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GALLO, S. O paradigma anarquista em educação

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);uan~es - \'ol II - Outubro de 1966 9 
0 PARADIGMA ANARQUISTA EM EDUCA9A0 1 
Silvio GALL02 
RESUMO: Este artigo procura explorar as possibilidades de se pensar o arcabouc;:o te6rico do Anarquismo 
como paradigma para analise da educac;:ao contemporanea. Para tanto , apresenta os princfpios gerais de sua 
filosofia polftica, tratando-o como um princfpio gerador, mais do que uma doutrina propriamente dita. Em um 
segundo memento, procura aplicar esses princfpios a quest6es educacionais, defendendo a emergencia e a 
fecundidade de uma Filosofia da Educac;:ao de cunho libertario. 
PALAVRAS-CHAVE: Anarquismo; Pedagogia Libertaria; Educac;:ao Contemporanea. 
0 Anarquismo vem sendo 
recuperado, pelo menos ao nfvel das pesquisas 
academicas, como uma filosofia polftica; tal 
recuperac;:ao ganhou mais razao de ser com a 
propalada "crise dos paradigmas" nas ciencias 
sociais , intensificada com os acontecimentos 
politicos nos pafses do leste europeu e na ex-
Uniao Sovietica , com a queda do socialismo real. 
Ante a falta de referenciais s61idos para uma 
analise polftica da realidade cotidiana o 
Anarquismo vo lta a cena. 
Quando estudamos o Anarquismo , 
porem, vemos que seria muito mais correto 
falarmos em Anarquismos, e nao seriam 
poucos3 . Como, entao, falarmos em um 
paradigma anarquista? Muito rapidamente, 
gostaria de demonstrar aqui que considerar o 
Anarquismo uma doutrina polftica e um serio 
problema, tanto pratica quanta conceitualmente. 
Dada a diversidade de perspectivas assumidas 
pelos diversos te6ricos e militantes do movimento 
anarquista hist6rico4 , seria impossfvel agrupa-las 
todas numa unica doutrina; por outro lado , a forc;:a 
do Anarquismo estaria justamente no fato de nao 
caber a ele a solidificac;:ao de princfpios que imp6e 
a constituic;:ao de uma doutrina. Se ele pode ser 
uma teoria polftica aglutinadora de largas parcelas 
do movimento operario europeu, no seculo 
passado, e se pode ser tambem uma teoria 
polftica que permite a analise dos fatos sociais 
contemporaneos , e justamente porque nao se 
constitui numa doutrina. 
1 Comunicat;ao apresentada no ll Congresso lhero-Amaicano de 
Hist6ria da Educa<;iio Latina-Americana. UNTCAMP, Campinas, 
II a 15 de setembro de 1994. 
1 Departamento de Filosolia e Hist6ria da Educa<;iio - Facu ldade de 
Educat;iio - 1JNICAlV!P - 130X4-111 - Campinas - Estado de Sao 
Pau lo - Brasil 
' \'er minha dissertat;iio de Mestrado, Educar;:iio Anarquista: par 
111110 pedogog10 do risco, UN ICAMP, l'acu ldade de Educa<;iio, 
1990, capitulo I , Negatividade e positividode 1110 busca de UJIIa 
defim~·iio do Anarquismo. pp.4-37. 
4 A expressiio movimcnto ananruista hist6rico e util izada pelo 
pesquisador George Woodcock para designar as at;oes anarqu istas 
organizadas no conkxto do n1ovin1cnto openlrio europeu desd~ a 
segunda metade do seculo passado ate a Guerra Civil Espanhola: 
de acordo com o historiador canadense, ta l mo vimcnto foi 
impul::ionado pe!as ideias de Proudhon e de Bakunin. Ver, por 
exemplo . . .Jnorqlllsmo: umo h~.,·t6rio dos ideios e movimentos 
,':hertanos. YO!. 2: 0 11/0Villlento, Porto Alegre, L&PM, I n4. 
