos meus po- bres adidacticos a escolha das doutrinas, que devem seguir, dos modelos, que devem imi- tar. Pobres, SENHOR, chamo ; porque , sem outra despeza mais que a do seu jornal, pro- curaõ , no seio de sua própria pátria , fazerem- *se illustres na sua profissão , ao contrario pois dos que viajaõ, afim de aprenderem , que ave- sados com o gosto daquelle leite, que fora dos seus lares os alimentou , nunca lhe perdem o amor, eficaõ, esquecidos da sua arte, sendo gra*- vosos ao Estado. O Exame dará a prova He com o maior respeito De V. A. R. Humilde Vassallo Fr. José Mariano Velloso. VI P R E F A Ç A O DO TRADUCTOR FRANCEZ. v_/ TALENTO superior que Lairesse mos- trou em todas as partes da Pintura , e as bellezas admiráveis de todos os gêneros, que caracterisaõ a maior parte de seos çliefes-d^bras , faráõ eternamente precio- so o conhecimento dos principios da arte que tinha adoptado para s i , e os proces- sos , que empregou para a elevar a hum sublime gráo de perfeição ; o que fez dizer a hum homem de gênio e de gos- to , cujo juizo naô pode ser equivoco, que » o grande livro dos Pintores de haires- » se , de tanto soccorro aos aprendizes, lhe JO mereceo o titulo de Bemleitor das artes » que seus trabalhos illustraraõ» (1 ) pelo que esta obra foi traduzida em muitas lin- guas , e obteve o seu author o reconheci- mento , e elogios de todos os artistas , -e A de ( i ) Gessner , Carta sobre a Paisagem. 11 de todos os verdadeiros conhecedores que souberaõ apreciálla- Com effeito ninguém talvez profun- dou melhor , que Lairesse todas as par- tes da pintura; ninguém ajuntou liuraa theoria mais bella e mais sublime á prin- cípios melhores e mais sólidos; e ninguém, ao menos , desenvolve©, a meu ver, d*hum modo mais luminoso , nem mais sinceíá— mente os segredos de sua arte. Alguns •pintores T ria verdade , indicarão o que era «preciso fazer-se , porém nenhum, como o *rrosso author , ensinou o como- ' Nascido com huma paixão incorrtpre- •hensivel pela pintura , dotado d'hum £e— nio ao mesmo1 tempo profundo, e poéti- co , como'tambern: dlhum espirito agrada- Tel e nutrido pela leitura dos melhores- authores classipos, e d%um corih-ecimen— to singular da historia e da fábula, Lai- resse inventavacom-admiravel facilidade; e sem possuir a mesma correeçaõ de de- senho que Poussin,. mereceo igualmente ser comparado á este celebre artista (1 ) , tanto por seu grande modo de compor , como por .sua att-eiiçaõ escrupulosa. em observar as -regra-s da historia , e o costu- me ( i ) Dpo-sellie o nome de Poussin Hollandez ,, titulo ú» qual se fez quasi sempre digno. n* me do* povo^awtígos;- Sw*s eom-posições* saÔK ricas, embdèesajdaeb de tudo , quanto» perkwiuse o objecto, seito*que* nisso-liajá na- da, supérfluo; ou iinútil . Ahií se descobre ei<y primeiro, goljpe de vista as principies figuras- distinxítas' de todas as outras , que naô saõ mais- que aceessoidas: E cada fi- gura tem ar e aceao próprias a caracteri-** sar a paixão actual de sua alma ; de -sorte que reconheceo sem equivoco , o Deos, ou Heróe que elle representou-. Conheceo muito bem tanto a anima- ção'e expressão que resultaõ do meio ca- minho da acoaõ-, que indica naô somente o que temi precedido , como o que deve seguir do movimento que faz a figura. Sá- bio , engenhoso , e claro >em sua nllegoria ,l as fez mui bellas e nobres. Tractou a ar~ chitectura como grande mestre , e homem, que tinha continuamente debaixo dos o- lhos os-monumentos de Athenas e de Ro- ma. A perspectiva linetír lhe era familiar, e via-se pelas suas pinturas , á que ponto possuio a mágica da perspectiva aeria e visual , sobre a qual dá idéas novas em' seus escriptos. O lançado de seus panos , sempre i feliz-, era no gosto dos grandes» mestres da Italia>. Os apanhados saõ sirn- ples, largos , amplos , e provaô que elle1 ."I ' A 2 co- IT conhecia o efíeito do peso especifico dos estofos, como também sua rigidez, ou sua flexibilidade natural. A licaô da sua obra nos fará conhecer também os princípios» que prescrito se tinha sobre o colorido ; principies que se achaô confirmados pelos toques firmes, e delicados de seu pincel r como pela belleza e veracidade de sua cor.. Era igualmente hábil em representar todas as qualidades de metaes, e de már- mores , e sobre tudo era taõ excellente em pintar o baixo relevo de mármore branco, de maneira , que chegava a enganar a vis-* ta mais perspicaz,. como se pôde conven*- cer por alguns fragmentos deste gênero r q.ue existem em Amsterdaõ r talento que deve sem duvida- ao estudo particular , que tinha feito da natureza e da qualidade das> cores, como da vantagem que hum pin- cel hábil pode tirar. Em mima palavra ,. naô, ha alguma parte da arte,. sobFe que elle naô tivesse adquirido conhecimentos profundos por longas meditações e huma-. ma practiea ardente e continuada ;. estes conhecimentos , torno a dizer , elle os. çommunicou ,, e expoz com huma clareza e, espécie de bondade r que fazem igual- mente honra á seu espirito e á seu cora- eaõx Haô Naô he.pois sem algum fundamento, a meu ver , que • nos lisongeamos que se. verá com gosto apparecer a traduceaõ, que o desejo de ser útil me fez dar , do gran- de livro dos Pintores de Lairesse, taõ digno, em quanto a m i m , de se achar entre as mãos dos novos artistas , e dos que se abrasaõ do desejo de levar a sua arte a maior perfeição ; e esta mesma vista de u» tilidade he , a que me determinou a naô perverter a ordem , que o author deu a sua obra , nem o modo , com que exprime as 3uas idéas , as quais nos Emitamos a dar com fidelidade e clareza. A única liberda- de, que nos permittimos, foi ommittir mui- tas comparações , muitas vezes longas e sempre inúteis á a r te , que o author naõ aventurou sem duvida , se naõ com a vista de procurar algum alivio ao espirito de seu leitor. Talvez se desejaria que nós ti- véssemos igualmente ommittido alguns es-. boços, que Lairesse traça dos quadros, que emprega para fazer comprehender me- lhor seus principios ; porém nos persua- dimos que da extensão,que estas direcções. daô á obra, e a inutilidade , de que pode- rão parecer á huma certa classe de Jeito- tores, achar-se-ha naõ menos , depois de hum exame reílectido, próprios para fa- zer: fl %er conhecer a-fsaIJeckrffida do a-uthor., e o Éttodo,ei?ge!alioso- e 'skiuplesv com,que i a s iíiculcar seu» preceitos, em todas as partes- da arte , pQekao-^-ós^por aíssim dizer , em» ©bra nestes, quaídros* Pensamos <pois que era necessário conseffvaífosi. todos* precisa*-» meí i te , ^ccto^rtoantáo-nos- ao amorna., de Platlaõ, que Lairesse cita em sua prefa- çaõ: » Que naô' deve haver pejo de dizen » duas vezes a mesma cousa , sendo ditar -» comi acerto; » Nós pusemos^ no princi- oipioi áfr G-rande Livro dos Pintores, ò© •pminoiprios do dèswiJzo do mesmo author v de quem tinha áppareeido lmma traducçaô á- muito teiavpo , e que naô temos feito se- não t rever -sebre a-secunda edicaô Mollaa-rt cfèza ,i« de• sorte-que apparecia por addic:-' çaô de duas lições , e algumas passagens* qaiè se naô - eiieontraõ na primeira. Lan- cemos! agora >hum golpe de vistax sobre a \4da-. do nosso artista. <! Gera rd- de Lairesse, nascido em Lie-' ge?em 1640 , era filho de Reinier de Lai- resse , bom pintor no<servico do Prínci- pe de Liege , para o qual trabalhava cora. Bartholet, cujo estilló era mais agrâda»- vel e a côr naáis macia; nb mais eraô i- guae& emj merecimento ( 1 ). - .1 :t; Pa*- (í^.Poder-se-ha apreciar o talento de Bartholet pelo ar- 7m Parece increríoiç-«eô -pai 4 e I^a-iresse, •©a Baiuholet tivesse sido seu primeiro •mestre; porém lie de crer que aproveir tasse no principio aftliçõeSide am,bos, e que pelo tempo a diante, o$ estudos de Bartho- íetlna antigüidade, e nas ruínas de Roma» seta compêndio das melhores estampas de Pousin , e de ítedre-Teàlre•- acabassem •de f©raiar, o gosto, e o estükvdo mancebo l-aireisse , que consultou mais 'que tudo muito bem as gravuras de Teste , como se pósle ver em seuis primeiros desenhos. •GO J^epois destes* primeiros -es-tudos ,. Lai- resse. deixou mia pátria * onde Ot&íitfna-YaQ pouco, e se •passOus!para~Utrèch;; port'm ' naõ se achou mais felis , pois se vio redu- zido , pelo ultimo recursoií a pintar paija**» ventos , e bandeiras ; quando ,hu-m de seus vizinhos (D aconselhou o enviar duas de suas Obras a Vilemburg famoso merca- dor de quadros em Am&terdaô, que sou- be com ;ef<feito apreciar o seu talento , e que ««brigado, pelas instâncias de Joaõ VanPeé^ e de Gribber, que entaõ era o seu pintor , se transportou no mesmo, dia rebatamento do Proffa Elias, r-im j-*»pr-*st»nKM* no 7irnfwi<* dos Carmelitas d«sc«Irn<: *•«. Paris; p. r i.