Prévia do material em texto
REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO Desembargador Eridson João Fernandes Medeiros Presidente e Corregedor Desembargador Eduardo Serrano da Rocha Vice-Presidente Desembargadora Maria Auxiliadora Barros de Medeiros Rodrigues Ouvidora Desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro Diretora da Escola Judicial CONSELHO CONSULTIVO Desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro Desembargador Ricardo Luíz Espíndola Borges Juiz Hermann Araújo Hackradt Juíza Lygia Maria de Godoy Batista Cavalcanti Juíza Lisandra Cristina Lopes Juíza Lisandra Cristina Lopes Coordenadora Pedagógica Haroldo Helinski Holanda Secretário da Escola Judicial Simone Resende Nunes de Carvalho Chefe do Setor de Aperfeiçoamento e Capacitação de Magistrados e Servidores Isabelle Bandeira de Figueiredo Souza Chefe do Setor de Educação à Distância Edlene Melo Reis do Nascimento, Mary Ann Rios Forte Paranhos, Ray Rommenigge do Nascimento Rabelo, Séfora Soraia da Costa e Silva, Wagner Viana Dourado, Maria Eloíza dos Anjos Oliveira e Pedro Henrique de Souza Neves. Leandro do Nascimento de Souza Assistente da Biblioteca Raylla Nascimento Costa, Emmily Hariadny Gomes da Silva e Maria Laura Tambellini Barros (estagiárias da Biblioteca) ISSN 1981-6715 Rev. Trib. Reg. Trab. 21a Reg. Natal v. 23 n. 1 p. 1-177 dez. 2024 © 1993 Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região ISSN 1981-6715 O teor dos artigos é de total responsabilidade dos seus autores, não refletindo necessariamente a posição da Comissão da Revista e de Outras Publicações e/ou do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região. CONSELHO EDITORIAL Des. Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro Des. Bento Herculano Duarte Neto Juiz Hermann de Araújo Hackradt Juíza Jólia Lucena da Rocha Melo Profa. Ana Beatriz Ferreira Rebello Presgrave Prof. Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho Coordenação: Secretaria da Escola Judicial Organização e Supervisão: Haroldo Helinski Holanda, Simone Resende Nunes de Carvalho e Leandro do Nascimento de Souza Produção Editorial: Cinthia Lopes Cardoso e Michele Santana Gomes Revisão Textual: Alyne Martins Teles Brito Capa, Diagramação e Arte final: Diogo Freitas, Caio Vinicius e Gutemberg Emerenciano Assessoria Bibliográfica: Leandro do Nascimento de Souza, Raylla Nascimento Costa, Emmily Hariadny Gomes da Silva e Maria Laura Tambellini Barros Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região Av. Capitão-Mor Gouveia, 3104 – Lagoa Nova – Natal/RN CEP 59063-900 CNPJ 02.544.593/0001-82 Fone: (84) 4006-3001 / 4006-3002 http://trt21.jus.br/ Bibliotecário responsável: Leandro do Nascimento de Souza (CRB 15/902) R454 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região / Escola Judicial do TRT da 21ª Região, vol. 1, n. 1, 1993-. Natal/RN, 1993- . Anual Modo de acesso eletrônico: World Wide Web: http://www.trt21.jus.br v.23, n.1, dez. 2024 Direito do Trabalho. 2. Processo Trabalhista. 3. Justiça do Trabalho – Brasil. 4. Jurisprudência Trabalhista – Brasil. I. Brasil. Tribunal Superior do Trabalho. CDU – 34(05) Composição do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região PRESIDENTE E CORREGEDOR Desembargador Eridson João Fernandes Medeiros VICE-PRESIDENTE Desembargador Eduardo Serrano da Rocha OUVIDORA Desembargadora Maria Auxiliadora Barros de Medeiros Rodrigues DESEMBARGADORES Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro Carlos Newton de Souza Pinto José Barbosa Filho Ronaldo de Medeiros de Souza Maria Auxiliadora Barros de Medeiros Rodrigues Ricardo Luis Espíndola Borges Bento Herculano Duarte Neto Isaura Maria Barbalho Simonetti PROCURADOR-CHEFE DA PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO Procurador Antônio Gleydson Gadelha de Moura JUÍZES TITULARES DE VARAS DO TRABALHO Juiz Hermann de Araújo Hackradt Juiz Zéu Palmeira Sobrinho Juiz Manoel Medeiros Soares de Sousa Juiz Luciano Athayde Chaves Juiz Dilner Nogueira Santos Juíza Lygia Maria de Godoy Batista Cavalcanti Juíza Simone Medeiros Jalil Juiz Joanilson de Paula Rêgo Júnior Juiz Antonio Soares Carneiro Juiz Décio Teixeira de Carvalho Júnior Juiz Alexandre Érico Alves da Silva Juíza Daniela Lustoza Marques de Souza Chaves Juíza Lilian Matos Pessoa da Cunha Lima Juiz Hamilton Vieira Sobrinho Juiz Gustavo Muniz Nunes Juiz