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Artes(§0fícios 3 Os Restauradores Conferência fe i ta na Exposição de Turim em 7 de j unho de 1884 Camillo Boito Tradução Paulo Mugayar Kiihl Beatri/ Mugayar Kiihl Apresentação Beatriz Mugayar Kiihl Revisão , [ . -y Renata Maria Parreira Cordeiro i \. Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.02.98. K proibida a reprodução total ou parcial sem autorização. por escrito, da editora Título do original em italiano / Restauratori: Confererizíi tcniita alVEsposizioM (ti Torino il 7 giugi <> 1884 Copyright © 2002 Beatriz Mugayar Kíihl e Paulo Mugayar Klihl l" edição, 2002 2" edição, 2003 ISBN-85-7480-112-7 i.':. • >r ViÇJ-jflV •5. i. ;- i .'l --- Direitos reservados à AIKUF: KDITOHIAI. Hua Manoel Pereira !>eile. 15 ()<>709-280 - Cotia - SP - Brasil Telefax: ( 1 1 ) 4612-9666 w\r e-nia i l : atel ie_editoriai@'uol .<-oin. l*r Foi leito depósito legal Pr inted in Brazil 2003 Sumário Os Restauradores e o Pensamento de Caniillo Boito sobre a Restauração 9 fíctitriz Mui a yarKiihl Os Restauradores 29 Conferência feita na Exposição de Turim em 7 de junho de 1884 ' Os Restauradores e o Pensamento de Camillo Boito sobre a Restauração Beatriz Mugayar Kiihl Camillo Boito (1836-1914) é figura de grande des- taque no panorama cul tural cio século XIX. Foj arquite- lo, restaurador, crítico, historiador, professor. teóriçOjJi- teralo _e_uin analislajJos majs_.argutos de_seu ["'ópr|0 tempo, tendo papel relevante na transformação da histo- riografia da arte e na formação de uma nova c u l t u r a arqui te tônica na l í ; i h : i . Como r, staurador e teórico, tem uiri lugar consagrado pela historiografia da restauração, sendo a ele reservada unia posição moderada e miei me- diana entre Viollet-le-Duc, cujos preceitos seguiu duran- te certo tempo, e Ruskín. sintetizando e elaborando prin- cípios que se encontram na base ria teoria contemporânea de restauração1 . ]. kxi-tc uma abundante bibliografia -ohí'- a nitra lie Boito. semlo rir tam- 1(1 CamiJlo Boilo Nascido em Roma. era o filho primogénito d t con- dessa polonesa Giuseppina Radolinska e de Silvestre Boilo (1802-1856), pintor originário de Polpet (Btl luno) que gozava de alguma reputação como retratista e que desenvolveu sua carreira em várias cidades, tais como Viena, Pádua, Florença e Roma. estabelecendo-se por certo tempo em Veneza. Outro filho do casal também al- cançou grande notoriedade, o poeta, libretista e músico Arrigo Boilo (1842-19 18). Foi em Veneza que Camillo Boito2 começou sua for- mação como arquiteto. entrando na Academia de Belas Aries em 1849. No início, seu estudo esteve vinculado ao neoclassicismo de seus primeiros mestres. Mas. pos- teriormente, aclotou ideias difundidas por Piet.ro Selvá- tico Fslense (1803-1880) na Academia, o qual procurou introduzir o estudo da arle medieval da Itália, vista por ele corno uma expressão autêntica de seu povo, em con- traposição ao ensino, que considerava aberrante, das ve- lhas escolas. bem autor ile numerosos textos. Para referências bibliográficas mais com- pletas, ver Camillo Bòito. // Numo e 1'Anticn neU'ArMteUura (organizado por Maria Antonie t ta Crippa). Milano. 1988: Alberto Grimolil i lorg.). OmiiHifígio a Camillo Boiin. Milano. E le i t a . 19 (>1: e Marco Madenia. Camiln líoíto. Pensiero suirArchitftturtt e Dibattíto Coevo, Milano. Gue- r in i . lW.~j. Para os dados biográficos de Boiío. ri. o verbete "Boito. Camillo de K. Giarbei-v e G. Miano, Dizionario Biográfico rl>'pli Italiani. Roma. Istituto delia Enciclopédia Italiana Treeeani. !%<>. v,,l. 11. pp. 237-242. Ver tam- bém o verbete "lioito. Camil lo" . esrrilo por Gustavo Giovamioni . Km-i- rlo/M-iIiti Italiana. Roma. I s t i t u t o del ia Eliciclopeilia I t a l i a n a ' h e i c a n i . 1930. vol. 7. p. 295. Os Restauradores » 11 Boilo formou-se em um ambiente veneziano onde havia uma confluência de inte lectuais empenhados no estudo da Idade Média, desenvolvendo grande interesse pelo tema. Exemplo é dado pelo próprio Selvático, que estava publicando obras consistentes sobre a arte medie- val italiana3, e de Ruskin que frequentava Veneza e co- nhecia Selvático1 . Nesse período estavam em curso tentativas de unificação e libertação da Itália, e a arqui- letura medieval era vista por muitos como revestida de caráter nacionalista. Depois de se formar na Academia. Boito começou a colaborar como professor, intermitentemente, e em 1856 iniciou suas viagens de estudo a Roma e a Floren- ça, também ern razão de seus problemas com o governo austríaco, elaborando pesquisas c publicando textos so- bre a arte medieval. Após um longo período, em que pas- sou também por outras cidades. Boito estabeleceu-se cm Milão, onde v i v i a f) irmão Arrigo, assumindo em 1860 um posto de professor de arquitetura na Academia de Belas Artes de Brera. que fora ocupado por Friedrich F. von Schmidt (.1825-1891), um dos mais proeminentes difu- sores do neogótico. Permaneceu na cátedra até 1909, di- .3. Cl. por exemplo as obras ite Selvático: .S//// Archttetlimi c tulíu ^cullura in Veneziq. Dtil Media Kvn ,v?/;o ai Cíunii A i » > í n . Stmli <ii Pi<°tr^ S-.'li titictt [ter .SVrnrc dr Guitia Estética. Venzia. 1847: Storia Estetico-Criticn tlclle Arti deiDisegno, Ovrcro 1'Arfhitettura. l<t Pittutu P In Snitiinriu /.../l^n-i ,j/.S>™/»-.\T/. 2 vols.. Venezia. 1852-1850. 4. Cf. a? infnn»!.1!','"»-* e releiênein-, apu-scntadii- [>or Guido 7.\n.-<-mi. L !n- vrnzionc dei Pti.^sntn. ('umillo Binto e VArchitcííura hevmnlieritle. \ 'ene- zia. Marsilio. ]':>')7. pp. 67-72. R u « k i n eita Selvát ico em Tlf Siimes «f Venicf. lí',51-1853. 12 Camillo Boitd rigindo a Academia por muito tempo, além de ter atua- ção relevante também junto ao Politécnico. Através de sua atividade como professor, historiador e teórico, teve pape] significativo na transformação cia cultura arquite- tônica no país e de seu ensino. Boito reconhece em Viollet-le-Duc um teórico de grande importância para a difusão dos conhecimentos sobre a arquitetura medieval, que tiveram repercussão também na Itália. Na França e na Itália, a busca da afir- mação da nacionalidade, os estudos sobre a história da arquitetura e as políticas de preservação de monumen- tos históricos estão associados a um renovado interesse pela Idade Média que. no caso italiano, foi mais acentua- do somente a partir de meados do século, com as tentati- vas mais incisivas de unificação do país3. Assim como Selvático, Boito escreveu textos de va- lia sobre a arquitetura medieval italiana, a exemplo de Architettura dei Médio Evo in Itália, editado em Milão, em 1880, para o qual redigiu uma introdução "Sullo Stile Fu tu ro dell'Architettura Italiana". Nesse ensaio, Boilo busca nas lições da arquitetura do passado subsídios para a criação contemporânea, não pela adoção pura e simples de estilos, mas pela análise de seus princípios .), /ilrrn. p. 26. Zuoeoni apresenta em seu livro análises sobre a atuacuo de Boito na releiínra da arquitetura medieva] i taliana, com conceitos liga- dos ao romantismo e ao neomedievalismo. no contexto do movimento neomedieval italiano. O livro contém ainda referências bibliográficas, al- gumas delas relacionadas a escritos de outros autores dn século XIX so- bre a arte medieval italiana, oferecendo um amplo panorama do t r i t a m o n - to ila questão. Os Restauradores • l> í de composição para alcançar a verdade em relação a for- mas, materiais e função, lançando fundamentos para uma nova arquitetura, que procurou estabelecer não somente através de seus textos, mas também através de sua obra construída1'. O papel de Boito como crítico de arte, e da arquitetura em particular, foi da maior importância, opon- do-se ferrenhaniente à apropriação acrílica dos variados estilos do passado, poslura comum a muitos arquitetos do período, mostrando eelicismo emrelação à falta de uma linguagem artística própria à época. Boito desenvolveu também a atividade de arquileto restaurador. Desde o início dos anos 1850 foram criados instrumentos legais para a proteção de monumentos na região de Vcne/a e Selvático assumiu papel proeminen- te. Nesse contexto, Boito (oi encarregado em 1858 de res- taurar a Basíl ica dos Santos Mar ia e Donato c-m Murano. que fora consagrada em 999. e que passou por sucessi- vas transformações. Boito fundamentou seu trabalho em análises aprofundadas da obra. procurando apreender seus aspectos formais e técnico-construtivos. baseado em estudos documentais e na observação, bem como em le- vantamentos métricos do edifício. Fez largo uso de dese- nhos e também de fotografias, examinando a configura- ção geral do complexo e seus detalhes construtivos e *>. Sobre os aspectos prospectivos de unia nova arquitetura nos textos e na obra construída de Hoilo. alem de relações com sua a f u a c ã n como restau- rador, cí. Liíiana Grassi. "í/íntui/ione Moderna no! IVn-ieto dt Camilíu Hoito". Cafabflln (,<tntiuuit<i. l'*"»-"), n. 20ÍÍ. pp. 70-78 e. da mesma anto- ra. Cnmilld Bnitn. Milano. 11 Halcone. ]<iy>. 14 • Gamillo Boitu ornamentais. Sua interpretação do monumento e sua pos- t u r a de projeto, enlão, levararn-no a propor a preserva- rão da patina ao mesmo tempo que preconizava a demo- lição de certos elementos acrescentados com o tempo, entre eles a fachada, e a remoção dos acréscimos barro- cos no interior. Buscou ainda certa unidade de estilo, propondo a construção de novos elementos, a exemplo da própria fachada, que não chegou a ser construída segun- do seu projeto. Boito fez um projeto calcado no histo- ricismo, através da retomada de elementos compositivos da construção primitiva e da análise da arquitetura do período, mas sem ter indícios relevantes do que teria sido a fachada original'. Na intervenção fe i ta na Porta Tici- nese em Milão, datada de 186]. Boito liberou a constru- ção de edifícios a ela adossados e também fé/ propostas de intervenções "em estilo'", buscando a unidade formal e um suposto estado inicial8. Notam-se, portanto, traços, nessas primeiras obras, da difusão do pensamento sobre restauração de Viollet-le-Duc, a quem Boito dirigiu elo- gios em determinados textos. Entre seus numerosos escritos9, alguns foram dedi- cados à restauração, tratando da análise das interven- 7. Para maiores informações sobre ;j restaurarão da igreja e para referên- cias bibliográficas complementares sobre n assunto, ver Zucconi. «;>. aí.. j>p. 80-94; Franeeseo Bueehino. "Camillo Hnilo e Ia Dialettica t ia Con- servarf e Restaurare". em Stella Casaiollo íorg.