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A Goiana do Século XX
Fosse no campo ou na cidade, a introdução de máquinas e equipamentos redirecionou a ordem produtiva do território de Goiana. Procurando integrar-se ao novo circuito de produção, o final do século XIX e o início do século XX ficou marcado na história do município pelas sucessivas tentativas de modernização de empreendimentos. Foi nesse período, no ano de 1894, que o Cel. Manoel Aurélio de Gouveia, em associação com o Dr. Manuel Borba e a Joaquim Pereira Marques, fundou Companhia Industrial – Fiação de Tecidos de Goyanna. [footnoteRef:1] [1: Já em 1901, acompanhando as transformações que aconteciam por todo país, o município inaugurou a Companhia de Transportes de Goiana, que realizava viagens entre Goiana e Recife.] 
Naquele momento o território de Goiana caminhava para a diversificação econômica e para a consolidação do seu mercado de trabalho. Foi nos anos de 1930, que a fábrica viveu seu momento de maior apogeu, sob o comando de José Albino Pimental. Durante a gestão de Pimental a fábrica recebeu a expansão do seu maquinário e da sua vila operária, que chegou a abrigar 476 casas[footnoteRef:2]. Foi também nesse período que o município recebeu a instalação de um Cine-Teatro (Cine-Teatro Polytheama, 1914) e uma usina de geração de energia elétrica (1919)[footnoteRef:3]. [2: A pesquisadora Telma de Barros Correia produziu uma extensa pesquisa sobre a arquitetura da Companhia Industrial – Fiação de Tecidos de Goyanna, com algumas informações históricas e geográficas do empreendimento. 
Outro documento de igual relevância para a construção desse trabalho foi criado e disponibilizado pela Prefeitura de Goiana, denominado “Goiana, Cidade Histórica”. ] [3: A usina localizava-se na Rua Direita, onde hoje fica a Câmara de vereadores. O serviço havia sido contratado pelo então prefeito Ângelo Jordão de Vasconcelos, com a firma Alfredo Silva e Cia, do Recife (NASCIMENTO, 1996, p. 128).] 
Os altos investimentos visavam a renovação de Goiana, desde a diversificação econômica à vida pública da cidade, em consonância ao que se desenrolava no restante do país. Especialmente no Nordeste, o pulso industrializante partiu da necessidade de reordenar a economia agrária exportadora do açúcar, que desde o fim do século XVII e por todo o século XIX esteva em decadência. O mercado açucareiro sofria com as amargas quedas nos preços, além da debilidade do sistema de produção após a abolição da escravidão. Era preciso um reordenamento social e econômico.
De uma maneira geral os anos 1900 ficaram marcados na história do país pelos investimentos visando a retomada da industrialização e a integração regional, sobretudo após a crise financeira de 1929. No entanto, a concentração de terras e de capital financeiro, seguido da ausência de infraestrutura mecânica, limitaram a capacidade de mudanças. Naquele momento, as regiões caminhavam para novas especializações – ou seriam repaginadas? Segundo Oliveira (2008, p. 180), configurou-se outro Nordeste, ou outros “Nordestes”. Essas novas configurações estão marcadas sobretudo pela emergência, consolidação e hegemonia de outras formas de produção e conflito de interesses em outros espaços; em suma, pela constituição de uma outra “região” no contexto de nação que se independentizava. 
Em via dos fatos, o que na verdade se processou no início do século XX foi o desenvolvimento das elites em torno da produção do café em São Paulo, enquanto que no Nordeste os investimentos no algodão e na pecuária aceleraram o já em processo de degradação da indústria açucareira. Mais do que isso, a economia do açúcar foi obrigada a “adotar” as leis de reprodução algodoeira-pecuária, o que, conforme Oliveira (2008, p. 183), gerou a descapitalização da própria economia açucareira, o abortamento da completa constituição de uma força de trabalho assalariada, o abortamento da dissolução do semicampesinato que havia se formado em suas franjas.
