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© Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 1 Do scriptorium ao computador: Princípios de Paleografia para leitura de textos manuscritos MÓDULO DE PALEOGRAFIA Profa. Dra. Alícia Duha Lose 2012 © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 2 1 PALEOGRAFIA 1.1 ETIMOLOGIA Do grego παλαιός (paleos) = antigo + γραφή (graphein) = escrita 1.2 CONCEITOS “Paleografia é a ciência da decifração dos manuscritos tendo em consideração as vicissitudes sofridas pela escrita em todos os séculos e nações, seja qual for a matéria em que ela apareça”. (MUÑOS; RIVEIRO) “É a ciência das antigas escritas e tem por objeto a decifração dos escritos da Antigüidade e Idade Média” (PROU) “É a ciência que nos ensina a ler e interpretar corretamente documentos manuscritos antigos, ocupa-se essencialmente com a origem da escrita” (ROMAN BLANCO) “Paleografia é a ciência de decifração dos manuscritos” (REINACH) “Paleografia é a ciência que trata do conhecimento e interpretação das escritas antigas e que estuda as suas origens e evolução” (MILLARES CARLO) “É o estudo metódico de textos quanto à sua forma exterior. Abrange não só a história da escrita e a evolução das letras, mas também o conhecimento dos materiais para escrever” (BESSELAAR) “É o estudo da genética dos velhos manuscritos” (FONSECA) “A Paleografia estuda os textos antigos investigando seus caracteres externos, desde o material e instrumentos empregados para escrever até a origem e evolução da própria escrita.” (GIORDANI) © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 3 “É o estudo técnico de textos antigos, na sua forma exterior, que compreende o conhecimento dos materiais e instrumentos para escrever, a história da escrita e a evolução das letras, objetivando sua leitura e transcrição.” (FRANKLIN LEAL) “Paleografia abrange a história da escrita, a evolução das letras, bem como os instrumentos para escrever. Pode ser considerada arte ou ciência. É ciência na parte teórica. É arte na aplicação prática. Porém, acima de tudo, é uma técnica.” (BERWANGER; FRANKLIN LEAL) “Ciencia que describe, clasifica y explica el desarrollo de la escritura; los resultados de las investigaciones paleográficas, independientemente de sus objetivos propios, que se sitúan en el vasto dominio de la historia de la civilización, se traducen en beneficio de cada una de las ciencias especiales que se ocupan de los escritos” (NÚÑEZ CONTRERAS) 1.3 HISTÓRIA A Paleografia nasceu no séc. XVII. Os primeiros trabalhos não se preocupavam em estabelecer uma classificação científica ou a determinação da antiguidade das escritas. Entre 1618 e 1648 (Guerra dos Trinta Anos 1 ) os trabalhos paleográficos se intensificam por causa da descoberta da falsificação de inúmeros documentos. Portanto, a história da Paleografia pode ser dividida em dois períodos: formação (fins do séc. XVII e primeiro quartel do séc. XVIII) e afirmação (daí até os nossos dias). Logo no início, a Paleografia e a Diplomática se confundem e vão se desenvolver graças a uma polêmica entre religiosos. Foi constatada, nos arquivos da Companhia de Jesus, a existência de documentos falsos. Em 1675, foram publicados os Princípios introdutórios para a discriminação entre o verdadeiro e o falso nos documentos antigos, uma rigorosa crítica diplomática que impugnava a validade de muitos documentos conservados nos arquivos dos mosteiros beneditinos franceses, esta obra também dava normas da crítica diplomática. Em 1681, foi publicado De re diplomatica libri VI, de Dom Jean Mabillon 2 , uma refutação à obra anterior, 1 Série de conflitos religiosos e políticos ocorridos especialmente na Alemanha, nos quais rivalidades entre católicos e protestantes e assuntos constitucionais germânicos foram gradualmente transformados em uma luta européia. Apesar de os conflitos religiosos serem a causa direta do conflito, ele envolveu um grande esforço político da Suécia e da França para procurar diminuir a força da dinastia dos Habsburgos, que governavam a Áustria. A guerra causou sérios problemas econômicos e demográficos na Europa Central. 2 Monge beneditino francês que viveu entre 1632 a 1707. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 4 que assinalava o nascimento da Diplomática e da Paleografia. Este é considerado o primeiro tratado de Paleografia. Embora ainda não apareça termo, paleografia, Mabillon é considerado o pai da Paleografia e da Diplomática Moderna. Na segunda metade do séc. XVIII, os estudos paleográficos passaram a constituir cátedras universitárias. A Paleografia e a Diplomática foram consideradas independentes. Aparecem escolas de Paleografia na Itália, na França, na Espanha, na Áustria, na Inglaterra. Alguns fatores importantes como a aplicação da fotografia 3 na reprodução dos fac-símiles e a descoberta de novos materiais paleográficos caracterizam este novo período. Após o final da primeira metade do séc. XX, a Paleografia passou a ser vista como uma técnica, com fins mais pragmáticos e objetivos. 1.4 PALEOGRAFIA X DIPLOMÁTICA A Diplomática consiste no estudo da matéria escriptória, dos instrumentos gráficos, das tintas, dos selos, das bulas, dos timbres, da letra, da linguagem, das fórmulas, numa crítica formal dos documentos, visando, com isso, a determinar o seu grau de autencidade. Os procedimentos diplomáticos têm a finalidade de verificar a falsidade dos documentos. Diplomática, do grego δίπλωµα 'diploma', significa, a princípio, coisa dobrada em dois. Essa era a forma dos documentos assinados pelos autos magistrados, entre os romanos, uma espécie de passaporte ou salvo-conduto, que facilitava o trânsito e as diligências de um mensageiro ou outra pessoa que viajasse para negócio do Estado. A Diplomática estuda os documentos de chancelaria, histórico-jurídicos, régios, pontífices, consulares. Interessa-se pelo documento público e privado. Os documentos propriamente diplomáticos estão vazados no formulário conveniente, ou seja, apresentam as fórmulas diplomáticas. 1.5 PALEOGRAFIA E AS DEMAIS CIÊNCIAS A Paleografia tem uma relação de troca com diversas ciências que trabalham, de alguma forma, com a escrita; serve a elas assim como serve-se delas. 3 A primeira fotografia conhecida é de 1825. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 5 Papirologia: do grego πάπυρος, papyros, e λόγος, logos; estuda os documentos em papiro. Por volta de 2200 a.C. os egípcios desenvolveram a técnica para confeccionar o papiro, cortando-se o miolo esbranquiçado e poroso do talo da Cyperus papyrus, uma ciperácea de ambientes alagadiços, em finas lâminas. Depois de secas, estas lâminas eram mergulhadas em água com vinagre para ali permanecerem por seis dias, com propósito de eliminar o açúcar. Outra vez secas, as lâminas eram ajeitadas em fileiras horizontais e verticais, sobrepostas umas às outras. As lâminas eram colocadas entre dois pedaços de tecido de algodão, por cima e por baixo, sendo então mantidas prensadas por seis dias. O peso da prensa fazia com que as finas lâminas se misturassem homogeneamente para formar o “papel” amarelado, pronto para ser usado. Depois de papíro pronto, o papiro era enrolado a uma varetade madeira ou marfim, criaando o rolo que seria usado na escrita. Codicologia: é o estudo dos documentos manuscritos ou impressos, tanto em pergaminho como em papel, encadernados em formato decódice (livro). Normalmente, estuda os códices medievais, geralmente em pergaminho. Epigrafia: do grego επιγραφή, “escrito sobre”, estuda as inscrições em materiais rígidos (pedra, mármore, osso, madeira, metais). A ciência da epigrafía vem se desenvolvendo desde o século XVI. Numismática: estuda as moedas e medalhas. A numismática é uma ciência relacionada com a coleção de cédulas, moedas e medalhas, identificando, analisando a composição, catalogando pela cronologia, geografia, história, etc., o que ajuda a compreender um povo e sua cultura. Um dos primeiros numismatas foi Petrarca, no séc. XIV. Sigilografia: do latim sigillum, selo; é o estudo dos selos com que se autorizam os documentos oficiais. Selo é toda peça de metal, de papel, de cera, ou de matéria equivalente que leva estampadas figuras ou signos. Auxilia a diplomática, pois estuda os selos para descobrir a autenticidade ou a falsidade dos diplomas. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 6 História dos Incunábulos 4 : estuda os primeiros livros impressos no séc. XV por Gutenberg. Diplomática: estuda os diplomas, documentos oficiais, julgando sua autencidade. Filologia: do grego antigo Φιλολογία, “amor ao estudo, à instrução”; estuda a evolução da escrita das línguas, muitas vezes através dos seus documentos. História: “Paleografia, ciência básica, imprescindível ao historiador. É ela que abre caminho para as demais, e não poderia ser de outra maneira, pois que é preciso saber ler um documento para depois concluirmos se é certo ou errado, verdadeiro ou apócrifo, completo ou alterado. Poderemos saber, depois, se seus caracteres intrínsecos ou extrínsecos correspondem à sua época, se sua cronologia, sua parte formal e diplomática estão, afinal, de acordo com as normas impostas pela chancelaria de seu tempo, etc. A História gravita em torno da Paleografia e da Diplomática. Sem o domínio perfeito desta ciência, sem a leitura correta de qualquer documento, não será possível conceber boa parte da História” (ROMAN BLANCO) 4 Incunábulo é um livro impresso nos primeiros tempos da imprensa, não escritos à mão. O termo vem do latim incunabulu, que significa “berço”. Os primeiros incunábulos datam de meados do séc. XV, até 1501 na Europa. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 7 2 TIPOS DE EDIÇÃO UTILIZADAS PARA OS ESTUDOS HISTÓRICOS Edição Paleográfica é aquela que reproduz um manuscrito antigo, tão fielmente como se fora uma fotografia; cópia perfeita e completa do original, na grafia, nas abreviaturas, nas ligaduras, em todos os seus sinais e caracteres específicos, inclusive nos seus erros. Edição Diplomática é a reprodução fiel de um manuscrito antigo, porém há casos de edições diplomáticas em que são separadas as palavras que estejam grafadas juntas e desfeitas as abreviaturas, destacando, com grifo (parênteses ou itálico) as letras desenvolvidas. Todas as intervenções do transcritor devem ser devidamente indicadas ao leitor. A edição diplomática vem geralmente acompanhada de um fac-símile da obra. Atualmente, é mais comum denominar-se edição diplomática a que não altera nada e semidiplomática, a que desdobra abreviaturas. 2.1 MÉTODOS DE EDIÇÃO Como a Paleografia é uma ciência que se ocupa da parte extrínseca dos documentos, alguns aspectos são de suma importância para o procedimento paleográfico. Por isso deve-se atentar para alguns aspectos importantes. 2.1.1 Descrição extrínseca 2.1.1.1 Aspectos gráficos Observa-se o tipo de letra do documento, traços particulares da escrita, tamanho e ângulo da letra; uso e a disposição de maiúsculas e minúsculas ao longo do texto, união ou desmembramento de palavras nas frases, pontuação e acentos, abreviaturas e sinais. 2.1.1.2 Aspectos materiais © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 8 É importante descrever e analisar o suporte da escrita (tipo de papel, pergaminho, ou outro material); instrumentos utilizados para escritura; tipo de tinta; material usado para encadernação e maneira de fazê-la; medidas do documento e da mancha escrita e estado de conservação do documento, informando se ele foi afetado por insetos e outras pragas do papel, fungos, ou, ainda, se sofreu alguma intervenção humana. 2.1.1.3 Aspectos complementares Quando for possível, é importante analisar e informar a época e origem do documento, assim como a sua originalidade, localização em arquivo. 2.1.2 Dificuldades encontradas pelo paleógrafo Em vista da exigência de todas estas informações, algumas dificuldades se impõem ao paleógrafo, que deve ser minucioso e cauteloso e, de preferência, ter conhecimento da língua em que foi escrito o documento e de sua grafia na época. A ação do tempo, a tinta, a qualidade do suporte e a forma de armazenamento podem afetar diretamente o estado de conservação do documento. Tintas corrosivas, por exemplo, cortam a base da escrita; tintas sem fixador, além de desbotar podem passar para o outro lado do papel ou descorar ao longo dos anos sob a ação da luz. Fig. 1: Tinta férrea oxidada; mancha escrita do verso passando para o recto Fonte: Livro II do Tombo (BHMSB) © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 9 Fig. 2: Tinta sem fixador, desbotada Fonte: Dietario das vidas e mortes dos Monges, q’ faleceráo neste Mosteiro de S. Sebastião da Bahia da Ordem do Principe dos Patriarchas S. Bento (BHMSB) Outro item para o qual paleógrafo deve estar atento é a falsificação ou adulteração dos documentos. Documentos falsificados são aqueles inventados, que não existem oficialmente, enquanto que os documentos adulterados são documentos verdadeiros que tiveram seu conteúdo modificado, com o intuito de alterar sua compreensão. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 10 3 TRANSCRIÇÃO PALEOGRÁFICA DE DOCUMENTOS Trabalhar com manuscritos importa em conhecer abreviaturas, signos especiais, letras arrevesadas, anagramas e outras particularidades que dificultam a sua leitura e interpretação. E a ciência que nos permite vencer todas essas peculiaridades é a Paleografia. Dentre os fins da Paleografia está a leitura correta e perfeita de todas as formas de escrita, antigas e modernas. 3.1 NORMAS PARA TRANSCRIÇÃO PALEOGRÁFICA Existem diversos critérios utilizados para a transcrição de textos manuscritos que variam de acordo com cada editor ou transcritor, ou cada equipe e grupo de trabalho. Os símbolos e códigos podem variar, no entanto, há regras gerais que devem ser minimamente respeitadas para bem da integridade do trabalho que se pretende apresentar. 3.1.1 Critérios 5 a) as letras serão grafadas na forma em que se encontram no texto; b) as consoantes maiúsculas, com som de consoantes dobradas (rr ou ss) serão mantidos como maiúsculas; c) as letras ramistas (b, v, u, i, j) serão mantidas como estão; d) os números romanos serão reproduzidos de acordo como se apresentam no texto; e) serão mantidas as abreviaturas que se apresentem no texto; 6. as palavras grafadas unidas permanecerão desta forma, assim comoas que se apresentam no original grafadas separadamente; f) os sinais especiais de origem latina e os símbolos e palavras monográficas (..= scilicet; &ª = etc.; = et; Jhs = Jh(esu)s; X pto6 ou X po = Ch(ris)to) serão desdobrados, grifados; 5 Síntese das normas convencionadas no I Encontro Nacional de Normalização Paleográfica e de Ensino de Paleografia, em novembro de 1990, acrescida de comentários. 6 XPTO, do grego Χριστός (Khristós), era a designação grega de Cristo, vulgar na Idade Média, que o povo lia ‘xis- pê-tê-ó’ para designar qualidade excelente, divina, magnífica; X.P.T.O. é uma abreviatura medieval de Christo. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 11 g) os sinais de restos de taquigrafia e notas tironianas (7 ou 2 serão vertidos para a forma que representam, grifados); h) os sinais de nasalização (til), com valor de m ou n, serão mantidos; i) quando a leitura paleográfica da palavra for duvidosa colocar-se-á uma interrogação entre colchetes depois dela [?] j) a acentuação e a pontuação serão mantidas conforme o original; k) as maiúsculas e minúsculas serão mantidas conforme o original; l) a ortografia será mantida na íntegra, não se efetuando nenhuma correção gramatical. 3.1.2 Convenções Para indicar acidentes no manuscrito original, com escrita ilegível ou danificada, serão utilizadas as seguintes normas: a) as palavras que se apresentarem parcial ou totalmente ilegíveis, mas cujo sentido textual permita a sua reconstrução, serão grafadas entre colchetes [ ]; b) as palavras de decifração ilegível para o transcritor serão indicadas com a palavra [ilegível], grifada e entre colchetes; 7 c) linhas ou palavras danificadas por corrosão de tinta, umidade, rasgaduras ou corroídas por insetos ou animais serão indicadas pela expressão correspondente ao problema, acompanhado do número de linhas que se encontram danificadas [corroídas 3 linhas]; d) os elementos textuais interlineares ou marginais autógrafos que complementam o escrito serão inseridos no texto entre os sinais ........; e) quando as alterações não forem autógrafas, serão indicadas em nota especial; f) as notas marginais, que não puderem ser inseridas no texto, serão mantidas em seu lugar ou em seqüência ao texto principal com a indicação: à margem esquerda, ou à margem direita; g) as assinaturas ou rubricas serão transcritas grifadas; Também se usa XPO (por exemplo um X encimado por um P dentro de um O) ou apenas XP; em Bíblias antigas em que as primeiras letras de cada página eram desenhadas com iluminuras complexas, estas letras eram realçadas quando o texto começava com o nome de Cristo. 7 Hoje também é comum o uso da †. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 12 h) os sinais públicos serão indicados entre colchetes e em grifo: [sinal público]; i) em casos de documentos mistos (com caracteres impressos e texto manuscrito) serão transcritos em tipos diferentes. A transcrição paleográfica, como regra geral sempre respeitada, deverá vir precedida de uma descrição física do manuscrito, que deverá informar: a) medidas do documento e as da mancha escrita (apresentam-se as medidas em milímetros, indicando-se largura X altura); b) número de colunas; c) número de linhas da mancha escrita (normalmente, são contadas apenas as linhas que contenham escrita); d) existência de ornamentos (iluminuras, vinhetas, etc.); e) maiúsculas mais interessantes; f) existência de sinais especiais; g) número de abreviaturas; h) tipo de letra; i) data do manuscrito. Esta descrição deverá ser seguida da especificação dos critérios adotados para a transcrição, da própria transcrição e de uma relação e classificação de abreviaturas e ligaduras. A edição paleográfica poderá, ainda, apresentar um pequeno texto contendo a datação do manuscrito e o resumo de seu conteúdo. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 13 4 EDÓTICA 4.1 CONCEITUAÇÃO “É o ramo da filologia que ensina a técnica das edições críticas de textos literários. Uma vez reconstituído o texto, sobre a base do ‘melhor’ manuscrito se procede à edição do mesmo. Consiste a crítica dos textos em estabelecer e, algumas vezes, em restabelecer um documento em toda a sua perfeição, não só quanto às idéias, mas também quanto à linguagem, às expressões, às palavras do autor. Com toda esta reconstituição quer-se provar a autenticidade do escrito, provando, se é verdadeira a autoridade que lhe é atribuída e, portanto, situando-o na época em que foi composto. Para este trabalho de verificação da autenticidade e da investigação da verdade do texto, requer- se antes de tudo que se compreenda o próprio documento.” (MASSAUD MOISÉS. Dicionário de termos literários, p. 165) “A ecdótica, ou crítica textual, ou ciência da interpretação, cuida do estabelecimento e edição de textos. Acumulados, no curso do tempo, os erros gráficos ou tipográficos, impõe-se restituir ao manuscrito ou texto impresso sua forma original e fidedigna. No primeiro caso, confrontam-se as versões manuscritas em busca de um protótipo ou arquétipo, isto é, o texto mais próximo do que seria a redação inicial. Havendo tradição impressa, o crítico estabelece a edição de base ou parte da edição príncipe. 8 Ambos os procedimentos, calcados em minuciosas regras de hermenêutica 9 e exegese 10 , devem conduzir à edição final dos textos. A crítica textual começou na Antigüidade, com os sábios de Alexandria, que curaram, sobretudo, estabelecer os textos homéricos. No século XIX, com Karl Lachmann, a edótica se apodera de uma metodologia científica e entra a exercer considerável e ascendente influência no meio dos filólogos, lingüistas e homens de letras.” (MASSAUD MOISÉS) 8 Primeira edição impressa de um texto de anterior difusão manuscrita. 9 Hermenêutica é um ramo da filosofia que se debate com a compreensão humana e a interpretação de textos escritos. A palavra deriva do nome do deus grego Hermes, o mensageiro dos deuses, a quem os gregos atribuiam a origem da linguagem e da escrita e consideravam o patrono da comunicação e do entendimento humano. 10 Exegese é a interpretação profunda de um texto bíblico, jurídico ou literário. A exegese como todo saber, tem práticas implícitas e intuitivas. A tarefa da exegese dos textos sagrados da Bíblia tem uma prioridade e anterioridade em relação a outros textos. Isto é, os textos sagrados são os primeiros dos quais se ocuparam os exegetas na tarefa de interpretar e dar seu significado. A palavra exegese deriva do grego exegeomai, exegesis; ex tem o sentido de ex- trair, ex-ternar, ex-teriorizar, ex-por; quer dizer, no caso, conduzir, guiar. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 14 A Edótica nasceu da Filologia e concentra seu interesse em documentos literários; compreende as operação de crítica textual e a organização material e formal do texto com vistas à publicação. 4.1 MOMENTOS a) Edótica clássica: aplicada a códices de textos clássicos gregos e latinos até fim do helenismo; b) Edótica medieval: textos da Alta Idade Média (meados do século VIII a fins do século X) e da Baixa Idade Média (século XIV a meados do século XV ou do séc. XVI,a depender do teórico); c) Edótica moderna: textos impressos, primeiros incunábulos (a partir de 1501 até séc. XIX); d) Edótica contemporânea: textos atuais; tem por objetivo estabelecer um texto que mais se aproxime do original, visando a sua publicação. 4.2 CRÍTICA TEXTUAL 4.2.1 Crítica de Textos Antigos A Crítica de Textos Antigos tem como objeto textos manuscritos da Antigüidade. Busca- se o arquétipo, o texto inicial, o texto mais antigo por ser o mais próximo do texto original, do autor, portanto o menos sujeito a erros e deturpações causadas pelas inúmeras cópias. 4.2.2 Crítica Textual Moderna A Crítica Textual Moderna tem por objeto os textos de autores modernos; faz uso de textos modernos, buscando a última versão corrigida pelo autor, o texto mais próximo da vontade do autor. 4.2.3 Crítica Genética © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 15 A Crítica Genética pretende compreender o processo, a dinâmica desenvolvida pelo escritor, suas hesitações e incompletudes, as razões que o levaram à elaboração de seu projeto de escritura, à consecução de seu objetivo, percorrendo o caminho inverso ao do escritor; tem como perspectiva o processo; preocupa-se tanto em editar um texto que corresponda à última vontade do autor, quanto em mostrar o processo de criação desse texto. Conta com dois novos fatores: o autor e a casa editorial, que às vezes se impõe à vontade do autor. Uma edição da gênese sem interpretação não é suficiente; ‘o texto não é um dado estável, mas sim um processo, uma variável, e cada redação de uma mesma obra, enquanto etapa desde processo, merece ser estudada separadamente, pois possui individualidade’ (G. TAVANI). Inaugurada em 1960, interpreta os resultados das decifrações dos manuscritos; tem como finalidade a decifração dos segredos de fabricação da obra. 4.2.4 Períodos da crítica textual Tudo começou com os filólogos 11 de Alexandria. Antes de Lachmann o trabalho era feito de maneira bastante intuitiva: eram usados critérios subjetivos, impressionistas e arbitrários; editava-se um autor tomando por base uma edição autorizada e introduzindo nela modificações segundo o arbítrio pessoal; tomava-se por base uma edição consagrada e corrigia-se em confronto com um códice qualquer, em geral o de edição mais elegante e bela. O editor não dava satisfações de seus procedimentos (critérios). Esse sistema foi vigente até o Renascimento. 4.2.4.1 Lachmann Lachmann abriu um novo período na crítica textual, com bases científicas, reduzindo a subjetividade; fixou conceitos; procedimento mecânico de reconstrução do original; método da determinação dos grupos variantes; árvore genealógica (stemma codicum), agrupando os manuscritos por famílias. Agrupava geneticamente os manuscritos em função de suas relações de 11 A primeira vez que este termo foi utilizado foi no séc, II a.C., quando Eratóstenes (276-195 a.C.) foi nomeado diretor da Biblioteca de Alexandria. Ele não era gramático como seus antecessores e modificou a imagem dos bbliotecários ao combinar a atividade de crítica com a pesquisa científica. Foi ele quem denominou a si próprio de filólogo. (BÁEZ, 2006) © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 16 parentesco e a partir daí a busca do arquétipo, do manuscrito mais antigo de onde derivam todos os outros; a reconstrução do texto mais próximo possível do original. Foi Lachmann quem sistematizou as normas fundamentais da crítica textual. 4.2.4.1.1 Etapas a) recensio (coletas dos testemunhos válidos); b) collatio codicum (comparação e seleção de textos); c) examinatio (análise interna dos textos); d) emendatio (remontar o original através das correções do arquétipo 12 ). Lachmann acreditava na unicidade do texto. Para ele os mais recentes não são os piores e, com isso, derruba o mito do mais antigo exemplar. De acordo com Lachmann textos de leitura muito fácil deveriam ser desprezados. Os grandes méritos de Lachmann foram refutação da metodologia anterior, sistematização das normas fundamentais e distinção metódica entre recensio e emendatio; utilização da terminologia latina. 4.2.4.1.2 Críticas a Lachmann Como 95% das edições apresentam um stemma bífido. A teoria de Lacchamnn pressupõe que os erros se transmitem só de forma vertical, ignorando a contaminação ou a transmissão horizontal. Há, ainda, manuscritos que remontam diretamente ao original do autor, eliminando o arquétipo. Lachmann excedeu-se no seu objetivismo, seu método era excessivamente racionalístico e mecânico; mais tarde veio a reconhecer a ortodoxia das suas posturas teóricas. Ele aconselhava que se desprezasse um manuscrito que acusasse qualquer interpolação, no entanto, ignorava o fato de que ele poderia ser cópia de um manuscrito mais antigo do que os outros considerados. 4.2.4.2 Pasquali 12 O termo “arquétipo” é usado por filósofos neoplatônicos, como Plotino, para designar as idéias como modelos de todas as coisas existentes, segundo a concepção de Platão. Pela confluência entre neoplatonismo e cristianismo, termo arquétipo chegou à filosofia cristã, sendo difundido por Agostinho, provavelmente por influência dos escritos de Porfírio, discípulo de Plotino. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 17 Pasquali ora continua a aplicar os princípios de Lachmann, ora os retifica. Acredita que pode haver manuscritos que remontem diretamente o original, excluindo o arquétipo. Para ele, a coincidência em testemunhos não é prova de parentesco, porque uma lição pode conservar-se independentemente de ramos diversos da tradição, desta forma, a autoridade de um testemunho independe de sua antiguidade; não se deve rejeitar um manuscrito por que esteja adulterado. Pasquali usou a terminologia aberta e fechada para a recensão e discordou do critério de transmissão vertical. Para ele, a transmissão pode ser transversal ou horizontal e as variantes errôneas podem ser mais antigas que o manuscrito. Em casos de autores muito lidos, todo exemplar representa uma edição particular. Também em obras da Antiguidade, variantes particulares podem ser reconduzidas aos próprios autores. 4.2.4.3 Bédier Bédier aplica, a princípio, o método de análise qualitativa de erros. Não satisfeito, rejeita qualquer tentativa de reconstituição do texto. Em parte ele corrigiu o texto com o qual trabalhou, deixando-o mais claro, impondo as normas escritas de coerência interna. Em seus estudos dos manuscritos emprega alternadamente estudos paleográficos e codicológicos, busca o melhor manuscrito, o ideal, para que nele se possam basear as edições e organizar o seu aparato crítico. Seu método traz uma concepção humanista. O método de Bédier não é a perfeita antítese do de Lachmann, pois ele ainda dá valor ao códice inicial, mas abandona a busca biológica do antepassado comum para se deter na fenomenologia do texto. Tanto Lachmann quanto Bédier acreditavam na unicidade do texto, este, no entanto, procura ater-se às lições de um bom manuscrito, investigando as razões das alterações e estudando a forma assumida pelo texto em determinado momento de sua história, a partir de um codex optimus, com registro sistemático de variantes. É importante lembrar que se houver um único exemplar da obra (manuscrito ou impressão) não vai haver stemma, o trabalho do editor será corrigir, eliminando apenas os errosmateriais evidentes. No entanto, no caso de haver dois autógrafos sem datação a dificuldade fica em saber qual deve ser usado como base. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 18 4.2.4.3.1 Críticas a Bédier Para os críticos de Bédier, seu erro foi concluir que é preciso reproduzir integralmente apenas um exemplar, como se uma revisão do autor pudesse garantir a pureza do texto. Ele é severamente julgado, pois acusam-no de se prender à gramática e fazer correções inadequadas e de usar critérios aleatórios e por conjectura. 4.2.4.4 Lachmanniano e Bédierista Tanto os seguidores de Lachmann quanto os de Bédier são filólogos do manuscrito ausente, pois se esforçam para estudar textos cujo original se perdeu, esperando captar somente reflexos destes nas suas edições, que situam o montante da cadeia da transmissão apógrafa, que ambos recenciam e colacionam. Desta forma, ambos trabalham com reconstituição e intuição. 4.2.4.5 A crítica textual depois de Lachmann e Bédier Pode-se dizer que em ambos – Lachmann e Bédier – se encontram os dois pontos de partida da Crítica Textual de nossos dias, divididos, no entanto, em duas correntes: a neolachmanniana, dos críticos alemães e italianos, e a neobédieriana, dos críticos franceses. Em ambas a edição crítica é tida como uma operação necessária ao perfeito entendimento do texto e a sua interpretação filológica segundo critérios que mais possam aproximá-lo da vontade do autor. 4.2.4.6 Neolachmannismo Neolachmannismo é o método de Lachmann rejuvenescido. Não apresenta preocupação com a reconstrução do arquétipo nem privilegia um texto ótimo, o importante, para esse método, seria fazer uma boa lição de uma boa leitura de um manuscrito, independente de hierarquização. A palavra de ordem deste método é variação e não o texto fixo, os níveis de fala e não a norma padrão, a democracia e não o totalitarismo. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 19 5 EDIÇÃO 5.1 CONCEITOS DE EDIÇÃO “Conjunto de exemplares de uma publicação em série, obtido de uma só matriz; qualquer alteração, quer de textos, quer de aspecto gráfico dessa matriz, constitui uma nova edição. Impressão ou estampagem de uma obra ou texto para publicação. Texto de uma obra preparada com critérios filológicos. Números de exemplares impressos ao mesmo tempo, quando o texto sofreu alterações, foi composto de novo total ou parcialmente ou se mudou o formato; uma edição tem que ter por base um novo molde; no caso de o molde ser o mesmo, não pode falar-se de nova edição, mas nova tiragem ou reimpressão.” (FARIA; PERICÃO. Dicionário do livro. 1988, p. 105) “A primeira impressão de um livro, ou antes da invenção da imprensa, a publicação de um manuscrito. Segunda tiragem do livro não constitui, a rigor, edição, mas nova impressão. Quando se procede a uma revisão e, quiçá, enriquecimento do texto, tem-se nova edição. Ainda se denomina edição ao conjunto de exemplares impressos de cada vez.” (M. MOISÉS, Dicionário de termos literários, 1974. p. 166) “Edição quer dizer interpretação. O editor de um texto, pelo fato de haver tomado a si o encargo de apresentar o texto escolhido nas condições mais próximas possíveis às desejadas pelo autor, deve, para cumprir bem a sua tarefa, saber que se propõe uma empresa cujo êxito depende justamente do conhecimento e da arte do autor que escolheu; deve saber que não faz apenas trabalho de erudição, mas trabalho de reconstrução, portanto de pensamento e de arte, em que a lucidez do próprio pensamento e o requinte do próprio gosto são postos a serviço do pensamento e do gosto de outrem.” (A. CHIARI, apud C. CUNHA, Uma política do idioma, 1975. p. 65) 5.2 TIPOS DE EDIÇÃO Edição crítica: aquela em que se procura estabelecer, ou melhor, restabelecer, o texto original de um autor, cuja obra chegou adulterada por erros, omissões e interpolações. Uma edição crítica difere de uma edição comentada, pois esta parte de qualquer texto para comentá-lo com notas © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 20 elucidativas e interpretativas; a edição crítica oferece um texto apurado, segundo as leis e as normas da crítica textual (Ecdótica). Edição princips (ou príncipe): é a primeira edição de um livro, tratando-se especialmente de obras antigas. Edição ne varietur: é a edição definitiva, isto é, que já não pode sofrer variações. Edição paleográfica: é aquela que reproduz um manuscrito antigo, tão fielmente como se fora uma fotografia (no entanto, não se trata de reprodução fac-similar); cópia perfeita e completa do original, na grafia, nas abreviaturas, nas ligaduras, em todos os seus sinais e caracteres específicos, inclusive nos seus erros. Edição ad usum Delfini: edição feita para uso dos Delfins; trata-se das célebres edições dos clássicos latinos mandadas preparar por Luís XIV para leitura do Delfin de França 13 , portanto expurgadas de tudo quanto fosse considerado incompatível com a educação do jovem. Hoje usamos da expressão, com sentido irônico ou depreciativo, quando nos referimos a edições incompletas, mutiladas por preconceitos ou censuradas segundo critérios nem sempre esclarecidos ou imparciais. Edição diplomática: é a reprodução fiel de um manuscrito antigo, porém há casos de edições diplomáticas em que são separadas as palavras que estejam grafadas juntas e desfeitas as abreviaturas, destacando, com grifo (parênteses, itálico ou sublinha) as letras desenvolvidas. Todas as intervenções do transcritor devem ser devidamente indicadas ao leitor. A edição diplomática vem geralmente acompanhada de um fac-símile da obra. Edição fac-similar: é a que reproduz fielmente o manuscrito ou texto de uma edição original, inclusive quanto ao formato, tipos, papel, margens, ilustrações, etc. valendo-se de meios de reprodução fotomecânica ou de tipografia. O fac-simile, entretanto, não reproduz obrigatoriamente a cor e o tamanho do original. 13 Título do herdeiro aparente da coroa francesa durante as dinastia de Valois e Bourbon. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 21 Edição modernizada: trata-se da reprodução de um texto antigo segundo padrões ortográficos e lingüísticos modernos. Para a crítica especializada estas edições não têm valor algum. Difere de uma edição atualizada em que esta é, via de regra, obra científica ou de estudo, modificada de acordo com as mais recentes aquisições e progressos na matéria. Edição anastática (ou impressão anastática): é a reprodução através de transportes químicos, de uma edição ou gravura. O exemplar para cópias sofre um tratamento químico especial e depois é transportado, por decalque, no zinco, para tiragem tipográfica. Muitas das grandes obras do século retrasado foram reeditadas assim. Edição variorum: trata-se da edição de autor clássico, acompanhada das notas de vários comentadores. A denominação é redução da expressão latina cum notis variorum, isto é, com notas de diversos autores. Edição Mecânica: consiste na reprodução fotográfica de um manuscrito ou de uma obra impressa, em forma de fac-simile, microfilme, fototipia ou heliotipia, xerografia, ou em formato digital; em geral esse tipo de edição é precedido de um estudo histórico, paleográfico ou codicológico; é de extrema utilidade para preparação de outras edições; é destinada a especialistas. Edição Genética:só pode ser feita quando se está de posse do