í. Li C,uhurti fiel Rrtttiu- n>. Tearíf e Fondnton. Venezia. Marsilio. 19%. pp. 152-157: e '. incenzo Fontana. "Camillo Hoíto e i i Restauro a Venezia". Casabella n. 4"2. 19!jl. pp. 48-53. í!. Miano. np. dl., p. 238: Booobino. »/;. dl., pp. 157-160. 9 Para uma l is ta completa ilos eseritos de lioito. ver Mailema. < j / i . - í / , , pp. Restauradores 15 coes, ou da formulação de princípios gerais, a exemplo de Os Restauradores, uma conferência apresentada du- rante a exposição de Turim em J884"' e publicada no mesmo ano. Essa obra reveste-se de grande importância, pois é um dos textos em que Boito sintetizou experiências e conceitos associados à restauração, que se acumularam no decorrer do tempo, reformulando-os e estabelecendo alicerces importantes para a teoria contemporânea. A restauração. ;.ité se f i rmar como ação cultura] no século XIX. passou por lento processo de maturação no decorrer do tempo. Anteriormente, as intervenções fei- tas em edifícios preexistentes eram resultado, geralmen- te, de exigências práticas e voltadas para sua adaptação às necessidades da época. Mesmo aquelas ações que poderiam ser consideradas t en ta t ivas de restauração eram comumenle consequência de algum problema de ordem pragmática, não tendo a carga cultural que a questão assumiu a partir do século XIX. No entanto, várias das noções ligadas ao restauro, que floresceram sobretudo a partir do Renascimento, amadureceram gradualmente no período que se estende dos séculos XV ao X VIU. e foram conjugadas no estabele- cimento das tcori.is de restauração: o respeiln iic|;i malé- ria original, a ideia de reversibilidade e dis t inguibi l idade. 97 e ss. Os textos são apresentados por ordem cronológica (a primeira publicarão de lioito data de j 856) e por assunto. Vendo-se a lista apre- sentada a respeito de restauro e c onsen ação (pp. 126-127). foram listados 16 textos, o primeiro de!e> datado de i857. JO. Para maiores in ío rma^ ões sobre a Fxpo^icfio de l uritn e paia uma biblio- grafia complementar sobre o assunto, ver Maderna. o]>. cif., pp. 95-96 16 Oamillo Boito Restauradores • 17 a importância da documentação e de uma metodologia cient í f ica , o interesse por aspectos conservativos e de mínima intervenção, a noção de ruptura entre passado e presente. A partir da segunda metade do século X V I I f . a restauração passou a se afastar cada vez mais cias ações ditadas por razões pragmáticas e assumiu aos poucos uma conotação fundamentalmente cultural, baseada em análises sistemáticas, com maior rigor e método nos pro- cedimentos, e com o julgamento alicerçado no conheci- mento histórico e em análises formais". Vários fatores contribuíram nesse processo, tais como o Ilummismo, as reações às destruições maciças posteriores à Revolução Francesa, as profundas e aceleradas transformações ge- radas pela Revolução Industr ial na Grã-Bretanha, alte- rando a relação de uma dada cultura com o seu passado e dando origem a urna nova maneira de encarar o legado cultural, que resultaria nos movimentos para a preserva- ção e restauração de monumentos. Esse processo se foi consolidando no século X I X , através de formulações teóricas, de experiências siste- máticas de inventário e de intervenções sobre os monu- mentos, vefif icando-se várias vertentes, lima delas loi encabeçada por Eugène Kmnianuel Viollet-le-Duc, que almejava atingir um estado completo idealizai!') do edi- 11. Para tuna análise da1- transformações ((corridas no período (e lambem rni épocas posteriores ati'; I K de j ta te^ contemporâneos) e para referencias complementares. ver J i ikka JokiMito. -l History uj Anlutni itul <'mi.\rt- rafinn. Oxfonl. Butterwurth Mcinrmann . 10W. pp. l-68eGiovanni Oi r lm- n:na . '\niein,nrv-nld .// Rntuvrn. N a p n l i . l . ipiKiri . 1 ' 'C 17. pp '.'1-7 1. fício, com o objetivo, geralmente, de alcançar a unidade de estilo, não importando se. para tanto, tivessem que ser sacrificadas várias fases da passagem da obra no decorrer do tempo e feitas substituições maciças. Outra vertente tinha entre seus principais formuladores John Ruskin e \ \ i l l i a m Morris, e preconizava um grande respeito pela matéria original, pelas marcas da passagem do tempo na obra. aconselhando manutenções periódicas, mas admi- t indo a possibilidade de '"morte" de uma dada edificação. Havia também a restauração voltada para a arqueologia, sendo de grande repercussão alguns exemplos realizados em Roma no começo do século XIX, principalmente aqueles de Raffaele Stern (1774-1820) e Giuseppe Va- ladier (1762-1839). Os casos mais conhecidos foram os trabalhos realizados no Coliseu e no Arco de Tilo12. O Co- liseu encontrava-se em estado precário no início do sé- culo X I X . depois de séculos de variada sorle e f i e servir como fonte de materiais de construção. Durante o papado de Pio V i l (]80()-I82.'1) resolveu-se consolidá-lo, sendo os trabalhos confiados a Stern. com a colaboração de G. Camporesi e G. Palazzi, e as obras iniciadas em 1806. Optou-se pela construção de um esporão oblíquo de tijo- los ern urna das extremidades da curvatura externa, unia intervenção verdadeiramente conservativa, ao se decidir preservar o quanto possível e consolidar os elementostal 12. Paru unia aprofundada discussão solire us oi>r;is realizadas no mírio < i o século XIX ern Roma. ver Manta Jonssun. Isi Curu </*'? Mtmumejiti ( / / /<• (lrif!Íni. Ri-fliiuni e , V « r < j (/i Miinumrnli Anlichi n Ruma l ,'ÍOH-1 H.'!!). Storkhii lm. Skr i f ter l l invna a v SvnskN l n ^ t i l u t e t . 1()!.Í6. 18 Camillo Boito como se encontravam. Foram mantidos, inclusive, os tes- temunhos dos processos de degradação, podendo-se apreciar os mecanismos do desabamento então em cur- so. O outro extremo do anel externo, por sua vê;;, íoi con- solidado durante o papado de I^eão XJ1 (1823-1829). sen- do o projeto de Valadier aprovado em 1823. O arquiteto promoveu a reconstituição e a retomada das fornias pri- mitivas, construindo arcos em número decrescente de baixo para cima. Foi empregado o tijolo, que deveria ter recebido um revestimento imitando o travertino, mas per- maneceu aparente, e em alguns casos específie is, o pró- prio travertino. sendo possível diferenciar a intervenção dos elementos originais pela mudança de material. Ou- tro caso exemplar foi a restauração do Arco de Tilo, exe- cutada entre 1817 e 1824 por Stern e Valadier. O arco esteve durante certo tempo adossado a muros e sobrevi- viam elementos originais apenas de sua parte central. As escavações revelaram partes da fundação, auxil iando na restituição das proporções primitivas. Stern ha\ia come- çado a execução dos novos elementos a serem integrados, quando morreu. Valadier assumiu a obra e deu prosse- guimento ao trabalho, corno iniciado. O arco teve suas partes desmontadas e depois remontadas cuidadosamen- te em um novo arcabouço de tijolos. Nas partes reconsti- tuídas foi empregado o travert ino em lugar rio Mármore grego, e foram usadas formos simplificadas, permitindo a sua diferenciação dos elementos originais". l .'i. Paoln Marconi contesta a vontade d e l i l u - i u d a il:< distinpliliilidade da i n - O.s Restauradores 19 Essas experiências díspares e, até mesmo, antité- t i cas - que encontravam representantes em suas várias versões nos diversos países europeus, inclusive na Itá- lia, onde não foram incomuns os completarnentos "em estilo" e a busca do estado inicial - acabaram sendo ana- Jisadas e reformuladas por Hoito no final rio século XIX. consolidando uma via. conhecida na I tá l i a como "restau- ro filológico'", que dava ênfase ao valor documental da obra. Boito formulou seus princípios em um ambiente de grande efervescência intelectual, e foram vários os auto- res que se ocuparam de lemas ligados à preservação cujas obras tiveram repercussão nas elaborações de Boi- to. t a i s como Cario Cattaneo (1801-1869), Giuseppe Mongeri . Giuseppe Fiorel l i (1823-1896)" e Tilo Vespa- siano Parav ic in i (1832-1899). P a r a v i c i n i apontava os perigos da falsificação gerada pelas restaurações e pre- conizava maior respeito pela matéria original, pelas mar- cas da passagem do tempo e pelas várias fases de uma obra arquitelônica, além de recomendar a distingui- bilidade da intervenção. As alnações naquele período não seguiam apenas uma onenlação. L : m dos alunos de Boito em Milão, [.uca B e l t r a m i ! i 8"vl- l 933). por exem- tencnçao no Arco de Tito. baseado em documentos d»- Valadici. o qual aí inua que a diferenciação do matéria] e a simplificação íornial dos ele- mentos foram feitas por razões de economia. Cl. Mareoni. // Re.fltnirv f r\t,}\ili!t:,. V, nc/ia. Marsiliu. 1'N'-!. pp. IK-Z3. í l Para as semelhanças e oposicões nitre Boito e Fioreili. ver o t e v t o de Ro^a Annu Genovese. " f . ius fpp i Fiíírelli c- Ia Tutela d ' - i H e n í Cultural i dopo rPni tã d ' I la l ia" . /?«rVi,,pi l i . l l'). 