Magno Kleiber Maia Juíza Rachel Vilar de Oliveira Villarim Juíza Lisandra Cristina Lopes Juíza Jólia Lucena da Rocha Melo Juíza Maria Rita Manzarra de Moura Garcia Juíza Janaina Vasco Fernandes Juíza Derliane Rêgo Tapajós Juiz Carlito Antônio da Cruz S U M Á R I O JUÍZES DO TRABALHO SUBSTITUTOS Fátima Christiane Gomes de Oliveira Luíza Eugênia Pereira Arraes Carlito Antônio da Cruz Aline Fabiana Campos Pereira Nágila Nogueira Gomes Cácio Oliveira Manoel José Maurício Pontes Júnior Marcella Alves de Villar Michael Wegner Knabben Inácio André de Oliveira Syméia Simião da Rocha Anne de Carvalho Cavalcanti Higor Marcelino Sanches Daniel dos Santos Figueiredo Thácia Janny de Freitas Cardoso Stella Paiva de Autran Nunes Laís Ribeiro de Sousa Bezerra Igor Volpatto da Silva Alexsandro de Oliveira Valério João Paulo de Souza Júnior Ticiano Maciel Costa Danusa Berta Malfatti Rafael Vieira Bruno Tavares Felipe Marinho Amaral S U M Á R I O Apresentação Desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região Artigos Doutrinários DIAGNÓSTICO DO TRABALHO EMOCIONAL NO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO Larissa Cunha Dantas, Cynara Carvalho de Abreu ................................................................................12 A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE E SEUS REFLEXOS SOBRE A GARANTIA DE ACESSO NA JUSTIÇA DO TRABALHO: DESEMPENHO, EFICIÊNCIA E EFETIVIDADE EM ORGANIZAÇÕES DA JUSTIÇA Cláudio Delgado Freitas, Dr. Luciano Athayde ......................................................................................29 SOCIEDADE E ESTADO EM REDE: O DIÁLOGO NECESSÁRIO ENTRE AS PROVAS DIGITAIS E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO NO BRASIL Luciano Athayde Chaves, Maria Fernanda de Araújo Duda.....................................................................43 A ESCRITA JURÍDICA E A LINGUAGEM SIMPLES Maria do Perpetuo Socorro Wanderley de Castro...................................................................................63 TRABALHO VERSUS PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA Lisiane Aguiar Henrique...................................................................................................................67 A INDÚSTRIA 4.0 E O DIREITO FUNDAMENTAL DE PROTEÇÃO EM FACE DA AUTOMAÇÃO (ART. 7º, XXVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): UMA INTERPRETAÇÃO À LUZ DO MÉTODO GRAMATICAL E DO MÉTODO TÓPICO-PROBLEMÁTICO Yara Maria Pereira Gurgel , Tiago Batista dos Santos, Ricardo Galvão de Sousa Lins.....................................81 ANÁLISE DO TRABALHO NA JUSTIÇA TRABALHISTA: O OLHAR DA CLÍNICA DA ATIVIDADE Rosane Helena Cardoso de Melo, Tatiana de Lucena Torres, Erick Idalino Moura, Jorge Tarcisio da Rocha Falcão..........................................................................................................................................93 Acórdãos Apresentação Prezado leitor, Prezada leitora Apresentamos o volume 23 da Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21Região, relativo ao ano de 2024. A edição é integrada por artigos sobre temas diversos, mas sempre em vista do mundo do trabalho e das relações trabalhistas, na constante reflexão sobre as questões palpitantes que dele decorrem. São abordados temas como a saúde física, mental e emocional de servidores e magistrados; a prescrição intercorrente e seus impactos na garantia constitucional de acesso à Justiça do Trabalho; a presençaVenosa (2021, p. 501), “o exercício de um direito não pode ficar pendente indefinitivamente. Deve ser exercido pelo titular dentro de um determinado prazo”. Esse mesmo autor ressalta que, não ocorrendo, perde o titular a “prerrogativa de fazer valer seu direito”, tudo isso com fundamento na paz social, na tranquilidade da ordem jurídica. Por essa linha de raciocínio, essa é a razão que deveríamos buscar para o fundamento da prescrição. Sublinha, por fim, o referido autor que, para os “não iniciados na ciência jurídica”, a prescrição pode parecer injusta, mas a realidade é a de que a mesma se mostra indispensável à estabilidade das relações sociais. Quanto ao conceito de prescrição, segundo Pontes de Miranda (2000, p. 135), “a prescrição é a exceção, que alguém tem, contra o que não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação. Serve à segurança e à paz públicas, para limite