0 PARADIGMA ANARQUISTA 
Para que entendamos a real 
dimensao da filosofia polftica do anarquismo, e 
necessaria que o entendamos como constitufdo 
por uma atitude, a de negac;:ao de toda e qualquer 
autoridade e a afirmac;:ao da liberdade. 0 proprio 
ato de transformar essa atitude radical em um 
corpo de ideias abstratas, eternas e val idas em 
qualquer situac;:ao seria a negac;:ao do princfpio 
basico da liberdade. Admitir o Anarquismo como 
uma doutrina polftica e provocar o seu 
sepultamento, e negar sua principal forc;:a , a 
afirmac;:ao da liberdade e a negac;:ao rad ical da 
dominac;:ao e da explorac;:ao. 
Devemos, assim , considerar o 
anarquismo como um princ1p1o gerador, uma 
atitude basica que pode e deve assumir as mais 
diversas caracterfsticas particulares, de acordo 
com as condic;:6es sociais e hist6ricas as quais e 
submetido. 0 principia gerador anarquista e 
formado por quatro princfpios basicos de teoria e 
de ac;:ao: auton omia individual, autogestao social , 
internacionalismo e ac;:ao direta . Vejamos 
brevemente cada um deles. 
autonomia individual: o 
socialismo libertario ve no indivfduo a celula 
fundamental de qualquer grupo ou associac;:ao, 
elemento esse que nao pode ser preterido em 
nome do grupo. A relac;:ao indivfduo/sociedade, no 
Anarquismo, e essencialmente dialetica: o 
indivfduo, enquanto pessoa humana, s6 existe se 
pertencente a um grupo social - a ideia de um 
homem isolado da sociedade e absurda -; a 
sociedade, por sua vez, s6 existe enquanto 
agrupamento de indivfduos que, ao constituf-la, 
nao perdem sua condic;:ao de indiv fduos 
aut6nomos, mas a constroem. A propria ideia de 
indivfduo s6 e possfvel enquanto constituinte de 
uma sociedade. A ac;:ao anarquista e 
essencialmente social, mas baseada em cada um 
dos indivfduos que comp6em a sociedade, e 
voltada para cada um deles. 
autogestao social: em decorrencia 
do principia de liberdade individual, o Anarquismo 
e contrario a todo e qualquer poder 
institucionalizado, contra qualquer autoridade e 
hierarquizac;:ao e qualquer forma de associac;:ao 
assim constitufda. Para os anarquistas a gestae da 
10 
sociedade deve ser direta, fruto dela propria, o que 
ficou conhecido como autogestao. Radicalmente 
contn3 rios a democracia representativa, onde 
determinado numero de representantes e eleito 
para agir em nome da popula<;:ao, os libertarios 
propoem uma democracia participativa, onde cada 
pessoa participe, ativamente, dos destines 
politicos de sua comunidade. 
internacionalismo: a constitui<;:ao 
dos Estados-na<;:ao europeus fo i um 
empreendimento politico ligado a ascensao e 
conso lida<;:ao do capitalismo, sendo, portanto, 
expressao de um processo de domina<;:ao e 
explora<;:ao; para os anarquistas , e inconcebivel 
que uma luta polftica pela emancipa<;:ao dos 
trabalhadores e pela constru<;:ao de uma sociedade 
libertaria possa se restringir a uma ou a algumas 
dessas unidades geopolfticas as quais chamamos 
paises. Oaf a defesa de um internacionalismo da 
revolu<;:ao, que s6 teria sentido se fosse 
globalizada. 
at;ao direta: a tatica de luta 
anarquista e a da a<;:ao direta; as massas devem 
construir a revolu<;:ao e gerir o processo como obra 
delas pr6prias. A a<;:ao direta anarquista traduz-se, 
principalmente nas atividades de propaganda e 
educa<;:ao , destinadas a despertar nas massas a 
consciencia das contradi<;:6es sociais a que estao 
submetidas, fazendo com que o desejo e a 
consciencia da necessidade da revolu<;:ao surja em 
cada um dos indivfduos. Pode-se dizer que a 
principal fonte da a<;:ao direta foi a da propaganda , 
atraves dos jornais e revistas, assim como da 
literatura e do teatro. Outro veio importante foi o 
da educa<;:ao, propriamente dita - formal ou 
informal - como veremos adiante. 
Tomando o Anarquismo como 
principia gerador ancorado nesses quatro 
princfpios basicos, podemos falar nele como um 
paradigma de analise politico-social, pois existiria 
assim um unico Anarquismo que assumiria 
diferentes formas e facetas de interpreta<;:ao da 
realidade e de a<;:ao, de acordo com o memento e 
as condi<;:oes hist6ricas em que fosse aplicado. E 
nesse sentido que trataremos, aqui, da aplica<;:ao 
do paradigma anarquista a teoria da educa<;:ao. 