1(|IJ2. e-pei u , i i ) ; " i} l . - j-.p. :V).7fi. l U 20 • Camillo Roiti pio. que estudou e trabalhou na França poreer o tempo, aclotava postura diversa. Admitia reconstituições e inter- venções seguindo o estilo original da obra, que Deveriam, no entanto, ser fundamentadas em provas documentais e em evidências fornecidas pelo próprio monumento. Na prática, porém, muitas decisões foram tornadas a partir de interpretações pouco fundamentadas, ou de < ocumen- tos nem sempre fidedignos, comportando certo dose de subjetividade. O percurso de Boito não foi l inear e podem ser de- tectadas incoerências e resultados de qualidade desigual em sua obra. Como mencionado, iniciou sua Irajetória como restaurador, u t i l i z a n d o princípios difundidos por Vioi le t - le-Due e. apenas por volta de 1880, formular ia textos em que assumiu uma posição renovada e indepen- dente, mas nem .sempre l iv re de contradições. Dentro de sua vasta obra, os escritos voltados diretamenli para a restauração não são tão abundantes, e sua aluação no campo, apesar de relevante, teve um impado restrito na época. (.) alcance de seu t r aba lho naquele momento tem sido revisto de manei ra c r í t i c a mais recentemente1". apontando-se a sua l imi tação , os paradoxos e > f a t o de apenas urna faceta de seu pensamento sobre a restauração ler sido consagrada pela historiografia. Mas. j u s t amen te , algumas de suas formulações se revestem de grande im- portância pela repercussão que t iveram no século XX. abrindo caminhos para a moderna teor ia da rest.iuração. l o. ( , í. os estudos < - i t a < l u s por Borrbino. o/>. < i l . . pp l . - » ( ) - j ,>.i. Os Restauradores « 21 Kntre os escritos de Boito consagrados à restaura- ção, vários foram voltados para a análise de casos e pro- postas de restauração. A partir dos anos 1880 consagrou grande parte de seus esforços para conceitiiações gerais sobre a restauração e para o estabelecimento de uma po- l í t ica de tute la respeitosa em relação às obras, resultan- do na elaboração de diretrizes que começaram a circular na Itália por essa época16. Teve atuação primordial du- rante o Congresso dos Engenheiros e Arquitetos Italia- nos realizado em Roma em 1883. propondo critérios de intervenção em monumentos históricos que depois seriam adotados pelo Ministério da Educação. Foram enunciados sele princípios fundamenta is : ênfase no valor documen- ta i dos monumentos, que deveriam ser preferencialmen- te consolidados a reparados e reparados a restaurados; evitar acréscimos e renovações, que, se fossem necessá- rios, deveriam ter caráter diverso do original, mas não poderiam destoar do conjunto: os completamentos de partes deterioradas ou faltantes deveriam, mesmo se se- guissem a fo rma pr imi t iva , ser de material diverso ou ter incisa a data de sua restauração ou, ainda, no caso das restaurações arqueológicas, ler fornias s impli f icadas: as obras de consolidação deveriam limitar-se ao estritamen- te necessário, evitando-se a perda dos elementos ca iar te- ríslicos ou. mesmo, pitorescos: respeitar as várias fases do monumento, sendo a remoção de elementos somente ] f > . So!mj *Jss'.' aspprtn 'i.i atmfçfio <\r Koito. ver Giuseppc Korrhi. tLCanii!ío Hoiio r l i - 1'riitif 1'ropo-ile Normativf d--] Restauro". Restauro n. 15. 1971. pp. r>-88. Camillo Boit i , Os Restauradores • 2.H admit ida se tivessem qualidade artística maniíestamen- te inferior à do edif íc io: registrar as obras, apo ilando-sc a ut i l idade da fotografia para documentar a fase antes, durante e depois da intervenção, devendo o material sei acompanhado de descrições e justificativas e ercaminha- do ao Ministério da Educação; colocar uma lápide com inscrições para apontar a. data e as obras de restauro rea- lizadas1 ' . Muitos desses argumentos foram retomados e de- senvolvidos por Boito em escritos posteriores, entre eles na obra Os Restauradores, em que ele se dedicou não apenas à arquitetura. mas também à escultura e à pintu- ra. Boito julgava o período em que vivia peculiar, afir- mando que a restauração só poderia encontrar seu cami- nho justamente em uma época como aquela, em uma sociedade que, não tendo um estilo quelhe fosse próprio nas artes, fosse capaz de entender, analisar e apreciar obras de vários períodos. Considera como essencialmen- te diversas a conservação e a restauração'", insis t indo que a conservação é. muitas ve/es, a única rói sã a se fa- 17. O'texto das recomendações está em Camillo Boito. Qnrvinini 1'rntii-lif i/í líellf Arti. Milano, I loepli . 1ÍTO. pp. 28-29. N n primeira delas. Boilo retoma a máxima <lc A'lulplii; Diilron. que af i rmou: "N" que tange aos inonuincntus antigos, e melhor consolidar (Io que reparar, reparar do que restaurar, restaurar fio que refazer, refazer do que emMezar: em nenhum caso se deve acrescentar e. sohretudo. naila suprimir . .4/n;-/ Curijonara. u/), r/í., pp. 107-108. A citação original provém de hitllftin Arcliéoliigiquf ilu CnmiléHistorii/ue < /<• ( Ari* "t Mmniwfiilx. 18.'ic<. vol . I. f !7. líi. Boito retoma essas questões em outro? escritos, a exemplo du ar t igo "I Nostri Veerhi Monument i . Con=cr. ave o Restaurare . aparericlo i -m Lu NiMim Antiitapia. Giuirno !<!<"•<>. \ o l ÍÍ7. pp 4!ÍO-f>Ofi zer. além de ser obrigação de todos, da sociedade e do governo, tomar as providências necessárias à sobrevivên- cia do bem. Concebe a restauração como algo distinto e, às vezes, oposto à conservação, mas necessário. Constrói sua teoria justamente para estabelecer princípios de res- tauração mais ponderados e consequentes, tuna espécie de "domesticação" do restauro, em um ambiente em que vários intelectuais desprezavam essa prática1" e que. em relação à arquitetura. estava mui to associada a Viollet- le-Duc. Km relação à escultura. Boito chama a atenção para os perigos dos completamentos, que levaram a enganos e a modificações no próprio equilíbrio da composição de grupos escultóricos. Desde o Renascimento, tomavam-se caminhos distintos em relação às e seu l tmus da A n t i g u i - dade, que ou eram deixadas incompletas , caso do Torso do Belvedere, ou sofriam intervenções para at ingir um estarlo que se acreditava ser o original, com número sig- nificativo de exemplos. Km relação às esculturas. Boito considera qua lque r intervenção extremamente perigosa, podendo conduzir ao erro. Além disso, acreditava que aquelas já realizadas não possuíam valor artístico que justificasse a sua manutenção, aconselhando que todos os acréscimos fossem retirados sem remissão. Menciona as técnicas de proteção de esculturas expostas às in tem- péries, tendo esperança que esses métodos permitissem 19. Paia um panorama das definições de restauro e para a opinião de a lguns intelectuais i talianos daquele período sohre a restauração <• os restaura- dores ver Hmiehi . 11/1. ri/., pp. 41-46. 2-t • Oainillo IJdito que, um (lia. exemplares guardados em museus pudes- sem v o l t a r ã o seu local de origem. Cita o Davi de Miche- langelo, apontando a importância do ambiente para a apreciarão e l e i tu ra da obra, tema que retomou também em outros de seus escritos em relação à arquitctura. No que tange à pintura, compara as intervenções às técni- cas do cirurgião, reconhecendo ser a restaurar3o às ve- xes necessária para salvar e dar nova vida. em casos ex- tremos, não através de vernizes milagrosos, mas pela possibilidade de transposição da ('amada pictó 'iça para um suporte são. Admite, portanto, a separação entre a camada pictórica, a imagem, de seu suporte, que pode- ria ser modificado ou sofrer intervenções mais profundas. Enuncia , como conclusão, um princípio geral que per- manece basilar no restauro: a m í n i m a intervenção. \ que se relere à arquitetura, Boito se coloca de forma crítica em relação às propostas de Viollet-le-Duo e às de Rusk in . Quanto às posturas derivadas de Ruskin . Boito as considera de uma lógica impiedosa, por interpre- tar que o edifício deveria apenas ser deixado í própria sorte e cair em ruínas, desconsiderando os apelos de Ruskin pelas conservações periódicas para assegurar a sua sobrevivência. No que tange a Vioílet-le-Duc, aponta os perigos de se querer alcançar um estado completo que (iode não ter existido nunca , devendo o arquiteto restau- rador, para tal. colocar-se na posição do arquiteto in ic i a l . Ind ica a consequente e inevitável arbitrariedadt que re- s t i l l a dessa postura e e n f a t i / a a inda os riscos de f a l s i - f i c a ç ã o desse t ipo de res tauro , a f i r m a n d o que q u a n - Os Restauradores • 25 to mais bem for conduzida a operação, maior será a possi- bilidade de engano31. Chama atenção para o fato de exis- tirem outras posturas na França, mesmo dentro do próprio governo, mais moderadas, mas que permaneceram letra morta. Insiste na necessidade de conservações periódicas para .se tentar evitar a restauração, mas admite que o res- tauro pode ser necessário para não se abdicar do dever de preservar a memória. A restauração é. portanto, encarada por ele como um mal necessário, comparando a arte do restaurador à do cirurgião, através de uma provocação: quem preferiria ver morrer o parente ou o amigo a fazer com que perdessem um dedo ou usassem uma perna de pau. Como conclusão, reitera princípios do Congresso de ] 883. ao reafirmar a necessidade de se conservar o aspec- to de vet uste/, do monumento, e preconizar que coniple- tamentos e acréscimos devam mostrar ser obras de seu próprio tempo e distintos do original. Boito retoma os argumentos e, algumas vezes, lite- ralmente os repete no livro Qaestioni Praliche dl LleUeArti. de 1893. sendo os dois primeiros capítulos dedicados à restauração arquitetônica em texto composto em forma de diálogo, desenvolvendo ainda mais alguns conceitos. Evi- dencia a relevância dos valores estético^ e hi«trtriro= em uma mesma obra. mostrando que eles [iodem ser. e por vezes o são. cont radi tór ios , a d m i t i n d o que a bele- za pode prevalecer sobre o v a l o r histórico2 ' . Classi- 20. ! ' > ) ] Oiif^iiini Prntichr ili tíell? Arti. <>/). cil.. p. 17. Hni to rmiiplenienla que esses rmis pnnrm não < ! < • i t í i iurànci ; ! . i r ias dr mélndo. 