-urrn »ãnr.im> fios k " 2"f. W vè n a < ; ' ' r , i s t i i ' * d ° s g^ndps / g . stinhos , e po» Hum fceuo. teclo nos jardins reaea Thuileiies. Vríl dia/para Utrechra biís-Câr~Lairesse, parâ lhe trabalhar era Amsterdáõ. Na manháa se- guinte a sua chegada a esta Cidade Laires- rèsse subiô a ôfficina de Vilemburg, onde foi o theatro, em que se lhe apresentou hum pârino,' lápis , e huma palheta. De- pois de estar por algum tempo immovel, emudo 1 diante do cavale t e , puxou o nosso artista debaixo de seu capote huma rebe- ca , a qual tocou , e depois debuxou a pas- sagem - do Menino Jesus i em o presépio ; depois disso tornou a tomar a rebeca e to- cou, pegou de novo em os pincéis e aca- bou ao primeiro > talhe , em duas horas , a Cabeça do Menino ; rda Virgem, de S. Jo- sé , e do Boi, d?hum modo taõ bello, que eneheo 'd'admiraçaõ á todos os especta- dores pela 'facilidade e graça de' sua obra. Lairesse fez no espaço de dous mezes grande numero de quadros para Vilem- burg , que os vendeo bem caros, o que deu reputação ao nosso artista ^ que se a- proveitou disto, para os vender com© seus próprios, e tirar hum partido mais Vanta- joso de seu talento. *'*< Seria penoso escrever-se , e crer-se tu- do , quanto foi capaz de executar em hum tempo taô breve ; porque , além de muitos, grandes tectos , que pintou , encheu os quar- IX quartos e gabinetes com seus quadros ; deixou também huma prodigiosa quanti- dade de desenhos a lápis, e aguarellados; sem fallar em suas gravuras a água forte, que Visscher compillou em huma obra completa in folio , cuja maior parte de objectos saô da maõ de Lairesse; de sorte que , se naõ tivesse sido taõ grande pintor, seria celebre por suas gravuras, que saõ trabalhadas d'hum modo grande , espirituo- so, agradável, e fácil. Hum. exemplo de sua grande facilidade tornará verosimil t udo , o que acabamos de dizer. Apostou pintar em hum dia , sobre hum grande panno, Apollo , e as Musas no Parnaso , e o conse- guio a final. Pretende-se, de mais a mais , que Apollo fosse hum retrato semelhante a Bartholomeo Abba , seu amigo , que o veio ver ao meio dia. Em 1690, na idade de 5o annos, foi Lairesse tocado da cegueira , o que se attribue á huma grande applicaçaô da gra- vura á água forte , e á candèa , como o dá a entender elle mesmo. Porém á pesar desta desgraça conservou sempre hum fundo d'alegria , como se verá pela leitu- ra de suas obras; e ainda que tivesse muitas vezes momentos de tristeza , buscava des- truilla, tomando a flauta, ou a rebeca , què B * to- tocava muito bem; e unia á musica rmitt gosto decidido pela poesia, que cultivou também com algum sucesso; o que deu occasiaô a hum poeta Hollandez, de di- zer a seu respeito• « Elle pinta em poesia , e descreve na » pintura. » Porém o que sobre tudo o consolou , foi o amor , que lhe restou , a huma a r t e , que elle tinha adorado , e sobre a qual se satis- fazia em conversar com seus amigos, aos quaes designava hum dia na semana, para virem ouvillo ; de modo que era , na ex- pressão do traduetor Alemaò dos seus Prin- cípios de Desenho „ o centro d'hum circu- lo d'artisías,. aos quaes commiuiicava suas luzes. E quando se despediaõ traçava com greda sobre hum grande panno suas idéas, que fazia copiar por hum de seus filhos -> e que a sociedade das artes de A msterdaô fez depois imprimir debaixo da revisão do mesmo Lairesse.. Depois de ter assim completa a sua útil carreira, morreo Lairesse de idade de 71 autios em Amsterdaõ , e foi enterrado pela sociedade das artes desta Cidade a 28 de Julho de 1711 ; naõ tendo , de que se ceusurrasse , senaõ da grandissima pro- pensão para o amor e prazer, que produ- zi- XI Eiraõ a desgraça ée sua mocidade , e que o deixarão sem reciuso, quando a priva- ção de sua vista naô lhe permittio mais restabelecer sua fortuna. He espantoso que M. Descamps pre- tenda, que se naõ possa accrescentar nada aos elogios que Lairesse deu ás produc- ções de Glauber, de quem Lairesse naõ disse huma so palavra 'em sua obra ; porém he , seíh duvida, mais de admirar , que o nosso artista guardasse este profundo silencio a respeito de hum amigo, que se hospedava com elle, que presidia ás confe- rências acadêmicas, que se fazia em sua casa , cujas encantadoras paisagens elle eucheu, á muito tempo , com suas figuras elegantes. Lairesse tinha três irmãos , Ernesto que era o mais velho, Jacques, e Joaõ seus irmàos menores. Ernesto se distin- guio felizmente pela pintura de todos as qualidades de animaes , de que compoa em tempera hum grosso compêndio, no principio do qual estava o seu retrato, e que elle vendeo ao Príncipe de Liege, que o enviou á sua custa a Roma. Morreo em Bonna, de idade de 40 annos. Jacques que era irmaõ o posterior do nosso artista , excedia em pintar aflores, e B 2 oc- xn occupou-se também de figuras em pedra , ou camafeus , porém com menos felici- dade. fss& Joaõ , o mais moço dos irmãos , .appli- cou-se, como Ernesto , a pintar animaes ; porém naõ teve o mesmo talento que ellev Deixou Lairesse três filhos, dos quaes o mais velho , chamado André , applicou- se ao negocio e commercio, e morreo nas índias , os outros dous, Abraham, e Joaõ , exercitarão a pintura igualmente, como sèu tio Jacques, de quem se fallou com elogio* Naõ daremos aqui o catalogo dos qua- dros conhecidos de Lairesse ; porém dire- mos taõ> somente alguma cousa das gran- des obras deste artista, que naõ saô sujei- tas a mudar de lugar. ! Ve-sC em Liege , na Igreja de Santa Ursula, a penitencia de Santo Agostinho, e seu Baptismo;,N saô dous; grandes qua- dros. O Martírio de Santa Ursula, na Igre- ja deste nome , em Aix-la-chapelle. O salaô do Castello de Soesdyk , em Hollanda. O antigo theatro de Amsterdaõ, qxie se queimou a alguns annos, era também, obra dellew Hou- xrn Houbraxen deu , nas Vidas dos Pintores Hollandezes, huma ampla des- cripçaô das obras em baixo relevo, que Lairesse fez, para adornar a casa de M. de Flines , em Amsterdaô , e que bastariaõ Í)ara immortalisar o nosso artista pelo bel-o gênio , grande conhecimento , e rique- za da composição allegoríca, que alli se encontra. X? P R E F A C Ç A O D O A U T H O R , ARECEUA' sem dúvida singular, que hum lio^ mem cego ouse publicar huma obra , escri- ta por si mesmo sobre huma arte taô difílcil, ©orno he a pintura , e se pensará que elle te - ria algum poderoso motivo, que o determi- nasse a huma igual empreza ; no que se naô en- ganarão. O amor , que sempre tive á minha arte , € o desejo de ser útil aos novos artistas , me em- penharão a tomar este t rabalho; tanto mais por- que os escritores , que até ao presente tractarad da pintura , se entregarão antes em tecer hum pomposo elogio desta arte , e dos que a pratica- r ã o , do que em traçar os princípios solido» para adquirilla , e para levalla aográo de perfeição , a que pôde chegar. De outra p-irte , o desgraçado- es t ado , a que me vejo reduzido, me tem violen- tado a buscar meios deoceupar utilmente o meu espirito. Tenho pois lugar de esperar qualquer indulgência sobre a pouca ordem e m e t h o d o . q u e reinaó nesta obra , que tenho composto poffrag. mei i to9, occupnndo me ja de huma par te , e ja da outra , segundo me permitte a situação de mi- nha alma , e sem que tivesse sonhado no princi- pio publicnr as idéas , que longas meditações, e huma prática de muitos aaaioü me íizeraõ nasce* so. XVI sobre huma a r t e , que tem formado o encanto da minha vida. Porém movido depois pelas solicita- ções dos meus amigos , que faziaõ gosto de vir conversar comigo sobre os princípios, que eu me tinha formado, compuz hum corpo d'o- bra , na esperança de que pudessem servir d'al- guin soccorro aos discípulos. Esta em preza era difíicil sem duvida , e merecia muita circumspec- çaô da minha parte ; tanto mais que eu me recor- dava sem cessar dos trabalhos que tenho tido em executalla, d 'hum modo digno d ' a r t e , e que sa- t isfaça por mim mesmo as idéas , que meu espi- rito tinha concebido. Com tudo o gosto de satisfizer á pergunta dos pintores dos Paizes Baixos, que muitas vezes me iizeraõ a honra de tomar por juiz em suas ques- tões sobre a a r t e , ainda que naô fosse digno , me fez vencer todo o t e m o r , e toda a diíhcul- dade. Naô se. pense por fim, que pretendo que as regras, que proponho , bastem para conduzir ao artista á perfeição; eu naô as d o u , pelo contra- rio , senaô como simples ensayos próprios para recordar suas idéas ; da mesma sorte que eu me lembro que huma massa de neve , e hum carvaõ de fogo me tem feito ver muitas vezes cousas , que certamente naõ existem -nem em huma, nem em outra , e que sei bem que o menor indicio basta algumas vezes , á hum espirito bem organi- zado , para fazer rápidos progressos , como nos ensina a historia da vida de muitos celebres ar- tistas. Se tenho dilatado mais sobre numas par tes , do que outras , he por que hurrias me parecem me- recer mais attençaõ , ou exigir serem mais bem. discutidas, por causa das difficiddades , que offe- recem ; e que , quando se me leraõ as provas pa- ra a impressão desta obra , achei que naô tinha ex- XVII explicado assás claramente as minhas idéas , e que por conseguinte era necessário desenvolvei- las melhor , conformando-me ao sentimento de Plataõ : Non enim tcedet bis dicere, quod benc dicitur. Com facilidade se perceberá q u e , estabelecen- do os meus princípios sobre a p in tura , tenho proposto fazer conhecer a sua util idade; que de- pois produzi as provas dos defeitos, que resultaô de naõ os observar, e que , ao mesmo t empo , in- diquei os meios de os remediar ; para que por este methodo se aprenda a conhecer as bellezas da arte , e seus recursos , como também o erro daquelles, que pretendem submettella a idéas ar- bitrarias. Talvez se me accusará de prescrever regras , que naõ tenho eu mesmo observado em •minhas obras ; eu me convencerei bellamente desta verdade. Porém he necessário contem- plar-se, que , no estado da cegueira , em que me acho actualmente , a minha memória he melhor e o meu espirito mais tranquillo e mais reflecti- d o ; e q u e , por conseguinte, posso ajuizar mais saàmente do bem das cousas , do que no t e m p o , em que o goso da vista permittia entregar-me com ardor á prática da minha arte. Se se encontrar que algumas estampas desta obra naô tem toda a perfeição que se deseja , posso segurar que este defeito, que he assás or- dinário , naõ se me deve attribuir ; porque tenho Ítrocurado, quanto estava da minha parte , que òssem bem executadas. He preciso também , que eu anticipe ao leitor que as duas estampas , que servem de representar as proporções do corpo do homem , e da mulher , foraõ absolutamente mal reduzidas pelo gravador. Quanto aos erros e fal- t a s , que podem terescapado em o texto , naõ pos- so culpar absolutamente senaõ a mim mesmo. C PRIN? • f , . l 4 . • -.».. .