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Católicas Pelo Direito de Decidir - CDD/BR

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UERJ 
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – CCS 
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – IFCH 
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS 
 
 
 
 
 
CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR – CDD/BR 
DEMANDAS DA MODERNIDADE FRENTE AO RETORNO AO 
CONSERVADORISMO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Maurício Marques Soares Filho 
 
 
Rio de Janeiro / RJ 
2016 
 
 
2 
 
 
MAURÍCIO MARQUES SOARES FILHO 
 
 
 
 
 
 
 
 
CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR – CDD/BR 
DEMANDAS DA MODERNIDADE FRENTE AO RETORNO AO 
CONSERVADORISMO 
 
 
 
 
Monografia apresentada como 
exigência para conclusão do 
curso de graduação em Ciências 
Sociais, pelo Departamento de 
Ciências Sociais do Instituto de 
Filosofia e Ciências Humanas – 
IFCH/UERJ, sob a orientação da 
Professora Cecília Loreto Mariz. 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro / RJ 
2016 
3 
 
Dedicatória 
Dedico humildemente este trabalho a todas as mulheres em situação de violência 
e restrição de direitos. Não se pretende tomar sua voz aqui, apenas repercuti-la, e dentro 
das limitações deste homem. 
Não posso deixar de lembrar dos e das religiosos e religiosas, leigos e leigas, 
que, ligados à denominação que for, assumiram e assumem para si o fardo das lutas e 
demandas populares e minoritárias: a prática da doação pessoal (e me refiro aqui ao 
outro, não à sua instituição ou a si mesmo), necessário reconhecer, é para muito poucos. 
Não posso deixar de mencionar aqui o nome de Arídia Rosa Gomes, que, sem 
mesmo que o autor se desse conta, foi a inspiração primeira para este trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
Agradecimentos 
 À ideia de Deus, sem a qual, literalmente, este trabalho não teria sido escrito. 
Desnecessário dizer, é completamente irrelevante crer para que se compreenda 
minimamente e se respeite a importância histórico-social, e também psicológica e 
pessoal, do conceito de divino. 
Agradeço todos os mestres e mestras que encontrei nesta Universidade do 
Estado do Rio de Janeiro e em outros espaços, detentores ou não de diplomas ou títulos, 
estejam ligados à função ou assumam o papel social que for: desculpem-me se não os 
cito nominalmente – seria necessária outra monografia para pormenorizar o que e como 
aprendi com cada um. 
Devo um agradecimento especial à minha orientadora, pelo suporte, paciência e 
interesse – todo posicionamento que hoje ou um dia possa ser considerado inadequado, 
e quaisquer equívocos teórico, metodológico ou imprecisão que aqui tenham 
permanecido é falta inteiramente minha. 
À minha família, em especial a Ivane Rosa Gomes Soares e a Gisele Vieira 
Rocha, por acreditarem sem reservas em mim, e pelo apoio que sei ter sido por vezes 
difícil. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 “(...) Universidade como espaço possível de aprofundamento da reflexão sobre uma 
prática comprometida com as lutas libertárias das classes populares.” 
Maria José Rosado Fontenelas Nunes 
 
 
 
“Esquecer é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que o destino, para escrever um 
novo caso, precisa de apagar o caso escrito.” 
Joaquim Maria Machado de Assis 
6 
 
Resumo 
 
A presente monografia pretende estudar a relação entre igreja formal e 
movimento leigo através da atuação de uma Organização Não-Governamental, sem fins 
lucrativos, que se conecta por meio de sua história à Igreja Católica Apostólica Romana, 
além de procurar estabelecer possíveis interpretações para esses vínculos. As Católicas 
pelo Direito de Decidir – CDD sustentam com sua agenda pública a proposta de debate 
de temas da modernidade articulados a alternativas para a renovação das práticas da 
Igreja, além de demandas sobre limites de ingerência das religiões sobre o Estado, 
ecumenismo e garantia de Direitos Humanos, mas com ênfase numa prática e discurso 
feministas. 
 
Palavras-Chave: Catolicismo, Movimentos Sociais, ONG, Feminismo, Direitos 
Reprodutivos. 
 
SOARES FILHO, Maurício Marques. Católicas Pelo Direito de Decidir – CDD/BR: 
Demandas da Modernidade Frente ao Retorno ao Conservadorismo. Rio de Janeiro / RJ, 
CCS/IFHC/UERJ. 2016. Monografia. Graduação em Ciências Sociais. Orientadora: 
Professora Doutora Cecília Loreto Mariz. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
Abstract 
 
This thesis aims to study the relationship between formal religion and lay 
movement through the action of a non-governmental nonprofit organization, which 
connects through its own history to the Roman Catholic Church, and seek to establish 
possible interpretations for these bonds. The Católicas pelo Direito de Decidir - CDD 
supports with its public agenda the proposed discussion themes articulated modern 
alternatives to the renewal of the Church's practices, and demands on limits of 
interference of religion over the state, ecumenism and guarantee human rights, but with 
a focus on practice and feminist discourse. 
 
Keywords: Catholicism, Social Movements, NGOs, Feminism, Reproductive Rights. 
 
SOARES FILHO, Maurício Marques. Católicas Pelo Direito de Decidir – CDD/BR: 
Demandas da Modernidade Frente ao Retorno ao Conservadorismo. Rio de Janeiro / RJ, 
CCS/IFHC / UERJ. 2016. Monograph. Degree in Social Sciences. Advisor: Professor 
Cecilia Loreto Mariz. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
Sumário 
Introdução ...................................................................................................................... 11 
Capítulo 1 – Breve Cronologia do Catolicismo no Brasil ............................................. 14 
1.1.A Igreja Católica no Brasil até a Década da Proclamação da República .......... 15 
1.2.A Igreja Católica no Brasil até a Década de 1930 ............................................. 19 
1.3.A Igreja Católica no Brasil até o início da Década 1960 ................................... 20 
Capítulo 2 – As Décadas de 1960 a 1980 ...................................................................... 25 
2.1. Entremeios, 1961 a 1968 .................................................................................. 27 
2.1.1. Movimento Marcha da Família com Deus Pela Liberdade .................... 38 
2.2. Os Anos de 1969 a 1978 ................................................................................... 47 
2.3. A Vida Religiosa nos Meios Populares ............................................................ 57 
2.3.1. Pastoral ................................................................................................... 59 
2.4. A Abertura Política e o Retorno à Democracia ................................................ 62 
Capítulo 3 – A Década de 1990 ..................................................................................... 68 
3.1. Centralização da Igreja Católica e Ascensão de Outros Atores ....................... 69 
3.1.1. O Retorno ao Conservadorismo e Centralização Católicos ................... 69 
3.1.2. A ICAR Brasileira Perde Fiéis ............................................................... 74 
3.2. O Movimento Social Após a Queda do Muro .................................................. 75 
3.2.1. A Situação Político-Econômica Brasileira na década de 1990 .............. 76 
3.2.2. Reação da Sociedade Civil ao Declínio da Democracia ........................ 82 
3.2.3. Globalização, Movimentos Populares e ONGs ...................................... 86 
3.2.4. Bases Legais para a Sociedade Civil Organizada ..................................90 
Capítulo 4 – Influências às Católicas Brasileiras .......................................................... 92 
4.1. Direito Canônico e o Aborto ............................................................................ 93 
4.2. Discussão Secular do Aborto no Mundo Moderno ........................................ 108 
4.3. Fundação da Catholics For Free Choice – CFFC ......................................... 110 
4.4. Red Latinoamericana de Católicas por el Derecho de Decidir ..................... 118 
4.5. O Feminismo no Brasil ................................................................................... 119 
4.5.1. Até 1889 ............................................................................................... 120 
9 
 
4.5.2. Entre 1890 e 1930 ................................................................................ 122 
4.5.3. Entre 1930 e o Golpe ........................................................................... 130 
4.5.4. Ditadura Militar: Entre 1964 e 1978 .................................................... 132 
4.5.5. Ditadura Militar: Entre 1979 e 1985 .................................................... 135 
4.5.6. Retorno à Democracia e a Consolidação de um Novo Modelo ........... 138 
Capítulo 5 – As Católicas Pelo Direito de Decidir – CDD/BR .................................. 143 
5.1. Formação das Católicas Pelo Direito de Decidir Brasil ................................ 148 
5.2. Objetivos e Panorama de Atuação .................................................................. 151 
5.2.1. Religião ................................................................................................ 151 
5.2.2. Sexo, Gênero e Identidade de Gênero .................................................. 152 
5.2.3. Direitos Reprodutivos e Juventude ...................................................... 154 
5.3. Posicionamento da Igreja Católica Brasileira ................................................. 156 
Capítulo 6 – Formas de Ação das CDD/BR Hoje ........................................................ 158 
6.1. Ações de Advocacy ......................................................................................... 158 
6.2. Ações nas Redes Sociais ................................................................................ 162 
6.3. Ações de Conscientização Direta e Publicações ............................................ 163 
6.3.1. Ações Diretas ....................................................................................... 163 
6.3.2. Artigos e Publicações Disponíveis na Rede ......................................... 164 
6.4. Financiamento de suas Atividades – as CDD/BR enquanto ONG ................. 175 
6.4.1. Convênios com a União ....................................................................... 177 
6.5. Uma Questão sobre Modelos ......................................................................... 181 
Conclusão .................................................................................................................... 183 
 Porque Católicas? ............................................................................................ 183 
 Considerações Finais ....................................................................................... 184 
Referências .................................................................................................................. 187 
 