temporal à eficácia das pretensões e das ações”. Já no que se refere à prescrição intercorrente, Mauro Schiavi (2017, p. 86) assevera que se chama intercorrente quando a prescrição se dá no curso do processo, após o trânsito em julgado, pois na fase de execução, se o autor não promover os atos do processo, o juiz extinguirá sem resolução do mérito. Trata-se, portanto, de um fenômeno endoprocessual, isto é, manifestado no curso do processo, distinto da prescrição geral, que ocorre antes da propositura da ação (Chaves, 2012, p. 539). Ostenta, assim, a prescrição intercorrente uma natureza híbrida (Schivi, 2017, p. 86), tendo em vista que entrelaça o direito material com o direito processual do trabalho, e seu efeito é a inexigibilidade do direito, acarretando a extinção do processo com resolução de mérito. Quanto aos tipos de prescrição, Rezende (2012, p. 925) explica: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202432 A subdivisão da prescrição em parcial e total não decorre de lei, e sim da construção jurisprudencial acerca do tema, e notadamente do entendimento predominante no TST. Nesse contexto, é fundamental esclarecer que a prescrição bienal será sempre total, razão pela qual o conceito de prescrição parcial se aplica tão somente à prescrição quinquenal, que pode ser total ou parcial. A bienal prescreve nos dois anos dados ao trabalhador para que intente a ação trabalhista, contados a partir da extinção do contrato de trabalho. Já a quinquenal pode ocorrer tanto durante a vigência do contrato, pois o trabalhador tem cinco anos para ajuizar a reclamação trabalhista a contar da data da lesão do seu direito, isto quando ainda há o vínculo trabalhista; bem como após a extinção do contrato individual de trabalho, já que, ajuizada a reclamatória trabalhista, esta poderá reparar somente as lesões ocorridas nos cinco anos anteriores ao seu ajuizamento. Já Venosa (2021, p. 502) separa as prescrições entre extintiva e aquisitiva, sendo a primeira aquela prescrição propriamente dita, que conduz à perda do direito de ação por seu titular negligente ao fim de certo lapso de tempo; já a segunda consiste na aquisição de direito real pelo decurso de tempo, a exemplo do usucapião. Sobre prescrições extintivas, a Constituição Brasileira garante o direito de ação quanto aos créditos resultantes das relações trabalhistas, condicionando ao prazo prescricional de cinco anos, para os trabalhadores urbanos ou rurais, e até dois anos depois de extinto o contrato de trabalho (art. 7º, XXIX), ou seja, especifica duas prescrições extintivas por decurso do prazo. Entretanto, além desses prazos prescricionais, a Lei da Reforma Trabalhista, nº 13.467/17, consolidou a prescrição intercorrente na fase de execução, resolvendo a divergência existente entre a literatura técnica e a jurisprudência. Por certo que essa mudança não foi a única que gerou efeitos sobre a fase de execução, já que a reforma trabalhista de 2017 promoveu várias alterações nesse campo processual (Chaves, 2017). No entanto, trata-se de uma mudança que atingiu um instituto processual muito sensível e com possíveis repercussões significativas no procedimento aplicado na Justiça do Trabalho. Segundo Soares (2016, p. 403), A prescrição intercorrente atua no processo instaurado, e representa o reconhecimento da impossibilidade de dar andamento ao processo, se o credor permanecer durante determinado lapso temporal, inerte na necessária prática de atos aptos ao alcance do objetivo de obter a concretização da condenação ou mesmo da própria execução. Na prescrição intercorrente, essa perda decorre da inércia de uma das partes, em especial da parte exequente, durante um determinado tempo no curso de um procedimento. De acordo com o artigo 11-A da CLT, introduzido pela Lei da Reforma Trabalhista, citada acima, a ação poderá ser extinta se o autor da ação ou o credor dos valores deixar de cumprir determinação judicial, sem qualquer motivo ou justificativa, por mais de dois anos. Ressalta-se que, para aplicação da prescrição intercorrente, há necessidade de prévia intimação e inequívoca do exequente (Miessa, 2017), de modo a assegurar a presença de uma inércia consciente do credor, situação processual que pode implicar a extinção da execução. Nota-se que, sobre a prescrição intercorrente, há um aparente conflito entre os princípios constitucionais