21. Itltin. ( i . 22: "1'oilc-si1 afirmar, i m p-nil, qui- <> infiuitm-Mln tf m MS suas 2(i • Caini l lu J lo i l i Os Restaurado f i ca u restaurarão arquitetônica em três di ferentes tipos, arqueológica, pictórica e arquitetônica, de acordo com as principais características do edifício que dever iam ser respeitadas: a importância arqueológica, para os monu- mentos da antiguidade; as características pictóricas, para os edifícios medievais, sendo importante preservar a sua aparência pitoresca: e a beleza arquitetônica, para os edi- fícios do Renascimento em diante". Enuncia oito princí- pios que deveriam ser seguidos para se evidenciar que as intervenções não são antigas: diferença de estilo entre o novo e o velho; diferença de mater ia is de construção; su- pressão de linhas ou de ornatos; exposição das velhas par- tes removidas, nas vizinhanças do monumento; incisão, em cada urna das partes renovadas, da data da restauração ou de uni sinal convencionado; epígrafe descritiva gravada so- bre o monumento; descrição e fotografia dos diversos perío- dos das obras, expostas no edifício ou em local próximo a ele. ou ainda descrições em publicações; notoriedade21. Algumas propostas e posturas de Boi Io se consoli- daram no século XX, sendo dada grande ênfase ao valor eslratiíieacões, eomo a rrosta terrestre, e que todas, da profundíssima à superficial, possuem o seu valor e devem ser respeitadas. ÍN>de-se aeres- eentar. adernais, que as eoisas mais velhas são sempre, em geral, mais veneráveis e mais importantes do que as menos velhas; mas que. quando essas úl t imas se mostram mais heías do que as outras, a beleza pode ven- eer a velhice", [hellezza può vim ere veccinaia]. Na continuação, afirma: "A vaidade e u ambie.ão dn restaurador !ornatn-se ainda m a i < funestas ao monumento do que podem ser a avidez e a avareza". 22. Itlein. j ) , i 5. 2.'í. /«/em. p. 24.f,, t Jli documental dos monumentos históricos, procurando-se preservar como vá l idas as suas várias fases e apreciar seu aspecto de vetuste/,. Salientou-se a inda a importân- cia da distinguibilidade e da mínima intervenção, prin- cípios que permanecem até os dias a tuais . Após refor- mulações, at ingiu-se um período de grande equilíbrio, que se codificou em meados do século, principalmente nos anos 1960. encontrando uma certa posição de con- senso internacional na Carta de Vene/a. de 1964, sendo a restauração a l u a i mente encarada como uma ação de earáter eminentemente c u l t u r a l , que se transforma em uni ato crítico alicerçado na anál ise da relação dialética ent re fatores estéticos e históricos de uma dada obra. A produção de Camillo Boi to não está l ivre de in- coerências, e as opiniões sobre sua produção são contras- tantes . Mas suas pesquisas, suas reflexões crít icas, seu aprendizado ;to longo das próprias experiências, levaram- no a formulai1 textos de grande interesse e consistência sobre a h i s t ó r i a da arte. a crítica arqni te tônica e a res- tauração. Para se compreender sua obra, é necessário examiná-la em seu contexto histórico e em suas várias face tas — a de arqui te to . restaurador, historiador, escri- tor, professor, reformador do ensino, elahorador de novas legislações, e teórico de uma nova arquitelura. em um período em que o ecletismo reinava — para se perceber sua riqueza, contradições e aspectos prospectivos. O con- j u n t o de suas elaborações pertence ao espectro da ques- tão mais geral das Belas Artes, dentro do ambiente cul - t u r a l , social, político-administrativo da segunda metade 28 • Camillo linito • do século XIX na Itália. Suas proposições aparecem, en- tão, não apenas como uma síntese da soma das várias contribuições daquele período, rnas como uma verdadeira reelaboração crítica. Boito era um intelectual (e arquite- to. e restaurador, e professor, e teórico etc.) em constan- te busca, tanto em seus textos quanto err. seus projetos, de novos caminhos para a arle de seu tempo, em meio a um momento cultural complexo e paradoxal, urna procu- ra com resultados díspares mas com numerosas contri- buições relevantes em vários campos, algumas das quais podem ser apreciadas em Os Restauradores. Os Restauradores* Conferência feita na Exposição de Turim em 7 de junho de 1884 til l E^ftttxiziD i Ti>rin<> \ Este assunto, quando os senhores o viram anuncia- do, deve ter-lhes parecido mui to tedioso: mas quando eu. convidado a discorrer diante de um auditório tão gentil por esses corteses evocadores da ar te de quatro ou cinco sé- culos atrás, terminar de raciocinar, o discurso lhes pare- cerá ainda mais tedioso f io que o terna. A culpa será toda ' do orador, pois o lenia em si é belo e variado. Fará bem restaurai ' é necessário amar e entender o monumento. ~t>\-j eslálua. quadro ou e d i f í c i o , sobre o qual se trabalha, e do mesmo modo para a n ri e antiga em geral. Ora. que sécu- los souberam amar e entender as belezas do passado? P. nós. hoje. riii que medida sabemos amá-las c entendê-las? Não quero demorar um m i n u t o para dizer-lhes, se- nhores, para sen confor to , que nós. com relação a t a i s 32 • Camillo Fioit. coisas, vivemos em uma era afortunaclíssima: aliás, des- de que o mundo é mundo, nunca houve alguma mais afor- tunada do que a nossa. Pode-se mui to bem remexer na história do passado, moderna e ant iga, de todos os paí- ses, de todos os povos: os últimos cinqilenta ou sessenta anos gabam-se por estimar e por conhecer com imparcia- lidade tudo o que antes aconteceu em arte c em beleza. Para nós, a pirâmide egípcia, o templo grego, o anfitea- tro romano, as catacumbas cristãs, o batistério b izan t ino . a basílica lombarda, a catedral ogival1 . os palácios do século XVI. as cártulas do século X V I I . as fantas ias do século XVII I . para nós não têm mistér io. Entramos em todos os lugares, guiados por nosso olfato crítico, por nossa clarividência histórica: e i l u m i n a m o s esplendida- mente todas as coisas para os nossos contemporâneos e para a nossa posteridade. Desenterram-se cidades desaparecidas há milhares e milhares de anos. retiram-se da tumba grandiosas c iv i - lizações ignoradas. Além de Pompéia e Herculano! K nessas grandezas procuram-se as minúcias: não se tem paz até que o tambor de uma coluna, o toco (!e uma está- tua, o fragmento de uma palavra gravada, ou um pedaço quebrado de bronze, ouro ou argila tenham revelado à nossa impaciente e incansável cur ios idade o mais ín l i - I . Rói! o u t i l i za ' )~ a d j e t i v o s ttrchitH at^inL i--!" é. c >iínaí. e ^utit níu í para se referir à arte gótira. líesse nyxto. toi mantido na tradução o u s < > d i s t i n t o i l a « palavras- Todas as nula-, do ie \ lo são .1".- r iadnioivs . que gostariam de agradecer Lm i a i í > > M i u r l M e t io por ter < ontriimfdo para a elucidação de alguma.6 e\pres>õ,-- idiomáticas. Os K<*Ktaura<lores • 3.3 mo de seus segredos. Colocamos juntos na nossa alma os monstros assírios e as serenas graças íidiescas, Mino de Fiesole c Bernini. Beato Angélico e o niatlaccio2 Sodoma de Vercelli , um seu piemontês. Do burlesco Olivieri, tur inense (detenhamo-nos por um instante nesta (-ara p r m í n c i a ) , do abundante G a l l i a r í de Andorno, que leni certa analogia com Bibbiena e com fiepolo. daquela espécie de Callol, (]ue foi Boetto de Fossano, de Moncalvo de Monferrato, chega-se facilmen- te em Bernarclino Lanino ue Valduggia e em seu grande mestre, Gauclenzio Ferrari, tamiaém nascido ein Vai Se- sia. a cujo sacro e eslupendo monte de Varal l o preten- dem tributar, em pouco tempo, as honras do quarto cen- tenár io ; daquele singularíssimo Defendeílte de Ferra ris de Chivasso. de quem se admiravam as obras e se igno- rava o nome ale poucos anos atrás, passa-se a Gerolamo Giovenone de Vercelli . ao glorioso Ambroggio, di to Bor- gognone. < jue nasceu no vilarejo piemontês de Fossano. a Macrino d'Alba, e. mais ao alio. às p in tu ras na igreja do cemitério antigo de Avig l iana . na igreja do cemitério de Buttigliera d'Asli. na saciistia tle Santo António de lianverso em V a i Susa. Senhores, olheni i - in v u l l a dessa: ,_: ! 'ria. . ' l i t n r; na capela aqui ao lado. sentem-se sobre o.s bancos e n t a - l hados na in igua láve l sala baronia] , t- admirem essa cola que. na a rqu i lo lu ra e no or i ia inento . ( | i tasr se L'. Maluco. E < -01110 \! i se reíet ia a Síxlnma r ih sua "\a de l iio',-au \ t u l l i o . d i to o Sodoma, de \< elll - 1'intoi". el!t IA- l / / ' • í /Cf ]H'ií t ' < < < l ! i ' \ f i l i i i r i . \t-tiltnri •- i i r i i i i i - l l i í ] ' )S l ) . i ;u H i > h < confunde com o olival francês, mas na | i i n í i i r a dele se distancia, e não é toseana, e não é lombarda, mas mostra um sinal de na tu r eza própria, rujo traço leve permane- ce. at[ui e ali , na arte piemontesa até o século X\I Então, nós. do bem-aventurado século X I X . temos um braço tão grande que tudo acolhe p a r i si. Kssa For- taleza, esse Burgo não poderiam ser imaginados em ne- n h u m a outra época. E se a Comissão para a His tór ia da Arte tivesse desejado seguir seu primeiro conceito, o de acolher em edifícios de diversas arquik luras as orna- mentações, as a l f a i a s das pr inc ipais épocas da arte. do Ano Mil em diante, leria sabido lazê-lo igualmente bem: e nós teríamos passado do grave modo românico às su t i - lezas ogivais, destas às purezas do Renascimento, e de- pois ao classicismo do Risorgimentó, e depois às pompas barrocas e às dourações do Hoeocó. sempre admirando. Cem ve/es melhor o Castelo: mas, eni suma. se agradas- se à Comissão mostrar-se eclética, certamente, hoje em dia ela teria sucesso. E seria necessário m u i t o es tudo e m u i l o engenho, mas menos do que teve Halae l San/"!, qm na suaconhe- cida car ta a Leão X. corrigida t a l v e z na forma por ( . a s l i - glione. adverte como os alemães (a arte ogiva] era sem- pre chamada a l emã) "frequentemente punham apenas f igur inhas retraídas e ma] f e i t a s como m ; s u i a para sus- tentar uma viga. e a n i m a i s estranhos e folhagens desa- je i tadas e (ora de q u a l q u e r pi oporão u - i ! ".d . O famo- ,'i. Para uma e<lic;ão crítu-a da carta, ri í" C.a\ \.