 
 
10 
 
 
Apêndices 
I. Cessão de Valores às Católicas pelo Direito de Decidir Sociedade Civil pela União 
através de Convênios ............................................................................................. 197 
II. Aborto: 
Problema de Segurança Pública ou Competência da Saúde Pública? ................... 208 
III. Nosso Vizinho ao Sul, O Uruguai ......................................................................... 217 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
11 
 
Introdução 
 O Catolicismo no Brasil apresentou um dinamismo notório na segunda parte do 
século XX. Entre as muitas causas que poderiam ser citadas, temos as externas, como as 
características do papado de João XXIII (1958 – 1963) – que alarmaram alguns dos 
católicos romanos mais puristas e certamente a todos os intolerantes –, as determinações 
do Concílio Vaticano II (1962 – 1965), e as Conferências Episcopais Latino Americanas 
de Medellín (1968) e de Puebla (1979). Entre as influências internas, a Ditadura Militar 
(1964 – 1985), e o posterior processo de redemocratização, que em sua maior parte foi 
perfeitamente alinhado às opções econômicas, políticas e sociais características do 
período posterior às crises capitalistas da década de 1980 e do pós Guerra Fria – a 
adoção do chamado paradigma econômico Neoliberal e a retração da agência do Estado 
também como promotor de projetos de inclusão social efetiva, e a quase alienação de 
seu papel como principal elemento de diálogo ou mediação com o Movimento Social. 
A proposta de uma Igreja Católica aberta ao povo, que tornasse parte de sua 
agenda a inclusão social e as lutas populares – o que se materializou nas Comunidades 
Eclesiais de Base – CEB e na Teologia da Libertação dos anos de 1970 e 80, 
principalmente – foi progressivamente negada como política oficial, algumas vezes dura 
e abruptamente, durante o papado João Pulo II (1978 – 2005). Conforme será visto em 
breve, a opção pelos pobres foi uma alternativa também para a organização popular 
durante o período de restrições brutais a qualquer oposição oficial ao Regime de 
Exceção. A iniciativa democrática e inovadora foi desarticulada ou minorada pelo poder 
de Roma, que optou pelo retorno ao conservadorismo intestino, ao centralismo, e adotou 
técnicas de propaganda e ações políticas visando manter sua ascendência sobre o 
pluralismo e opções religiosas em crescimento, além de sua importância geopolítica. 
As pastorais e a opção pelas causas sociais não morreram de fato com a 
reavaliação da linha a seguir pela cúpula da Igreja Católica, nem mesmo dentro de sua 
estrutura. Houve silêncios obsequiosos, houve afastamento e condenação de líderes, 
houve realinhamento: mas os homens e mulheres, leigos e eclesiásticos, que cresceram 
nas CEBs, que pensaram suas próprias escolhas e vidas a partir da Teologia da 
Libertação, muitos deles ingressaram em movimentos sociais que de fato colaboraram 
para reorganizar a sociedade civil na abertura política, e quando da opção pelo Novo 
Paradigma Econômico, para adotar novos modelos de ação voltados à mudança. 
12 
 
 Católicas Pelo Direito de Decidir: Organização Não Governamental. Se pensada 
sob uma ótica purista, não deveria figurar estritamente entre os movimentos sociais de 
origem ou cunho meramente religioso: existem organismos laicos católicos, 
reconhecidos ou não pela Santa Sé, que vêm crescendo em número e importância no 
Brasil, e o estudo de algum deles seria mais própria nesse caso. Contudo, conforme se 
conhece suas prioridades e a insistência com que procura fazer notar sua ligação muito 
específica com a Igreja Católica Romana, afigura-se válido abordar as CDD, não como 
uma tendência entre as multíplices faces do cristianismo contemporâneo, mas sim como 
um elemento representativo de organização secular que congrega múltiplas demandas 
elementares da modernidade e que subjazem aos diversos modos de ser cristão ou cristã. 
 As CDD mantêm ou procuram manter diálogo (que muitas vezes é constituído 
de monólogos das partes) especialmente com a Igreja Católica, mas também com as 
diversas denominações cristãs e outras religiões. Apresenta relevante papel diante de 
questões de sexo e gênero, em especialuma que se afigura mais pungente entre 
mulheres jovens: direitos sexuais e reprodutivos – e o assunto de discussão sempre mais 
controverso: a desmistificação, discussão e legalização do aborto. 
 Na introdução do artigo de Alcilene Cavalcante de Oliveira [DE OLIVEIRA, 
2009], percebe-se a relevância histórica da Igreja Católica Apostólica Romana – ICAR 
na formação cultural das populações da América Latina, e como aquela organização 
infundiu nessas sociedades papéis sociais arquetípicos da mulher como mães e esposas 
ou, como é logicamente esperado que toda definição carregue em si mesma seu oposto e 
contrário, da Eva caída. Herança direta foi e ainda é a manutenção das mulheres como 
cidadãs de segunda classe, com reduzida possibilidade de agência, ou até mesmo 
coisificadas em sociedades eminentemente machistas. Em paralelo, temos que qualquer 
mudança social efetiva precise dialogar com as diversas religiões: no Censo de 2010, 
menos de dez por cento da população declara-se sem religião ou não crente – a despeito 
da prática e observação efetiva ou não dos ritos e regras solenes pelos demais, infere-se 
uma necessidade ou tradição de identidade com, ou pertencimento a, aquelas religiões 
ao menos por costume. Resulta disso que oportunidade de transformação prática 
depende diretamente do diálogo com as religiões, além de um esforço contínuo para a 
observância do caráter laico das diversas esferas e poderes estatais, de campanhas de 
valoração das mulheres e dos novos papéis sociais que elas vêm assumindo, além da 
conscientização da sociedade em sentido amplo. 
13 
 
No presente trabalho buscamos conhecer a história das CDD no Brasil, e 
delinear suas diretrizes e formas de trabalho e atuação sobre a sociedade, os tópicos que 
abordam, seus principais objetivos, quem são os atores sociais que as constituem e a 
elas se alinham. Devemos por necessidade criar molduras para guiar nossa visão, que 
serão oportunamente apresentadas, mas que sempre se basearão nos tópicos 
centralmente valorizados no discurso das Católicas. Por fim, tentaremos encontrar 
respostas a algumas questões fundamentais, como das possíveis motivações imediatas 
que levaram a opção por uma composição em Organização Não-Governamental (ao 
invés de movimento laico católico, por exemplo), a temática central de defesa de 
direitos sexuais e reprodutivos (com ênfase na possível opção – o que imprime um 
caráter decisão pessoal e agência feminina – pela interrupção de uma gravidez), e a 
insistência na manutenção de um vínculo especial e com o Catolicismo. A evolução do 
movimento deverá ser necessariamente observada, como a progressiva agregação de 
metas, o convite ao ecumenismo e as técnicas de divulgação com a ascensão da internet. 
Entende-se como necessário traçar um quadro, ainda que com matiz de poucas 
cores, sobre a religiosidade brasileira após o Concílio Vaticano II (1962 – 1965) até 
meados da década de 1990. De forma semelhantemente sucinta, se pretende observar a 
opção por um novo modelo sócio-político-econômico que caracteriza o que chamam de 
pós-modernidade, modernidade líquida, Neoliberalismo, prevalência do Capitalismo 
Financeiro e retorno à autogestão do Mercado, ou o nome com o qual se queira batizá-
lo, e suas influências sobre as alternativas para a organização de movimentos populares, 
ou do agora “Terceiro Setor” ou “Sociedade Civil”, em torno de objetivos determinados. 
Desnecessário dizer, por se tratar de um projeto científico, não se pretende falar 
aqui pelas Católicas pelo Direito de Decidir, e sim sobre as mesmas. Igualmente, as 
colocações e afirmações a respeito principalmente da Igreja Católica Apostólica 
Romana, sua organização e posicionamentos passados e atuais, serão baseados em 
análises da literatura reconhecida e em seus próprios documentos oficiais. Contudo, é 
necessário afirmar que não se poderá, por questões óbvias que limitam o espectro da 
experiência pessoal do autor, dizer que este é um trabalho de caráter feminista – 
contudo, desde já se deve salientar um compromisso que aqui inevitavelmente será 
refletido com a garantia da dignidade e dos direitos individuais, e em se reconhecer que 
somente a atenção às necessidades diferentes pode garantir a igualdade. 
14 
 