de duração razoável do processo e do acesso à justiça (no seu sentido mais amplo), pelo qual deverá ser solucionado pela ponderação de princípios, conforme cita Mendes Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 33 (2012, p. 110) : Quando os princípios se contrapõem em um caso concreto, há que se apurar o peso (nisso consistindo a ponderação) que apresentam nesse mesmo caso, tendo presente que, se apreciados em abstrato, nenhum desses princípios em choque ostenta primazia definitiva sobre o outro. Nada impede, assim, que, em caso diverso, com outras características, o princípio antes preterido venha a prevalecer. Segundo Tucci (2017, p. 6), “Tempo e processo constituem duas vertentes que estão em constante confronto”. Cita o autor que muitas vezes o tempo “age em prol da verdade e da justiça”, entretanto, na maioria das vezes, ressalta o autor, ela “conspira contra o processo”. Explana o autor que a “excessiva duração do litígio vulnera a garantia do devido processo”, dentre outros princípios. Importante ressaltar que a prescrição intercorrente pode ser compreendida como mais um dos óbices ao efetivo acesso à justiça para a parte que recorre à Justiça do Trabalho com a utilização do jus postulandi, uma vez que sendo a parte desacompanhada de advogado, seu processo tem maiores chances de ficar inerte pelo prazo capaz de ensejar a prescrição intercorrente e, consequentemente, ser extinto com resolução de mérito ante referida inércia e, portanto, não ter o efetivo acesso à justiça. Ressalva peculiar fez Silva (2017, p. 22), quando teceu comentários ao art. 11-A implementado pela Reforma Trabalhista: Em resumo, a sociedade espera que o art. 11-A, § 2º, não seja utilizado irrefletidamente, apenas para cumprimento de metas e apresentações de dados estatísticos, mas por força de uma análise detida sobre eventual comportamento negligente do credor – que, afinal, é a base que os pretores romanos utilizam para desenvolver o conceito da perda da exigibilidade do direito por inércia injustificada do interessado ,ou seja, a literatura especializada se preocupa com os critérios subjetivos da aplicação da prescrição intercorrente. 3. PRESCRIÇÕES NO TEMPO E A INTERCORRENTE Antes da Lei da Reforma Trabalhista, havia divergência entre posicionamento do Supremo Tribunal Federal e aquele sustentado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) quanto à possibilidade de aplicação da prescrição intercorrentena Justiça do Trabalho. Enquanto a Suprema Corte, na Súmula nº 327, definiu, desde 13 de dezembro de 1963, que o direito processual trabalhista admite a prescrição intercorrente, ou seja, que havia aplicabilidade desse instituto no Processo do Trabalho, a Corte Superior Trabalhista sempre sustentou que não se aplicava a prescrição intercorrente nesse segmento, conforme se vê da súmula nº 114, publicada, originalmente, em 3 de novembro de 1980. Interessante notar que, mesmo após a reforma de 2017, alguns autores sustentam que essa discussão ainda pode ter sobrevida. Miessa (2017), por exemplo, ponderando sobre as particularidades do direito processual do trabalho e do grande impacto que o novo dispositivo exercerá, causando grandes alterações na execução trabalhista, descreve algumas controvérsias Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202434 que a aplicação do instituto da prescrição no âmbito do processo trabalhista será objeto: “prazo prescricional, suspensão e extinção da execução, data de início da fluência do prazo prescricional, possibilidade de declaração ex officio e momento de declaração da prescrição”. Contudo, com a publicação da Reforma de 2017, a Justiça do Trabalho passou a admitir expressamente a prescrição intercorrente, ainda que em relação apenas às execuções iniciadas após a vigência da referida Lei nº 13.467, de acordo com o que vem decidindo o TST (Brasil, 2023), quanto a ser a aplicação retroativa da Lei acima inviável. A expressa opção pela aplicação da prescrição intercorrente no Processo do Trabalho vem do próprio TST, quando definiu o marco temporal para a vigência dos dispositivos da reforma de 2017, como se vê do art. 2º da Instrução Normativa n° 41 (Brasil, 2017), considerando a ausência de previsão na 13.467/2017 de procedimento a ser adotado para o reconhecimento da prescrição intercorrente, a referida Instrução Normativa dispõe que “O