*•*..*-• - # : PRINCÍPIOS LO DESENHO, O L M E T H O D O B R E T - P E F Á C I L jPARA APRENDER ESTA ARTE EM POUCO TEMPO. Advertência necessária para intelligencia deste tractado. ODO o mundo conhece , que hum toucado agradável ajuda ;:o enfeite d'huma bella flziono- mia, e que hum estillo corrente tem grandes en- cantos para fazer gostar d'hum escrito. Com tu- do naõ he a minha intenção empregar aqui ter- mos exquisitos , nem fnllar destes successos ex- traordinários, taô conhecidos dos historiadora, para representar diffusamente , aos que amaõ o desenho , a excellencia , a utilidade , e o poder det>ta arte. Naõ tenho em vista senaô a ins t rue - çaó dos meus lei tores, por ser o único alvo , que eu me proponho. E i s - rqu i , o que tem causado a incerteza, etn que á muito tempo tenho presis* tido sobre a forma , que daria á esta obra , para poder ser útil e agradável ao le i tor ; e para po- der elle mesmo tirar o maior fructo possível.Pen- sei dever seguir o exemplo dos mais hábeis es- critores do nosso século . que tractaraõ taô dig- namente o mesmo objecto, ainda que deixassem no esquecimento certas cousas muito ú te i s ; po- rém noõ deve isto causar admiração ;,porque es- ta arte he iaô vasta , que naô ae poderia jamais C 2 pos- ® 2 ® possuilla com perfeição, nem também fazer con- ceber toda sua extensão. Pareceria talvez estra- nho que , convencido desta verdade , tenha eu mesmo ousado expor-me á huma igual empreza. Porém,animado sempre pelo espirito da pintura, julguei que o mais seguro meio de repellir meus desgostos no estado infeliz da cegueira , em que me «cho , era executar o melhor , que me fosse possível, e conforme o fraco alcance de"meu es- pirito , o plano , que tinha traçado, quando goma- va ainda da vista. Naõ he que me naõ recorde o ter já havido muitos escritores , que tractaraõ a mesma matéria , servindo unicamentepara isso de termos differentes, ainda que a fundo n a õ t e - nhaõ feito mais do que copiarem-se huns aos ou- tros; o quê sem duvida me embaraçaria dar á luz este Tractado , senaõ esperasse apresentar algu- ma cousa de novo. A pezar disto, naõ duvido que muita gente me achará culpado daquiHo mesmo, que reprehendo nos outros/porém me consolarei facilmente;porque o Ceo me tem feito a graça de esforçar-me para vencer os maiores trabaihos. A perda só da minha vista parecia formar hum suf- i c i en te obstáculo , e roubar-me toda a esperan- ça de chegar ao fim do meu desígnio ; porém , penetrado das bellezas da minha ai te , vou ten- tar o impossível, e encarregar-me c\a fazer meus conhecimentos ú te i s , aos que a amaó. He tam- bém preciso que eu dé as graças a Deos , de que tocado de meu triste estado , elle tem illumina- do os olhos do meu entendimento , fortificado minha memória , e conduzido minha ma d. Po - rém , quando se lembrassem de criticar-me , ou por causa da simplicidade de meu estillo , ou de algumas pequenas individuaçôes,em as qn^es jul- guei dever en t ra r , e que se trate a minha o b r a por fogo de cr iança, nada me embaraçarão, com tan- d 3 $ tanto que este jogo , todo puer i l , como lhes pa- rece , seja utií áquelles , á quem se destina. D e mais disso,penso que hum rnodo simples de se enunciar produzirá mais effeito do que hum estillo florido , que seria aqui inú t i l , e nenhuma impressão faria sobre o espirito da mocidade. Naõ he pois corno orador , o que já disse , que me mostro ao Publico ; porém como hum ho- m e m , q u e , encantado de sua a r t e , a tem tra- çado sobre o panno d'hum modo claro e intellí- givel para todo o mundo , e de donde meu filho á tem trasladado paia consagialla á todos,os que amaò o desenho. Ainda que eu naõ dè aqui se- não os primeiros princípios , para uso da moci- dade , naõ ha alguém, á qnem este livro naô pos- sa servir de grande utilidade , para chegar ao co- nhecimento de iodas as bellas artes ; taes , como a pintura , architectura , gravura , escultura , a- grimensura, e t c , que se naõ podem aprender se- não com o lápis na maõ. Além disso , fiz. annexar aqui estampas com todas as figuras necessárias , para ajudar a mocidade aproveitar-se melhor d. s minhas idéas , e naõ tenho deixado passar cousa alguma a este respeito , de tudo quanto lhe po- de 6er útil. Só a inveja pois he que pode achar aqui alguma cousa que cri t icar; porem ella se tem feito conhecer á tanto tempo, que eu naõ receio os seus ataques. Eu me lisongeo mesmo que seus talhos os mais vivos se enfraquecerão contra o escudo, que lhes opponho, quero dizer, a minha insensibiiid de. Deim is , se meus leito- res querem tomar o trabalho decorrei com tençaõ , e do principio ao fim , este pequeno es- crito,eu naõ duvido que achem nelle muito mais, do que naõ parecia prometter-lhes no principio. Em fim , se este Tractado lhes agradar, eu me confessarei obrigado a dar-lhes logo outro para o adiantamento da pintura. p'n i JST c i t i o s D O D E S E N H O, O V MEIO BREVE E FÁCIL PARA APRENDER ESTA ARTE PELOS ELEjttENTOS.jDE GEOMETRIA. J L / O mesmo modo que o alphabeto ou conheci- meuto das letras serve de introducçaõ á gramma-j- t i c a , tampem a geometria he o primeiro passo , que nos conduz ao^ d e s e n h o , ao qualsenaõ'pp4"? chegar bem sem ella , bem como a outra, qual- quer arte ou a outra qualquer sciencia.. Com ef- feito he pela geometria , e por meio dos traços ou das linhas , que nos aprendemos a conhecer, a. longitude e latitude dos corpos; o que he recto ©u cu r vo , o que he, hocisontal, perpendicular ou oblíquo-, o que he . redondo, oval , quadrajjo, hexagono , octogono , arqueado ,concavp, oucon* vexo ; em huma palavra todas as figuras e todas as formas imagináveis. E como naõ existe algum corpo , que naõ tenha alguma destas formas, he necessário começarmos por instruir nisto aos ra- pazes , que querem applicar-se ao desenho, e in- da mesmo empregallos n i sso , até que esrejaô heni penetrados. Se eu tivesse muitos filhos , naô quereria que algum delles se applicasse a huma a r t e , ou sciencia, menos que soubesse bem l e r , ® o g> e e s c r e v e r ; iqúererfet tamoesaf,' se w pudesse , que* aprendessem hum pouco déTatim y e-pare* rece-me que, na idade de dez ou doze a n n o s , teriaõ coíthe>e4míeháo --bííPtaiwelpaía -fcpplicar-se entaõ á qualquer arte ou sciencia. Eu ponho de mais dez annos para -amadurecer o espir i to , e dar voo ao gênio , o que nos conduz a vinte e dous angíòs. ff\fa ap«esc*e|itorjnai*r--dez>p«"a r e - g u l a r a *e«fcollfcá. o igijjiei^devMai^IjueVje quer seguir; o que faz trinta e dous. Tomemos outros dez annos , para chegar aíperfeiçaõ , ou na theo- r i a , ou na prática, «o que completa quarenta e «ie-us annos. -Desta -idade até aos cincóéntá , é dahi p o r ' d i a n t e , ' se -Já-sechecar , -jhe o tempo próprio para adquirir hum grande n o m e , e con-* solidar a sua fortuna. r~-~ Assim he 'qúe r êú divido a vida Trjbe-hum pin- tor. Com tudo o Ceo dispõem á sua vontade : huns aVançaõ mais na cawei ía , 'e^outros prosegue*n •"mtfís tardoV; ainda <feíé! -deò-ut/ra sorte o trabaih» h è inútil ,"qttando fok-à.Ògenio : obsque ingenio^ laborinutilis.íLm. -fim, â'-experiência noa' ensins* -que o m e i o ' mais seguro de ter successo feüfc n o desenho , he sujei tar-ste á elle debaixo d« totom ltóbil "íiiesrtr-e; applicando^se "á elle com cui- dado , e donétaneia ; o q ü é , em 'todas as scien* c ias , he o melhor m e i o ' d e ;se'tornarem, fáceis as^cotosas mais difficeis;, L I - % 7 & %: - ' — w . •• — M L i ç A ò L J L Á R A dar a hum alumno sólido fundamen-: to da Arte do D e s e n h o , e conduzillo ao que nella ha de mais part icularidade, deve o mes- tre romper pelo trabalho de começar pelos prin- cípios mais simples , e presistir nisso, até que elles fiquem bem impressos na memória do m e - nino ; porque sem isso he impossível que faça algum progresso , bem longe de chegar á per-: feiçaô. Os primeiros elementos do Desenho con- sistem pois em fazer diversos traços , ou linhas differentemente lançadas ; isto he o que se pó-i de olhar como o alfabeto da geometria. . Exemplo, Expomos aqui no principio aos olhos dos «Juninos hum ponto notado na Est. I . , Fig. i . ; depois huma linha perpendicular 2 ; duas linhas oblíquas 3 ; huma linha horizontal 4» duas li- nhas curvas 5 ; e huma linha mixta 6. Os alumnos devem começar , formando- se huma idéa exacta de todas estas linhas ; o que lhes naõ será difficil; porque vem todos os dias a figura em os objectos , que se apresen-, taô á seus olhos. Porém , como naõ he preciso que se li- mi t tem á theoria desta arte , e devaõ forcejar, para adquirir a prática ; o mesmo mestre pôde traçar estas linhas sobre huma pedra , e ensi- nar-lhes á imitallas com hum ponteiro. Nenhu- ma duvida ha, que elles aprpveitariaõ, depois do ensino de três ou quatro d