Capítulo 1 – Breve Cronologia do Catolicismo no Brasil 
 O primeiro ato oficial da Igreja Católica Apostólica Romana em terras 
continentais do que viria a se chamar Brasil ocorreu em 26 de abril de 1500, numa praia 
do sul do atual estado da Bahia, Coroa Vermelha. Uma das duas potências irmãs e 
verdadeiramente mundiais da Idade Moderna fixou seus estandartes apropriando-se da 
terra, e Pero Vaz de Caminha informava em sua Carta destinada ao Rei Manuel I que “o 
melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente”. Portugal e 
Espanha eram as coroas europeias defensoras da fé católica (embora o projeto daquele 
como Estado Nação entrasse em conflito velado com Roma, em termos políticos e 
simbólicos, a separação entre Igreja e Estado deu-se oficialmente só em 19111), e o 
catolicismo esteve desde o início de nossa formação ligado ao poder oficial do Estado. 
 Regressa-se tanto no tempo somente para que se possam firmar duas 
características principais da Igreja Católica no Brasil entre os séculos XVII e XIX: sua 
conexão inevitável com o Estado – este age como elemento mediador de sua ação na, e 
garantia de sua relação de ascendência sobre a, sociedade civil –, e sua relativa 
independência de Roma2, e como esses fatores se refletiram na formação de uma Vida 
Religiosa Tradicional [NUNES, 1985]. O objetivo da ICAR sempre pode ser designado 
universalista, e na Península Ibérica e colônias tratava-se de um projeto de Cristandade, 
que seja definida como ação social da Igreja mediada pelo Estado, e foi preponderante 
nessas terras até meados do século XX quando é inevitavelmente substituído por um 
projeto de Igreja, onde a interferência sobre o corpo da sociedade passa ser direta. 
A proximidade com o Estado não perde seu fator atrativo até o presente: são 
óbvias as prerrogativas de uma instituição que adquire influência sobre os Poderes 
Constituídos e, como consequência, sobre todo o edifício social – ou mesmo que estreite 
laços com uma condição de classe específica, mas que detenha certo nível de 
“ascendência” no imaginário social (médicos e advogados, por exemplo). No caso de 
maior impacto, pode-se impor direta ou indiretamente sobre a sociedade sua própria 
visão de mundo, seu conjunto de valores éticos e morais, seu simbolismo, sua estética – 
 
1 Decreto com Força de Lei de Separação dos Estados e das Igrejas, de 20 de abril de 1911, parte das 
reformas associadas à Proclamação da República Portuguesa, em 05 de outubro de 1910. 
2 Afirmar que a distância era impeditivo crucial é equivocado: é certo que os Institutos de Vida 
Consagrada não tinham condições de reportarem-se à Santa Sé com periodicidade constante, mas a Bula 
Papal que reconhecia oficialmente a Ordem ou Congregação e fixava sua carta de princípios equivalia a 
um nihil obstat para sua ação ordinária. A ingerência do Estado Português, e depois do poder Imperial 
Brasileiro sobre o catolicismo no Brasil, valendo-se do Direito de Padroado, foi o que se fez sentir. 
15 
 
e garantir sua replicação dentro dos quadros sociais, a sobrevivência ou adaptação de 
sua estrutura e, por conseguinte a manutenção de seus poderes de influência. Da mesma 
forma que a associação formal entre a Igreja Católica e o Império do Brasil garantia sua 
prevalência, hoje a associação entre igrejas e política na esfera do Congresso Nacional 
(a chamada “Bancada da Bíblia”, ou mesmo “BancadaEvangélica”) intervêm na vida 
comunitária brasileira, à medida que angaria poder para aprovar ou barrar medidas que 
julgam de acordo com seus interesses ou valores comuns [VITAL et al., 2012]. 
Os tópicos dessa seção são baseados na obra de Maria José Fontelas Rosado 
Nunes, fundadora das Católicas Pelo Direito de Decidir no Brasil, “Vida Religiosa nos 
Meios Populares”, que apresenta uma leitura da realidade pautada no Materialismo 
Histórico. Citações serão feitas somente quanto a contribuição vier de outro autor. 
1.1. A Igreja Católica no Brasil até a década da Proclamação da República 
 A formação de uma Nação Católica passava então necessariamente pela adoção 
estatal do catolicismo como religião oficial. “Tolerância [religiosa] é fruto da 
indiferença. E a indiferença, fruto da ação política”, como afirma Christopher Hill em 
seu tomo Origens Intelectuais da Revolução Inglesa (São Paulo: Martins Fontes, 1992) 
e não poderia haver por princípio tolerância franca no Reino Português, bastião que se 
tornou (junto à Espanha e depois França) para a Igreja de Roma durante o período 
turbulento da Reforma e Contra Reforma: os interesses de ambos estavam 
irremediavelmente ligados pelo Direito de Padroado3 instituído ainda no século XIII. 
A atuação doutrinária principal nas terras a leste da linha realmente imaginária 
do Tratado de Tordesilhas (firmado entre as Coroas Ibéricas, e validado pelo Papa Júlio 
II em 1506, tornando sem efeito a Bula Inter Coetera de 1493, subscrita pelo Papa 
Alexandre VI4) foi, senão de facto ao menos consta como verdade absoluta nos livros 
didáticos de nossas escolas elementares, levada a cabo inicialmente pela Companhia de 
Jesus: uma estrutura eclesiástica formalmente reconhecida em 1540 através de Bula 
Papal Regimini Militantis Ecclesiae por Paulo III – o mesmo que convocou o Concílio 
 
3 Para definição concisa do conceito, vide Glossário “Navegando na História da Educação Brasileira”, 
online, mantido pelo Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” 
(HISTEDBR) da UNICAMP, verbete “Padroado” elaborado por Ana Cristina Pereira Lage, disponível no 
sítio: http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_padroado1.htm. 
4 A ICAR desempenhava um papel de “árbitro isento” em questões diplomáticas e políticas entre reinos e 
os nascentes estados nacionais – essa era uma tradição jurídica medieval, tal e qual o Direito Divino dos 
Reis, que, além de quase imposta pela condição de “grande feudatária da Europa”, era prevista em 
documentos oficiais da própria Igreja: sustentava-se a si mesma. 
16 
 
de Trento (1545-63) sendo, portanto, o “idealizador” da Reforma Católica. A 
Companhia de Jesus foi fundada por Íñigo López, membro da nobreza rural nascido no 
Castelo de Loyola na região basca de Azpeitia, (ou Inácio de Loyola, 1491 – 1556, 
canonizado em 12 de março de 1622) que, treinado como guerreiro e gravemente ferido 
na perna em batalha, retirou-se para uma vida ascética, contemplativa, de estudos 
teológicos e exercícios espirituais, dando início a uma congregação a princípio de seis 
membros em torno de sua figura carismática (nos termos desse período de reafirmação 
da ortodoxia e de obediência à Sé), que assumiram votos de pobreza e castidade. 
Enquanto instituição, a Companhia possui caráter missionário, e o fato de não serem 
uma ordem monástica permite relativa mobilidade a seus membros – somando-se à 
sujeição total ao Papado estabelecida em seus estatutos, a SJ tornou-se ferramenta ideal 
para a disseminação da fé, do Catecismo e dos Decretos Papais (base do Direito 
Canônico de então até 1917) da Contra Reforma, “ad majorem Dei gloriam". 
Esses homens afeitos à disciplina e à obediência assumiram muitas tarefas 
dentro da estrutura da ICAR ao longo do tempo – inegavelmente seus principais 
serviços a ela enquanto Ordem Missionária foram em o de converter à fé católica, 
doutrinar (“catequizar”), e educar (nas letras latinas, costumes europeus e teologia e 
moral católicas). Hoje a Societas Jesu está presente em cerca de cento e trinta países. 
Aquele que se refere à educação é o ponto em que precisamos nos deter. Entre 
1549 e 1759 foram fundadas “escolas de ler e escrever em quase todas as povoações e 
aldeias; (...) 18 estabelecimentos de ensino secundário, entre colégios e seminários, nos 
principais pontos do Brasil, entre eles: Bahia, São Vicente, Rio de Janeiro, Olinda, 
Espírito Santo, São Luís, Ilhéus, Recife, Santos, Porto Seguro, Paranaguá, Alcântara, 
Vigia, Pará, Colônia do Sacramento, Florianópolis e Paraíba”. Merece notoriamente 
também seu papel ativo na fundação da aldeia de Piratininga, que viria a ser o núcleo de 
formação da cidade de São Paulo/SP, e ponta de lança para o povoamento do “sertão”. 
Tal referência é feita, pois o monopólio na prática do ensino certamente foi usado como 
uma das principais ferramentas de doutrinação para a nascente elite colonial masculina. 
Os colégios e professores jesuítas eram a mais comum, senão única, maneira de acesso a 
um ensino mínimo, ainda que voltado a uma formação cristã humanista, preterindo a 
fabricação do cidadão burguês, que se tornou o objetivo pedagógico português do 
século XVIII, numa tentativa de adequar o Estado Nação à já estabelecida lógica 
econômica europeia [SHIGUNOV NETO, 2008]. 
17 
 
Um elemento valorizado na discussão da autora em pauta é papel social dos 
Conventos no período anterior à República. Sua potencialidade para serem espaços de 
fuga à tirania do Patriarcalismo “clássico”, que era a norma da sociedade colonial e foi 
herdada pelo Império, é frustrada: são ferramentas para ameaçar, controlar, conter, 
manter a respeitabilidade da família extensa. Importante que seja dito: sob certo aspecto 
o convento (e mesmo que – ou mesmo porque – suas regras pudessem ser relaxadas5) 
pode ser encarado como um microcosmo reflexo da normativa social vigente, pois a ela 
apela para a definição dos papéis dentro da sua hierarquia assumidos por essas 
religiosas, definindo primeiramente quais mulheres estariam “aptas” à vida conventual. 
Ordens e Congregações acolhiam em suas casas filhas ou agregadas da elite social – não 
era a vocação o determinante para viabilizar a conversão à vida religiosa durante o 
período colonial ou imperial, mas o prestígio associado ao nome de família, fatores 
econômicos e políticos. Após a reforma conventual de meados do século XIX e início 
do XX, ainda de acordo com o texto de Nunes, esse padrão classista se repete, contudo 
de forma menos explícita: a aceitação não se restringe mais a membros da elite, mas 
agora são as letradas, aquelas que “tem estudo” ou “são educadas” que desenvolvem 
tarefas relacionadas à educação e administração, enquanto às que apresentam carências 
nesses tópicos é relegado trabalho mais pesado, na cozinha, lavanderia ou faxina – o 
espaço social do convento reflete, ainda que no âmbito informal ou de maneira não 
inteiramente propositada, uma realidade de oportunidade de classes, estabelecendo uma 
hierarquia tácita não só entre os serviços, mas entre as pessoas que os desempenham, e 
determinando as oportunidades que virão a ter. 
O prestígio da vida conventual e monástica decresce a partir da segunda metade 
do século XVIII. Em 1759, o Marques de Pombal determina a expulsão dos jesuítas das 
terras da colônia: era um grupo disciplinado, coordenado, influente, detinha direitos 
sobre terras, e fiel às determinações de Roma. As demais Ordens e Congregações 
instaladas – Franciscanos, Carmelitas, Beneditinos, Mercedários e Capuchinhos –, 
vistas como elementos estrangeiros, possuidores de poder econômico e propriedades, 
perderão espaço principalmenteentre 1827 e a proclamação da República, devido a um 
conjunto de regras que visava reduzir sua capacidade de angariar e formar o noviciado. 
 