A EDUCA<;Ao LIBERT ARIA 
Os anarquistas sempre deram 
muita importancia a questao da educa<;:ao ao tratar 
do problema da transforma<;:ao social: nao apenas 
a educa<;:ao dita formal, aquela oferecida nas 
escolas, mas tambem aquela dita informal, 
realizada pelo conjunto social e daf sua a<;:ao 
cultural atraves do teatro , da imprensa , seus 
esfor<;:os de alfabetiza<;:ao e educa<;:ao dos 
trabalhadores, seja atraves dos sindicatos seJaatraves das associa<;:oes operarias. 
Foi com rela<;:ao a escola5 , porem, 
que vimos os maiores desenvolvimentos te6ricos e 
' 'io caso brasileiro, sabemos que o Anarquismo aqui chegou por 
meio dos imigrantes europeus, e toram eks tambem os 
r~sponsave i s pelas experiencias pedag6gicas libertarias. As 
primeiras referencias que temos remontam a I R95, com a 
Revista Nuances- Vol II - Setembro 1996 
praticos no sentido da constitui<;:ao de uma 
educa9ao libertaria. 
Os esfor<;:os anarquistas nesta area 
prin cipiam com uma crft ica a educa<;:ao tradicional, 
oferecida pelo cap italismo, tanto em seu aparelho 
estatal de educa<;:ao6 quanto nas institui<;:oes 
privadas - normalmente mantidas e geridas por 
ordens relig iosas. A principal acusa<;:ao libertaria 
diz respeito ao carater ideol6gico da educa<;:ao: 
procuram mostrar que as escolas dedicam-se a 
reproduzir a estrutura da sociedade de explora<;:ao 
e domina<;:ao, ensinando os alun os a ocu~arem 
seus lugares sociais pre-determinados . A 
educa<;:ao assumia , assim , uma importancia 
polftica bastante grande, embora ela se 
encontrasse devidamente mascarada sob uma 
aparente e pro palada "neutra li dade" 
Os anarqu istas assumem de vez 
tal carater politico da educa<;:ao, querendo coloca-
la nao mais ao servi<;:o da manuten<;:ao de uma 
ordem soc ial, mas sim de sua transforma<;:ao, 
denunciando as injusti<;:as e desmascarando os 
sistemas de domina<;:ao, despertando nos 
indivfduos a consciencia da necessidade de uma 
revolu<;:ao social8 . 
Metodologicamente, a proposta 
anarquista de educa<;:ao vai procurar trabalhar com 
o principia de liberdade, o que abre duas vertentes 
de compreensao e de a<;:ao diferenciadas: uma que 
entende que a educa<;:ao deve ser feita atraves da 
lib erdade e outra que cons idera que educa<;:ao 
deva ser feita para a liberdade: em outras 
ti.mda<;ao da t:scola Umiio Openjna. no Rio Gra nde do Sui. 
seguida pclas experi~ncias da Lscola L1berrcma ( iermmal (Sao 
Paulo. 1901 ), da Escola Soc1edade I nlernacwnal (Santos. 190-+ ). 
da Univers1dade Popular (Rio de .Janeiro. 1904). da Escola 
Nowma (Santos. 1907) (c( Edgar RODRIGL:Es. Os Uherrimos. 
R.I. Vozes, 19)-<l:<:!62-1G4) e da Escola Socwl da L1ga 
Opeuiria(Campinas, 1907 - c( Paulo GH!R,-\LDELL! .IlL 
Educw;:iio e Movunenro Operario. Sl'. C01tez. 19l:<7: 126-127). 
Na Mcada de dez. sob o impacto da execu~iio. na Espanha em 
1909. de Francisco Fener i Guardia, o idealizador da Escuela 
Moderna de Barcelona e criador do Racwnalis11JO Pedag6g1co 
(ver o artigo de minha autoria. Educa9iio e Liherdade: a 
expenencra da Escola Jlfoderna de Barcelona. in PRO-
POSIC,::OES. VOL.3. N" 3!9] . UNJC\MP/Cortcz. dez. 1992. pp. 