fluxo da prescrição intercorrente conta-se a partir do descumprimento da determinação judicial a que alude o § 1º do art. 11-A da CLT, desde que feita após 11 de novembro de 2017 (Brasil, 2017)”. Em síntese, a Reforma Trabalhista, ao introduzir a prescrição intercorrente na execução de forma expressa, adotou o modelo em que se toma em consideração a conduta subjetiva do exequente que permanece inerte mesmo após instado pelo juízo a promover a execução, conforme indica o § 1º do art. 11-A da CLT, ao estabelecer que a fluência do prazo prescricional intercorrente inicia-se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução, que não pode ser anterior ao arquivamento provisório dos autos, e só a partir da determinação se tem por iniciada a fluência do prazo prescricional intercorrente de dois anos. Importante frisar as diretrizes contidas na Recomendação n.º 3/2018, editada pela Corregedoria-Geral da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, quanto à aplicação da prescrição intercorrente na esfera trabalhista. O referido instrumento tem como finalidade uniformizar os procedimentos adotados pelos magistrados do trabalho quanto à prescrição intercorrente, bem como harmonizar os novos dispositivos celetistas com os outros dispositivos aplicáveis ao processo do trabalho, como a Lei de Executivos Fiscais e o Código de Processo Civil. Assim, de acordo com a mencionada Recomendação n.º 3/2018, o início da contagem do prazo para o reconhecimento da prescrição intercorrente conta-se a partir do não cumprimento da determinação judicial, desde que referida determinação tenha sido expedida após 11/11/2017, data de início da vigência da Reforma Trabalhista – Lei 13.467/2017. Além disso, recomenda-se, também, que o reconhecimento da prescrição só se dará após expressa intimação do exequente para a realização da determinação judicial no curso da execução, de modo que, o magistrado trabalhista deverá indicar, com precisão, qual determinação deve ser cumprida, especificando as consequências do descumprimento. A Recomendação também ressalta, dentre outros procedimentos, que cabe ao magistrado promover, de ofício, todos os meios possíveis para satisfação da dívida, inclusive por meio de ferramentas eletrônicas de localização de ativos à disposição do Poder Judiciário, tais como Bacenjud, Infojud, Renajud ou Simba; e pelo instrumento processual de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária executada. Além disso, o ato estabelece que o Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 35 prazo prescricional não iniciará nas hipóteses em que não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, devendo o juiz, nesses casos, suspender o processo ou arquivá-lo provisoriamente, com a possibilidade de desarquivamento e prosseguimento da execução a qualquer momento. Sobre o tema impulso oficial do juiz, determinante quanto à possibilidade do impulsionamento ser exclusivo das partes, destaca-se, da decisão tomada pelo TST no processo nº Ag-AIRR-720-41.2015.5.07.0027 (7ª Turma, Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 19/12/2022), uma direção interpretativa quanto à atribuição de ser a responsabilidade única ao credor pelo retardamento do feito. Essa preocupação se dá pela alteração do art. 878 da CLT, que anteriormente permitia a que a execução fosse “promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente”. Após a Reforma Trabalhista de 2017, diminuiu drasticamente a possibilidade de o juiz dar andamento à execução sem ser instigado pelas partes, nos seguintes termos: “A execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado”. Na referida decisão, o ministro relator enumera alguns passos para análise da aplicação da prescrição intercorrente, afastando as situações onde a alegação de impulsionamento pelo juízo não seria permitida: (1) A atribuição da responsabilidade única ao credor pelo retardamento do feito deve ser encarada com reservas. Primeiro, porque é do Judiciário – e não do credor – o dever de fazer cumprir a decisão que proferiu, caminho para que consiga obter a denominada efetividade, que nada mais é do que a produção de efeitos jurídicos no mundo da vida, no mundo dos fatos, (2) A regra contida no artigo 2º do CPC evidencia a proibição para que o juiz possa dar início ao processo, mas, uma vez iniciado pela parte, a ele é atribuído, de