ias ; p o r é m , faltan-; D dor 6 8 6 do-Ihes ainda alguma -eousa á-este-^e-speito, se> rá fácil ao mestre mostrar-lhes, de que modo devem pegar no lápis ou no p o n t e i r o , e como o devem t e r , para formar estes traços de hum mòdó elegante, edesembaraçado. Porque, acos- tumando-sé -tÜscipuios no principio á- hum máò niethodo , se faz mais difficil corregillos ao de - po i s , do que fazellos tomar hum bom no princi- pio. Fe i to isto ,'-' pôde o mestre passar a novas Lições , e a novos exemplo*. O mestre , que tiver -dous aprendizes , qua* $i <$e hum mesmo tempo , poderá desde já co- nhec e r , por esta primeira L içaõ , taô s imples , corno parece^ a differença do ta lento, e do ge» Ã*0 de h u m , e do out ro ; porque muitas vezes ae^ntee-e- qwe, oípne brilhava mais no Collegio-, desempenhamenos;aqui. H u m , rtt»h dese-nibav" raçado que seu camarada r formará de repente seus traços com huma maõ expedi ta ; em quan- to o ou t ro , mais timido traçará os seus com k»mÁ ma»õ itídecisa e t remula, e , por conse- guin te , os deitará a perder. Esta difierençn d-é- • e , e-rrt gera l , ser attribuida á differente edu- c a ç ã o , que seda aos meninos. Por isso he ne-* cessado acostumallos desde logo áapp l i ca rem- 9ê á seus exercícios com toda a attençáõ pos- sível; recordando-se do preceito dhHoracio(Li*"*v lf'. Epist. z.) r Que hum vaso conserva muito t<po o cheira do. primeiro liquor, que se lhe iu- fundio. Pôr outra par te o mestre , que tem p ru - dência , deve observar atte-ntamente o h u m o r , é inclin-açao- dè seus discípulos , para eonduzil- k>s todos a seu alvo, indaque sejaõ de hum ca- racter diffèrercfce*.. Deve saber também , de que modo precisa portar-se-, para instruir a mocida- »fe com: s-uecesso , e accommoda-r-se á ineiina-- çra-õ>do genioi. D e r ^ 9 # Deve-se evitar tudo , quanto pode fazer qualquer obstáculo ao adiantamento dos discí- pulos , e ter em vista hum meio proporcional entre o relaxamento e a grande severidad-e, ain- da que a doçura h e sempre o .meio mais segu- ro. Toas palavras e modos honestos fazem infi-- nitamente mais impressão sobre a mocidade do que huma violenta, reprehensaõ , que he mais própria para o que tem a palmatória , do que para quem tem a palhpta , e o pincel , que de- vem ser manejados voluntar iamente, e c o m p r a r zer. Além disso , hum mestre naõ deve já mais deixar-se impacientar, quando também elle lie obrigado a voltar mais de huma vez sobre a mes- ma cousa; sobre t u d o , quando vé , que seus dis- cípulos fazem o mais que podem , para comv prehender suas l ições, e pollas em prática. Hec< j r toque os princípios saõ sempre mais custosos ao mestre ; porém recebe hum preço mais suave , quando vè que o discípulo faz constantemente novos progressos, , e promette distinguir-se algum dia. He preciso pois que sé- jiaõ enfade de repetir muitas vezes a mesma couw sa , porque a memór ia , e concepção da moci- dade saõ fracas , e del icadas, e a brevidade, servindp-me para isto do provérbio La t ino : B/evitas memoriae amica , lhe* he d e grande soccorro. D a L i - *@ IO # & - & — a c L I Ç A ò I I . H, Edeste modo, que nós corremos adian- te de tudo, o que pôde ajudar aos alumnos ; e que bem longe de suffocar este nobre ardor, que se vé luzir de mais a mais na mocidade, nos empregamos a conservalo ; porque muitas vezes acontece que bellos gênios venhaõ a per- der-se pela severidade, com que se trataõ. Ha outros muitos , aos quaes he inútil ter recebi- do da natureza hum gênio próprio para a pin- tura , porque , pela ignorância , dos que os ins- truem , elles o empregào mal, em vez de que , se tivessem hábeis mestres, teriaò sem duvida perfeitamente sido felices. Naõ se deve pois já mais forçar á hum ra- paz a aplicar-se á numa ar te , para a qual naô se sente com propensão; porque tudo, o que se faz por constrangimento, excita o desgosto. Bem se pôde ensaiar, na verdade , sua inclina-» çaõ a este respeito; porém , como hum bom cavallo naô tem necessidade de espora , da mesma sorte o gênio do discípulo naô deve sof- frer alguma violência. Cumpre pelo attractiv© do agrado estimular o natural, que de mais dis*§ so naõ quer ser opprimido. A arte da pintura, sobre tudo, requer , desde os primeiros prin» cipios, ainda que pareça desagradável, hum modo livre ; por isso he necessário ensinalla, para assim dizer, folgando. Naõ he necessário abraçar muitas cousas d'huma vez , nem accu- mular tudo junto, para evitar a confusão* Pro- segue-se com segurança , quando se marcha a Pequenos passos , em quanto correndo se arris- ca a tropeçar, e também cahir , e naô poder por -g. 11 *$ por muito tempo levantar-se. Para es teeffe i to , depois de ter ensinado a tirar huma linha r e c t a , oblíqua , transversal, curva ou mixta ( no que os alumnos procuraõ muitas vezes excederem- se huns a out ros , ainda sem conhecer a utili- dade ) ; hiremos pouco e pouco mais adiante ( embora pareça pueril este methodo ) introdu- zindo nos em suaconduc ta ; e fazendo-lhes ver, porque « cabaõ de aprender esta primeira liçaõ , a necessidade que ha de a saber bem. He preciso pois examinar com cuidado se estas linhas saõ , como devem se r ; para louvar os discípulos do que tiverem feito bem , mos- trando-lhes com doçura as faltas, que poderiaô ter commettido , e indicando-lhes o meio de as corrigir. Este methodo faz mais impressão so- bre os que começaô , do que os discursos mais estudados ; porque he preciso que façaõ entaõ mais uso de seus olhos do que de seu espirito. Isto os anima a seguir o exemplo de seu mes-í tre e a imitallo. Èlles se exercitarão depoi;- por si mesmos á tirar estas linhas , e a disputar en- tre si a quem as traçará d'hum modo que se chegue mais ao original. A segunda Liçaõ, que damos á nossos dis-i cipulos, parece defirir-se primeira , e naõ pa-: rece de maior conseqüência. Eis-aqui. Exemplo. A figura num. 7. da mesma Est. I. he hum circulo com hum ponto no cen t ro , num. 8. he hum quadrado com hum ponto no meio : num. 9. he huin triângulo igualmente com hum ponto no centro ; num. 10. offerece duas linhas per- pendiculares e parallelas ; num. 11. saõ duas linhas muito mais curtas , perpendiculares e pa-í ^ &B @ püratlelas; num. 12. saõ duas linhas mais com- pridas e fechadas, parallelas, e perpendiculares *, lium< i5 . apresenta duas linhas também curtas t o m o as do num. 11 , porém mais apartadas huma da outra , perpendiculares e parallelas; num. 14. he hum circulo com huma linha r e - cta , chamada diâmetro , que o atravessa pelo aneio ; num. i5 . he hum quadrado com huma linha perpendicular e huma horisontal que o separaõ igualmente pelo meio ; num. 16. he hum triângulo equilateral com huma linha perpendi- cular que o parte em dous , de alto abaixo , e huma linha horisontal , que a parte ao travez. As figuras que apresentamos aqui aos olhos <los alumnos , naõ lhes parecerão difficeis de imitar ; por estarem já exercitados em traçar li- nhas. Será naõ menos conveniente obrignlos 'a occuparem-se com cuidado , lisongeando-os •Com a esperança de lhes dar logo cousas mais agradáveis e mais essenciaes para fezer. L i - • »*5 & i$ •• & • D] L I Ç A õ I I I . 'EPOIS de ter feito conceber bem aos dis- cípulos , o que he hum circulo , hum triângulo, hum quadrado, de que se tem falado na Liçaô preceden te ; se lhes ensinará traçallos corre-: ctamente por meio do compasso e da r e g u a , de que o primeiro serve para formar círculos , « a outra para tirar todas as sortes de linhas rectas sejaõ perpendiculares, oblíquas , ou ho- risontaes ; promettendo algum prêmio, ao que fi- zer melhor. Depois , em lugar de pedra e pon- teiro , se servirão do lápis e pape l , e se haó de passar, ao mesmo tempo , a terceira Liçaõ. Dar-se-lhes-ha também aqui alguns novos exemplos , que tendem aos precedentes , e se lhes ensinará a medir com o compasso , para Saber, qual he a longitude , e largura, e alturas. Para este fim , se lhes ajilnta a medida , que he d'hum pé , notada por duas linhas transversa es ; Fig. 17. Est. I . , a que se segue, he hum te rço , e a terceira he hum quarto- Deve-se também ensinar-lhes os termos d ' a r te , que formaõ , pa-*. ra assim o dizer,, o seu alphabeto. Exemplo. Figura 17 Est. I . , h e , como acabamos d e dizer , a medi tia de hum pé ; num. 18 he hu- ma pedra quadrada de hum pé de largo e de dous pés d e a l t o ; mim. 19 he huma semelhan- te pedra estendida no comprido ; num. a o h e hum quadrado -dividido em três partes iguaes; num. 2*1 he humc m ulo^com seu dinmetro horifon»- t a l ; num. 22 h e hum triarigulo cem hun a Iw-r j i l iai •& »4 ® nhã tirada de cada hum de seus ângulos sobre hum de seus lados; os num. a3 , M > e ss5, saô também linhas parallelas, perpendiculares , ho-. r izontaes, e oblíquas. Se fará copiar esta liçaõ aos discípulos, do mesmo modo que a p receden te , lisongean-í do-os de occupallos logo com cousas mais es- senciaes. Hum mestre hábil naõ se limita a per- guntar-lhes , se comprehenderaõ bem os exem- plos , que se lhes de raõ ; porém os obriga atra- çallos de novo em sua presença ; porque acon- tece algumas vezes que o tenhaõ feito b e m , mais por acaso, do que pelas regras da arte. D e - pois de os achar desembaraçados acerca disso, passa a huma liçaõ mais importante. Deste mo- do he que elles formaõ huma justa idéa do con- torno , e da disposição , que devem ter todas as figuras, que se lhes apresentar. Comeffei to , as- sim como os que aprendem a l é r , se applicaõ no principio a conhecer bem as letras , depois a. pronunciallas , e em fim a l é r ; da mesma soi- l e devem s e r , os que se applicaõ ao Desenho ; porém naõ he preciso já mais tratallos d 'hum mo- do taô imperioso como affectaõ os mestres de es* colla , nem imprimir-lhes t emor ; para naõ exigir delles mais do que huma honesta , e racionavel differença. Deste modo hum discípulo novo , qr:e tem disposição, fará sensíveis progressos. Con- templará com prazer todos os objectos, que o c e r c a õ , e quando perceber que a na tu reza , e arte o favorecem , elle se animará , de dia em dia , e elevará o seu espirito a grandes cousas. Acontece o mesmo a respeito dos discípulos como aos meninos que aprendem a andar pe- la fita; porque póde-se dizer que os homens saô verdadeiros meninos , naquillo que naõ sa- b e m ; e osmancebos , bem instruídos, saõ ho - mens ® *5 & wiens feitos antes que tenhaõ tocado a idade vi- ril. Nós temos já feito deixar o compasso, e a regua a nossos discípulos, e os temos louvado de terem huma maõ firme em tudo , o que tra-. çaõ. Avancemos agora mais l onge , pondo-lhes diante dos olhos algumas figuras feitas com Arte» w *VT. -$ £ L i ç A õ IV. J _ / E I X F . M O S pois aqui a t e r r a , para ir vagar por hum espaçoso mar , onde os novos viajantes t e - ráõ grande necessidade de melhor piloto do que o era Palinuro , que surprendido do somno, ca-, hio nas ondas , e perdeo a vida; pürque o que naô tem bons princípios , será sempre hum máo imitador. He pois essencial que os discípulos tenhaõ hum hábil mes t r e , que lhes ensine os verdadeiros fundamentos da Arte e que se naô contente com elementos superficiaes; p o r q u e , com boas instrucções, pôde dar , em pouco tem- po , grandes luzes aos que saõ activos e diligen-, tes. Assim os Lacedemonios costumavaõ esco- lher hum dos mais illustres , e mais hábeis dè seus magistrados , para vigiar sobre a educação da mocidade do seu Pais. Porém hoje os bons mestres saõ taò raros , como os homens de bem. D e sorte que com razaõ se lastima , que quanti- dade de gênios ej.cellentes, nascidos com ta- lento , vem a ser máos Pintores , só pela razaõ de serem mal ins tn idos . He preciso convir em que a natureza tem muita força por si mesma , sem se lhe ajuntar a instrucçaô , e que esta he impotente sem o soccono da naturez-a ; porém pôde dizer-se que a natureza he cega , se a Ar- te lhe naô illumina os olhos. A natureza come- E ca ® 16 # ca a abrir seu fértil seio , e a apresentar-no* huma infinidade de cousas , das quaes mistura-j mos algumas com outras artificiaes, para an i - mar ao nosso novo alumno pela representação do que lhe he já conhecido ; porque sabe-se que os meninos se affeiçoaô com bem vontade a traçar objectos, que se representaõ diaria- mente á sua vis ta ; e assim he que a natureza imprime logo em seu espiri to, o que concorda com sua inclinação. Naõ menos confesso que estas saõ as menores obras da A r t e , e que h e infinitamente mais bello saber pintar o homem, a mais nobre das creaturas , do que todos os objetos da natureza morta. Com effeito, que pôde haver mais glorioso, e mais digno d 'Arte, do que representar hum ser animado de hum sopro divino , e que se pôde olhar como hum pequeno mundo , que nos apresenta , em sum- m a , todo o systema da creaçaõ? Por isso mes- mo haveria maior imprudência em lhe pormos a m a ô , e nos resultaria maior vergonha , do q u e teve Prometheu , quando roubou o fogo do Ceo, para animar o homem, que tinha formado á imi- tação do de Júpiter. Assim vamos continuar p e - las Cousas mais fáceis, para chegar , pouco a p o u c o , ás que saõ mais elevadas» Exemplo. A fig. 36 da Est. I. , mostra hum pote de água ; 27 huma janella; 28 hum copo de vi- n h o ; 29 hum a r c o ; 3o hum taboleiro de da- mas ; 5 i huma colher de pedre i ro ; 3a huma bacia de barba ; 33 hum coração ; 34 huma p á ; 55 hum t revo ; 36 hum losango; 37 huma lata d e chá ; 38 huma taça ; 5g huma maçàa ; 4o ÈiU-ma p e r a ; 41 duas cereijas; 4* hum pecego. Saô # 17 # Saô sem duvida, cousas communs 4 porém que saõ agradáveis de fazer á mocidade. Elias podem também servir , aos que tem o ^espirito formado, para entrar com mais franqueza no seu palácio da-natureza, e elevarem-se ás mais sublimes de- licadezas da Arte. Com effeito, ainda que esr tas figuras sejaõ, por assim dizer , sem corpos, e se reduzaò a linhas rectas , curvas , oblíquas, e tc . ; he de huma necessidaide absoluta o apren- dellas, porque se lhes achaõ todas as espécies de l inhas , e de formas ; e quando se &ahe tra- çar bem os contornos destas bagatellas , nada- ria a cujo fim senaõ possa chegar. Por exem- plo , a colher do pedreiro , fig. 3i , quasi naõ vem a ser outra cousa mais do que hum triân- gulo. O colo do pote d'agua , fig. 26 , he hum*i espécie de quadrado? o bojo he huma circum- ferencia, e o pé triangular. Porém quando se faz o bojo deste p o t e , primeiro se deve tirar o lado d i re i to ; depois o esquerdo , principiando sempre de cima para baixo. O mesmo digo dos lados do p é , que depois he preciso alinhar coni igualdade. Feito tudo isto , tirai huma linha per- pendicular pelo meio do pote , e vereis entaò se está mais grosso de hum lado do que do ou- t ro . Assim he necessário executar todas as cou-f sas segundo as regras da Arte , para que naõ falte nada. Deste mesmo modo se firmará, pou- co a pouco , a maõ, cujos traços ser io sempre desembaraçados em tudo , o que se desenhar , ou seja no esboço , pu ao depois de acabado ; em vez de q u e , desprezando-se estes princípios, naõ se fará mais do que trabalhar ao acaso,_e naõ se chegará nunca á e;x,actidaõ, nem á hum perfeito conhecimento da Arte. E a L i - ® ** «S K & •—w. L i ç A ô V . AnA chegar pois a este desembaraço de tra"*» ç o s , e á exact idaô, de que acabo de faílar, pro$ porei o exemplo seguinte» Exempla. AA da figura 43 da Est. I. notaõ duas li* ilhas rectas perpendiculares. BB duas linhas r e - s tas horisontaes.. CCcc quatro linhas oblíquas; Naõ se vé aqui no principio , senaõ l inhas, que já saô conhecidas pelo nosso discípulo ,. e que elle sabe traçar com justeza. P o r é m , em lugar de as chamar simplesmente duas linhas perpen- diculares, horisontaes, ou oblíquas , ensinallos- hemos a chamallas parallelas.. Todos os t raços da Arte devem ter seus nomes particulares, e isto he muito ú t i l , como adiante se verá. N a ô devemos pensar ,. senaõ em imprimir no dis- cípulo huma idéa exacta das cousas , a medi - da que nós as traçarmos, para que naõ obre ás cegas , e naõ abrace a sombra pelo corpo. Por isto naõ o accumularemos de hum montaõ de exemplos, que só servirão de embaraçal lo , em lugar de lhe serem úteis. Buscaremos na ver- dade , dar-lhe algumasvezes hum exemplo ou huma comparação;- porém será isto sempre de hum modo breve , preciso , e conveniente ao objecto, ao menos, quanto for possível. Porém quando estivermos mais adiantados, lhe apre- sentaremos figuras mais complicadas , segundo o que pedir o caso. Demais disso , he necessário advert i r , q u e a linha horisontal de cima se chama o horison- te , . fe »9 d t e , e o pequeno olho , q u e s e v é no meio , charf- ma-se aqui o ponto de vista. As duas l inhas, que sahem deste olho, e todas as mais , que se lhe poderem t i r a r , saõ raios visuaes. A linha hori* sontal debaixo he a linha, de terra. As duas l i - nhas , tiradas d'hum e d'outro lado do hor i sonte , 6e chamarão linhas de distancia. Assim damos a cada huma destas linhas o nome , que lhe con- vém , e que se devem imprimir bem na memó- ria. Também ha ali huma linha em travez, que se avizinha mais do horisonte do que da linha de terra , e se d iz , que he huma parallela ao hor isonte; em vez de que se estivesse mais che-* f ;ada a linha de t e r r a , se diria , que he paralle-* a á linha de terra. Agora, para recrear o espirito dos discí- pulos , se lhes pôde dar , de tempos em t e m - pos , para folhear, hum livro de estampas , ou de figuras desenhadas pelos mais sábios mestres. Esta vista excita na mocidade huma emulação toda particular. Porém he. necessário ver , q u e as estampas estejaõ em livro a parte , e as fi- guras desenhadas em outro ; porque estas duas qualidades de cousas saõ propostas aos discí- pulos em vistas differentes. As estampas ser* viraô pois para os divertir , ao mesmo t empo que recordaõ o seu espreito. Quando elles t em examinado huma , se enfastiaõ de hir a seguin- te , para ver , qual será a composição. Os nomes dos sábios mes t r e s , que as tem gravado, e q u e se lhes ensina , junto com os elogios , que se lhes d á , os.enchem d'hum novo a rdor ; sobre- t u d o , aos que as concideraõ com alguma a t ten- çaõ , que estaò resolvido* aappliearem-se toda a sua vida á pintura , fazendo-se hábeis , a adquirir huma grande reputação nesta arte. Além d i s to , podem notar nestas estampas, o que elle» já tem aprend ido , e deste] modo certificarem- se de mais a mais nas. regras d a a r t e . E quem fcénaõ animaria a seguir estes três grandes m o - delos ? quarido ali se vé hum desenho corrècto e elegante , figuras nuas de bella esco lha , d e movimentos graciosos , de paixões bem expri- midas , ( i ) hum panno bem lançado , posturas pintorescas e concordantes , huma magnífica ar-i eh i tec tura , ornatos de bom gosto , huma bella 'composição, variedade nos toucados , e vesti- dos , segundo