\. Rnffiji-ilu Os Restauradores • 3."i so Averulino, alcunhado à grega Filarete. isto é. amante da virtude, autor do Ospedale Maggiore de Milão, onde todavia empregou o arco ogival. chama aquela maneira "uma praticazinha, e maldito seja quem a introduziu; e creio'', acrescenta, "que só pode ter sido gente bárbara que a trouxe para a Itália". Palladio, depois de ter-se lan- çado violentamente contra alguns arqnitelos u l t ramon- tanos, que se intrometeram em coisas suas. para cúmulo da injúria grita contra eles: "Mostrais o ânimo em con- formidade à vossa baixa arqui te tura alemã". Eu me recordo, senhores (linha então doze ou treze anos), dos meus primeiros dois professores de arqui tetu- ra. Eram bem velhos e morreram há mais de um quarto de século. Ambos sentiam o mais arrogante desprezo, no f u n d o , pela novidade, que o marquês Pietro Selvático tanto se esforçava por i n t r o d u z i r na Academia de Veneza. e. não na palavra, mas na substância , falavam da arte gótica como Palladio: aliás, um deles, um homenzinho pequeno, redondo, sem barba, sorridente, calmo, havia purgado a fachada do Palácio Vendramin Calergi. aque- le milagre de Pietro Lombardo que alegra o Grande Ca- nal. e não é gótico, mas do Renascimento - ele a havia purgado segundo os preceitos de Yignola. mudando as proporções das ordens, d i m i n u i n d o pela metade a ú l t i - ma cornija , r e t i r ando as aberturas bííores das arcadas; e porque gostava de num. e eu. devo confessar, deie gosta- Scrittt: IstttT'.' f-trfuf. Snartti *VíCí.|7 T'<>li<~i *' Te"''iri ti Cura ili /yíicv Crimc.wi.vcn. «.'t In Ciil!iiliimi:innr ili (',1,11,11,111 M. Piii^n. Milão, líililioti.- >:;• Univcrsalc Rizznl i . l '/H. \>\>. 2.17-.Sl!2. 'Mi • Caimlln ti i i i i . i va. ele me dava. sem que Selvático de nada soubesse. aquele castigado modelo para copiar. Meu casto velhinho, como o abade J u \ ; > r a . autor do templo de Superga. corno o padre Guarini, autor do tor- cido e retorcido palácio Carignano. como Baccio Pintelli e Meo dei Caprino, autores daquele gentilíssimo exem- plar de arquitetura do Renascimento <| i ie é ;: ca tedral de San Giovanni . eoino os desconhecidos a r r u i t e t o s que construíram o escur» Caste lo , o vetusto campanár io da Consolata e a Torta Pa l a t ina . Iodos t i v e r a m un i ideal pró- prio a seu tempo, de (alo d i s t i n t o daquele d. outras épo- cas, um ideal único, absoluto, claro, irremovível. Km contrapartida, para nós parece a c« i--a mais na- tural do mundo que, por exemplo, o ingresso p r inc ipa l da Exposição seja de estilo quinhentista, enquanto o ingres- so pelo Corso Ra/faflln é de estilo mourisco: que o palá- cio das Belas Artes seja de modo pompea.no. enquanto os outros edifícios e pavilhões são barrocos, nu suíços, ou russos, ou turcos, ou sei eu lá o quê. Ante,- das últimas três ou quatro gerações, ninguém teria pensado seriamen- te, nem mesmo para urna exposição provisória, em uma babilónia semelhante. Nós. do presente (e não fa lo ape- nas dos i ta l ianos , mas de todos os po\os < iv is l , somos poliglotas: mas a nossa l íngua, aquela, verdadeiramente nossa na arte. onde está? Qual será a marca a r t í s lK a es- pecial que nos distinguirá das outras épocas na grande resenha dos séculos'.'' K a era a l u a i , no q u < - • i à a r t e . pode ta lvez ser chaimuía uma época .; Dir-nos-ão: m restfturiitlores. ()ue ;:!•'! a! Os Restauradores • 3? Mas o curioso é que. enquanto a nossa suprema sa- bedoria consiste em compreender e reproduzir minucio- samente todo o passado da arte. e essa recente virtude nos torna maravilhosamente adaptados para completar as obras de todos os séculos passados, as quais nos chega- ram mutiladas, alteradas ou arruinadas, a única coisa sábia que. salvo raros casos, nos resta a lazer é esta: deixá-las em paz, ou, quando oportuno, libertá-las das mais ou menos velhas ou mais ou menos más restaura- ções, fi difícil! Saber fazer algo tão bem e ler de conten- tar-se em abster-se ou em desfazer! Mas aqui não se dis- corre sobre conservação, que aliás é obrigação de todo governo c iv i l , de Ioda província, de toda comuna, de toda sociedade, de todo homem não ignorante e não vil . pro- videnciar que as velhas e belas obras do engenho huma- no se|am longamente conservadas para a admiração do mundo. Mas. uma coisa é conservar, outra é restaurar, ou melhor, com muita f r equênc ia uma é o contrário da ou- tra: e o meu discurso é dirigido não aos conservadores, homens necessários e beneméritos, mus. sim, aos restau- radores, homens quase sempre supérfluos e perigosos. Kssas últimas propostas, no brevíssimo tempo que nos resta an ies do almoço, pretendo demonstrá-las, tra- tando em p r ime i ro lugar da estatuár ia , eni que a questão é mais s imples, depoi^ da p i n t u r a , em que começa a intricar-se, e f i n a l m e n t e da a rqmte tura . em que se caça em um mal,mal. 18 Deixemos para trás as estátuas perdidas e das quais os escritores nos narram milagres: ja/em como os mortos e devemos dar-lhes descanso; mas os senhores bem sa- bem, como eu, que são raras as figuras antigas de már- more ou de bronze diante das quais não tenha sido pro- nunciada a feia palavra apógrafo. Cópias ou não, cópias fiéis ou licenciosas, são coisas antigas e belíssimas, e com elas podemo-nos contentar. Ora. com raríssimas ex- ceções, as estátuas gregas e romanas (os romanos foram originais e grandes nos retratos) a nós chegaram esquar- tejadas, manetas, desprovidas de alguns membros, pelo menos de uma ou de outra extremidade. Do século XV l em diante houve a fúria de restaurá-las. As más restau- rações ou as medíocres e. em geral, as modernas são fa- c i lmente reconhecidas; mas a ta re fa torna-se menos rápida quando se trata de restaurações antigas. Não bas- ta ver que uni membro está grudado para deduzir que loi acrescentado: as verdadeiras pernas do Hércules Farnese foram encontradas em um poço a três milhas do lugar das termas de Caracala. onde por volta de 1510 desenterra- ram o corpo; além disso, frequentemente os próprios es- cultores gregos e romanos faziam as estátuas em várias partes. Tampouco basta o reconhecimento de uma leve diferença no estilo: o grupo original do chamado Touro Farnese (cito propositadamente as obras que estão vivas na memória de todos vocês, senhoras e senhores) foi tra- balhado por dois ar t í f ices em conjunto . Apolônio e Tau- risco: o Laocoonte por três"rodienses. Hagesandro, Ateno- doro e Polidoro. Os Restauradores • 39 De quantos erros não foram causa as restaurações! Os senhores não ignoram a disputa provocada pelo violi- no colocado por Bernini na mão de um Apoio. Conhecem talvez esta grande questão: se os gregos e os romanos fer- ravam os cavalos. Parecia que não; mas eis que surge urn baixo-relevo em que as ferraduras com seus bravos cra- vos estão ali indicados claros e evidentes: e um arqueó- logo de nossos dias. famoso, sempre cauteloso e sagaz. observa-os e grita tr iuníalmente:ycrrrtf i«m os cavalos. Aquelas patas, infelizmente, eram uni remendo. O Ar- rotino lorna-se um Esfoladorde Mársias; a Lucrada, des- coberta no Trastevere e para a qual uni papa. Leão X, escreveu versos latinos, transforma-se em Ariadne: o Jasão da Gliptoteca de Munique era tido corno um Cin- cinato: o Apoio citaredo, cujo ombro com <> braço direito e a mão esquerda com a maior parte da lira não são ge- nuínos, era conhecido antes sob o nome de Musa tíarlie-rini: alias, Winckelmann nele via nada menos do que a Eralo do estatuário Agelada. Invoquei o Hércules em Repouso, todo músculos, imponente, verdadeiro símbolo da força. Ninguém pare- cia mais apto do que Michelangelo a acrescentar-lhe as pernas que ainda não haviam sido encontradas. Paulo III chama-o e ordena-lhe que seja leito. O a r t i s t a põe-se a trabalhar, realiza-as de gesso e ajusta-as ao colosso: exa- m i n a , reexamina, gira em vol ta , regi rã. depois, sacudin- do a cabeça, pega um martelo f. começa a bater até que as pernas se despedaçassem: e dizem que gritava: "nem mesmo u r» dedo eu saberia f a / e r para essa estátua". As pernas foram então acrescentadas por Guglielmo del ia Porta; somente dois séculos depois se entendeu que eram mal feitas, quando se encontraram, como di*se. as per- nas de Glíeon. se é que a estátua é de Glíeon. Com o grupo do Laocoonte, que Plínio coloca à fren- te de todas as outras obras de estatuária e p in tura e no qual nota o "admirável entrelaçamento dos dragões". aconteceu o seguinte: tendo sido desenterrado, há não muito tempo, um antigo grupo pequeno de bronze, repro- duzido a partir do Laocoonte original, entendeu-se como o braço direito do pai. com o qual ele tenta o supremo esforço de livrar-se de uma das serpentes, e o braço di- reito do filho menor, elevado em ato de desespero, foram licenciosamente refeitos, já que tanto o pai quanto o me- nino no grupo de bronze dobram o braço, colocando a mão sobre a cabeça4. E assim o pobre senhor Corna- cchini, restaurador, ficou vexado. Citei Plínio anteriormente. Não quero deixar pas- sar a boa ocasião de apresentar-lhes uma sugestão h ig i é - nica, t i rada de sua História Natural, e não a lhe i a à estatuária, sobre a qual discorremos. Se lhes acontecer de terem dor de cabeça, peguem a erva nascida sobre a cabeça de uma estátua e. com um fio vermelho, amar- rem-na à roupa: rapidamente f icarão curados ( l i v r o X X I V . cap. ]9). l Ta! jrnipn esrultórirfi py~snu pnr d iversa^ in í r ry fN^òrs drpois de sua descoberta nu l .">(HI . N» f ina l f t < i > m<» ITiO. furam ir t i radu.