5 A autora menciona que em alguns conventos as regras de clausura e normativas quanto a vestimentas, 
uso de jóias, ou mesmo a alimentação ou possibilidade de criados e escravos pessoais eram ignoradas “em 
nome de uma compensação dada pela família à enclausurada” – daí estabelecer que ainda que as regras e 
necessidades da família patriarcal as tenham enviado para a “clausura”, essa poderia ser lassa. 
18 
 
Com a Independência, a Igreja Católica é declarada religião oficial do império 
brasileiro – o fato de Dom Pedro I, e seu sucessor Dom Pedro II, continuarem 
desempenhando o papel de “Patrono da Igreja”, detendo poder sobre a nomeação de 
cargos eclesiásticos (cujos salários eram pagos pelos cofres públicos) e sobre a validade 
de ordenações Papais dentro do território da coroa é característico de um afastamento ou 
independência relativa da Sé Romana, mas fonte de desagregação interna6. Embora não 
se possa o afirmar impunemente, devemos tomá-lo como axioma de pesquisa: a 
Religião Católica no Brasil precisava do Estado Nacional como parceiro para 
estabelecer-se como credo (senão único, ao menos oficial) de forma a atingir sua meta 
basilar: simplesmente a “cobertura de todo o território nacional”, conforme Nunes. 
Ainda que pudesse estar institucionalmente enfraquecida, detinha monopólio sobre 
responsabilidades civis, que eram paralelas e complementares às estatais como, por 
exemplo, o cadastro de nascimentos através do batismo, a validação de casamentos – 
era detentora ainda de autoridade formal. Tal estratégia de vinculação ao Estado de 
Direito simplesmente não dava espaço para a ascensão de outras religiões a não ser 
como prática privada (conforme o atesta o artigo 5º da Constituição Política do Império 
do Brazil, de 25 de março de 1824): a Igreja Católica era, ao contrário, validada como 
pública – incontestável, pois elemento anexo estatal. Suas atribuições adentravam a 
esfera do poder formal constituído, eram parte dele. Havia ascendência da Igreja sobre a 
população: suas atribuições civis e certo poder político garantiam-na. 
Essa é a lógica de uma Religião de Estado. Depois de fé oficial do Império 
Português, continuou sendo a do Império do Brasil. Essa histórica e quase inevitável 
estratégia de ação institucional cobrou sua contrapartida: no final do século XIX a Igreja 
Católica brasileira tinha sua preponderância irremediavelmente conectada à Coroa, e a 
seus vínculos com as elites agrárias tradicionais e nobiliárquicas, alguns bastantes 
locais, mas mantidos principalmente através da educação. Parte considerável de seu 
poder e influência estavam garantidos pelo Império Brasileiro, e este cessa de existir em 
1889. 
 
 
 
 
6 O ápice dos atritos entre Roma e o Império Brasileiro dar-se-á na chamada Questão Religiosa, 1870-5. 
19 
 
1.2. Igreja Católica no Brasil até a década de 1930 
Quando da proclamação da República, em 1889, as atribuições civis da Igreja 
são progressiva ou abruptamente retomadas pelo agora Estado Político [Marx, 1843]. A 
Igreja Católica perde o benefício da inabalável prioridade quando o Estado se admite 
laico. “A relação da Igreja com a sociedade civil havia sido sempre mediada pela 
sociedade política, em cujo centro estava o Estado”: cabe agora a criação de novas 
possibilidades de inserção social da ICAR. 
Continua-se com o objetivo de prevalência em todo o território, a formação de 
uma Cristandade, e configura-se decisivo a preservação da ordem institucional: mas 
como uma organização desagregada internamente e agora sem o apadrinhamento formal 
do Estado tornaria tal possível? A Igreja também busca nas novas classes dominantes, a 
burguesia rural em ascensão que vêm a substituir a antiga oligarquia nobiliárquica 
agrária, as garantias de manutenção de seu poder político e doações para sua 
manutenção enquanto instituição e para a realização de suas obras – é inevitável que 
venha a adaptar sua ideologia e seu discurso, inclusive o educacional, à nova realidade. 
A despeito do aparente paradoxo, a desvinculação formal do Estado permitiu 
que processos de renovação da Vida Religiosa que já estavam em curso desde a metade 
do século XIX se intensificassem no Brasil: no período da Velha República e posterior, 
maior número de Ordens e Congregações (muitas delas de caridade e não tanto 
enclausuradas – o que já implica maior aproximação com “o mundo”, mas não da 
forma e intensidade que assumiria após a década de 1950) de origem estrangeiras 
migram ou enviam agentes para fundar representações no Brasil – a despeito da 
distância em relação à Europa, sede da maioria dessas instituições, e de um histórico 
afastamento de Roma, é com esses polos que a Igreja Católica brasileira passa a se 
corresponder, passando deles também a receber recursos. 
A romanização permite que a Igreja se articule agora como poder civil e político 
independente do Estado. As novas Ordens e Congregações revitalizam a Vida Religiosa, 
que deixa de ser somente de reclusão e contemplação (e regalias), e toma rumos 
apostólicos e certa atividade social no sentido educacional e de assistência aos 
necessitados (órfãos, velhos, acidentados que não podiam trabalhar, indigentes – 
aqueles que permaneciam à margem, senão fora, da ordem socioeconômica instituída), 
essa entendida como a “insubstituível função social” da Igreja, que foi reforçada no 
20 
 
período entre o final formal da ordem escravocrata e a admissão na ordem capitalista 
ocidental após a Revolução de 1930. Nesse interstício, a ICAR assume no Brasil 
funções assistencialistas e paliativas em relação às necessidades das populações pobres 
ou marginalizadas, em caráter de “suplência do Estado”. Havia uma compreensão 
oficial rasa e acrítica da estrutura política, econômica, social como fonte do problema: o 
compromisso era para com a solidariedade em relação às “vítimas de uma situação”, e 
não com a mudança dessa: “(...) administrar a pobreza”. 
Outro ponto a ser salientado é a busca por se disciplinar o catolicismo popular: 
os movimentos milenaristas do final do século XIX e início do XX, além de marcarem a 
transição de uma lógica social baseada no patriarcalismo para uma burguesa agrária, 
salientam a ignorância popular acerca das bases teológicas do Catolicismo. Os bispos e 
clérigos reformadores vão tentar instruir as massas populares “contra a ignorância, o 
fanatismo, as superstições, as crenças atrasadas e as práticas imorais”, simultaneamente 
em que contribuem para a aceitação do novo status quo. As escolas administradas pela 
Igreja que prestavam serviços para os “menos favorecidos” eram levadas à frente às 
custas de doações e em geral por Ordens Caritativas, mormente femininas. Interessante 
observar que esse é um elemento que contribuiu para uma formação cultural básica para 
mulheres, principalmente nas cidades, e para um “alargamento dos horizontes culturais” 
dessas. 
1.3. A Igreja Católica no Brasil até o início da década 1960 
A articulação com as elites civis teria papel fundamental no Programa de Estado 
da Era Vargas. Após a Revolução de 1930 e da interrupção das práticas políticas 
adotadas na República Velha, motivada entre outros fatores pela Crise Capitalista 
Mundial de 1929 (que causa impacto considerável sobre as oligarquias agrário-
exportadoras e fortalece uma incipiente tendência ao capitalismo industrial e a um 
Estado burguês) o governo buscará na Igreja apoio para o avanço de seu programa 
populista. A Igreja novamenteestabelece um intermediário do poder constituído entre 
ela e a sociedade: o estudo de Religião passa a ser novamente obrigatório em 1931 nas 
escolas públicas, e é generalizado na Constituição de 1934; em dez anos à frente, a 
Igreja Católica possuirá cerca de 60% das instituições de ensino secundário brasileiras. 
A guisa de exemplo dessa inevitável aproximação do Estado com a Igreja 
Católica, fortalecida entre as novas elites e com ascendência sobre as massas 
21 
 