Em meio a derrocada do açúcar surge o Nordeste algodoal, desde o Maranhão à Bahia. Esse tipo de cultura emergiu na região em meio as instabilidades da venda do algodão no mercado internacional após a guerra civil americana, ainda no final do século XIX, principal fornecedora da matéria-prima ao mercado produtor inglês. Acompanhando esse processo, várias fábricas entraram em atividade em diversos estados do NE, projetando também atender a demanda dos centros urbanos em plena expansão. [footnoteRef:4]Em Pernambuco, a primeira fábrica ficava localizada no bairro da Boa Vista (1826) – é nesse boom de fábricas que a FITEG de Goiana foi inaugurada. [4: Segundo Francisco de Oliveira (2008), as usinas foram também beneficiadas pelas fábricas de tecido, que passaram a produzir roupas para os trabalhadores e sacas para o depósito do açúcar.] 
As maiores mudanças, no entanto, estão nas relações de trabalho. O trabalho nas indústrias têxteis era realizado sobretudo por trabalhadores assalariados, diferentemente do que ocorreu nas usinas. Mas apesar disso, a indústria algodoeira nasceu fadada ao se associar às dinâmicas do mercado internacional, que, como bem assinala Francisco de Oliveira (2008, p. 213), determinou sua especialização. E apesar da sua capacidade de crescimento, o algodão e a indústria têxtil tiveram de concorrer, ou andar ao lado, do trabalho camponês semiproletário das usinas, que trabalhava em troca de um pedaço de terra para produzir para a própria subsistência. A economia do Nordeste têxtil vê a si empatada pelas formas não-capitalistas de reprodução da própria força de trabalho (OLIVEIRA, 2008, p. 217). Isso se deu, em certa medida, pois, o novo sistema econômico não foi capaz de antropofogizar o antigo.
A ruptura requer, para se completar, a imbricação dialética de nova hegemonia de um capital extremamente superior, e ao mesmo tempo a erosão insuportável das condições em que a “região” mais atrasada reproduz sua força de trabalho; requer, em suma, a quebra da hegemonia política das classes dominantes locais (OLIVEIRA, 2008, p. 218).
Assim, a produção das usinas seguiu firme como uma das atividades produtivas mais importantes do país, sobretudo no Nordeste. Tanto era, que em 1933 o governo federal criou o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), cujo objetivo era reequilibrar a balança comercial em meio a um excesso de oferta e diminuição da demanda. Vale ainda ressaltar, como bem nos lembra Amélia Cohn (1976, 25), que medidas como o IAA se fizeram necessárias não tanto em termos de defesa dos interesses dos usineiros nordestinos, como em termos da própria sobrevivência da agroindústria no Nordeste.
Somado a instabilidade do mercado, a agroindústria nordestina enfrentava concorrência interna frente aos produtos do Centro-Sul, que estavam melhor equipadas, apresentando custos mais baixos, além de se verem livres das despesas de transporte, à medida em que estavam já localizadas no principal mercado consumidor (COHN, 1976, p.25). Uma das saídas adotadas pelo IAA foi a adoção de cotas de produção para os diferentes estados, sendo 63% reservados ao Nordeste (COHN, 1976, p. 26), e a proibição de instalação de novas usinas e engenhos sem a permissão do governo, além do financiamento estatal. Porém, a insistência em manter o mercado de açúcar, somado a limitação da sua produção, destinou a região a estagnação a longo prazo, conforme avalia Cohn (1976). 