- os ;'cTé>ci- i lHjs sofrido.- c ms r r ido um f r o j i i i i m l i . < > r i > : i n ; i i do l > ; a r r d e . pau que h a \ i a ••ido descolai-to. Os Kc.stauradores • 41 Mas, em suma. há realmente necessidade desses benditos restauros, que dão a a lgumas partes da. obra antiga um conceito d i s t an te do o r i g i n a l , ou. pelo menos, não indub i t áve l? Não são admiráveis rotos e manetas o Torso de Hércules, chamado Belvedere, o Torso de Baco. chamado Farnesv. o primeiro, um espanto de vigor gran- dioso, mas natural ; o segundo, um espanto de delicadeza elegante? Não é admirável e sedutoríssima a Psique, en- contrada no fim do século passado entre as ruínas do an- fiteatro de Cápua e que agora resplandece no Museu de Nápoles? E fal ta- lhe o braço direi to, o braço esquerdo e um pedaço de ombro, e um flanco, e t udo do umbigo para baixo e o cocurulo da cabeça. No dorso existem traços da inserção das asas: e inclina o corpo em alo de graça ine- fáve l , e talvez olhe. para baixo, un i Amor menino, que deveria estar a seu lado. ta lvez a lucerna f a t a l ou a bor- boleta, que t a lve / segurasse na mão. Nessas dúvidas va- gas, a fantasia inspira-se, deleila-se e enamora-se. E um encanto. Se o próprio Michelangelo. se Canova a tives- sem terminado, o génio independente do desconhecido artífice grego não se teria mais alçado ao nosso encon- tro: não poderíamos mais voar através dos séculos até o país beato da eterna bele/a. Há unia pur te no rosto, talvez a principal nos bus- tos monocromáticos, que os catálogos estrangeiros bem f e i t o s m u i í o frequentemente registram corno restaurada, mas cu jo remendo, por sorte, não é difícil descobrir, mes- mo quando os catálogos mal feitos, como em geral são os nossos, nada i n d i c a m das restaurações. E o nar iz , contra - •12 • Camillo Hoi to » qual. além das quedas, dos desmoronamentos, das ruí- nas de todas as espécies, também contribui cê bom gra- do o ataque dos gaiatos de hoje; e para convencer-se dis- so basta passear pelo Pincio, contemplando as efígies dos inumeráveis homens ilustres. Os olhos, espelhos da alma, e a boca, sem a cor das pupilas e dos lábios, perdem muito de sua expressão, ainda mais porque as pupilas no melhor período cia ar te ant iga não eram de fato marcadas, ou desapareceram, porque pintadas ou feitas de esmalte ou incrustadas de pedras preciosas. O nariz, em compensa- ção, tanto de mármore quanto de bronze, de frente como de perfil, imprime à fisionomia o seu destacado caráter: basta uma diferença quase imperceptível na linha de sua junção com o rosto, na sua espessura, na sua forma reta, ou aqui l ina , ou amassada, ou chata, ou sinuosa e na am- plitude das narinas, para al terar o aspecto e a expressão das feições. Leonardo da Vinc i moslra-o nas caricaturas bi/ar- ras; e os romanos e gregos t i ravam do nari / um indício da alma. como fizeram os l i s ionomis las posteriormente. Na própria Bíblia, vejam, o Levítico proíbe de aprovimar- se do altar "aquele que tem o nari/. achatado ou desme- dido" (cap. X X I . versículo 18)'. e. o Cântico do* Cânticos (cap. V I I , versículo 1). não em todas as traduções, mas ó. Na \ !ê--se: "ner ;H eedet ad Mii t i i^ tc r ium eius: si :-u>-< tis íueri!. si r laudus. si parvo vi-1 irrar.di. \ e l torno naso f...]". Hililin l ul.nitii. Madnd- l! i l>l iotera cie Autores Cristiam». l <'•'!•">. J .í na lii>'li,i <!<• Ji-nisitl,'m. São Paulo. Edições Paulinas. ]'.>K\. !è-se: "Pois nenhum homem (<'vr se apro- ximar raso lenha aipim delei to.-((uei -oja eeeo. roxo. di-sik-nrado ou de- formado'', sern meneões ao nari?. < )s Restauradores l • nas mais fiéis, exclama: "teu pescoço, uma torre de mar- fim: teus olhos, as piscinas de Hesebon j u n t o às portas de Bat-Kabim. Teu nariz, como a torre do Líbano vo l t a - da para Damasco"6. Para os judeus o nariz era a sede da cólera, e nós mesmos dizemos Saltar Ia mosca ai na.w', assim como dizemos "ter bom nariz' ' ' . ou simplesmente "ter nariz , no sentido de ter um bom juízo, de ser prudente, ajuiza- do, e "tomar ou pegar pelo nariz e meter o nariz e íicar com um tamanho nariz ou com um palmo de nariz'"'... da maneira que os senhores ficarão, desculpem, depois de terminada esta minha conferência. Não pretendo brincar: o grave, o solene Tommaseo, que não brincava, em seus Pensamentos Morais, dedica dois capítulos ao nariz, já cantado pelos poetas, e começa assim: "Grande é o po- der do nariz nas simpatias dos mortais". Depois de ler afirmado que "a civilização [iode muito com os narizes", sentencia: "Olhos cerúleos, nariz longo: mulher má. - Nariz reto: alma ao menos leve. - Queixo proeminente e nariz longo: bondade. — Nariz que se inclina para beijar a boca: pouco engenho", e continua, mas creio que para nós basta. Para mini. era urgente mostrar-lhes a suma impor- tância do nariz na fisionomia e na estatuária para poder- ei Bflilin de Jerusalém, ed. eil.. p. 807. Na \erdade. trata-se do versíetilo S em diante. 7. Llti-rahi!":',;-. :> llinsea p u l - u nu <>;!nr. que sigiuiíea pe rde ra pariènria. ter um acesso de eóleia. 8. No sentido f i e ter faro. '). P i r a r d e s i l u d i d o í l lhes despertara seguin te interrogação: nos bustos ou nas estátuas, em que f a l t a o na r iz , deve-se recolocá-lo ou não? Deixando a cabeça sem nariz, certamente se tolera uma feiúra repugnante: podemos fan tas ia r os braços, as pernas de uma figura, até os ombros ou um pedaço de nuca. mas para ad iv inhar um nariz que não exi? te requer- se um esforço superior talvez à nossa imaginação. Por que então não nos deixarmos socorrer por um valen te art ista que. depois de ter estudado bem o caráter da face rola. complete com mármore, já que pode fazê-lo. aqu i lo que não conseguimosa t ing i r com nosso engenho idealmente? Direi qual é o meu sent imento . Para mini. confes- so, repugna, mesmo nessa ocasião, mesmo em se tratan- do de um insigne restaurador, deixar-me enganar. O res- taurador, no fim das contas, oferece-me a f i s ionomia que lhe agrada; o que eu quero mesmo é a antiga, a genuína. aquela que saiu do cinzel do ar t is ta grego ou romano, sem acréscimos nem embelezamentos. O intérprete, a inda que grandíssimo, enche-me de ferozes suspeitas. Somen- te em um caso o remendo pode parecer to le ráve l , ale mesmo, às vezes, desejável: no caso da estátua ou do re- traio em que houvesse outros exemplares seguros e com- pletos, ou pelo menos medalhas claras ou camafeus evi - dentes. Teoria geral para a escultura: RKSTAUK \<,:ul,s. l > K \lonn - \ l , ( . ; l 'M; K J O G A R K O H A l\ Kl H !' \\1K\TI-:. >K\ H K M I S S . V » . TODAS • \OIT . I , \ O t ! K K O R A M IT.ITAS ATÉ AC.ol íA, K K C K . M K S Ol.' A \ T I ( , \ S . Os Restauradores • 45 Antes de passar à .p in tu ra , enterulamo-nos em dois pontos. O primeiro é o seguinte . Aquele que. trazendo de unia a r t e do passado todos os elementos da própria obra, a executa nova em f o l h a , não tem nada em comum com o restaurador. .Mo Castelo em que estamos, na vila aqui ao lado. todos os conceitos e todos os detalhes, tan to da ar- q u i l e t u r a como da ornamentação, foram tirados (e o Ca- tálogo não cansa de demonstrá-lo) de modelos efetivos do século XV; mas tudo é. corno se sabe, recomposto, de modo que o trabalho aparece como uma verdadeira obra de arte. na qual não sabemos se devemos elogiar mais a esc rupu losa cautela do arqueólogo e a fiel fineza do copista, ou o génio refazedor cio arqmleto e o espírito do ar t í f i ce , a d i v i n h o de singulares aspectos prospéticos e românticos. A vida , que está aqui dentro. \ e i o do ânimo criador: o belo. que nos comove, não é o parto grave do estudo, é o filho volante da imaginação. Duprè não era um restaurador, quando, jovenzinho. esculpia em buxo um c r u c i f i x o , roubando mini e ali, e o Critlo v e m a ser julgado do século XV por Ba i lo l im. que entendia do assunto: nem quando entalhou um cofre com ntuit,os enfeites e uma cabeça de Medusa, o qual. depois de o mesmo Bartolini o ter declarado um dos trabalhos mais belos do Tasso nunoeneiro . f e i lo a partir dos dese- nhos de Ben v eu u to Cellilli, foi vendido à maiquesa Poldi <le Milão: e a marquesa, passados a lguns ano;-, mostrou- o a Duprè como uma ins i ro*- obra an t iga , quando o a r l i s - ta. experimentando certo remordo, disse: "Senhora mar- quesa, perdoe-me, este t r a b a l h o é meu . c a marquesa. ~ i- i í ^ i ' „« j. 2 ,.; i c- l "í -| ^ = £ ~ J l É s . —' w Cíi c '"5 -^ 5 ~ 2 S ~ ' ~ ' ^ - ^ — -' ? - - • J _ /- ,—• •—' ,f. í—5 . — —, ^ •• <~t r—1 ~* ..l /,' -. -J —, ^ —• ^ -J » * -f~ f*, i** ^. *~ *( s .it i 3 ~ ~ cr - .2 IK) c râ ^ •'-. - 'C . ^ -« - s r& - 3 ir 2 " ^ . ' " S = - J 2 * ~ _ I ^ 7 ^ ^ S — r - i _ i 0 " C £ _ ~ í i > " " _ _ £ ~ 2 r : : "2 'E r e - ^ r "3 O l M l -2 Í J ,£ S" l _2 3 __§ o i; . w 2 r E '5 's 3 c ' 3 ? B í £ n — —. 'f ~ ^i r3 •" i; S t/j 03 •— .. ' "S; S| ^ ^ ; | ^ Í ' ^ r - i ^ p S ^ f c ^ v g . u - ' í— ^_ —' C Ca ,—l - ,— ' ^ .. ,_; 5 '2 r .SP £ -r ^ S -õ -^ ^ n s S ^ c d S ^ - ^ s c — " — * ' - ! CJ ? 2 1J n ^ •« ^ ^ r>" ^ | § a . ' | o = * - 3 | J ^ § '=, ^Sl | « § U 5 S Í s fg á g ^ - . s ^ s ^ s g ^ i: c r i - - _ : ^ - p " a ' ~ ? M w 4 ^ 3 x ~ ^ r 5 1 c ?• ? S ^ .2 3 r3 i; l S 5 eu O * — • ~ i; /.' S! = — ~~S- *• — C^ ^ QjX^ i i/ V:I^ , ^_ •_ | o r. c^ r. sut i l folha da cor. onde aparecem as t in tas da prepara- ção, os primeiros traços do desenho e os /tfnlniicnli e as mudanças. Kntra-sc assim na lan iasv , do a r t i - U i . r sp iam- se as suas perplexidade*, os seus c o n t r a s t e - , qua^e se ad iv inham os seus fervores e os desenganos de seu ân i - mo. O princípio da obra, e o hm. a primeira página < a última, o inquieto esboço i- a sublime obra-prima. que t a U e x tenham requerido o intervalo de longos anos de es-ludo: ei-los diante de no.