manuscrito do autor; vai dar conta daquilo que foi 'escondido' pelo autor; aponta o processo de criação do texto. Edição Crítico-Genética: traz, ao lado do aparato crítico, um aparato genético; abrange as características de uma e de outra; é composta de 3 partes: 1. texto crítico (texto definitivo, ou que se acredite representar a última vontade do autor); 2. aparato crítico (dará conta das variantes introduzidas pela tradição face ao texto crítico); 3. aparato genético (é a descrição dos testemunhos; aparece no final do volume, usa-se uma simbologia adequada para demonstrar os movimentos de escrita e produção textual. Deve, além de oferecer o texto definitivo do autor – © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 22 última vontade –, mostrar, através de um aparato genético, o processo de criação do autor, possibilitando o estudo de sua técnica) 5.3 VARIANTES E ERROS Variantes: são divergências entre testemunhos. Essa é uma questão central da Crítica Textual. As variantes ficam reunidas no aparato (em edições totalmente críticas) ou constituem um apanhado que ilustra as divergências verificadas (em edição parcialmente crítica). Variantes Autorais: são de fundamental importância para os estudos da Crítica Genética. Podem ser encontradas em manuscritos, datiloscritos e impressos com a intervenção do autor. A partir delas pode-se mostrar o processo de criação autoral. Uma edição deve dar conta delas tanto no aparato crítico como na descrição dos testemunhos. Elas revelam modos de progressão do pensamento, no entanto, nenhuma variante deve ser superestimada; incluem-se aqui o caso das redações múltiplas (o texto passa por várias redações a partir de um rascunho inicial); não devem ser confundidas com variantes textuais (essas interessam à crítica textual). Variantes adiáforas: variantes que diferenciam testemunhos. Variantes concorrentes: variantes iguais em mais de um testemunho, o que é utilizado para o agrupamento dos testemunhos em famílias de transmissão. Erros: são eles que vão assegurar o parentesco entre as cópias; a falta de identificação destes impede a rigorosa distribuição dos testemunhos em famílias capazes de serem incluídas num stemma codicum por suas conexões ou relações de parentesco, depreendendo-se a constelação de testemunhos. Erros separativos: vão dividir os manuscritos em famílias diversificadas, pois eles existem em determinados manuscritos e em outros não. Estes erros também podem ter função conjuntiva quando aparecem em um texto copiado e que não figuram em outro texto também copiado, © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 23 indicando independência entre os copistas; excluem a relação de parentesco entre as cópias, indicando existência de outras famílias. Erros conjuntivos: aparecem em duas ou mais cópias, estabelecendo conexão entre elas; indicam relação de parentesco entre determinadas cópias, que se podem agrupar em uma só família e postulam também a existência de um arquétipo que se interpõe entre o original perdido e os testemunhos existentes. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 24 6 ESCRITA 6.1 ESCRITA A palavra escrita vem do latim scribere, que significa traçar caracteres, escrever, fazer letras. Amplia-se o conceito para qualquer sistema semiótico de caráter visual e espacial. É a notação de caráter visual e espacial da linguagem verbal. É a expressão gráfica da linguagem. Comporta a existência de um conjunto de signos com um significado estabelecido de modo preciso por uma comunidade social que permite o registro e a reprodução de uma frase falada. 6.2 ORIGEM Não há provas concretas de qualquer sistema completo de escrita antes do século IV a.C. Seu primeiro uso, segundo alguns historiadores, encontra-se entre 4.000 e 3.000 a.C. Entre as mais antigas estão a escrita sumerina, a acadiana, a egípcia e a chinesa. Sua origem, para os antigos, era atribuída aos deuses e heróis. Sua invenção e sua utilização foram tão importantes que a presença do homem sobre a terra se divide em antes dela e depois dela: pré-história (história sem documentos escritos) e história (com documentos escritos). A escrita está diretamente ligada ao desenvolvimento das sociedades, por meio dela os homens puderam se comunicar uns com os outros. (cf. BERWANGER; LEAL, p. 25-29) 6.2.1 Etapas da escrita segundo Contreras (1994, p. 189) As etapas de desenvolvimento da escrita foram várias e todas bastante longas. As três mais significativas foram: a) escritas sintéticas: um signo ou a soma de vários signos sugere uma frase ou oração completa; b) ideográficas: cada signo representa uma palavra, um conceito (ex. a do Antigo Egito, a chinesa); os hieróglifos correspondem a um sistema médio ideográfico-fonético; © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 25 c) fonéticas: representação de signos com elementos fonéticos, redução no número de signos, pois o números de sons é bem inferior que o de palavras; divide-se em escrita silábica e alfabética. 6.2.2 Fases da escrita segundo Berwanger e Leal (1995, p. 26-32) Cada povo tinha um sistema gráfico e pode-se afirmar que a história da escrita se caracterizou mais propriamente por um processo de sucessão do que de evolução, embora se reconheçam as seguintes fases: a) escrita embrionária: figuras de animais, modelos geométricos de objetos, limitava-se a fixar as idéias de forma estática. Fase bastante rudimentar, Homem do Paleolítico Superior (20.000 a.C.); b) pictografia: sinal que significa o objeto representado, pode referir-se a uma seqüência de planos ou idéias de uma narrativa. Já pressupõe um processo de análise e abstração que está presente na escrita sistemática; © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 26 c) ideografia: linguagem simbólica em que cada palavra ou grupo de palavras essenciais da frase têm símbolo individual ou fixo, representa uma idéia abstrata, uma qualidade, uma ação; © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 27 d) silabografia: sistema em que cada sílaba tem sua representação própria (ex. escrita japonesa); e) fonográfica ou fonética: cada som tem um símbolo individual chamado letra. Remonta aos fenícios, que aperfeiçoaram e divulgaram o alfabeto; é adotado em todas as línguas ocidentais e por algumas orientais. 6.3 TIPOS DE ESCRITA Hieróglifos: escrita sagrada; escrita utilizada pela civilização egípcia (3.000 a.C.) era utilizado exclusivamente pelos sacerdotes em monumentos e papiros; desaparecem entre o século IV ou V d.C.; sua decifração foi objeto de estudo desde a Antigüidade. Um exemplo desse sistema é a Pedra da Roseta. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 28 Cuneiforme: escrita em forma de cunha, usada por vários povos do Oriente; combinação de cravos triangulares gravados com regularidade em tabuinhas de argila; é considerado o sistema mais antigo de escrita conhecido até hoje; apareceu na Mesopotâmia na metade do IV milênio a.C.; utilizava-se o stylus, espécie de estilete de cana, osso, madeira ou metal de ponta triangular; era escrita da esquerda para a direita e os caracteres eram dispostostanto na perpendicular, como na horizontal e de forma oblíqua; chegou a contar 400 ou 500 sinais. 6.3.1 Origem do alfabeto Alfabeto fenício: não se sabe ao certo o momento e o lugar de seu aparecimento, talvez no final do II milênio a.C. nas regiões da Palestina e da Síria; uma antiga tradição atribui aos fenícios (semitas) a invenção do alfabeto, mas há dúvidas quanto a eles terem criado ou se aproveitado dos sistemas de escritas anteriores; os fenícios teriam criado seu alfabeto com o objetivo de ampliar e conservar o comércio; simplificaram a escrita mediante o emprego de poucos sinais com o valor de consoantes. Características: escrita de letras e não de sílabas, não possuía consoantes, era horizontal da direita para a esquerda, possuía 22 símbolos de aspecto esquio e alongado. Escrita fenícia © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 29 Alfabeto Grego: descende do alfabeto semita (fenício), a prova disso são as letras alfa, beta, gama e delta. As inscrições gregas mais antigas foram descobertas em Atenas, Argólida e ilha de Thera e Melos. Em meados do século IV a.C. o alfabeto jônico foi oficialmente instituído substituindo todos os alfabetos locais, tornou-se a escrita clássica dos gregos. Os gregos empregaram 22 sinais fenícios adaptados (vogais, nova organização dos sons sibilantes, invenção de símbolos para representar os sons da língua grega, adoção de algumas letras para sons ligeiramente diferentes). Características: 24 sinais, existência de vogais, direção da esquerda para direita, de cima para baixo. Alfabeto Latino: deriva, provavelmente, do etrusco (700 a.C.) que possuía 26 letras das quais foram assimiladas 21. A direção dessa escrita era da direita para esquerda. O Latim (língua falada na região do Lácio) sofreu influências também do grego, de onde importaram elementos do vocabulário. Os etruscos, por sua vez, forneceram ao latim muitos nomes próprios. A inscrição latina mais antiga data de +- 600 a.C. O Cristianismo difundiu o alfabeto latino no Ocidente e, através da Bíblia, fixou o latim. Durante muito tempo o latim foi a © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 30 língua literária universal. Até o séc. XVII todas as obras científicas e filológicas eram escritas em latim, que permaneceu como língua oficial da Igreja Católica. O latim originário possuía 16 letras: surgiram depois as letras: G, H, J, Q, V, X, Y e Z; G, Q: equivalem à letra C; H: para diferenciar as palavras latinas aspiradas; J: nasceu do i; U, V: inicialmente eram uma única letra, somente a partir do séc. VII o U aparece com o valor fonético que conhecemos hoje; X: resultou da necessidade de representar abreviação de grupos de letras que tivessem S final; Y, Z: símbolos gregos adotados no séc. I a.C. quando os romanos conquistaram a Grécia; antes o alfabeto latino contava 23 letras: A, B, C, (som de K), D, E, F, G, H, I, K, L, M, N, O, P, Q, P (forma original de R – deriva da letra grega ró), S, T, U, X + Y, Z. Após isso, o alfabeto latino permanece fundamentalmente imutável. A adição das letras U, W, J representou apenas uma atualização para as letras V e I, já existentes. Depois do séc. I adaptou-se a várias línguas, transformando-se apenas externamente quanto ao traçado das letras e ao estilo. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 31 7 EVOLUÇÃO DA ESCRITA Pode ser dividida em três períodos: greco-romano, romano e gótico. Greco-romano: inicia-se desde os tempos imemoriais e vai até o período carolíngio (séc. VIII), caracterizou-se pelo emprego de quatro modalidades caligráficas simultaneamente: capital, uncial, minúscula e cursiva. Romano: compreende os três séculos posteriores a Carlos Magno 14 (séc. IX a XI). Em meados do séc. XII verifica-se um predomínio individual da minúscula, que no século seguinte se difunde por toda a Europa, permanecendo até o fim da Idade Média. Gótico: desde o século XII até o aparecimento da imprensa, quando diversificada já na sua evolução com as diferentes particularidades nacionais, degenera em confusão e rebuscamento. O Renascimento voltou seus interesses para a antiga minúscula carolíngia. Este novo estilo dá origem a escrita humanística. 7.1 TIPOS CALIGÁFICOS kalos + graphein belo + escrever A arte de escrever à mão segundo regras e modelos. Segundo a dimensão, as letras podem ser maiúsculas (as que têm a mesma altura e estão incluídas entre duas linhas paralelas) ou minúsculas (são menores e sua altura está determinada por quatro linhas externas), redonda (traçada com capricho e lentidão) ou cursiva (traçada com rapidez e descuido). 14 Carlos Magno, em francês Charlemagne, em Latim Carolus Magnus, que deu origem ao adjectivo 'Carolíngio'), foi o primeiro Imperador do Sacro Império Romano, restaurando o antigo Império Romano do Ocidente. Para unificar e fortalecer o seu império, decidiu executar uma reforma na educação. O monge inglês Alcuíno elaborou um projeto de desenvolvimento escolar que buscou reviver o saber clássico estabelecendo os programas de estudo a partir das sete artes liberais: o trivium, ou ensino literário (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium, ou ensino científico (aritmética, geometria, astronomia e música). A partir do ano 787, foram emanados decretos que recomendavam, em todo o império, a restauração de antigas escolas e a fundação de novas. Essas novas escolas podiam ser monacais, sob a responsabilidade dos mosteiros; catedrais, junto à sede dos bispados; e palatinas, junto às cortes. Essa reforma ajudou a preparar o caminho para o Renascimento do Século XII. O ensino da dialética (ou lógica) foi fazendo renascer o interesse pela indagação especulativa, dessa semente surgiria mais tarde a filosofia cristã da escolástica; e nos séculos XII e XIII, muitas das escolas que haviam sido fundadas nesse período, especiamente as escolas catedrais, ganharam a forma de universidades medievais. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 32 7.1.1 Escrita capital (caput, capitis) Era usada na parte superior dos textos, nos capítulos, nos títulos e inícios de frases. Poderia ser: a) capital quadrada ou lapidária: traços verticais, fazendo ângulos retos com os traços horizontais; usadas para escritas na lápides, monumentos e dísticos, essas formas até hoje são conhecidas como letra de imprensa ou letra de forma. Características: letras maiúsculas, todas as letras da mesma altura (exceto F e L), traços harmoniosos e elegantes, a palavra "que" era abreviada (q), o "a" apresentava-se sem o traço horizontal; b) capital rústica: derivou da quadrada, os escribas, tentando escrever mais corretamente, foram alterando os caracteres, encurvando os traços, desobedecendo os traços dos ângulos retos. Características: letras mais altas e estreitas, além do F e do L, o B, o G e o Q eram maiores, "a" sem traço, V tendendo para U. 7.1.2 Escrita uncial © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 33 Resultou do arredondamento da rústica, seu nome deriva de assemelhar-se ao arredondamento da unha; no séc. IV ou V d.C. era utilizada em livros e documentos. Características: letras maiúsculas (a maioria da capital rústica), arredondamento das letras, H e Q com hastes acima e abaixo da linha, formastípicas da escrita uncial são a, b, e, m; começa-se a notar a influência da cursiva. 7.1.3 Escrita semi-uncial Surgiu da influência da cursiva sobre a uncial; usada em anotações marginais ou interlineares, traçada com caracteres menores. Características: letras minúsculas, "a" fechado, a letra G semelhante ao número 5. 7.1.4 Escrita cursiva Escrita corrente, as letras começam a ligar-se uma às outros devido ao desejo de escrever mais depressa e da preguiça de se levantar a mão. Usada também em documentos e livros; modificava-se conforme o material da escrita; existiam diversos tipos; vai originar as chamadas escritas nacionais. Inscrição sec. I d.C., letra cursiva corrente, em Pompéia © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 34 Manuscrito em pergaminho em letra cursiva 7.1.5 Escritas nacionais Derivam da minúscula cursiva; cada região utilizava um tipo de cursiva e a adaptava; florescem na Itália, França, Espanha, Inglaterra, Irlanda e Portugal. Exemplos: a) Merovígia (França, Gália): © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 35 b) Visigótica (Espanha e Portugal): c) Lombárdica ou longobárdica (Itália), d) Beneventana (Sul da Itália): e) Anglo-saxã (Inglaterra), f) Irlandesa (Irlanda), g) Carolíngia ou minúscula carolina (França): 7.1.6 Escrita carolíngia A mais importante das chamadas escritas nacionais, foi usada entre os séc. IX e XII, assinala o ponto culminante na história da escrita latina, e vai influenciar grandemente outras escritas posteriores; sua forma elegante persistiu como escrita livresca ou documental até a invenção da imprensa. Características: letra minúscula, arredondada, hastes baixas, formas regulares, simples, claras, sem rebuscamento. 7.1.7 Escrita gótica © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 36 É uma variação da escrita carolíngia, surgiu por volta do séc. XII. Foi usada em Portugal até o séc. XIII ou XIV (carta de Caminha é uma exemplo deste tipo de descrita). Características: letra de traçado rápido, com tendência à união das letras, que eram mais angulosas, com as hastes caídas para a esquerda e por traços longos e finos envolvendo a letra; sua principal característica consiste no corte das linhas retas e no tracejamento anguloso das formas redondas pesadas. Os tratamentos iniciais das hastes se desenvolvem em linhetas sutis que se transformaram em parte integrante das letras, dando lugar a um forte contraste entre os traços mais grossos e aqueles mais finos. Teve três variações: a) gótica cortesã: adotadas nas cortes em meados do séc. XIV, tornando-se arredondada, ligada e mais fina, era apertada, miúda, muito ligada e com poucas abreviaturas, os riscos finais se prolongavam em forma de curva. Foi usada em Portugal nos séc. XV e XVI; b) gótica processual: degenerescência da cortesã, era usada em documentos judiciais e processos públicos, apresentava tamanho maior, muitos enlaces e irregularidades na separação das palavras, traçada com rapidez e descuido e total falta de critério, era e letra de pior qualidade; c) gótica encadeada: deriva da degenerescência da escrita, que se foi enredando, escreviam-se linhas inteiras sem levantar a pena do papel, letra de difícil entendimento, usada pelos notários. Registra-se em Portugal no séc. XVI e XVII (época de certa involução na escrita portuguesa). 