Mas por uma ironia do destino, a economia algodoeira entrou em declínio no país, e suas lavouras foram tão logo substituídas, inclusive pelo cultivo de cana-de-açúcar. Durante o auge da exportação do algodão, como coloca Andrade (1980, 104), muitos senhores de engenho chegaram a instalar em suas propriedades descaroçadores de algodão, passando a adquirir para beneficiamento a produção deste e dos pequenos proprietários da vizinhança. Porém, ainda conforme Andrade (1980, p. 105), a conclusão da guerra de 1939-1945 trouxe a “valorização” do açúcar, que passou a ter boa colocação no mercado, trazendo de volta os investimentos nas usinas e na produção da cana-de-açúcar. E mais uma vez a agroindústriasucroalcooleira permaneceu com uma das atividades “peso” da economia nordestina.
Mas o que se seguiu, para alguns autores críticos da história do desenvolvimento brasileiro, como Francisco de Oliveira, foram ações transvestidas de planejamento, tendo em vista que as intervenções do IAA não tinham por objetivo modificar as bases da reprodução do capital. Enquanto São Paulo – modelo de desenvolvimento industrial da época – rapidamente “decolonizou” as relações de produção, isto é, liquidou com relações de trabalho típicas do colonato, na região do “Nordeste” açucareiro os mecanismos do IAA serviram para reforçar as características arcaicas que ela havia recriado como mecanismo de defesa (OLIVEIRA, 2008, p. 222).
Nos importa ter em vista o panorama nacional dessas relações de produção e de trabalho no contexto nacional e do Nordeste para que possamos entender os desdobramentos no município de Goiana. Se os estados nordestinos, Pernambuco principalmente, não conseguiu naquele momento superar as amarras da agroindústria, Goiana tampouco o fez. E foi esse atraso no desenvolvimento do mercado que impediu o Nordeste, e o município de Goiana, pudessem expandir suas atividades produtivas. E essa estagnação encontra uma nova barreira quando o desenvolvimento industrial da “região” de São Paulo começou a definir, do ponto de vista regional, a divisão regional do trabalho na economia brasileira (OLIVIERA, 2008, p. 230). Em outras palavras, o NE havia sido passado para trás.
As mudanças qualitativas nas bases de reprodução do capital no Nordeste aconteceram a partir dos anos 1950, quando à despeito do “atraso” nordestino frente ao avançado estado do capitalismo em São Paulo recebeu a transferência de capital privado e público visando a integração produtiva. Nesse contexto emergiu a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959. A Sudene nasceu com o objetivo de executar os planos traçados pelo Grupo de Trabalho de Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), presidido por Celso Furtado, em 1957. O grupo previa ações, como a promoção da industrialização, a reestruturação agrícola nas áreas de antiga ocupação, a colonização das áreas de fronteira agrícola, o investimento em energia, etc. (GTDN, 1967). Como resultado, emergiu uma base industrial assentada na produção de bens de consumo não duráveis (têxteis, calçados, vestuário, alimentos), de perfil tradicional e tecnicamente defasada, instalou-se um diferenciado segmento voltado à produção de bens intermediários (principalmente na Bahia) e de bens de consumo duráveis (sobretudo em Pernambuco) (OLIVEIRA, 2021, p. 110).
Segundo Gomes e Virgolino (2005), os investimentos foram condensados nas Regiões Metropolitana, e alguns em direção à Zona da Mata. Em Pernambuco, destacam-se as grandes empresas manufatureiras, produtoras de bens finais e intermediários, nos ramos de fiação e tecelagem, metalmecânica, química, papel e celulose, que representam quase a totalidade do produto industrial do estado (GOMES E VIRGOLINO, 2005, p. 88). Os núcleos “tradicionais” de produção foram fortemente impactados, diminuindo consideravelmente o seu peso nos balanços da economia nordestina. Segundo Oliviera (1981 apud Oliviera 2021), as indústrias tidas como “tradicionais” (entre as quais se destacava a indústria têxtil), que participavam, em 1959, com 70% do Valor Agregado Industrial, passaram a representar apenas 30% desse valor no período 1960-1970, no entanto, a sua presença perdurou sendo relevante, como destaca Araújo (2002, p.13):
Ao mesmo tempo em que diversos subespaços do Nordeste desenvolvem atividades modernas, em outras áreas a resistência à mudança permanece sendo a marca principal do ambiente sócio-econômico: as zonas cacaueiras, canavieiras e o sertão semi-árido são as principais e históricas áreas desse tipo. Quando ocorre, a modernização é restrita, seletiva, o que ajuda a manter um padrão dominantemente tradicional. 