14-23 ). !loresc~ram por a qui muitas Escolas Modcmas, tam hem 
como rcsu Ita do da "''i\o dos trahalhadores no senti do de suprir 
carencias profundas dcixadas pelo incipienk sistema de instru<;iio 
ptihlica da Reptihlica Vdha. Tais cxpericncias sao descritas e 
analisadas nas scguintc.s ohras: 
- Regina .IOM!NI, U111a Edlica\)iiO Para a Solidanedade. 
Campinas. l'ontes/UN!Cr\lv!P. 1990: 
- Paulo GHIRALDELLI JR .. Educar,xlo e Movunenlo Operano. 
op.cll.: 
- Fl<ivio LUIZETTO. f'resenr.;a do Anarqws1110 no Bmsil: lUll 
esludo dos ep1sodio.1 luer6no e edllcacwnal, liS P. Sao Carlos. 
1 n4 - tesc de doutorado. 
() L~n1hremos que OS siskrnas pllhlicos de ensino sao uma 
inwnyao do capitalismo. Ver, por exemplo, Eliane LOPES. 
Ongens da in.1·1ru9iio p1iblica. Sl'. Loyola, In I. 
7 
,-\s teorias critico-reproduti vistas de Bordicu e Passeron. 
intluenciadas por A.Jthusser, que ,·icejaram nos anos setenta toram, 
na verdade, antecipadas pelos anarquistas em quase do is seculos. 
' Para os anarquistas a revolu<;iio social deve ser lruto do desejo 
das massas c de sua a<;ao consciente, dai sua critica a ideia de uma 
vanguarda que guiasst! as massas e a itnport3ncia da ~duc<H;8.o 
dessas para que pudessem ei<L' pr6prias organizar c gcrir o 
processo. 
::Ja a .· ras uma tom a a liberdade como meio , a 
ou: ra como fim. 
Tomar a liberdade como meio 
parece-m e um equivoco, pois significa considerar, 
como Rousseau, que a liberdade seja uma 
caracterfstica natural do individuo, posi<;:ao ja 
duramente criticada por Bakunin9 ; por outro !ado, 
equivale tambem a metodologia das pedagogias 
nao-diretivas, alicer<;:adas no velho Emflio e 
conso lidadas nos esfor<;:os escola-novistas , delas 
diferenciando-se, apenas, nos pressupostos 
politicos, mas sem conseguir diferentes resultados 
praticos alem daquela suposta liberdade 
ind iv idualizada caracteristica das perspectivas 
liberais. 
Tomar, de outro modo, a 
pedagogia libertaria como uma educa<;:ao que tem 
na liberdade o seu fim, pode levar a resultados 
bastante diferentes. Se a liberdade, como queria 
Bakunin e conquistada e construida socialmente, a 
educac;;ao nao pode partir dela, mas pode chegar a 
ela. Metodologicamente, a liberdade deixa de ser 
um principia, o que afasta a pedagogia anarquista 
das pedagogias nao-diretivas; por mais estranho 
que possa parecer aos olhos de alguns, a 
pedagogia anarquista deve partir, isso sim , do 
princfpio de autoridade10 . 
A escola nao pode ser um espa<;:o 
de liberdade em meio a coer<;:ao social; sua a<;:ao 
se ri a in6cua , pois os efeitos da rela<;:ao do 
individuo com as demais instancias sociais seria 
muito ma is forte. Partindo do principia de 
autoridade, a esco la nao se afasta da sociedade, 
mas insere-se nela. 0 fato e, porem, que uma 
ed ucac;; ao anarqu ista coerente com seu intento de 
critica e transformac;;ao soc ial deve pa rtir da 
autoridade nao para toma-la como absoluta e 
intransponivel , mas para supera-la 0 processo 
pedag6gico de uma constru<;:a o co letiva da 
liberdade e um processo de des-constru<;:ao 
paulatina da autoridade. 
'' ,\ likhail Bakunin. em Deus e o Eswdo, critica a concep<;ao 
natural isla c individualizante da liberdade em Rousseau. tentando 
mostrar que homem algum nasce livre, mas que a liherdadc ~ 
cOI'Itjllisrada coldivam~nk t! conslruida socia lm t!nk. 