o costume dos differentes povos , como a armadura dos Gregos , dos Romanos , dos Persas, etc ; n 'huma palavra , t u d o , quanto se pôde encoutrar nas melhores gravuras. Po- rém tudo aquillo se vé inda melhor nos dese- n h o s dos hábeis mestres , e se pôde também tirar mais vantagem , porque alh se aprende a manejar o lápis ou o pincel d'hum modo f c i l , em vez de que naô se saberia perceber o fei~. tio destes mestres em as gravuras, onde tudo está invertido , ou , para assim dizer , vai ao contrario , do que mostra. De modo que , se se der aos novos aprendi- zes hum livro de gravuras , e outro de dese- nhos , se esquecerão destes , depois de lançarem os olhos sobre as primeiras. Porém , naô tendo á vista senaô figuras desenhadas , e que elles as correm de passagem , tomaõ nisso tanto gos- to , que sua imaginação fica tocada , e se forti- fica de dia em dia. Ainda que eu tenha sido mais ( i ) He bom enviar aqui ao «xcellente Tratado das Paixões de Bruri, fazendo observar que se deve ter cui- dado em procurar a ediçaô original de B. Picart , que he muito mais correcta , e que , alóm disso, foi aiigmentáda com muitas rostos, '*depôis das* e*diç'<3es contrâfeitas , qtie áppareceraõ. © 21 ® mais extenso , do que pensava no principio, li: sonjeo-me de que o leitor me naô terá levado a m a l ; porque , o que acabo de d izer , naõ pôde servir senaõ á perfeição da arte. Torno pois ao exemplo proposto. Os nos- sos novos aprendizes conhecerão logo por si mesmos , porque , e em que vista , se traçarão as l inhas , que ali vem ; o que lhes dará hum no- vo ardor. Notarão também que todas as cousas tendem para seu centro ; e que o meio de fa- zer seguros progressos he naõ affastar-se das re- gras d'arte. Para isto he que todas a« figuras geométricas , que acabamos de t raçar , e que te-: iaõ aprendido a fazer , lhes seriaõ muito im- portantes; po rque , deste modo , estarão em es- tado de darem razaõ de tudo , que fizerem. Talvez , se nos dirá , que seria já t empo de examinar os progressos dos nossos discípu- los , e que seus pais se impacientaõ por saber , se elles tem propensão para esta ar te . Eu n a õ duvido da alegria destes , quando sabem que seus filhos principiaõ a aproveitar-se. Tudo , quanto podemos dizer nesta occasiaõ, h e , q u e hum tem a concepção menos fácil e o espirito mais tímido do que o outro ; e q u e , para cor- rigilo destes defei tos, he preciso polo com ou- tro , que tenha mais fogo e vivacidade ; porque he o meio de animar ao primeiro e tornalo mais desembaraçado , como também de mode- rar a petulância do segundo , que se pode en - tregar mais hum pouco á sua imaginação. Es t e methodo produz logo hum bom effeito d'ambos os lados , e outro que at trahe mais respeito ao mestre. De mais dis to, he verdade que todos os espíritos naõ saô igualmente próprios para a pin- tura ; porém naõ se saberia decidir taô precipi- tadamente ; porque os discípulos devem ser a JXÍJJ**- ® 22 <£ principio firmes no desenho , para lhes dar de-5 pois exemplos mais difficeis de imitar , e exer- citallos a manejar o p ince l , para os pó r , pou- co e pouco , também em estado de pintarem figuras humanas , que saõ os objectos mais per- feitos, que nós conhecemos. Para isto he preci- so que os discípulos saibaõ desenhar bem todas as partes , com este maravilhoso arranjamento, e esta bella symmetria, que se lhes n o t a , sem despresar o admirável encadeamento das jun- t u r a s , q u e as reúne. Entaõ se poderá descobrir , como em hum fiel espelho, a que podem che-» gar ; se ao menos aprendem a traçar bem to- das estas partes , segundo as regras da arte , tu- do o mais, ainda que difficil se ja , virá por si mesmo ; e assim he que nos os conduziremos ao que nisto ha de mais perfeito. Com tudo este methodo naô agradará a todo o mundo , sub pretexto de que se naô quer fazer os meninos mais que simpíices de- senhadores ; o que naô redundaria, nem em seu proveito, nem em sua gloria ; além do que , todo o mundo conhece , que este nobre exercic iohe de huma grande uti l idade, porque serve, para conhecer os talentos da mocidade , e se tem disposição para qualquer a r t e , que se serve do desenho ; e que , fora des te , serve para regu- lar a vista e formar o juízo. Naõ menos se vé que se criaõ os meninos , muito mais os dos gran- des , em todos os exercicios corporaes , sem terem quasi cuidado algum do seu espir i to; e isto h e , por huma grandíssima paixaõ pelas r i- quezas. Porém , de que lhes servirá descenderem de huma família nobre e illustre , se a fortuna lhes der de rosto? Como naô aprenderão cousa ú t i l , nada lhes res ta rá : de sorte que se lhes pôde applicar o dito de Cataõ : Opes fluxce , ars perpetua. Além -»1-.Mi;Além disso, nada heupais p»opilo)para a. calmar o fogo da mocidade , d© queoou&obre exercício doi'desíenhfli»j'p<5rq«re tudo , o qúè-occu- pa a!gradavedmenteo:;efipiiitp , se r re-de moderar «s paixões ; e hum nafuxal doce , opposto á hum espirito inconstante , forma huro agradável cara- cter , como temos, já'notado'*?;assim os antigos -julgavaõ 'que o azedo ed o o e > c o m p u n h a õ ' 0 ne - Ctar dos deoses. > c<f> .•>.•:• >*ílrm ;-\>'.x. ÍO^MÍJ T e n h o ; achado por 'exper iência -que hum espirito alegre brilha mais na pintura dç que o humor sombrio e melancólico. O gosto na tu ra l , junto>á vivacidade-ide.-espirito , üproduzio sem> •pre homens expraôrdinarios , maiorifiertté iKa-pin;- -tura/, .que. he eaõivasta; e ex tensa , que naõ ha íirtej-nem sciencia hoJmundo, de que hum há- bil pintor naõ seja obrigado a ter alguma no- ção. A naiureza dá mais vantajem a hum es- panto a l eg re ' e vivo, do quieta instrucçaó pôde ^ubminÍ9trar:á-outrP. Assin-rseí -fè-que entre os ornais sabias 'mest res , i que levarão1 e*ta arte ab mais alto gráo5 de perfeição ', '•*ha muitoívmais que naõ respiravaõ senaõ p prazer e alegria , do s q u e y os que tihhaõ humor triste e melancólico. , h aphael , oPodicidrol,, de Ca ra vage- •, Leona tdo de • Vinci , -Jftqs-fiajfiei.Vaga?;. o Parmesan ,í;Primari- ce , Pedro de Cortona , o Tin to ie t , o. Giòr- g o n e , Luis e Annihal carache , o Albano , o Bassan , Lanfranc e outros muitos naõ foraõ elles de humor alegre e cheio ce vivacidade ? 35 Ainda que os pássaros tenhaõ azas para voar , 53 disse hum escritor , cem tudo as fechaõ, quan- ->J do querem pousar ». Pode-se dizer também que os pintores, que tem o espirito vivo, e ar- dente , também tomaõ desernço ; porém, quando os espiiitos cobardes e pesados se querem es- forçar a hum voo , elles se assemelhaõ ao des- F ^ra- m?M •© graçado í c a r o , cujas azas artifioiáés; naõ pude - »aõ sustentar no ar..'nhc "*• n -;í«-> • ' icFinalmente, he certo >que naõ se saberia obrar melhor , ^ lo .qüe ©ocupar a mocidade n o estudo e nas scienciás ; porque , quer a fortu- na lhes falte , quer naõ , tem sempre isto por sua parte , e aaô entaõ devedorescá seus pais da boâeducação,que>ireoedagípaQ. Assim os Pi- thagoricos tinhaõ razaõ de dizer que : » A »--virtude -he o fuiadamento das Cidades ; e a *»3 prosperidade dos estados depende da boa a? educação dos meninos.». Acorescetvtai á is- to qué a natureza íqua-si nos conduz sóraíenfc -te ao interesse particular , e que -» educação MOS ensina a contribuir ao bem pubüco. A na- tureza nos faz aspirar a liberdade,, ao mesmo tempo que a educação nos ensina a obediência. Quantos bellos gênios senaõ vem , que lastimaò .a falta de serem cultivados, HOraeio mesmo nos ensina que a educação o eleva sobre o natural. 'O que nisso ha de mais triste , vem a ser, que o mundo corrompido naõ sente o seu ma l ; de mo- do que com razaõ se pode exclamar : oh tempos! ok costumes1, e com razaõ dizia Cicero, que os h o m e n s , para assim dizer , bebem com o l e i t e , todas as desordens e t resvaj ios , em que se^ prè-* cipitaô. L * * Í -^ ôS -^ >;(fthfljv- iv «ul , r-ffi - ' y j ;%r - L i c A ô VL- J/N Aô s*e pode pois , aindja <qu*é se t enha a h a - bilidade que for1, julgar d'algif ma'-cousa r queres-* peita á arte em gera l ' , menos 'qws>á€ttl£íô- pQ** sua a fwrwhyiG desenho' , e que se'*êínl|a^pren- dido rodas as suas partes. Ninguém h« , por huma ra-zaôitiaís for te , que possa- d&r seu pa* recer sobre hunv quadro , viepv decidir, sé o pih-: Dor ©bservou nelle.W«lai»''asj>re^;ra6 , «ao rçabéU- d© el le mesbio , en^que consistem 'é»tfcs regfcttSÍ He pois1 ^ a mett ver , huma grande- inco-nse- quencia da ]-arte de certos aniüdores , que se consideraó hábeis ., e' que mesmo passaõ por «sés, de fasjer hum 'mon taõ de tpdas ás sortes de quadros , ' serrtjsafeer,, o-que coinpraô , sé he dfe bui*©i ou de cobi>e j e de 'dãr I.UÍH grande pr^ço por huma obra'; que nada vale ;; o q u e naô pôde nüscer seíiaô da sua irtep&idaõ. Com t u d o , 0' tiüunclor está- -ehei-o*iefeti6Sl prét-ewdídos conhe^ cedores , que-^-íâ-jMigaô: díliwm quadrev-eenaò pauis corJée brilhantcUj<fj*iie toca-ôseus -Olhos-, iíi* capazes de daTe-ffl-ntaztíõ de ;nada. Pore-m-s^aVir- te recebe alguma v&ntage-m da sua ignoff.ncia, se p ô d e dizer, que naô soffre miais algum pre- juízo. >'* *»*'••• '» -''• -^ "- ij c,iv A'1-jhri' *díátot?íhe áaíecessari© notar', que se de-1 s*nihaô'ô-svob^eè-rjositvisiríiis, medindo Sempre* a olho a distancia ' qrie vai d'hii-mfr ; ^i*re «eut - ra ; e que , para se firmar a m a õ , se deve aprender felizmente o modo de^Wi-rkíjsr o lápis , ou o car- vão de madeira ; o que con-.iste em ter hum ©« ou t ro y eútfe o po$e**fc?'