A grande contribuição das mudanças nas estruturas produtivas brasileira, e sobretudo nordestina, está na reorientação das relações sociais e de trabalho. Como foi demonstrado, a agroindústria canavieira persistiu à queda das exportações, a estagnação da produção, e ao redirecionamento dos investimentos para outras áreas. Porém, convém mencionar que a classe social que ocupou os postos de trabalho desses núcleos mudou sua postura política. Formado por semicamponeses, pequenos sitiantes, meeiros e arrendatários, que disputavam a cena política em oposição aos coronéis, senhores de engenho e usineiros, sobretudo coligados às Ligas Camponesas, mas que também estavam representados em sindicatos, de diversa filiação e orientação, inclusive da Igreja Católica (OLIVIERA, 2008, p. 274). Então ainda que de maneira geral o empresariado agrário mantenha importância no jogo político, e a produção de açúcar e de álcool figure importância econômica, o jogo político que se desenhou na época acelerou o declínio do que Francisco de Oliveira (2008) chamou de “pax agrarie nordestina”. 
Crescendo a organização política entre a classe trabalhadores, aumentam também os choques perante as oligarquias e as forças políticas da época. Sobressaiam às críticas ao modelo de desenvolvimento proposto na época, que era incapaz de integrar as exigências da classe trabalhadora. Como destacado por Oliveira (2008, p. 282), as reivindicações das forças populares no Nordeste, tanto rurais quanto urbanas, centravam-se no cumprimento das leis trabalhistas, sobretudo no pagamento do salário-mínimo. Mas como veremos a seguir, apesar da grande importância da força política trabalhadora formada no período, Oliveira (2008, p. 283) destacou os movimentos de educação de base como uma forma de impor sua hegemonia cultural no nível das instituições da superestrutura, não foi suficiente para romper com as estruturas sociais e econômicas moldadas desde a colonização.
RETOMADA DE INVESTIMENTOS EM PERNAMBUCO
Essa convivência entre o “novo” e o “velho” marcou as relações sociais e de trabalho no território de Goiana. A sombra dos canaviais permaneceu ao longo das décadas como uma das principais características da região. Em paralelo, alguns empreendimentos fabris foram surgindo. Em 1973, Goiana recebe uma filial da Klabin, a Papelão Ondulado do Nordeste – PONSA. Outro grande de empreendimento de relevância é a fábrica de cimentos Nassau. Todavia, podemos falar de mudança no panorama estrutural de Goiana apenas a partir dos anos 2000, quando ocorre um redirecionamento nos investimentos e financiamentos promovidos pelo governo do estado. 
Em 2009, através da Lei Estadual nº 950/2009, Goiana passa a ter uma área de Distrito Industrial; a partir disso, o município recebeu outros conjuntos de empresas, como os Produtos Pérola, Canaã, Goiana Pré-moldados e Concreto Redmix do Brasil (BEZERRA, BEZERRA, 2018, p. 190). Vale destacar ainda a instalação da Hemobrás – Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia, e da Vivix Vidros Planos. Segundo o Estado de Pernambuco (2015), o montante de investimentos em Goiana e entorno para o período de 2003 a 2016 engloba um total de aproximadamente R$ 18,8 bilhões, sendo o segmento industrial responsável por R$ 10, 96 bilhões. 
A alto nos investimentos industriais coincidiu com a diminuição da importância do setor sucroenergético para a balança comercial do município. Mas o grande destaque desse processo de reespecialização produtiva para o governo de Pernambuco, e de retomada de investimentos para Goiana, foi a instalação da Jeep, em 2012.

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