10 
.-\ objc<;<lo de que trahalhariamos com do is pesos e duas 
medidas, isto ~. atinnando a legitimidade da autoridade na 
cduca<;ao e sua nao kgitimidade na politica niio seria corrcta: 
como mostra Hannah Arendt (Entre o Passado e o Fwuro. SP, 
Perspectiva. 1979). nndc tennina a educal'iiu come~a a pulitica: 
a cduca<;iio assume um status pre-politico por cxcelencia, 
fonnador mesmo da fi1tura a<;iio politica. Assim. so a crian<;a pode 
e dew sa conduzida durante a infancia, ja nao o pode o adulto, 
que deYe agir autonomamentc. Perspectiva analoga loi trabalhada 
por Hakunin. um sccu lo antes, ao atirrnar que: 
"() principia da autoridade na educa<;iio das crian <;as constitui o 
ponto de pan ida natural: e legitimo e neces><irio, quando aplicado 
i1s crian9as de idade baixa, quando sua intelig~ncia nao esta ainda 
de modo algum d~senvolvida: mas como o desenvolvimento de 
tudo e da cduca~ao tamh~m. portanto, implica na nega9ao 
suce>Sil·a do ponto de pa11ida. ~sk principia tkve ser gradualmente 
diminuido. it medida qu e a educayao e a instruyao das crianyas 
a1·an~a. para dar Iugar <t sua liberdade ascentknte." (Dws y e/ 
£,rado . 13arcdona. Jucar. 1979:75). 
Tais questoes acham-se discutidas e devidamente fimdamentadas 
em minha tese de doutorado, Autondade e a Constrw;·ao da 
Lrberdade: o paradigma anarquista em ed11Ca9ao, UNICAMP, 
199c 
ll 
Tal processo e assumido 
positivamente pela pedagogia libertaria como uma 
atividade ideol6gica; posto que nao ha educa<;:ao 
neutra , que toda educa<;:ao fundamenta-se numa· 
concep<;:ao de homem e numa concep<;:ao de 
sociedade, trata-se de definir de qual homem e de 
qual sociedade estamos falando. Como nao faz 
sentido pensarmos no individuo livre numa 
sociedade anarquista , trata-se de educar um 
homem comprometido naocom a manuten<;:ao da 
sociedade de explora<;:ao, mas sim com o 
engajamento na !uta e na construc;;ao de uma nova 
sociedade. Trata-se, em outras palavras , de criar 
um indiv iduo "desajustado" para os padroes 
sociais cap italistas . A educa<;:ao libertaria constitui-
se, assim, numa educa<;:ao contra o Estado, alheia , 
portanto, aos sistemas publicos de ensino. 
0 PARADIGMA ANARQUISTA E A EDUCA<;Ao 
CONTEMPORANEA 
0 mote progressista nas 
discussoes pedag6gicas contemporaneas e a 
defesa da escola publica A atual Constitui<;:ao 
brasileira afirma que a educa<;:ao e um "direito do 
cidadao e um dever do Estado", definindo desde o 
inicio a responsabilidade do Estado para com a 
educa<;:ao. Ela e, porem, um empreendimento 
bastante dispendioso, como sabemos 11 , e por 
certo esse interesse do Estado nao pode ser 
gratuito ou meramente filantr6pico. A hist6ria nos 
mostra que os assim chamados sistemas publicos 
de ensino sao bastante recentes : conso lidam-se 
junto com as revolu<;:oes burguesas e parecem 
querer contribuir para transformar o "sudito" em 
"cidadao", operando a transi<;:ao politica para as 
sociedades contemporaneas. Outro fator 
im portante e a cria<;:ao, atraves de uma educac;;ao 
"unica", do senti mento de nacionalidade e 
identi dade nacional , fundamental para a 
constitui<;:ao do Estado-na <;:ao. 
Os anarquistas, coerentes com sua 
critica ao Estado, jamais aceitaram essa educa<;:ao 
oferecida e gerida por ele; por um !ado, porque o 
Estado certamente utilizar-se-a deste ve iculo de 
formac;;ao/informa<;:ao que e a educa<;:ao para 
disseminar as visoes s6c io-polfticas que !he sao 
interessantes . 