-e index , e a-pdiallo sobife a. porifla;ào dfcdo Ób ííf*-Hó?!que deve es-» tar hpm pouco éilcufVir-ào. 4) earVafò1 de madei- F 2 ra ® a<3 % ra esteveAampre.-em ugp , he-yerdade,- porém parece-me que vale mais servir se do lápis , que he mais próprio.^ è cujo traço he mais bon i to ; além disso, he mais fácil de apagar se com mjo» Ip de paõ. Comt«do penso que o carvão de! ma- deira he m-aLhor, para.os que principiaõ , e o lápis , paira osque temi .já, feito algum progresso^ -na-' O principal objecto do desenho coassiste em fazer-hum bom e s b o ç o ; e por este motivo he necessário.^dar-lhe huma grande a t tençaõ. Alguns,, por-exemplo, pára copiar huíua esta- t u a , principiaõ pela cabeça , que aoabaô com |tudo , o^que depende , e conoluem depois o res- to da figura de alto abaixo. Deste methodo se lhes segue, em geral, hum grande mal , porque fazem deste modoi a cabeça., ou muito grande , OU muito pequena ; dê sorte que resulta hum tpdp disproporcionado , e q u e naõ concorda com o-original; o que provém , de que elles naoí observarão bem as distancias , de que acabamos de fallar. Aquelles pois,•- que quizerem executar b e m , se lembrarão em tudo, o que tiverem de desenhar , de distinguillo no principio em suas differente? partes ; de n-tedir as distancias o o m o dedo., ou lápis , sem compasso , e julgar a o lho, o que o acostuma pouco e pouco á juste- za , que he a nossa principal guia , como tenho já dito mais d 'huma vez. Assim, quando se tiver copiado o exemplo seguinte , dpniódo.que o te- nho já ensinado» e se possuir bem este me tho - do , tudo o mais virá a ser fácil. ! > i Exemplo. i . « i* . i ' i • , " ,,! Para se desenharem os dousobjectos y que s e vem distinguidçs em differentes partes na Fig . 44» e 45. da Est. I. SQ traçará no principio o @«7 ® pequeno y e depois o grande. T i ra re i s , com o vosso carvaõ de madeira , huma linha em cirna, notada a ; outra no meio , notada b ; e a tercei-, ra na base , notada c Vereis en taõ , se a figura pôde entrar no espaço, que lhe destinaes» Con-, tinuareis depois a notar as partes menores a té O fim; e passareis finalmente a t r a ç a r a figura. He fácil ve r , por este resumo , que a geome- tria he kqui d' huma absoluta necessidade , e que sem ella se naõ pôde traçar nada justo.so- bre o papel. • & ' & L I Ç A Õ VII . - L i E necessário copiar com cuidado os exem-J pios , que se vem na Est. I I . O primeiro h é h u m oval , ou á forma de hum ovo. O num. z cffe- rece hum rosto dividido em differentes partes. Os olhos estaõ n' huma distancia, que pode- ria ter alli a terceira entre os dous. • O nariz tem o terçd do comprimento do rosto. A boca t em tanta largura , -como hum olho. As orelhas estaõ ao nivel dos olhos por cima, e da raiz dô nariz por baixo, seja comprida, ou curta a distancia, conforme poder ser. Em a segunda cabeça ," num. 3 , vê-se a mesma divisão em comprimen- to , e largura ; porém a figura , e as proporções da cara saõ differentes : a primeira he huma sexta parte mais comprida que larga; e a segun- da he quadrada. Pelo que respeita ás mãos saõ duas vezes mais compridas que largas ; e cada huma de suas partes tem seu próprio comprir m e n t o , l a rgura , e grossura : \ e d e as fig. 4 , 5 , e 6 da Est. II. O comprimento de hum pé h e huma sexta parte do talhe de hum h o m e m , e h e # *» ® ire decínoo'r3itavosri«al-*i ootwpirrjfoíque tergo; vede as fig. 7 , 8 , e 9, da mesroa Estampa. O comprimento do ros to , e das màos deve seu exaetamente igual , e faz tudo justo o déc imo da altura de huma pessoa; Deve-se notar , além disso , que estas saõ proporções as mais regu- lares , tanto- nos homens , como nas mulheres ; e ainda que hajaõ poucas pessoas, que se asse- melhem , naô h a , quem se exceptué desta re - g r a . ^**< •>*•*•' •"•>-*. He preciso dar , ao mesmo tempo , ^n r ros exemplos ; como a figura dos olhos , do nar iz , da boca f- e das-otelhas ,. que s e fa-rá cegdar com cuidado , e grande attençaõ. He necessário tam- bém ter exemplos , onde as sombras saõ nota- d a s , e que eu chamo sombras corporaes , t**es como asadas fig. 10, 11 , 1 2 , r 3 , e 14 da mes** ma Est. I I . ; em quanto ás fig. 1 , 2 , e 3 desta Estampa naõ mostraõ senaõ o .simples traço y ou contorno da cabeça.. .. i Naõ SQ tem , digo e u , até aqui visto se- naõ os contornos , passemos agora ã enofaerr, dando-lhes relevo por sombras r para fjrzer o que se chamaõ corpos.sólidòs. Para :is*o pois -&à feita dispor a» >sombras , o que pede \ c juesear costume a desenhar com a sangüínea, e a d o t a r os traços crusados de hum modo clraro , e disw tine t o , sem os dxssenhar com p ó , ou g raons^ como o ensina» alguns mestres . L i - - # 30. Q ?ec ; & •& L I Ç A Õ VIII . v . J S exemplos que se daõ.na Est. I I . , fig. 10 , 1 1 , i a , i a , 14, i5 , e 1 6 , mostraõ , de que modo se deve manejar o lápis , e nos fazem v e r , ao mesmo'tempo , que , para formar as som- ,bras , he necessário , que os entalhes naõ sejaõ compostos senaõ de dous t raços , que secruzaÕ., iOu , em caso de necessidade, de três para as .sombras mais fortes; e q u e , para o relevo , ou redondeza ,.naõ,ha m a i s q u e hum só. Nos recan» tos , onda os fundos , ou cavidades exigem toda a força d© lápis , he necessário empoar , ou graj- nisar , e seria „hum enfado inútil empregar-lhe mais de três entalhes huns sobre outros , como se mostra nestes exemplos. He preciso pois c o - piallos com cuidado, dar lhe todo o tempo p re - -ciso, e naõ ajpiiessa-r-ts©; porque , > desenhar pou- co de huma vez , repetir muitas vezes a fa- zello bem , ava-nça mais do qoire ^desembaraçar, e executar com presteza m u i t o , e trabalhar apressadamente. Para imitar pois bem estes exemplos , e •todos os ou t ros , he preciso, ter traçado o con-í t o r h o , tornallo a tomar com a sangüínea; d*&- .pois disto se apaga com miolo de paò toda a imperfeição do lápis , ou do carvaõ de madei- ra. O que fei to , se retoca l igeiramente, por «aqui; poral l i , todos os cantos , que se pôde t e r - embaçado , esfregando-os, como saõ cabel los , -o lhos , na r i z , boca , dedos , o r e lhas , o contor- n o , e t c . Observar-se-\ha , naô se fazer traços se*» írnaõ muito subtis nos contornos , que recebem a l u z , e aclarar mais , os que fazem as sombras» , Assina he que s> contorno»jparece natural, e as • ' -&<3o*& figuras humanas , ou outros objectos , que se de- senha tem huma belleza e graça ,todi particu- lar. Depois se. principiará t ai sombra por hum simples t raço , porém assás forte todavia, prin- cipiando de cima , para conduzido insensi- velmente até abaixo , com a m.iior igualdade nas distancias que for possiveh Depois se pas- sará a tinta clara, ou a redondeza , que se ex- primirá do mesmo modo por simples traças,mais, ou menos ligeiros, segundo os objectos, que se t e m á vista ; po rque as meias tintas naõ devem já mais ser encrusadas. Eis-aqui estamos nós bem adiantados , e póde-se dizer, . que está a obra meia feitajw Para acaballa , e dar toda a força conveniente ás sombras, he preciso do- íbrar-lhe os t raços , e também triplicaltos, sen- do necessário, como já o dissemos acima, Naõ resta mais que examinar a copia , para vér se he conforme ao modelo ; e achando**se que as sombras naõ saõ bem fortes ,v se p o d e r â õ r e t o - callas. *q«" st' Notemos agora , o que as duas columnas num. i5 e 16 da Est. II. nos offerecem relativo ao objecto que tratamos. O lado de cada co- lumna , que he igualmente illuminado , s e c h a - ma extremo claro , da mesma fô rma , que se<dá o nome de extrema sombra, ao q-ue he d*? hum escuro igual pelo t odo ; em q u a n t o , o que está virado para a extremidade da superfície, ou da circumferencia , se chama relevo T ou redonde- za , por causa de que huma colunma he taô redonda por diante , como pelos lados ; o u , ' m e - lhor, se chama meia tinta ; porque a luz alli se.di- m i n u e , e se desvanece. O mesmo se pôde obser- var , naõ somente em columnas , mas em todos os outros corpos redondos, que tem hum Jkdé, onde a luz &ejdtúninue>,, e ae:perdaj quero dizer, em ft 3i # em huns mais , e nou t ros menos. D ô mesmo- modo he a superfície do abaco , ou quadrado assentado sobre o cume das nossas duas colum- n a s ; e he entaõ o que se chamaõ tintas fugi- tivas. A meia tinta toma este nome , por cau- sa de ter hum meio entre o extremo claro , e o extremo escuro ou sombra , e de reunir por conseguinte estes dous extremos. Supponhamos, além disso , que huma destas duas columnas se-, ja também carregada de baixos relevos, como a de Tra jano, ou de Antonino ; naõ menos se dirá que tem ella , em g e r a l , suas luzes ex- tremas , e suas sombras ex t r emas , ainda que cada figura terá alli ;$uas luzes , e suas sombras particulares. ,-«-,. Será, como hum cacho de uvas , de que ca- da bago , tomado separadamente , tem sua luz, e sua sombra; porém q u e , reunidos , juntamen- te , daõ ao cacho toda a sua redondeza. Pelo que respeita aos entalhes , feitos com a sangüínea , he provável que os aprendizes os acháraõ mais difficeis de executar , do'que se fi- zessem com granitos estes lados ; porém elles ve- rão logo que lhes servem, para lhes firmar a maõ, porque he de extrema importância , que os traços sejaó todos da mesma grossura , e de huma igual distancia entre si , para que as tintas escuras , ou claras se distingaõ melhor ; o que faz que exi- jaõ mais juisco, e exactidaõ ; porque se deve saber ao justo o effcito, que produzirão dous ou três ou auatro traços , que se crusaõ huns aos ou t ros ; o que naô pede acontecer , quando se empoaõ , ousegvanisrõ estes lugares, como he far.il de conceber. He sem duvida inútil o fa- zer a apologia , por nos demoramos tanto tem- po solne estas circumstancias , porque ellas naõ podem servir, senaõ para darem firmeza, e G pres- # 3a $' presteza á m á ô , como também grande j u s t e s * ao olho. Talvez parecerá singular que dê eu aqui < O mesmo exemplo de três, ou quatro modos dif«* ferentes; o que pensei necessário, naõ somen- t e por causa dia variedade, q»e alli se vè , e de que se perceberá logo cop iado ; p o r é m , sobre tudo para que se tome huma idéa mais exac- ta da volta dos-entalhes , como se v é ' n a cabe- ça num. i3 . Est. II . que está virada para t r az , enaquel la num. 14*, que cahe j para diawte. No-1 tai os entalhes, que apparecem na testa da ca* b e c a , num. *3 , e da outra seguinte , num. 14; huns voltea-õ" para cima em fôrma de a r co , e outros para baixo. Percebe-se melhor esta díf- ferença em huma colümna, que está assombrea- da para c ima, e para baixo do horisonte , so- bre tudo se se entende a perspectiva. Bastará pois, para o presente, saber, em que circumstan - cias he necessário variar os entalhes , para acostumar nis»o a m a ô ; porque nisso he , que consiste o belfo estillo. Porém naõ he isto a única cousa, que alli ha , de obse rva r ; pois hum contorno exacto , e desembaraçado naô he me- nos essencial, á huma o b r a , q u e , naõ o t e n d o , naõ pôde ser bella, nem agradável. L i * -# :.33•.$ %' li •li-»' ——- «ffi — a ' ' * W-. L I Ç A Õ IX* J L J E P O I S de ter fallado até aqui das cabeças , das màos , e dos p é s , como também do ma- neo da sanguinea , passaremos insensivel- mente ás figuras. Apresento aqui aos discípulos outro exemplo para obseivarem nelle a e&truc- tura das differentes par tes do corpo , e seu en- caixe. Debuxaráõ pois as duas figuras 1 e 2 da Est. I I I . , em grosso ou em bor jaõ , ou ao me- nos suas prmcipaes partes , com carvaô de ma- deira , naõ lhe empregando mais que traços ligei- ros ; porém correctos , e principiando pela figu- ra que está em pé. Aiérn disso, he preciso que tracem primeiro o lado direito da figura; por- q u e , quando os primeiros traços estaõ sempre expostos av i s t a , também o restante segue mais na tura lmente , e dá menos trabalho. Em vez de que se se principia pelo lado esquerdo a maõ rouba o objecto e o encobre a vista. Antes também que o discípulo applique o seu carvaô sobre o papel , he a propósito e muito vanta- joso, que tenha algum tempo o seu modello na m a õ , que o considere com toda a attençaõ pos- sível , e que tome cuidado no modo , com que »s figuras e seus principaes membros concorda® jun tamente ; até que tenha impresso em seu es- pirito todas as suas posições ; o que lhe dará huma grande facilidade para a execução. Demais , naõ he ainda tempo de exigir do discípulo que fuça a sua copia niaior , ou menor do que o seu modelo ; seria isto exigir muito del le ; assim nós nos limitaremos a fazelo exe- cutar da mesma grandeza. Para que pois a Fig. 1-, da Est. I I I . se trace d© modo mais seguro e G ii mais # 34 & mais exácto , he necessário que elle tire pri- meiro sobre o papel , cora o carvaô , a linha centrai ou perpendicular , e que reflicta sobre a relação , que deve haver entre a cabeça ,e o pé , sobre que a figura carrega , como o ensi- nei já na liçaõ sexta , a respeito do castiçal e do pote de agm. Ponha depois hum ponto no lugar , onde conjectura , pouco mais ou m e - nos , que deve assentar a cabeça , o embigo , e o pé ; e debuxe entaõ as principaes partes da figura de alto abaixo. Fei to i s to , se perce- berá bem , em que altura a figura seguinte n u m . 2, deve principiar, e se dirá elle a si m e s m o , como se quizesse ensinar á outro .- o alto da ca - beça desta mulher deve estar em o nível cora o peito do homem , onde elle asinalará hum ponto . Sua barba deve achar-se em nível com © embigo do homem , e porá também hum ponto , e assim do mesmo modo em todas as outras partes até o fim; e , deste modo , tudo se achará em seu justo lugar. P o r é m , para execu> t a lo r he necessário que o desenhador esteja em socego , e naô ouça algum ruido , para poder facilmente notar as suas faltas , e vir a ser , pa- ra dizer ass im, mes t re , aindaque ao presente naõ seja mais que discípulo. Naõ terá mesmo quasi mais trabalho em debuxar quatro ou cin- co figuras depois , ou mesmo huma vintena , se o quizer , do que huma só ; porque pôde seguir a respeito de todas , o methodo que terá obser- vado neste exemplo , que faz ver que as figu- r.is d'huma composição procedem , d'algum mo- do , huma da outra. Depois de estar o debuxo* tirado era borraõ ou pelo maior , e as princi**! pães partes se achaõ em seu justo lugar , appli«í cará huma grande attençaõ em comparar a sua copia com o modelo , para ve r ; se a disposição está * 35 ® está bem observada, e se as figuras produzem todo o seu effeito ; porque se isto naõ for bem exactamente notado no esboço , elle ex* perimentará tanto trabalho e desgosto em reto- car a sua obra , que perderá logo a emulação e ardor, que tinha; pata o trabalho, antes 'de ter ametadè concluída. Mas se o esboço estiver bem traçado; se o encontro das partes estiver observado com cuidado; se se lhe tiver a juntar do ou separado , o que he necessário, pôde es? perançâr-se d'hum feliz successo. t • Quando se vern a passar o lápis verme- lho sobre o esboço, deve ter-se cautella sobre- tudo que naõ faça desaparecer a alma, que já se lhe acha ; o que facilmente acontece , sa naõ se notaõ , quaes saõ as partes, que daõ hum movimento natural, e acçaô ás figuras. L « # * # -'#.. . -M L I Ç A Õ X. JLJ Enois tde ter o discípulo comprehendido bem o que até aqui temos ensinado ; será o tempo de dar elle us provas do que sabe fazer no de - senho , e de trabfdhar sobre principios sólidos ê fixos.. Se lhe dará entaõ hum bai*o r e l e v o , quero dizer , hum ajuntamento de duas figu- ras, hu/tna representada com roupas, outra nua , para ver se tem cumprido be«i tudo , o que nos temos notado sobre os esboços , composição, disposição» e.a curvatura , que -deve dar aos en- t a l h e s , segundo a diversidade dos objectos; de modo que esça indicado nas F ig . 3 , 4 , 5 , 7 , 8 da Est. III . Porém he necessário, mais que tu- do , ter cautella, em que elle naõ ponha o seu modello , nem muito perto nem muito longe da luz , e que o tenha n 'huma distancia taô pro- porcionada que a sombra seja de huma força conveniente ; porque , quanto mais apartado es- tiver da luz , tanto mais parecerão as sombras fracas e duvidosas. Naõ he necessário igual- mente que o discípulo esteja sentado muito per- to do objecto ; porém deve achar-se n 'huma distancia racionavel , quero dizer , que possa distinguir facilmente as attitudes , e sobre tudo as sombras dos olhos , do nariz , da boca , e das outras partes essenciaes ; o que prova naõ estar elle muito retirado. Em terceiro lugar, de- ve por o objecto n h u m a tal altura , que os olhos das figuras estejaõ ao nivel dos seus , como di- remos depois , com mais extensão Em quarto lugar , he preciso ter cautella em naõ receber mais. que hmualuz medíocre por huma só janella; VÍS-; #-' 3f # visto que assim se observaõ melhor assombrai» do que por grandíssima luz , que entra por mui-* tas partes separadas humas das outras ; o q u e faz as sombras duvidosas. Seria inútil ensinar aqui ao discípulo, de que modo deve ter a sua pasta ou papelão , sobre que desenha , porque ell© o vé praticar todos .os dias pelos outros. Depois que tiver copiado o baixo re levo, de qu© acabamos de fallar, poder-sé-ha julgar, se elle está em estado de passar ad ian te , e desenhar comíbraneo e negro sobre o papel pa rdo , ou azulado ; porque quando se sabe dispor bem os entalhes , torna-se facilmente mestre do resto. ->& — & ' L I Ç A Õ XI . J L V E P O I S de ter fallado do esboço , e da posi»* çaõ das figuras, na sexta e nona Lições, como' também do âmbito ou volteado dos traços , otf entalhes, na oitava ; naõ deixará de ser útil passar ao Desenho , que se faz com pedra bran- ca e negra , sobre o papel escuro , ou azul. Pa-? ra adquirir facilidade a este respei to , naõ ha melhor m e i o , do que exercitar-se em imitar o gesso, ou os Desenhos realçados* de b r a n c o ; porque o costume , segundo diz o provérbio , he huma segunda natureza. Debaixo desta vis-* ta he que representamos ao novo aprendiz ca- beças imitadas do gesso, nas Est. I I . e í l l . Mas em vez de -que , sobre o papel branco , se arre- donda© os objectos pelas sombras , poupando as luzes; deve-se , pelo co-ntrario , poupar aqui as sombras, e arredondar as luzes com o lápis. Isto naõ he, porque de todo se naõ necessite de som- bras ; porém so te precrsn de pouca , e sômen«-, te ® . 3 8 ' # t e em certos lugares. Depois de se ter traçado o con torno , se desenha, com a pedra branca, as partes mais salientes e mais i l luminadas, co- mo a,testa, o nar iz , e as faces , que se esbate pouco a: pouco naô-com entalhes ou t r aços , porém empoando somente nos lugares, onde a luz» vem a ficar, e onde se reúne com a sombra , como se pôde vér sobre iguaes desenhos. Fe i to isto ,,< toma-se
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