-sos olhos. d i \s pela es- pessura de uma superfície Ião grossa q u a n t o uma (olha de papel. Se a p i n t u r a , ao contrário, é sobre t e l a apodrecida ou estragada, é n e < essái 10 t irai ' - lhe a i r a i na l i o a l io . As- sim desnudada a obra do p i n c e l , ela é recolocada com uma cola t enax sobre uma u o \ ida ou madeira e o tra- balho está terminado. Para o bom afresco, a operação não resulta m u i t o diferente: mas apresenta mais nscos. não tanto por causa do miro. dos criptogranws c das parles estufadas, mas por causa dos retoques a seco, que supor- tam mal a utilidade da cola. h apesar dioo. tentou-se a transposição do bom afresco (não do pedaço da parede, digo, mas apenas da superf íc ie) , desde o p r i n c í p i o do século passado, e n q u a n t o a transposição d i [ u n t u r a a óleo loi executada em i . L1 '-' por um romano. Domenico Mielielini. e pui x o de pui-, por um Iram és. IV tu- 1'icault. i |iie l rã bali lon sobre uni vasto quadro de Ai K h ca dei Sarlo cm \. e í l epui - , em ! , ••>'}.. -ol ire ( J .v/ > \figuet de Rafael no l.ouvre. Nós.\inte ou vmíe cinco anos ;a se passaram, voltamos. CMM! tírande alarde. , i HP e n i u r os O.« Restauradores • 49 métodos que já existiam há muito tempo, e que agora encontram uma aplicação difusa e segura em todas as principais pinacotecas italianas. **# Até aqui não se t ra tou de assunto de pintor nem de restaurador; mas quando realmente se chega ao momen- to de tocar uma pintura, surgem as controvérsias. Mes- mo assim, é necessário confessar que os pintores-restau- radores dão exemplo de rara unanimidade em duas coisas essenciais. Primeira: ao jurar por todos os deuses que sobre os quadros que foram confiados às suas mãos não deram, arbitrariamente, nem mesmo a mais leve pin- celada, não acrescentaram nem mesmo a mais pá l ida velatura. Segundo: ao lançarem-se uns contra os outros, pelas costas, e às vezes até mesmo cara a cara. os doces títulos de falsificadores e ignorantes. - Então estamos entendidos. Senhor Professor, o senhor só deve tirar as gotas de cera. caídas dos cande- labros do aliar, sobre este pobre Ticiano. Estamos de acordo? - Imagine! Senhor Diretor, se'me ordenasse traba- lhar na p i n t u r a , d i r i a não. Preteriria morrer de fome. Com as gotas de cera. entenda-se, devo espanar a poeira. V e j a aqui. ao tocar, como o dedo fica sujo. - A poeira, parece-me jus lo . — I . também a fuligem. — Mas. por lavor! dom água pura. - Claro: água ( . (est i lada. Aliás, deixe-me experimen- 50 • Camillo Boitu tar. Viu como maltrataram aquele Gaudenzio. As mãos foram todas despeladas, não há mais cor; e depois a ca- beça, que se destacava pela luz no ar, agora se destaca pelo tom; o ar foi repintado; o manto da Madona, não lhe parece assim? Era de um valor diferente. — Tem razão. Senhor Professor, não se reconhece mais o Gaudenzio. Que sacrilégio! — Oh, se pensassem na responsabilidade do restau- rador! E um sacerdócio o nosso. Eu, veja bem. me apro- ximo de um quadro velho com mais devoção do que quando vou ajoelhar-me diante do altar. Veja, veja como já neste canto a cor revive. Pena que haja tantas restau- rações! Este pano foi refeito por um bárbaro: até um que não é do ofício percebe. Examine, toque. — Certamente, o Senhor diz bem. o pano azul foi re- feito; mas o que estará embaixo? — O pano original, eu juro. Devo prová-lo? Basta um pouco de gaze levemente embebida neste inocente líqui- do alcalino. — De verdade, não sei. — Senhor Diretor, esta é ou não uma infame restau- ração? Se é uma restauração, o que tem a ver com Ti- ciano, aliás, não esconde Ticiano? Querendo ter-se o ge- nuíno Ticiano. é necessário que se retire esta cobertura.Verdade.ou não? — Verdade. - Note com quanta doçura: mal se toe;;: mas é ne- cessária uma santa paciência e deve-se ter a mão leve como o vento. Estive em Turim, por causa de um nego- Os Restauradores • 51 cio, no ano passado. Aquele Tamburini, barbeiro rnila- nês, estragou quadros nos tempos de Vittorio Emanuele I. e para raspar a cor antiga, lembrando seu primeiro ofí- cio, usava a navalha. E como era amigo dos camaristas, elegeram-no conservador dos quadros dos palácios reais. - Ó barbeiro esfolador! — O Senhor ri, mas Fígaro fez escola. Há alguns meses, em uma cidade da Itália (não quero dizer qual) a Academia de Belas Artes confiou a um velho restaura- dor uni grande quadro de Lorenzo Lotto. para que o lim- passe sob a vigilância de uma solene Comissão. Todas as manhãs a Comissão ia dar uma olhada. No chão, sob a tela, alguém havia notado corno que monlinhos de ras- pas. No início pensaram que fosse tabaco; mas em um belo dia. junto ao cavalete, descobrem ferros, cinzéis, alguns pequenos, outros grandinhos, e todos muito cor- tantes. Observam bem. espiam. O restaurador, em vez de lavar, raspava as sujeiras, com a fúria de cinzéis, e junto com as sujeiras, as cores; e depois, onde lhe parecia que as carnes não eram suficientemente luminosas, com o cinzel tracejava a seu modo até encontrar o branco da imprimadura. Disso nasceu um diabinho. Prontamente se retirou o trabalho do pobre velho; mas o quadro ainda carrega os traços dos ferros, especialmente rni dois ou três anjinhos, voando nos ares ... Veja, Senhor Diretor, o pano azul dá lugar ao original. E unia revelação. — Parece-me que sim. Mas corno é pálida a cor que está embaixo; parece um claro-escuro. - Porque está molhado. Espere uni pouco até que ' / i 52 Camillo lioitt seque. Conheço bem a maneira de Tieiano. Antes cio quadro de Adão e Eva. que o Vecellio deixou inacabado, e no qual Tintoretto fez o Adão e Lodovico Pozzo de [re- viso executou a aldeia, e Bassano acrescentou os ani- mais, eu, com os olhos vendados, tocando, parei meu dedo sobre os joelhos de Eva e gritei: eis o meu Ticiano. Mas enquanto se discutia, procurei, veja, expirgar um canto do fundo da repintarem. Veja que belo verde, que verde, querido! - Muito bem. O Senhor conhece. Professor, a esti- ma que lhe tenho; mas os regulamentos obrigam-me a nomear uma Comissão. A Comissão, de resto, não o abor- recerá. Até logo. A Comissão é nomeada. A princípio resiste, depois se aborrece e deixa as coisas caminharem, e ao f i m , ten- do deixado andar , aprova, com exoeção dos casos de grandes escândalos, como o de Lorenzo Lolto; c o restau- rador, arrastado por uma invencível fatalidade, domina- do por uma força irresistível, continua o próprio traba- lho. Por quê. de fato, conservar rel igiosamente em um quadro velho os borrões que em parte o escondem e t i - rani-lhe todo o esplendor da beleza? A obra-prima em tal estado não deve ser considerada quase perdida? Seria um mal tentar libertá-la daquele denso véu negro, daqueles hórridos borrões, devolvendo-a à admiração de todos? Esse é o pr imei ro passo bastante razoável e. às ve- xes, de fa to . inevitável. Mas ao re t i ra r os velhos re toques e restauros, por mais cuidado que se tenha, não temos sempre certeza de não retirar um pouquinho d i cor pn- s Restauradores 53 mitiva. E quando o restaurador entende ter despelado, como se diz, a pintura e teme a crítica, ele sabe sempre resistir às fáceis tentações de seu ofício? Trata-se de uma veladura; mas assim como a limpeza de uma parte pede a limpeza de outra, a veladura pede «nitra, velar obriga frequentemente a repintar. Aonde se vai parar? O restaurador deve ser então uma espécie de ope- rário, que encontra na própria ignorância o mais seguro dos freios para repintar e para completar; ou deve ser um pintor, consciencioso, entenda-se, mas também hábil em Iodas as técnicas da pintura e perito nos vários estilos da arte? Eu. confesso, temo nesse caso a ambição do sábio: mas temo ainda mais a ambição do ignorante. Não basta, infelizmente, o não saber fazer para não fazer. Ora, nas restaurações da pintura eis aqui o ponto chave: PARAR A 1'KMPo: e aqui está a sabedoria: CoNTENTAR-SE COM O MK- ,\oy 1'osslVKl.. * * * Em geral. nós. que discorremos sobre arte, fazemos como o padre Zappata. o qual "deveríamos seguir em palavras, mas não em feitos"1": mas em nenhum campo é tão difícil operar e tão fácil refletir quanto naquilo que se refere à restauração dos monumentos arquitetônicos. Os senhores escutam, a todo momento, os deputados na 10. \o unpual. "prcdirava lime >• razzohna inale", espn-ssãn idiomática i pi'1 - ienifica qu-" só r in p;i!a\ia se < unipnrtava !