Nesse ponto a pedagogia 
anarquista diverge de outras tendencias 
progressistas da educa<;:ao, que procuram ver no 
sistema publico de ensino "brechas" que permitam 
uma a<;:ao transformadora, subversiva mesmo, que 
va aos poucos minando por dentro esse sistema 
estatal e seus interesses. 0 que nos mostra a 
apl icac;;ao dos principios anarquistas a essa 
analise e que existem limites muito estreitos para 
uma suposta "gestao democrati ca" da escola 
publica. Ou, para usar palavras mais fortes mas 
tambem mais precisas, o Estado "permite" um a 
cert·a democratiza<;:ao e mesmo uma a<;:ao 
progressista ate o ponto em que essas a<;:oes nao 
coloquem em xeque a manuten <;:ao de sua s 
11 lsso lica ainda mais evidenciado quando. como .i o nosso caso. o 
Estado n1io consegue dar conta de cumprir com seu deYer e 
oferecer escola para todos os cidadiios. 
12 
instituir;:6es e de seus poder; se este risco chega a 
ser pressentido, o Estado nao deixa de utilizar de 
todas as suas armas para neutral izar as ar;:oes 
"subversivas". 
E por isso que, na perspectiva 
anarquista , a (mica educa ~t a o revolucionari a 
possivel e aquela que da-se fora do contexto 
definido pelo Estado , sendo esse afastamento 
mesmo ja uma atitud e revolucionaria. A proposta e 
que a propria sociedade organize seu sistema de 
ensino , a margem do Estado e sem a sua 
ingerencia, definindo ela mesma como aplicar 
seus recursos e fazendo a gestao direta deles, 
construindo um sistema de ensino que seja o 
reflexo de seus interesses e desejos. E o que os 
anarquistas chamam de autogestao. 
CONSIDERAc;6ES A MANEIRA DE UMA 
CONCLUSAO 
Tomar os principios filosofico-
politicos do Anarquismo como referencial para 
pensar a educar;:ao contemporanea e pais uma 
empresa de movimento; se podemos, por um lado, 
sistematizar tais principios a partir dos "classicos" 
do seculo passado e do infcio deste, traduzindo-os 
para a contemporaneidade de nossos problemas , 
nao encontramos , ainda, um "solo firme" para 
nossas respostas - nao no sentido de que elas nao 
tenham consistencia, mas sim que apontam 
sempre para uma realidade em construr;:ao que 
processa a des-construr;:ao de nosso cotidiano. 
Se ha um Iugar e um sentido para 
uma escola anarquista hoje, esse e o do 
enfrentamento; uma pedagogia libertaria de fato e 
incompativel com a estrutura do Estado e da 
sociedade capitalista. Marx ja mostrou que uma 
sociedade so se transforma quando o modo de 
produr;:ao que a sustenta ja esgotou todas as suas 
possibilidades; Deleuze e Guattari mostraram 12 , 
por outro lado, que o capitalismo apresenta uma 
"elasticidade", uma capacidade de alargar seu 
limite de possibilidades. E certo, porem, que sua 
constante de e/asticidade nao e infinita: para uma 
escola anarquista hoje trata-se, portanto, de testar 
essa elasticidade, tensionando-a 
permanentemente, buscando os pontos de ruptura 
que possibilitariam a emergencia do novo, atraves 
do desenvolvimento de consciencias e atos que 
busquem escapar aos limites do capitalismo. 
No aspecto da forma~tao individual, 
Henri Arvon ja afirmava, em 197913 , que para uma 
sociedade de rapidas transformar;:oes como e a 
nossa, o projeto educativo anarquista parece ser o 
que melhor responderia as necessidades de uma 
educar;:ao de qualidade. 0 desenvolvimento 
cientifico-tecnologico e especialmente as 
transforma~t6es geopoliticas nesses ultimos quinze 
anos vieram a confirmar essa necessidade de uma 
educar;:ao dinamica e aut6noma, que encontra 
cada vez maiores possibilidades de realiza~tao com 
12 Ver 0 Anti-Edipo: Capitalismo e Esquizofrema, dos autores 
!ranceses. 
1.' \'er £1 Anarquismo en el Srglo XX, Madrid, Taurus. 1979, pag. 
160-1 6 1. 
Revista Nuances - Vol II - Setembro 1996 
o suporte da informatica e da multimidia. Nao 
podemos, entretanto, deixar que a propria 
perspectiva libertaria da educa~tao seja cooptada 
pelo capitalismo , neutralizando seu carater politico 
transformador, levando-a para um ambito de 
liberdade individual e desembocando num novo 
escolanovismo, aparelhado pelas novas 
tecnologias. 0 carater politico da pedagogia 
libertaria deve ser, constantemente, reafirmado, na 
tentativa de nao permitir o aparecimento de uma 
nova massa de excluidos, tanto do fluxo de 
informay6es quanta das maquinas que permitem 0 
acesso a ele. 