modo expresso, frise-se, o impulso oficial, tal como também contempla o artigo 765 da CLT, que, de maneira óbvia, não se resume ao processo de conhecimento e nem foi revogado. (3) O artigo 878 da CLT atribui às partes – e não apenas ao credor – a iniciativa de promover a execução, o que significa tratar-se de iniciativa concorrente. (4) É dever do magistrado – não mera faculdade – executar de ofício e até final a contribuição previdenciária, consoante previsão contida no artigo 114, VIII, da Constituição, e seria no mínimo desarrazoado supor estar autorizado a fazê- lo em relação ao crédito acessório – a contribuição previdenciária –, e não em relação ao crédito principal – as parcelas atribuídas ao credor principal. (5) Os meios concretos mencionados pelo magistrado na questionada decisão são perfeitamente dele conhecidos, se infrutíferos até então, não significa que assim permaneçam em momento posterior, devem significar a concessão de uma espécie de “alforria” ao devedor inadimplente ou, menos ainda, representar um mero registro positivo de encerramento do processo na estatística da Vara. (6) Ao executado são atribuído inúmeros deveres no âmbito do processo, a começar pelo dever fundamental genérico de cooperação (artigo6º do CPC), e, de modo particular, o dever de atuação ética, capitaneado pela regra contida no artigo 774 do CPC, que enumera atos cuja prática são considerados atentatórios à dignidade da justiça, entre os quais a recusa à indicação dos bens sujeitos à penhora (inciso V); sem esquecer dos demais incisos, todos eles direcionados ao combate à atuação temerária ou dificultosa ao andamento regular do processo. (7) Não se pode atribuir a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202436 condição de quem abandonou a execução. Apenas – se tanto – não dispunha de informações ou meios necessários para o alcance do resultado por ele perseguido. (8) Acolher a tese da “inércia judicial” representaria a negativa do direito fundamental ao processo efetivo (ou à tutela efetiva), há muito consagrado na doutrina, positivado entre as denominadas “normas fundamentais do processo civil” (leia-se “processo brasileiro”, em virtude da previsão do artigo 15 do CPC) contidas no CPC (artigos 1º a 12), compreendido como o direito fundamental, reconhecido ao jurisdicionado, “de obter do Poder Judiciário uma prestação jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva, seja em decorrência do princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF), seja em decorrência do princípio da inafastabilidade da atividade jurisdicional. Assim, mesmo considerando essas condições para a aplicação da prescrição intercorrente, consolidou-se mais uma forma de prescrição que diz respeito diretamente à questão do acesso à Justiça do Trabalho, uma vez que, com a extinção de processo fase de execução, não é mais possível se exigir os créditos ali apurados, mesmo que com um novo processo, de acordo com a regra prevista no art. 337, §§ 1º, 2º e 3º do Código de Processo Civil. Ressalta-se que há, entretanto, quem critique a utilização da prescrição intercorrente, mesmo no âmbito do direito civil. Tartuce (2015), por exemplo, salienta que nunca concordou com a utilização deste tipo de prescrição na esfera privada, pois entende que ela poderia ser injusta, principalmente quando se leva em consideração a morosidade do nosso Poder Judiciário. 4. PESQUISA EMPÍRICA Apoiado nesta importante alteração legislativa e procedimental, que produz reflexos no acesso à Justiça e na efetividade da prestação jurisdicional, o presente estudo se propôs a analisar a hipótese de que é crescente a utilização da prescrição intercorrente nos Tribunais Trabalhistas, nomeadamente após a Reforma Trabalhista de 2017. Para alcançar esse objetivo, fez-se uso de investigação bibliográfica e documental (Gil, 2008), além de utilização de pesquisa empírica quantitativa, ancorada em métodos da estatística descritiva (Serra, 2013), para aferir a utilização da prescrição intercorrente como forma de extinção das execuções trabalhistas. Faz-se necessário explicar que a alimentação estatística da forma de extinção da execução na Justiça do Trabalho ocorre diretamente no Processo Judicial Eletrônico - PJe, por meio de sentença na fase de execução (a sentença é coletada no item 90.093 do e-gestão), sendo obrigatória a informação do tipo