trabalhadoras nesse período, podemos citar a fundação do Cristo Redentor. Embora 
fosse ideia acalentada desde 1920 pelo Círculo Católico Brasileiro, foi inaugurado em 
1931 como “homenagem ao cristianismo brasileiro”, não sem oposição das Igrejas 
Batistas, por exemplo, que viam na construção da estátua idolatria, apontando que o 
dinheiro público empregado na construção poderia ser de melhor uso em obras sociais – 
como podemos observar no topo do Morro do Corcovado, determinado simbolismo e 
ideia de cristianismo nacional foi vitorioso [LIBANIO, 1982]. 
Linhas de governo de populista e nacionalista durante os períodos Vargas, a 
populista e internacionalista durante o governo JK – de um ou outro modo, a religião 
configura-se parceiro notável para um consenso interno sobre “o rumo a seguir”, esse 
caminho sinuoso que resulta num capitalismo dependente, centrado na esfera do dólar. 
A Religião Católica foi declarada seguida por 99% e 94% da população segundo os 
censos dos anos 1890 e 1960, respectivamente, e havia ainda seu predomínio sobre o 
ensino, principalmente o designado como “de qualidade” ou “tradicional” – contudo 
houvesse instituições de ensino de base protestante, e que eram requisitadas pelos 
membros dos novos estamentos sociais por se dedicarem a um currículo mormente 
voltado a tópicos essenciais ao comércio e à indústria, além da malha escolar privada 
secular e a pública (essa principalmente conforme a retração econômica pós-guerra 
demande ensino gratuito, e em casos específicos como ensino técnico voltado à 
indústria). A ICAR mantinha seu ideário institucional alinhado às elites burguesas 
rurais, e só assume o em definitivo o projeto desenvolvimentista proposto pelos 
governos da Nova República a partir de meados da década de 1950, quando passa a 
endossar “as reformas do Estado perante as classes dominantes”. Mas as primeiras 
pastorais voltadas aos interesses das classes populares já despontam no início dessa 
década (a despeito de não incluir necessariamente representantes delas). 
O populismo termina por deixar um “saldo [social] positivo” (a despeito de suas 
intrínsecas deformidades enquanto programa político-ideológico para a gestão de uma 
“sociedade madura”): politização das classes trabalhadoras e amplo direito ao voto, 
organização sindical rural e urbana legalizadas, participação popular em campanhas de 
impacto nacional, debates sobre reformas de base institucionais, proposição e aprovação 
de uma Consolidação das Leis Trabalhistas – o proletariado urbano cresce em 
importância como ator social, seguindo inevitavelmente os passos da burguesia 
22 
 
industrial. O Brasil se insere efetivamente na ordem capitalista internacional como um 
dos caricaturalmente eternos “país[es] em desenvolvimento”. 
A Igreja Católica possui dois elementos que são complementares e que se 
alternam em importância com o tempo: o Institucional e o Carismático (ou Carismático 
Profético). O primeiro se refere à manutenção e ampliação da estrutura da Igreja, o 
segundo “é tratado como componentes transcendentais ligados à conteúdos de fé”: cada 
um é predominante conforme as condições sociais se tornam propícias. 
 Entre 1930 e meados de 1950 a predominância é do aspecto institucional da 
Igreja Católica, que busca firmar sua associação junto ao Estado e estabelecer um vetor 
de crescimento e de renovação de suas atividades, enfrentando o desafio de abranger 
novos setores sociais e de adequar seu discurso às novas elites – há, portanto, uma 
rotinização do carisma, nos termos weberianos [WEBER, 2007]. O aparecimento de 
novos atores no cenário macro que poderiam ser associados a mudanças sociais 
drásticas, como o Liberalismo e o Comunismo, e a ascensão de novas religiões e o 
laicismo, também contribuíram para a opção pelo fortalecimento da autoridade e da 
disciplina. 
 A despeito da chamada Reforma (“moralizante”) dos Conventos e Monastérios 
efetivamente entre metade do século XIX e início do XX, e o estabelecimento de 
diversas Ordens e Congregações nesse mesmo período, a vida no âmbito dessas 
instituições segue o padrão da Instituição Total7. Existe a delimitação de um espaço 
delimitado de atuação para cada aspecto da rotina, e o controle estrito dos religiosos. O 
espaço delimitado por excelência é a clausura. O controle mais evidente é o temporal: 
cada evento dá-se segundo uma rotina rígida. A adaptação do indivíduo a esse padrão 
passa necessariamente por um processo de despersonificação que elimina as 
características dissonantes, e uma reestruturação da pessoa de forma a se ajustar ao 
modelo padrão. Essas etapas em geral envolvem diversos rituais de iniciação, desde 
mudança de roupas à adoção de um novo nome, seguidos de uma legitimação da 
violência sobre a pessoa: o indivíduo deve estar preparado para acatar a ordem 
instaurada e as normas internas – o final ideal do processo é aquele em que o 
 
7 Erving Goffman caracterizou-as: uma instituição Total pode ser definida como um local de residência e 
trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante separados da sociedade mais 
Ampla por considerar o período de tempo leva uma vida fechada e formalmente administrada: 
“Manicômios, Prisões e Conventos”, 1961. 
23 
 
subjugado crê ter conseguido seguir o exemplo da humildade de Cristo. Então, para 
atingir tão elevado fim, qualquer violência e repressão legitimam-se a si mesmas, e o 
discurso ideológico se replica, fechando o ciclo: o noviço ou noviça agora está apto a 
contrair os votos, que são “contratos” dele com a divindade, mas que, conforme Nunes, 
reiteram a dicotomia entre o mundo puro dentro dos muros, e o pecado para além da 
porta – através da manutenção dos votos o religioso carrega também a perfeição dentro 
de si. Se o adepto se rebela ou não consegue atingir o fim desejado, a estrutura deve 
garantir que ele é o culpado por sua falha, pois em caso contrário a legitimidade de todo 
o discurso é contestada. Se me demorei aqui, é porque o tema é tão válido para a vida 
em clausura como para determinadas realidades corporativas. 
 Percebem-se os mecanismos que mantêm e replicam a hierarquia e a unidade 
ideológica, garantem a dicotomia que legitimam a existência de uma “aristocracia 
espiritual” a qual parte dos mais humildes servos do senhor e segue em patamares 
crescentes até o Papa, que é a “voz de Deus na Terra” e portanto, inconteste. Segundo as 
entrevistas compiladas pela autora, as antigas membros dessa Vida Religiosa 
Tradicional – VTR consideravam-se alienadas da realidade do mundo, presas numa 
rotina repetitiva e de obediência votiva cega, onde o paradoxo entre seus votos de 
pobreza diante da inexistência do espectro desta no ambiente controlado (trata-se então 
de um voto de não-posse) era rotineiro a ponto de não ser percebido, possuindo suas 
condições de religiosas mas em um ambiente onde os papéis femininos são fixados e 
impõe subserviência a homens alheios ao próprio serviço. 
 O Concílio Vaticano II – CVII, dado entre 1961 e 1965, foi uma tentativa de 
conceber normas e instrumentalizar a ICAR para sua adaptação à Modernidade. As 
sociedades vinham se tornando mais complexas desde a adoçãodo modelo capitalista – 
o Estado laico por princípio, a secularização do mundo (que contesta uma compreensão 
da esfera comum como lugar do pecado), o desenvolvimento de direitos e do próprio 
conceito de individualismo, uma estrutura pública de bem-estar social, o pluralismo: 
esses elementos e tantos outros punham em destaque a defasagem entre a Igreja e a 
Modernidade, a sua situação anômica. O aggiornamento (atualização, numa tradução 
livre) e a renovação adaptativa das instituições são as propostas, e a atuação no mundo 
uma saída possível para a retração dos quadros sacerdotais e votivos – a liturgia é 
atualizada e adaptada; normas da Vida Religiosa são abrandadas: dá-se mais espaço 
decisório e participativo à pessoa do religioso e da religiosa, além de certa liberdade de 
24 
 
movimento e atitudes – como profissionalizar-se, por exemplo; criam-se alternativas que 
valorizam o caráter verdadeiramente comunitário e personalista (no sentido da 
realização pessoal proporcionada) da ação (são as Pequenas Comunidades, que 
contestam a estrutura total da VRT); o engajamento pastoral reforça-se. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
25 
 
Capítulo 2 – As Décadas de 1960 a 1980 
No presente capítulo tem-se o objetivo de traçar um quadro geral da atuação da 
Igreja Católica no Brasil junto à sua população (principalmente sob o ponto de vista de 
seus setores ligados às CEBs e à Teologia da Libertação), além de suas transformações 
institucionais, e os reflexos dessas no país, entre o Concílio Vaticano II até meados do 
Papado de João Paulo II (de nome Karol Józef Wojtyła, polonês, 1920 – 2005). 
Ademais, se tentará obter, neste e no seguinte, uma perspectiva sócio, política e 
econômica plausível do cenário brasileiro no que se refere a Movimento Social, seja do 
ponto de vista da política interna a partir de 1964, seja como reflexo da mudança de 
paradigma geopolítico que tem início em 1985 – com a aproximação dos Blocos 
Antagônicos – e que continua em 1989-91, período de desagregação do designado 
“Socialismo Real” e da perda de referência a uma alternativa ao Capitalismo. 
Na Introdução deste trabalho, foi referenciada a mudança qualitativa que houve 
após as diretrizes do CVII na Vida Religiosa, especialmente no Brasil: do fuga mundi 
para a atuação no mundo, evangelizando e atuando em causas escolhidas, promovendo 
a caridade – contudo sem especificarmos as propostas ou iniciativas específicas das 
Congregações, da Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB8 (a cúpula de diretores 
das Congregações, fundada em 1954, contando hoje com mais de 550 Instituições de 
Vida Consagrada associadas), e da Congregação Nacional de Bispos do Brasil – CNBB9 
(fundada ainda em 1952). O impacto foi certamente mais intenso na população de Vida 
Religiosa feminina, que foi historicamente submetida com maior rigor a regras de 
conduta e restrições de movimentação. Obviamente, a “abertura” não se deu igualmente 
em todas as instituições de vida consagrada, e mesmo diante do maior contato com o 
mundo, não havia necessariamente compreensão profunda dos acontecimentos sociais e 
políticos brasileiros: o Golpe Civil Militar de 1964 pode ter sido ignorado num primeiro 
momento por muitos religiosos e religiosas, devido ainda à alienação da vida política e 
mesmo por negligência ou por influência dos veículos de informação católicos, através 
dos quais muitas das Comunidades que se informavam. 
 
8 Para histórico de atuação e deliberações da instituição, vide em especial a entrada “Sobre a CBR 
Nacional” no sítio on-line <http://www.crbnacional.org.br/site/>, acessado em 6 de agosto de 2015. 
9 As Congregações Nacionais de Bispos são reconhecidas e têm suas instâncias de atuação e decisórias 
delimitadas na Parte II, Livro II, Seção II, Título II, Capítulo IV do Código de Direito Canônico de 1983. 
Para a visão institucional da CNBB e de sua atuação, vide sítio on-line <http://www.cnbb.org.br/>, 
acessado em 6 de agosto de 2015. 
26 
 
As Segunda e Terceira Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano, 
realizadas respectivamente em 1968 em Medellín10 (possuindo por tema “A Igreja na 
Atual Transformação da América Latina à Luz do Concílio”), Colômbia, e em 1979 em 
Puebla11 (com a temática proposta “Evangelização no Presente e no Futuro da América 
Latina”), México, também foram determinantes na formação de uma Vida Religiosa dos 
Meios Populares: elas oferecem uma concepção realista da situação geopolítica dos 
países da América Latina, seu “papel designado” no cenário internacional, e os desafios 
a serem superados: a “salvação” (ou evangelização) aliada a uma concepção de 
“desenvolvimento” (socioeconômico, visando à melhoria de condições de vida de uma 
população ou comunidade). 
Embora elemento central nos apelos a uma intervenção militar que afastasse o 
“fantasma do comunismo” representado pela Presidência João Goulart, a ICAR 
dissocia-se ao menos formalmente do Regime a partir de 1968-69, quando o mesmo 
tende a recrudescer-se12 – até então, supunha-se uma “situação de exceção” para “se 
manter a ordem”. Passa-se novamente de uma Igreja de Estado para a atuação direta 
sobre a sociedade civil – há uma tendência a uma opção pelas classes não hegemônicas, 
as populares. Essa é uma alteração do foco de ação na sociedade da ICAR marcante, 
pois até então era voltado prioritariamente às elites sociais e/ou ao governo – a busca de 
sustentação na base da sociedade, no Brasil e em grande parte da América Latina, 
reflete ao contrário a atuação da Ditadura sobre os trabalhadores urbanos e campesinos: 
essa pretende esmagar as precedentes formas de organização político-sociais e 
ideológicas herdadas do período desenvolvimentista, como possíveis fontes de crítica ao 
sistema vigente ou à opção deste por um capitalismo submisso aos interesses “do 
centro” e extremamente dependente. 
Nas palavras de Nunes, a ICAR, ao se comprometer com os movimentos 
populares urbanos e do campo, “(...) deixa de ser legitimadora das práticas de 
dominação das classes dominantes, para apoiar a práxis revolucionária dos dominados” 
(NUNES, 1985). 
 
10 Vide <http://www.celam.org/doc_conferencias/Documento_Conclusivo_Medellin.pdf>, acessado em 6 
de agosto de 2015. 
11 Vide <http://www.celam.org/doc_conferencias/Documento_Conclusivo_Puebla.pdf>, acessado em 6 
de agosto de 2015. 
12 O então Presidente formal da República, General Artur Costa e Silva (1899 – 1969) aplica o “Segundo 
Golpe” com a promulgação do Ato Institucional nº 5, AI-5, redigido em 13 de dezembro de 1968, que 
recrudesce as práticas de perseguição e contenção, em nome da “Segurança Nacional” e da “Ordem”. 
Vide texto no sítio on-line < http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=194620>. 
27 
 
2.1. Entremeios, 1961 a 1968 
É imperativo debruçar-se sobre a atuação da ICAR no período diretamente 
anterior e posterior ao Golpe: as informações trazidas a público pela Comissão Nacional 
da Verdade – CNV, e as conclusões a que chegaram seus Grupos de Trabalho impedem 
qualquer interpretação simplista ou binária da influência da ICAR e outras 
denominações cristãs nesse processo da história brasileira, que tem por fundo um 
anticomunismo que reúne em torno de si diversos atores sociais13. 
A política desenvolvimentista mostra-se esgotada ao fim do governo de 
Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902 – 1976), em 1960. JK, eleito sob o Partido 
Social Democrático – PSD e pode-se dizer representante de forças políticas associadas 
ao getulismo, assume a presidênciado Brasil em 1956 (deve-se mencionar, graças a um 
“contra-golpe ‘preventivo’ para se garantir a legitimidade democrática” executado pelo 
recém resignado, mas que retornará a esse cargo durante a transição, Ministro da Guerra 
do governo Café Filho, General do Exército Henrique Batista Duffles Teixeira Lott 
(1894 – 1984), sobre setores das Forças Armadas anti-getulistas alinhados aos interesses 
da União Democrática Nacional – UDN, de base social e ideológica conservadora, 
contudo internacionalista e partidária de um certo modelo de liberalismo econômico) 
herdando déficit fiscal dos períodos anteriores, e balança comercial em declínio também 
graças ao histórico de quedas nos preços do café. Contudo, o político dos “50 anos em 
5” vai insistir no modelo de desenvolvimento rápido, implementar seu “Plano de Metas” 
(baseado em estudos internacionais sobre o país e os pontos frágeis de sua economia, e 
cujas ações deveriam ser realizadas em cadeia, na qual as anteriores estimulariam as 
seguintes) diante de perspectiva de inflação e certeza de aumento da dívida pública, 
além das greves sindicais advindas desses, e consenso político delicado. Encerra seu 
mandato tendo estabelecido a prevalência da indústria automobilística, e com uma 
trigésima primeira meta, a construção de uma cidade planejada no Planalto Central, a 
nova capital do país, inaugurada em 21 de abril de 1960. 
 
13 Vide texto de Celso Castro, “O Anticomunismo nas Forças Armadas”, disponível no sítio on-line 
<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/AConjunturaRadicalizacao/O_anticomunismo_nas_F
FAA>, acessado em 6 de agosto de 2015. Deve ser mencionado que os personagens, fatos históricos e 
cronologias para o período 1956 – 1989 aqui referidos foram baseados em verbetes do Dicionário 
Histórico-Biográfico Brasileiro da Fundação Getúlio Vargas – DHBB/FGV, disponível on-line no sítio 
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo> (consultas a vários verbetes em diversas datas). Citações 
pormenorizadas se afiguram irrealistas dado o volume de dados, e o conhecimento franco da maior parte 
deles. 
28 
 
JK lidou também com as pressões de aliados internacionais no sentido de 
permitir observadores do Serviço de Inteligência dos EUA in loco (o que veio a se 
tornar prática comum e que perdura), e dar uma direção e sentido particulares à 
economia produtiva brasileira (o que o indispôs com o FMI – posteriormente os EUA 
vão garantir que as relações sejam normalizadas, e o Fundo fornecerá amplo 
empréstimo para viabilizar várias das metas de JK). Propõe uma iniciativa chamada 
Operação Pan-Americana – OPA, que assumidamente pretendia promover, como 
alternativa a possíveis levantes comunistas e atritos com os EUA, uma série de reformas 
“(...) práticas, eficazes e positivas (...)” visando o bem estar social e agindo na 
promoção de um desenvolvimento econômico planejado para comunidades da América 
Latina: o Presidente dos Estados Unidos eleito para dois mandatos entre 1953 e 1961, 
Dwight David “Ike” Eisenhower (1890 – 1969) adota a proposta14; John Fitzgerald 
Kennedy (1917 – 1963), Presidente entre 1961 e a data de seu assassinato, diante do 
precedente da Revolução Cubana de 1959, se apropria da ideia básica da OPA sob o 
nome Alliance for Progress, e que assume um caráter assistencialista e financiador (sob 
critérios duvidosos) de governos simpáticos, além de prever facilidades econômicas 
para empresas que se instalem na área [BATALHA et al., 2009; VIZENTINI, 1993]. 
Jânio Quadros da Silva (1917 – 1992) assume em 1961, sob o Partido 
Trabalhista Nacional – PTN, a Presidência de um Brasil mais urbano, com setores 
médios relevantes que não se viam mais tanto representados dentro da lógica binária 
getulismo versus anti-getulismo, atingidos pelo processo inflacionário e ansiosos pelo 
saneamento da res publica. Seu vice-presidente foi o getulista reeleito João Goulart 
(1919 – 1976), o Jango, do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB. Jânio, que era 
formalmente apoiado pela UDN, conquistou determinada autonomia das bases 
partidárias, manifestando-se ainda em campanha a favor da reforma agrária, de uma 
política externa plural e mais independente dos EUA, do fortalecimento da indústria 
nacional e de companhias estatais, do controle da remessa de fundos para o exterior, da 
“moralização” das práticas públicas e reparação das dívidas e da inflação brasileiras. 
 