Por outro lado, o desenvolvi mento 
tecnologico que nos leva cada vez mais rapido 
rumo a uma "Sociedade Informatica", para 
utilizarmos a expressao de Adam Schaff, define 
um horizonte de possibilidades de futuro bastante 
interessantes; numa sociedade que, pol iticamente, 
nao se define mais com base nos detentores dos 
meios de produ~tao, mas sim com base naqueles 
que tem acesso e controle sobre os meios de 
informa~tao, encontramos duas possibilidades 
basicas a realizar;:ao de um totalitarismo absoluto 
baseado no controle do fluxo de informar;:6es , 
como o pensado por Orwell em seu 1984 ou por 
Huxley em seu Admiravel Mundo Novo, ou entao a 
realizar;:ao da antiga utopia da democracia direta, 
estando o fluxo de informa~t6es autogerido pelo 
conjunto da sociedade. Em outras palavras, o 
desenvolvimento da sociedade informatica parece 
possibilitar-nos duas sociedades, uma antipoda da 
outra: a tota litaria. com o Estado absoluto, ou a 
anarquista. absolutamente sem Estado; a escolha 
estaria fundada obviamente numa opr;:ao politica 
que so seria possivel atraves da consciencia e da 
informa~tao, aparecendo entao a figura da 
educar;:ao, formal ou informal, no sentido de 
sustentar tal conscientiza~tao 
Mas, a possibilidade de trabalho 
que me parece mais proxima no momenta e o 
pensar a filosofia da educa~tao no contexto do 
paradigma anarquista. Setal filosofia da educa~tao 
pode servir de suporte teorico para a construr;:ao 
deste projeto de educa~tao que tem por meta a 
autogestao e a verdadeira democracia que a 
tecnologia informatica pode, finalmente, tornar 
possivel atraves de uma rede planetaria que 
imploda as fronte iras dos Estados-na~tao, ela 
pode, ainda , servir-nos como ferramenta de 
analise e critica da sociedade capitalista e da 
educar;:ao por ela pensada, assim como do 
sistema de ensino por ela constituido- a sempre 
ambfgua dualidade dos sistemas publico e 
privado. No caso especifico do Brasil 
contemporaneo, ela pode constituir-se num 
interessante referencial para a discussao e analise 
dos graves problemas educacionais que 
enfrentamos, de uma perspectiva bastante 
singular, como no caso da qualidade do ensino e 
da publiciza~tao/democratizar;:ao da escola, 
trazendo contribui~t6es criativas diferentes das 
usuais. 
No contexto da polariza~tao da 
filosofia da educar;:ao brasileira entre a tendencia 
nc-e-s - \·at II - Outubro de 1966 
~s~- eral privatizadora sucessora das 
:s'loencias trad icional, escolanovista e tecnicista 
13 
como expressao ideol6gica da manuten c;;ao do 
sistema e uma tendencia dialeti ca que, por sua 
vez, encontra-se dividida em varias propostas de 
analise 14 e tem sido - erroneamente - pasta em 
xeque como paradigma devido a crise do assim 
chamado "socialismo real", tomada como a 
falencia do metoda dialetico e 0 triunfo do 
liberalismo - novo ou velho, nao importa - e a 
instauragao de uma "nova ordem mundial" 
centrada no paradigma liberal, a tendencia 
anarquista ou libertaria pode apresentar-se como 
um novo referencial para a analise, ao mostrar, 
explicitamente, que como cantou Caetano 
Veloso, "alguma coisa esta fora da nova ordem 
mundial ... 0 que tentei aqui foi tao somente traze-
la para a luz das discussoes, buscando sua 
viabilidade. 
14 Ver a obra de Moacir Gadotti, Pensamento Pedag6gico 
Brasileiro, SP, Atica, J98g, 2' ed., que historiciza e conceitualiza 
as varias tendencias pedag6gicas brasileiras que buscam seu 
referencial no metoda dialetico. 
I ~ Revista Nuances - Vol II - Setembro 1996 
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