7.1.7.1 História da escrita gótica Desde o início do reinado carolíngio, todas as modalidades da escritura greco-romana dão lugar à chamada minúscula carolíngia, que se torna dominante nos três séculos que sucedem ao reinado carolíngio; mas é de observar que a minúscula carolíngia, já desde o século X, manifesta evidente inclinação para as formas modernas; e no século seguinte evolui, numa verdadeira © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 37 inversão da sua simplicidade e elegância, para a chamada letra gótica, que a partir do século XII segue triunfante pela Europa até a aparição da imprensa, quando se diversifica já na sua evolução com as diferentes particularidades nacionais, degenera em confusão e rebuscamento. O Renascimento, que se caracterizou por uma adesão incondicional ao mundo clássico antigo e postulou um conceito pejorativo contra a Idade Média (identificando a imperfeição com o goticismo), relegou o estilo gótico pela sua profusão de artifícios e voltou as suas simpatias para o tipo de letra mais simples e mais pura, adequada à cópia dos clássicos latinos; daí a reabilitação da antiga minúscula carolina, que supunham genuinamente romana. O novo estilo caligráfico redundou na chamada escrita humanística ou italiana, que entrou pelos séculos seguintes. Pelos fins do século XII já aparece em toda a Península Ibérica, acompanhando a Europa católica, a escrita gótica que triunfa sobre a carolíngia, predomínio que se mantém evidente até o século XVI, época em que começa a competir com ela a escrita a escrita humanística ou italiana. 7.1.8 Escrita humanística Nasceu em Floresça no séc. XV, foi uma reação dos intelectuais do Humanismo (que combatiam a cultura medieval) à escrita gótica, foi gerada com base em outra escrita que pensavam ser de origem clássica romana, mas que na verdade era a pura escrita carolíngia (a mais típica da Idade Média). A maioria da documentação brasileira está registrada nela (séc. XV e XVI). © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 38 8 INSTRUMENTOS DO ESCRIBA 15 O escrito, a produção do escriba, impõe a reunião de três elementos: o pergaminho, a pena e a tinta. Ao longo da Idade Média, o pergaminho foi por excelência o suporte do escrito. O uso do papiro só fizera rarefazer-se nos primeiros séculos que se seguiram à Antigüidade. Essas folhas da planta cara ao Egito, coladas e ajustadas, forneciam excelentes rolos largamente expostos. Entretanto, desde a baixa Antigüidade, havia-se utilizado a pele. Diz-se que, em Pérgamo, foi criado o que se chamou a partir do seu nome pergamena ou pergamentum, isto é, o pergaminho. A pele de vitelo ou de carneiro era cuidadosamente limpa dos seus pelos de um lado, da gordura do outro, mergulhada em uma solução de alúmen para tornar-se não putrefeito, estendida e seca, raspada, alisada, polida, enfim cortada segundo as necessidades. Pliegue in-quarto. La piel de oveja, cabra, cordero o ternera, una vez tratada convenientemente, se plegaba y cortaba de formas diversas. De una piel como la de la figura, se obtenían dos bifolios, o lo que es lo mismo, un binión. Para obtener un cuaternión se superponían dos biniones. El pliegue C-D se hacía perpendicular a la columna dorsal para evitar la resistencia que el sentido contrario ofrecía al pasar la página. (SCRIPTA, 2006) A arte do pergaminheiro podia fazer dele um suporte mais ou menos branco, mais ou menos fino. Os artesãos atingiram nesse domínio uma arte que deixa admiração quanto à qualidade de sua produção. Hoje, os especialistas podem determinar se tal pele provinha de uma cabra, de um cordeiro nascido morto ou de um carneiro. O amador pode pelo menos distinguir pelo tato e com a vista o lado do pelo do lado da carne, a segunda dando uma cor mais clara e uma superfície mais suave.Essa diferença de aspecto tinha sua importância no momento da preparação dos livros. Os romanos inventaram o livro (ou codex) que substituiu pouco a pouco o rolo (ou volumen); conhecendo o uso das plaquetas de madeira recobertas de cera [as tabletas de cera], eles sabiam ligá-las para fazer com elas uma espécie de “livro de madeira”; substituindo as plaquetas por folhas de pergaminho, depois dobrando-as e costurando-as, eles inventaram o livro e descobriram as suas numerosas vantagens. 15 Material fornecido por Célia Telles. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 39 Las tablillas fueron muy usadas, incluso durante la Edad Media. Así, por ejemplo sabemos que San Benito (s. VI) prohibía a los monjes poseer sin permiso del abad «neque codices, neque tabulas, neque graphium»; y en la Vita Caroli de Eginardo (s.IX) se lee que Carlomagno utilizaba tablillas para sus ejercicios de escritura, aunque nunca llegó a aprender totalmente. (SCRIPTA, 2006) O rolo não desapareceu definitivamente; assim as pinturas representando os evangelistas no trabalho os mostram sempre escrevendo nesse suporte. Os artesãos do mosteiro forneciam ao escriba carolíngio folhas de pergaminho, que eles cortavam, dobravam e juntavam para dar volumes de dimensões mais ou menos grandes, mas sempre repetidas. Uma pele inteira de carneiro dobrada uma única vez dava esses livros gigantes de que se tem exemplos no final do século XI e que ultrapassava 60cm de altura por quase 40 de largura; ao mesmo tempo podia-se descer a formatos de 15 por 8. Um cuidado particular era sempre tomado, de modo a fazer com que lados da mesma origem (pelo ou carne) ficassem face a face, para beleza do livro. Após ter preparado o seu pergaminho, o escriba juntava suas penas. La pluma debía ser fuerte, tal como eran las plumas remeras de las ocas. Por lo general, las barbas se eliminaban totalmente, o al menos en la parte que iba a rozar con la mano. El cañon se introducía en arena caliente para hacerlo más resistente y menos quebradizo. Una vez se enfriaba, se pasaba a hacerle una buena punta. Primero se hacía un pequeño corte a bisel, justo en la punta de la pluma luego se practicaba un corte hacia arriba en su mitad; después, en el lado opuesto al del corte anterior, se hace un nuevo corte con una sección del cañón algo mayor; a continuación se cortan las esquinas; por último, se raspa y se le da a la punta el corte definitivo con la inclinación deseada, según el tipo de letra. (SCRIPTA, 2006) O termo cálamo, freqüentemente utilizado para designá-las, lembra o uso de galho de roseira cortado; se se fala mais tarde de pena, é porque se empregava, com efeito, de preferência, penas de pássaros. É admirável que não tenha permanecido, em francês, a palavra latina penna, reservada às penas mais grossas, geralmente das asas, pluma designava as penas pequenas e a plumagem. As penas escolhidas de preferência eram aquelas dos pássaros grandes, notadamente gansos ou corvos e particularmente as penas guias da asa esquerda; pois, a curva da haste se adapta melhor à escritura do © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 40 destro. Uma vez aparada na sua parte mais baixa, a ponta era cortada em linha reta, fendida, afinada, capaz de reter bastante tinta para escrever sucessivamente várias letras. O escriba consumia esses instrumentos em abundância; devia freqüentemente retalhá-los e mantinha permanentemente em sua mão esquerda uma lâmina de faca, com a qual ele mantinha o pergaminho liso, para, às vezes, raspar algum erro desastroso. Era-lhe necessário ainda fabricar a tinta. Ainda que existissem receitas conhecidas por todos e publicadas, cada um devia ter suas práticas. A tinta era de base era negra, ou marrom, mais ou menos carbonada ou ácida. Ela não devia espalhar-se nem, uma vez seca, atacar o pergaminho. A utilização de um líquido muito ácido se traduzia às vezes pela aplicação de letras que se destacavam do suporte aí deixando uma marca muito visível. As melhores tintas guardaram até hoje uma impressionante frescura, negras como no primeiro dia; outras empalideceram ou adquiriram uma coloração amarronada de efeito menos belo. Seguramente, sabia-se, em caso de necessidade, fazer tintas de cor, o vermelho das “rubricas”, o verde e o azul, que se acrescentavam às ilustrações pintadas. (PARISSE, Michel. L’ Écriture au Moyen Âge. In: CHRISTIN, Anne-Marie (dir.). Histoire de l’Écriture: de l’idéogramme au multimedia. Paris: Flammarion, 2001. p. 290-1.) © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 41 9 PAPEL O papel é um afeltrado de fibras unidas tanto fisicamente (por estarem entrelaçadas a modo de malha) como quimicamente por pontes de hidrogênio. Acredita- se que tenha sido inventado na China por Ts'ai Lun no ano 105 a.C. La tradición china tiene a un eunuco del emperador Ho-Ti, llamado Tsai- Lung, como el primer fabricante de papel, en el año 105. Pero los hallazgos arqueológicos prueban que ya 200 años antes de Tsai-Lung los chinos conocían el papel. El papel de Tsai-Lung estaba hecho con residuos macerados de las telas utilizadas hasta entonces para escribir. Más tarde, también los chinos prepararon pasta para papel a base de corteza de morera, sobre un molde de finas tiras de bambú. As fibras para sua fabricação requerem algumas propriedades especiais, como alto conteúdo de celulose, baixo custo e fácil obtenção: razões pelas quais as mais comumente usadas são as vegetais. O material mais comumente usado é a polpa de madeira de árvores, principalmente pinheiros (pelo preço e pela qualidade da fibra, muito larga) e eucaliptos (muito barata e resistente). Antes da utilização da celulose em 1840, por um alemão chamado Keller, outros materiais como o algodão, o linho e o cânhamo eram utilizados na confecção do papel. Atualmente, os papéis feitos de fibras de algodão são usados em trabalhos de restauração, de arte e artes gráficas, tal como o desenho e a gravura, que exigem um suporte de alta qualidade. As 5 etapas básicas de fabricação do papel são: (1) estoque de cavacos, (2) fabricação da polpa, (3) branqueamento, (4) formação da folha, (5) acabamento. 