14 O Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, instituição supranacional não pertencente à 
estrutura do Fundo Monetário Internacional – FMI ou do Banco Mundial, foi criado em 1959 
nominalmente com o propósito de financiar iniciativas relacionadas aos objetivos nominais da OPA. 
Analistas indicam que o peso do voto dos EUA dentro do Conselho do BID prejudica a equidade 
decisória ou forma tendências quanto a políticas a serem implementadas. Fonte, sítio on-line 
<http://www.gpeari.min-financas.pt/relacoes-internacionais/relacoes-multilaterais/instituicoes-
financeiras-internacionais/bancos-regionais-de-desenvolvimento/bid/o-que-e-o-bid>, consulta em 06 de 
agosto de 2015. 
29 
 
Em aproximadamente sete meses, Jânio desenvolveu um projeto de política 
nacional e internacional independentes, objetivando uma reestruturação administrativa, 
e flertava com mudanças econômico-estruturais que se prometiam de impacto. Se se 
tem dele um ícone do “sujeito desajeitado”, “mistura de Lênin com Carlitos”, se as 
“reformas moralizantes” de início de mandato se aproximam do cômico sob olhos 
atuais, deve-se lembrar de que Quadros falava a uma audiência que ansiava pelo 
inusitado, pelo inovador e pelo novo (ela própria recente, em vários sentidos, mas 
herdeira de determinadas tradições), e prometia como seu carro chefe a transformação 
do modus operandi de toda uma classe de profissionais afeitos ao clientelismo, 
politicagem e acostumados à condição de privilegiados sociais. Quando acenam que as 
pretensões desse político (que chegou num período de quinze anos de vereador à 
presidente, sem nem mesmo manifestar claro alinhamento formal às potências 
internacionais ou às famílias políticas tradicionais, além de manter relações dúbias com 
os movimentos sociais) podem ir além de reformas superficiais ou “controláveis”, há 
uma crise institucional. Dissenso com o Congresso – aventaram um possível plano do 
presidente para submeter as casas do Legislativo: atribuem a ele a pecha de golpista. 
Quem conduziria o processo é o “nobre” jornalista, político e assassino de reputações 
profissional preferido da UDN, Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914 – 1977). 
Jânio Quadros, em ato de repúdio, apresenta Carta-Renúncia em 25 de agosto de 
1961, dia seguinte às acusações proferidas no espaço de mídia cativo e de alcance 
nacional à disposição de Lacerda. São inúmeras as interpretações do ato: que contava 
que a Carta nunca seria entregue ao, ou considerada documento válido pelo Legislativo; 
que esperava formar um núcleo de apoio coeso ao anunciá-la; que contaria com a 
mobilização das Forças Armadas para garantir a legalidade de seu mandato; que a 
população, dada sua suposta popularidade, o reconduziria à presidência através da 
mobilização – em todos os possíveis casos, angariaria maior liberdade de ação, e até 
talvez objetivasse a retração ou dissolução do Congresso, exceto se a inércia desses 
setores e os interesses políticos tradicionais fossem determinantes. E foi o que houve. 
Refugia-se na vida privada proclamando que (as sempre presentes) “forças 
terríveis” e a falta de consenso político possível sob sua chefia do Executivo 
inviabilizavam seu programa de governo.Supostamente teria optado por sacrificar seu 
mandato, concedido pelo povo, em nome da “garantia do processo democrático”. 
30 
 
Jânio será um dos três presidentes cujos direitos políticos serão cassados na 
instauração do Regime (acompanham-no JK e Jango). Retorna à vida pública 
surpreendendo ao eleger-se Prefeito de São Paulo/SP em 1985, dessa vez pelo PTB, mas 
que agora tinha contornos conservadores e elitistas inconfundíveis. As medidas 
“chamativas” de caráter duvidoso, mas também repressivas e autoritárias, somadas a 
dissensões com o funcionalismo público, marcam seu governo (houve também 
iniciativas de reestruturação e modernização urbana). Encerra o mandato com baixa 
aprovação popular e sob acusações de corrupção. Apoia Collor (cujas práticas identifica 
com as suas próprias) em 1989, e retira-se permanentemente da vida pública em 1990. 
Após a renúncia de Jânio Quadros, a normalidade da democracia brasileira é 
mais uma vez perturbada por quadros “salvadores da pátria”. Jango passou quase a 
integridade de seus dois mandatos de vice-presidente no período pós-Vargas (governos 
JK e Quadros, de 1956 a 1961) em missões diplomáticas no exterior, manobra 
necessária para se apaziguar possíveis elementos de contraposição: sua presença era 
fonte constante de atrito com as Forças Armadas e camadas conservadoras desde a 
época de Ministro do Trabalho de Vargas em 1953 – 1954 (ou mesmo antes, quando 
envolvido em escândalo de financiamento peronista à candidatura Vargas15 em 1950), 
que na ocasião articulou-se com quadros do Partido Comunista e sindicatos para 
fomentar uma política trabalhista-nacionalista (sua proposta para a duplicação do salário 
mínimo causou alvoroço entre o alto comando do Exército, que via nela, ao menos 
assim o foi declarado no Manifesto ou Memorial dos Coronéis de 1954, possível causa e 
motivo dos cortes no orçamento e contingente dessa Força, então e no futuro imediato). 
Encontrava-se em missão político-comercial ao Leste Europeu e República Popular da 
China em 1961, enquanto no Brasil elementos militares e da UDN traçavam planos para 
evitar sua chegada à Presidência: os então ministros das Forças Armadas, Marechal 
Odílio Denys (1892 – 1985), Almirante Sílvio Heck (1905 – 1988) e Brigadeiro Gabriel 
Grün Moss (1904 – 1989), posicionaram-se imediata e formalmente contrários à posse. 
 
 
 
15 A título de curiosidade, manchete de 16 de agosto de 1956 do Jornal Tribuna da Imprensa (sítio on-
line visitado em 31 de dezembro de 2015), associado à UDN através da pessoa de Carlos Lacerda: 
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=154083_01&PagFis=29884&Pesq=>, consulta 
em 6 de agosto de 2015. 
31 
 
O General Lott, no dia seguinte à renúncia, subscreve manifesto público (“às 
forças vivas da nação, às forças da produção e do pensamento, aos estudantes e aos 
intelectuais, aos operários e ao povo em geral”16) em defesa da legalidade constitucional 
- no que se segue foi preso sob a autoridade do Exército. Imediatamente após a vacância 
da Presidência e posicionamento dos Ministros Militares, setores das Forças Armadas, 
políticos (principalmente do PTB) e populares, com base prática no Rio Grande do Sul e 
capitaneados pelo então governador desse estado e cunhado de Jango, Leonel de Moura 
Brizola (1922 – 2004), articularam-se numa Campanha da Legalidade e pressionaram 
fortemente o Congresso Nacional no sentido de manter a normalidade sucessória. 
E assim foi feito, não sem ressalvas: Jango, filiado ao PTB17, ao invés de ter a 
aeronave que o trazia da China abatida em voo (como foi proposto na chamada 
Operação Mosquito), é empossado em 08 de setembro de 1961 sob os termos da 
Medida Provisória nº 04 de 02 de setembro desse ano, que estabelecia um regime 
parlamentarista de governo. Esse deveria durar até plebiscito agendado para o início de 
1965. Contudo, a UDN e o PSD tinham sofrido retração no número de parlamentares ou 
de apoiadores, sendo a maior parte das Casas formada por alinhados ao PTB. 
O objetivo de Goulart, dada sua base forte no Parlamento, foi adiantar a votação 
pela volta ao Presidencialismo: uma campanha com esse objetivo teve início já em 
1962. O resultado da ação dos diferentes apoiadores (e.g., Lott prestou declaração 
favorável ao retorno ao regime Presidencialista ao Jornal do Brasil em setembro de 
1962) foi a realização da consulta pública já em seis de janeiro de 1963, quando 90% da 
 
16 Citação, a partir do documento original, disponível no sítio <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/ 
dicionarios/verbete-biografico/henrique-batista-duffles-teixeira-lott>, acessado em 31 de dezembro de 
2015. 
17 O Partido Trabalhista Brasileiro – PTB foi criado em 15 de maio 1945 ante a queda do Estado Novo 
para cooptar as então nascentes forças sócio-políticas que provinham das fábricas e aquelas geradas pelo 
crescimento econômico e que não se sentiam representadas pelas outras duas principais legendas, o 
Partido Social Democrático – PSD e a União Democrática Nacional – UDN, mas permaneciam 
fortemente ligadas à imagem de “pai dos pobres” e “benemérito dos trabalhadores” de Vargas. Tratava-se 
groso modo de uma “linha de defesa” dos poderes políticos vigentes contra o fortalecimento do Partido 
Comunista, que voltara então à legalidade, e como um veículo “privilegiado” para as petições dos 
trabalhadores e sindicatos. Getúlio Vargas permanece ligado ao PTB até sua morte, e o PTB permanece 
ligado à figura de Getúlio até sua extinção pelo Regime Militar, em 1965. João Goulart, “considerado 
protegido de Vargas”, ocupa a presidência do PTB de 1952 até o Golpe de 1964: durante esse período 
reorganiza o partido (então fragmentado por dissensões internas), busca ativamente apoio e base nos 
sindicatos, e chega a tentar empreender a organização formal e programática de um trabalhismo 
brasileiro, que chegou a proclamar objetivos nucleares liberais em termos sociais e nacionalistas no 
quesito econômico (algumas propostas, é necessário salientar, até a atualidade aguardando implementação 
– como uma Reforma Agrária com planejamento sério, por exemplo, e outras eternas Reformas de Base). 
Fonte: sítio on-line <http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/partido-trabalhista-
brasileiro-1945-1965>, acessado em 31 de dezembro de 2015. 
32 
 