>pm. 54 • Ciunillo Roito Câmara, os jornalistas em seus textos ligeiros, os enge- nheiros em seus congressos, os académicos nas suas as- sembleias, ditar sentenças repletas de sabedoria em re- lação aos modos de conservar para os nossos netos, sem que percam nada do aspecto antigo, as grandes obras de nossos avós. E os pobres arquitetos, os pobres membros das Comissões, encarregados de algumas restaurações, são gente que deveria estar na berlinda ou ser mandada diretamenle ao patíbulo: e sentimo-nos felizes quando se pode fazer eco aos nobres desdéns dos estrangeiros, notadamente dos ingleses, reavivando-os e eníocando-os rle novo. O mal deve ser revelado sem remissão, estamos de acordo; mas, antes de gritar bárbaro, seria necessário examinar se o bárbaro poderia ter leito de outro modo. Todos os senhores conhecem Veneza. Não é uma cidade deste mundo: é urna miragem divina. Eu. entretanto, a imagino ainda mais bela. Quando, como em Aquiléia . como em Grado, como em Torcello. o assoreamento tra- zido pelos rios tiver enterrado as lagunas, e as lebres ti- verem expulsado os ú l t imos míseros habitantes, e todas as casas tiverem ruído, e sobre os amplos espaços cober- tos de ervas as arvorezinhas magras t iverem produzido uma breve sombra, se levantarão lodavia, ao cair da tar- de, sob as nuvens douradas, os remanescentes <!e alguns vetustos edifícios. A igreja dos Frari mostrará desven- tradas as suas enormes naves: de longe, a avolumada cú- pula da Salutc dominará impassível; mais d i - t an te . o templo dos Santos João e Paulo será um amontoado de Os Restauradores • 55 ruínas, com exceção das cinco absides, e restará intacto o Colleoni sobre o pedestal disforme, mas os ornatos do Hospital , tão finos, tão delicados, deverão ser procura- dos entre os restos e os fragmentos. A praça de São Mar- cos, que estupor! Três cúpulas da basílica, periclitantes, ainda não terão caído: os mosaicos do interior das abó- badas poderão ser vistos da parte de fora e. através das lacerações das muralhas desmanteladas, resplandecer o ouro; e os mármores e os pórfiros e os alabastros das co- lunas rotas emitirão, naquela tristeza sepulcral, estranhas cintilações. Quanto ao Palácio Ducal, o mais maravilhoso pa- lácio do mundo, não pareceria necessário, deixando-o como estava, esperar mil ou dois mil anos, nem talvez cem ou dez, antes de vê-lo reduzido ao apropriado ideal de pitoresca beleza. Boa parte das bases e dos capitéis, e alguns fustes de colunas, e muitos pedaços dos liga- mentos dos arcos estavam reduzidos a fragmentos. Ago- ra é necessário também que os blocos de pedra, que não sustentam mais. sejam substituídos por novos. Certamen- te, é uma pena: certamente, é uma profanação: mas. en- fim, o que se queria era 'o palácio em pé ou por terra? Alguém d i / : deveriam fazer um novo núcleo para os capitéis, por exemplo, e depois recolocar ao seu redor a superfície dos antigos, com as suas folhagens e as suas pequenas figuras admiráveis. É mesmo? K os senhores cr»"-em que esses capitéis, já despedaçados e dilacerados, reduzidos assim a um fino folheado, não estariam, após alguns anos. dissolvidos a pó? l ima vez destruídos, quem56 • Camillo Boilo . mais os admiraria;* Não seria melhor reproduzi-los mi- nuciosamente e guardar os antigos em uma sala ali ao lado. onde os estudiosos, presentes e luturos, poderão pesquisá-los a seu bel-prazer? Faz-se o que se pode nes- te mundo; mas nem mesmo para os monumentos se en- controu, até agora, a Fonte da Juventude. Há dois anos. uns cinquenta piniores, escultores e arquitetos, entre os quais Favretto. Mion, Dal Zolto, Marsili e outros intrépidos, fizeram uma adesão formal a um opúsculo sobre o Futuro dos Monumentos em Veneza. escrito com furor, rico em coisas poéticas e em coisas sábias, no qual se lê: iNão nos iludamos, é impossível, tão impossível quanto res- suscitar um morto, restaurar qualquer coisa que foi grande e bela em arquitetura... Replicarão: pode surgir a necessidade de restau- rar. Concedamos. Olhe-se Ijern nos olhos tal necessidade e com- preenda-se o que significa, E a necessidade de destruir. Aceitem- na como tal, destruam o edifício, dispersem as pedras, façam delas lastro ou cal se quiserem: mas façam isso honestamente, e não coloquem uma mentira no lugar do verdadeiro". 1 ]. O trecho da obra ///Inrn/Vr í/*'/ Mojnirnfjiíi i n l cmcm ( \. Fontana. 1882). citado por Boito. tem sim origem nos escritos de J. ihn K u s k i r i . es- pecif icamente na Lâmpada da Metnó! ia . publicado nas Sete limpadas <ln Arquítetura pela primeira vi---/ em ]840. Cf, Ruskin. 7/i*' .Ví'Vi fjini[i,<: i>/ Archittcture. 6a ed.. Snmiysid». AU. 'n . 1889. pp. 104 e ]%: "Do imt i , - t tis deceive ourseíves in this important matter: it is impftssible. as impos- sible as to raise the dead. to restc.re a n y t h i n g that hás evcr b"cn irreal or beaut i ful in architeeturc. [...] l iut . it is saíd. thert- may coni*j a m-i t - s s j i y for r r s to i -a t icn! ( i i a i t t e d . Look the neeessity l u l l in the íar^. a t j d uii(trrstand it on M,- '\M\. lf ?s a í i fct-ssi ty for destni<'tion. A r < - ; - ] / t i ' as such. pull the huildin^ down. t h r i > \ Os Restauradores • 57 Isso segue uma lógica, mas urna lógica impiedosa. Não podendo conservar incólume o monumento, destrui- lo, ou deixá-lo, sem reforços e sem as inevitáveis reno- vações, morrer de sua morte natural, em paz. A arte do restaurador, volto a dizê-lo, é como a do cirurgião. Seria melhor (quem não o vê?) que o frágil corpo humano não precisasse dos auxílios cirúrgicos; mas nem todos crêem que seja melhor ver morrer o parente ou o amigo do que fazer com que lhes seja amputado um dedo ou que usem uma perna de pau. Disse no princípio que a arte de restaurar é recente e que podia encontrar as suas teorias somente em uma sociedade que não tivesse nenhum estilo seu na arte do Belo, mas que fosse capaz de compreendê-los e, quando oportuno, de amá-los todos. Encontramo-nos nesse caso há pouco mais de meio século: mas, apesar de o tempo ser breve, até mesmo os critérios sobre o restaurar se transformaram, principalmente nesses últimos anos. Nern eu, senhores, confesso-o, sinto-me livre de alguma con- tradição. Existe uma escola, já velha, mas não morta, e uma nova. O grande legislador da velha foi Viollet-le-Duc, its ^tones i í t to negleeted eorners. niake halíast oi íhern. or mortar. íí vou will: Init do it honestly and do not sei up a Lie in their p!are"'. Em oulro texto de Boito em que é abordada a res tauração, (fiie.siiuiie 1'nitit kc t!i Relle Arti (Mi lano . Hocpli. t.jV,'ll. í. autor lepete essa citação atr ibuindo-a Favretto (o pintol Giacomo Favretto. nascido em Veneza em 3849 e morto em 1887) e a "outros intrépidos' (p i l K sem relacioná-la a Knskin . Boito cita Huskin mais adiante fp. 10). a lespeitu de comentários «obre Murano. qualificando-o de i a n t á ^ í i c < i . 58 Camillo Hoito que com seus estudos históricos e críticos sobre a arte ila Idade Média na França fez progredir a história e a crí- tica também na I tá l ia , f o i também arquiteto, mas de va- lor contrastante, e restaurador, até há pouco elevado aos céus por todos, agora afundado no inferno por muitos pelas suas mesmas obras na antiga cidade de Carcas- sonne. no castelo de Pierreíonds e em outros insignes monumentos. Eis a sua teoria, da qual derivou sua práti- ca: "Restaurar um edifício quer dizer reintegrá-lo em um estado completo, que pode não ler existido nunca em um dado tempo"12. Como fazer? Colocamo-nos no lugar do arquiteto primitivo e adivinhamos aquilo que ele teria feito se os acontecimentos o tivessem permitido f ina l iza r a construção. Essa teoria é cheia de perigos. Com ela não existe doutrina, não existe engenho que sejam capazes de nos salvar dos arbítrios: e o arbítrio é uma mentira, uma falsificação do antigo, uma armadilha posta aos vindou- ros. Quanto mais bem for conduzida a restauração, mais a mentira vence insidiosa e o engano, t r iunfante. Que diriam os senhores de um antiquário que, tendo desco- berto, digamos, um novo manuscri to de Danle ou de Petrarca, incompleto e em grande, parte ilegível, se pro- pusesse a completar, de sua cabeça, astutamente, sabia- mente, as lacunas, de modo que não fosse mais possível distinguir o original dos acréscimos? Não maldir iam a habilidade suprema desse falsário? L até mesmo poucos 12. Cf, a tradução do texto de E. E. °Yiollet-le-l>uc. Restauração. São Pauio. Ateliê Editorial. 2000. p. 29. Os Restauradores • 59 períodos, poucos vocábulos interpolados em um texto não lhes enchem a alma de tédio e o cérebro de dúvidas? A q u i l o que parece tão reprovável no padre Piaggio e no monsieur [.w] Silvestre, seria, ao contrário, razão de lou- vor para o arquiteto restaurador? Em 1830, Vitet foi nomeado inspetor geral dos mo- numentos históricos na França e, cinco anos depois, foi substituído por Mérimée. aquele autor de graciosos ro- mances, o qual chamava os italianos "un tas de fumistes et de musiciens '!i, e declarava desprovida de gosto e de imaginação a arquitetura dos palácios venezianos, e no- tava como toda a música de Verdi et consorte se asseme- lhava a uma roupa de arlequim, e de Milão, dizia: "Vous ai-je parle dês cailles au riz qu"on mange à Milan? C'est cê que j'ai trouvé de plus remarquable dans cette ville"1'1. Isso importa pouco, mas Mérimée ioi também secretário de uma Comissão eleita em 1837 para classificar e con- servar os monumentos franceses, a qual falava coisas pre- ciosas. Ouçam: Nunca se repete suficientemente que, em relação à restau- ração, o primeiro e inflexível princípio é este: não inovar, mesmo quando se fosse levado à inovação pelo louvável intento de com- pletar ou de embelezar. Convém deixar incompleto e imperfeito tudo aquilo que se encontra incompleto e imperfeito. Não é ne- 13. Em francês rio original "Um monte de levianos e de músicos". A pala- vra francesa Jitmiste tanto se refere ao limpador de chaminés quanto a unia pessoa que não leva seu trabalho a sério. 14 Cm francês no original. ''Falei [tara vocês sohre a- codornas com arroz que >e come em Milão? E o que encontrei do mais notável ne^sa cidade." 60 • Camillo Boito cessário permitir-se corrigir as irregularidades, nem al inhar os desvios, porque os desvios, as irregularidades, os defeitos de si- metria são fatos históricos repletos de interesse, os quais frequen- temente fornecem os critérios arqueológicos para confrontar uma ('•poça. unia escola, uma ideia simbólica. Nem acréscimos, nem supressões. Em 1837. realmente, "do dito ao feito existia uma grande distância'"; mas e agora? Não poderia alguém in- terromper-me, gritando: "entre o dizer e o operar existe em meio o mar?''1'' Quanto me dói que a hora do almoço me impeça de poder mostrar-lhes, senhores, em que ca- sos certas exceções devem vencer a santa regra geral, e como o Génio, que se chama civil, é a maior praga dos monumentos italianos e, f i n a l m e n t e , de que modo o Go- verno poderia e deveria reordenar u t i lmente seu gabine- te nessa matéria.
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