10 PAPIRO O papiro é um tipo de papel feito a partir da planta do papiro Cyperus papyrus. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 42 Foi por volta de 2200 anos antes de Cristo que os egípcios desenvolveram a técnica do papiro, um dos mais velhos antepassados do papel. Para confeccionar o papiro, corta-se o miolo esbranquiçado e poroso do talo em finas lâminas. Depois de secas, estas lâminas são mergulhadas em água com vinagre para ali permanecerem por seis dias, com propósito de eliminar o açúcar. Outra vez secas, as lâminas são ajeitadas em fileiras horizontais e verticais, sobrepostas umas às outras. A seqüência do processo exige que as lâminas sejam colocadas entre dois pedaços de tecido de algodão, por cima e por baixo, sendo então mantidas prensadas por seis dias. E é com o peso da prensa que as finas lâminas se misturam homogeneamente para formar o papel amarelado, pronto para ser usado. O papiro pronto era, então, enrolado a uma vareta de madeira ou marfim para criar o rolo que seria usado na escrita. ABREVIATURAS São a redução de uma palavra. Eram usadas por diversos motivos: por economiade material: já que este era muito caro e escasso, pois seu fabrico bastante trabalhoso; por economia de tempo: pois os livros eram manuscritos e poderia levar, às vezes, anos para se copiar um único livro; por que constituíam um estilo da época. O conhecimento das abreviaturas é fundamental para a leitura dos manuscritos medievais, porque os escribas as usavam intensamente. Esse fato provocou a intervenção do senado e dos Imperadores da república Romana, embora sem resultado. Nos séc. XII e XIII, seu uso tornou-se abusivo, só diminuindo quando a escrita cursiva começou a ser introduzida. Assim, usaram um completo sistema de abreviaturas, siglas e as chamadas notas tironianas, o qual continuou sendo utilizado até mesmo depois do período medieval. Existem inúmeros trabalhos que podem ajudar a conhecer as abreviaturas (dicionários de abreviaturas, listas de abreviaturas), mas só com o uso é que se vai passar a conhecê-las. Sempre há de haver em um texto uma abreviatura antes desconhecida. As abreviaturas são classificadas pela maneira como as palavras são cortadas. Desta forma, elas podem ser por: siglas, contração ou síncope, suspensão ou apócope, letras superpostas, letras abreviadoras e ainda existem os sinais abreviativos. Siglas © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 43 A palavra sigla vem do latim singula lettera, significando letra única, sozinha que representava uma palavra inteira, sendo sempre a sua letra inicial. Ex.: S.A. = S(ua) A(lteza); D. = D(om) Abreviatura por contração ou síncope É a abreviatura feita pela supressão das letras mediais da palavra, conservando- se apenas a(s) letra(s) inicial(is) e final(is). Ex.: ds' = d(eu)s ou d(ia)s [a compreensão vai depender do contexto]; Glia' = Gl(or)ia. Abreviatura por supressão ou apócope É a abreviatura feita pela supressão das últimas letras da palavra, assim a palavra é apenas iniciada. Ex.: Igr. = Igr(eja); Mag. = Maj(estade); Imp. = Imp(erador). Abreviatura por letras superpostas ou sobrepostas É a abreviatura feita com a letra inicial e a última ou as últimas letras colocadas em suspensão. Ex.: S or = S(enh)or. Abreviatura por letra abreviadora É a abreviatura feita por uma letra acompanhada por um sinal, que substitui certa sílaba. Ex.: p = p(er) ou p (re) [ap(re)goar]; p(ir) ou p(ri); Sinais abreviativos São certos sinais convencionais equivalentes a sílabas ou letras. Ex.: ( – ) [barra horizontal] = ue; ua; er; re; etc. ( ) [crochet] = re; er; ri; ir, etc. ( : ) [dois pontos] ( . ) [um ponto] notas tironianas = 7 ou 2 Observação curiosa: as notas tironianas são consideradas como o mais antigo tipo de taquigrafia usado na Europa. Criadas por Tiro, escravo de Cícero, que escrevia seus ditados, daí o nome tironiana. Esse sistema chegou a ter 5 mil abreviaturas. Por serem © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 44 usadas pelos oficiais públicos romanos, estes eram chamados de notarius, daí também o nome documentos notariais dado aos documentos públicos. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 45 12 OS ATOS DIPLOMÁTICOS 16 Instalou-se o costume de distinguir nas fontes históricas medievais os manuscritos, isto é, os livros, e os atos diplomáticos, ou cartas, termo genérico, cômodo, para designar as peças isoladas dos atos da prática, contendo doações, confirmações, julgamentos, acordos e outros negócios, expedidos pelos soberanos, bispos, abades e qualquer outro doador. Essas “cartas” foram dadas por dezenas de milhares em toda a Europa e seu número particularmente aumentou a partir do século XII. A sua repartição é muito variável. Desde os tempos medievais, era habitual para os arquivistas das igrejas, mosteiros ou capítulos colocar à parte os atos que reconheciam os privilégios mais importantes, entre os quais os diplomas (atos reais) e as bulas (atos dos papas) tinham um papel de honra. Essas peças eram preparadas seja pelas chancelarias dos soberanos ou dos papas, seja pelos ateliês monásticos, quando o destinatário tinha o prazer de preparar ele mesmo o documento que em seguida levava para autenticar. O mundo das cartas é tão variado e denso quanto o dos livros e não se tratará dele aqui em detalhe. Farei apenas algumas observações. A primeira é relativa à escritura que se tem qualificado de diplomática em oposição à escritura livresca. Essa distinção foi feita na própria época em que se elaborava a escrita carolíngia ou carolina. Enquanto os capitulários, os anais, os tratados eram escritos em minúsculas nitidamente distintas, os diplomas expedidos pela chancelaria de Carlos Magno continuavam a usar uma escrita e uma apresentação próximas daquelas dos diplomas merovíngios. O pergaminho era de grandes dimensões, escrito na parte mais larga. A primeira linha, feita com letras muito alongadas, finas e apertadas, era difícil de decifrar. Depois de uma grande interlinha, a linha seguinte era ornada de traços e de hastes finas e muito alongadas, as letras sendo freqüentemente contornadas, sem o traço simplificado e arredondado dos manuscritos. A manutenção dessa prática pode surpreender, mas é verdade que o uso desses atos era muito diferente daqueles dos livros e dos textos largamente difundidos. Sem dúvida queria conservar-se nesses textos emanados do rei um caráter um pouco misterioso, seguramente solene, a solenidade sendo acentuada pelo monograma e pelas marcas da chancelaria e pelo selo aplicado cujo valor era inestimável. Mesmo quando a escritura dos atos reais se aproximou pouco a pouco daquela dos livros, não se 16 Material fornecido por Célia Telles. © Material para uso exclusivamente didático produzido pela Profa. Dra. Alícia Duhá Lose. 46 modificou em nada a sua apresentação exterior, garantia da sua autenticidade. É somente com os Capetos que se fez a ruptura, seus diplomas aproximando-se bastante dos textos ordinários, sem perder, entretanto, alguns dos traços dos outros atos. Essas peças, arrumadas com infinito cuidado em um cofre depois de terem sido dobradas para melhor proteger a escritura, constituíam provas indispensáveis dos direitos e das posses da igreja que os detinha. Por prudência, eles eram muitas vezes copiados em um outro suporte ou em uma coletânea de cartas (cartulário) para serem comodamente consultados sem que se tenha tirado o original do seu depósito ou para serem agrupados com outros que tratassem do mesmo objeto. Se fosse necessário, o pergaminho seria desdobrado diante de uma assembléia, lido em voz alta (o texto era, às vezes, em prosa rimada), examinado por especialistas em caso de dúvida; comparavam-no com outros, examinavam-se os selos e os signos simbólicos. Quanto mais bela fosse a peça, bem distribuída em seu suporte, sublinhada em sua primeira linha com letras altas, com capitais abrindo as frases ou marcando alguns nomes, sobretudo aqueles dos santos patronos, acrescentada de anéis e de arabescos, enriquecida com um monograma real, proveniente da casa de um notário imperial, da rota de um pontífice, com listas de testemunhas, em colunas ou em linhas, com a data ás vezes rejeitada e colocada em posição final, com o selo aplicado ou suspenso, tanto mais o efeito está assegurado. Depois as igrejas, as cidades dedicaram- se às suas “cartas”, sobretudo àquelas de franquias ou de comunas, ou os “privilégios”. Um tipo mais comum era reservado às cartas ordinárias,
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