população votante anui à volta de uma República Presidencialista. Até o final desse 
período de República Parlamentarista, houve de fato três Gabinetes que tiveram por 
Primeiros Ministros: Tancredo Neves (filiado ao PSD, que renuncia em junho de 1962 
por ser contrário ao programa de governo), Francisco de Paula Brochado da Rocha 
(vinculado ao PTB, renuncia em setembro de 1962 diante da negativa do Congresso de 
votar as Reformas de Base), e Hermes Lima (também representante do PTB, sua gestão 
perdura até, e garante a, realização do plebiscito de 1963). O processo de escolha era 
por indicação por parte da Presidência de um nome, que em seguida era submetido pelo 
ao Congresso para votação – certamente permitiu maior controle do Executivo pelas 
Casas Legislativas, mas só enquanto setores de oposição nelas foram maioria ou bem 
articulados. 
Ainda em maio de 1962, Jango já havia oficializado como programáticas de seu 
governo medidas menos “conciliatórias” interpartidárias (como as iniciais, que 
incluíram ampla divisão das pastas ministeriais entre os diversos partidos, de certa 
forma em detrimento ao PTB), e fortemente voltadas a reformas de base social (a ala 
radical do PTB era representada por Brizola, que teve papel de destaque na mudança de 
rumo do governo Goulart). Nas eleiçõesde outubro de 1962, para governadores e 
renovação de parte do Congresso, a UDN foi a grande perdedora, saindo fortalecido em 
números o PTB. Contudo, o PSD e a UDN buscaram formar alianças, e juntos 
garantiam 54% do Congresso e os governos dos principais Estados. Com o retorno do 
Presidencialismo, Goulart reforça o papel do PTB dentro do governo, buscando um 
consenso junto ao PSD que não prejudicasse o protagonismo do primeiro. Contudo, na 
prática da política fazendária, as dissidências internas do Partido Trabalhista Brasileiro 
se acentuavam: todo um grupo de ministros caiu devido a medidas francamente 
alinhadas a interesses estrangeiros sob denúncia de Brizola, que crescia como figura e 
representava o PTB radical. Jango, temeroso ou previdente, retorna a uma política de 
alianças com o PSD, provocando embates com o próprio partido. 
Congressistas dão novo fôlego à Frente Parlamentar Nacionalista – FPN 
(multipartidária, foi criada em 1956 para denunciar medidas que favorecessem o capital 
estrangeiro em detrimento do Brasil, ou que fossem contra o interesse do país ou 
entendidas como antinacionalista), e a Ação Democrática Parlamentar – ADP (fundada 
em 1961 durante o governo Quadros) prossegue suas ações em defesa dos interesses da 
UDN e setores do PSD. Surgem as Frente de Mobilização Popular – FMP (movimento 
33 
 
fundado em 1962 por Leonel Brizola que se dedicava a arregimentar forças sociais e 
políticas para pressionar ativamente pelas Reformas de Base) e a Frente Progressista de 
Apoio às Reformas de Base (organizada em 1963 pelo ex-Ministro da Fazenda de 
Jango, San Thiago Dantas, era composta por elementos moderados e voltada a garantir a 
legitimidade das ações dos poder constituído e prevenir atentados a esse por opositores): 
ambas disputavam posições de poder ou o apoio da Presidência, causando inevitáveis 
fricções dentro do PTB. 
Brizola, que se tornava figura notável, e as dissensões internas do PTB poderiam 
ameaçar a posição de Goulart dentro do partido e mesmo a governabilidade, já 
comprometida pela situação de recessão econômica e inflação crescente que herdou e 
ainda não havia logrado sanear – contudo, conforme o programa assumido e dada a 
proeminência que a ala radical manifestou, o Presidente decide empenhar-se na 
reorganização de sua base fragmentada nos setores de esquerda e populares, através de 
comícios e anunciando ações de real impacto. Para tanto implementa medidas, já 
aprovadas pelo Congresso, de cunho nacionalista ou voltadas à distribuição de renda, 
como a regulamentação da Lei de Remessas de Lucros para o Exterior e projetos para a 
Reforma Agrária. As soluções de compromisso com o PSD foram se deteriorando, e 
mesmo a união das diversas frentes do PTB, movimentos sociais e populares em torno 
da figura de Jango não seria suficiente para conter um intento que que crescia, 
organizava-se e tomava corpo abertamente ainda em 1963 entre seus opositores. 
Numa sexta feira 13 de março de 1964, participa do chamado Comício da 
Central do Brasil, na Guanabara. Esse teve ampla divulgação pública e na mídia 
televisiva, e reuniu no palanque políticos, militares e personalidades alinhadas, e sob ele 
lideranças sindicais, de entidades de classe e de movimentos sociais de relevo, 
trabalhadores, estudantes, servidores públicos civis e militares. Reitera seu 
compromisso com as Reformas de Base 18 , com um Estado democrático, com a 
liberdade sindical, a concessão plena de direitos políticos (votar e se candidatar a cargos 
 
18 São as reformas agrária, bancária, administrativa, universitária e eleitoral, que Goulart pretendia levar a 
cabo no Congresso ainda naquele ano de 1964. Durante o Comício, por ocasião da fala de outros 
convidados, assina no Palácio da Guanabara um Decreto criando a Superintendência da Reforma Agrária 
(SUPRA), limite constitucional para suas ações nesse sentido, mas franca demonstração de compromisso. 
Pode-se “contrapô-las” às reformas modernizantes que eram o objetivo das novas classes empresariais, 
ortodoxas mas não tradicionais, e fortemente comprometidas com o capital internacional. Vide 
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/comicio-das-reformas>, acesso em 31 de 
dezembro de 2015. 
34 
 
públicos) a analfabetos e militares de baixa patente, anistia a civis e militares que 
estivessem respondendo a processos por crimes políticos ou por atividades sindicais. 
Embora outros estivessem programados, a importância desse comício era crucial: a 
abertura dos trabalhos do Legislativo Nacional dar-se-ia dali a três dias – elementos do 
Congresso vinham desde o início de seu mandato impondo dificuldades às votações 
propostas, e uma demonstração de amplo apoio era necessária para convencê-los a fazer 
concessões: ademais, em seu discurso salienta a ação de democratas de uma anti-
democracia que impediam o progresso das medidas reformadoras e nacionalistas. Essa 
era uma figura a qual certamente muitos parlamentares não gostariam de se ver 
associados. 
Uma série de movimentações, legais e ilegais, simbólicas ou efetivas, populares 
ou de grupos específicos, espontâneas ou articuladas com antecedência, tomam corpo 
durante março de 1964. No dia 26 desse mês o governo se abstém de punir centenas de 
marinheiros que participaram de um levante contramedidas restritivas de associação 
impostas pela Força e se refugiaram no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro. 
Em 30 de março, discursa Goulart no Automóvel Clube no evento de comemoração do 
aniversário de criação da Associação de Subtenentes e Sargentos da Polícia – ASSP: 
abre-se uma brecha para o convencimento de que Jango se tratava de um “subversivo”, 
que Goulart havia cooptado os seguimentos subalternos das Forças Armadas, que estava 
em andamento a instauração de uma “ditadura comunista”, e outras conjecturas mais 
imaginativas. 
O levante militar, que consistiu na movimentação de tropas e articulação entre 
comandos, ocorre entre 31 de março e 1º de abril, essa data formalmente designada 
como do Golpe de Estado, pois consiste na declaração do Congresso de vacância da 
Presidência, e manifestação de reconhecimento e apoio dos EUA ao novo governo. 
 João Goulart abandona a Capital Federal e segue para o Rio Grande do Sul. A 
despeito de ter angariado a adesão de diversos setores (entre os militares havia diversos 
comandos legalistas) e possuir base para ação no sul do país, Goulart prevê que sua 
resistência desencadearia uma guerra civil – manifestações e greve geral em seu nome 
não surtiram efeito prático. De Porto Alegre – RS, parte para asilo político no Uruguai, 
onde chega em 4 de abril. Falece na Argentina, em 6 de dezembro de 1976, vitimado 
por um ataque cardíaco conforme a versão oficial. Em ambos países se dedicou à 
35 
 
criação de gado (sua família era de estancieiros do Rio Grande do Sul), e foi convidado 
a prestar consulta em assuntos político-econômicos a seus respectivos governos, mas 
permanecia em articulação com grupos no Brasil19. Encerrou a vida acreditando que 
brevemente retornaria ao país. Seus restos mortais foram sepultados em São Borja – RS, 
sem as honrarias costumeiramente atribuídas, sob censura da imprensa, mas com a 
presença de simpatizantes e antagonistas. 
O Golpe foi em sua superfície uma resposta à aproximação do governo a grupos 
que representariam o “perigo vermelho” (que caracteristicamente parecia amedrontar de 
modo mais vigoroso os setores médios tradicionalistas) e a propostas de políticas 
econômicas socializantes (embora, se nomeadas em voz alta, dificilmente se distingam 
de medidas de caráter perfeitamente liberal voltadas ao dinamismo

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