da extinção (prescrição intercorrente é uma das formas, coletada no item 90.442 do e-gestão), conforme consta no manual do sistema estatístico da Justiça do Trabalho - e-gestão. Entretanto, por ser uma ação manual do servidor ou magistrado que procede ao preenchimento dos campos destinados à movimentação processual, há risco de que a informação do tipo da extinção inserida não reflita a realidade da sentença, sendo possível a informação equivocada de uma forma de extinção por outra, visto que estas têm o mesmo peso estatístico, gerando dados estatísticos incorretos e que podem distorcer os dados coletados abaixo. A forma de coleta dos dados foi a geração dos relatórios dos itens estatísticos no Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 37 sistema e-gestão, gerenciados pela estatística do TST (https://egestao.tst.jus.br/BOE/BI), utilizando-se do item 90.093 [Execução encerrada com a declaração, por sentença, da extinção da execução (art. 794 do CPC)] em comparação com o item 90.442 [Execuções extintas por aplicação da prescrição intercorrente]. Quanto ao período da pesquisa, tendo em vista que a alimentação do item estatístico 90.442 (prescrição intercorrente), somente foi disponibilizada no PJe Trabalhista em meados de janeiro de 2020, fez-se necessário considerar a data de 1/1/2020 como marco inicial das comparações, impossibilitando comparações anteriores. Da coleta, extrai-se que a utilização do uso da prescrição intercorrente nos Tribunais do Trabalho, durante o período de 01/01/2020 a 31/01/2023, conforme quadro abaixo, sinaliza uma alta discrepância e uma despadronização da utilização dessa forma de extinção, existindo desde o percentual de 3,71%, encontrado no TRT15, quanto um percentual de 21,97% registrado no TRT23. Esses números constatam uma média de 13,1% de média de utilização nacional, bem como um valor de mediana de 13,18%. Prescrição (90.442) Total (90.093) % TRT1 21482 169930 12,64% TRT2 56685 412891 13,73% TRT3 39021 190749 20,46% TRT4 13379 147693 9,06% TRT5 11617 111426 10,43% TRT6 11196 123218 9,09% TRT7 14696 69038 21,29% TRT8 9897 56721 17,45% TRT9 24985 142941 17,48% TRT10 10433 56387 18,50% TRT11 2011 25432 7,91% TRT12 7955 66229 12,01% TRT13 6672 38850 17,17% TRT14 3479 32426 10,73% TRT15 8009 215743 3,71% TRT16 7856 54468 14,42% TRT17 6418 44712 14,35% TRT18 11176 62278 17,95% TRT19 2253 25860 8,71% https://egestao.tst.jus.br/BOE/BI Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202438 TRT20 3327 26520 12,55% TRT21 2703 35164 7,69% TRT22 3077 44466 6,92% TRT23 8254 37568 21,97% TRT24 5094 35502 14,35% Total 291675 2226212 13,10% Fonte: Relatório D.03 disponível em https://novoegestao.tst.jus.br Desta mesma pesquisa, quando totalizada a quantidade de prescrições intercorrentes em relação ao total de extinções das execuções, conforme quadro abaixo, percebe-se que, quanto ao uso da prescrição intercorrente, como meio de extinção da execução na Justiça do Trabalho, nota-se um crescente aumento, tendo um incremento global de 7,63% em 2020 para 18,21% em 2022. JUSTIÇA DO TRABALHO - Classificação da sentença de extinção da execução por aplicação da prescrição intercorrente Ano Prescrição (90.442) Total (90.093) % 2020 53.788 705.155 7.63% 2021 90.288 699.856 12.90% 2022 138.036 757.612 18.21% Fonte: Relatório D.03 disponível em https://novoegestao.tst.jus.br Ressalta-se que, diante da facilidade de acesso à coleta de dados dos pesquisadores, restringiu-se a coleta de dados por unidade judiciária ao Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região - TRT21, local de exercício funcional dos mesmos. A partir desse filtro de pesquisa e, conforme dados a seguir, percebe-se que quanto ao uso da prescrição intercorrente como meio de extinção da execução Trabalhista especificamente no TRT21, há também uma curva de uso crescente, notadamente mais acentuada, tendo um incremento de 3,26% em 2020 para 12,11% em 2022. Ressaltando-se que nos 3 (três) anos pesquisados, o uso da prescrição intercorrente no TRT21 foi sempre inferior à média nacional. Ressalta-se que para buscar as razões para menor ou maior utilização tanto internamente em cada unidade judiciária como em cada um dos TRT’s faz-se necessário pesquisa qualitativa que não está inserida no escopo deste artigo, mas que pode e deve ser estudado em pesquisas posteriores. https://novoegestao.tst.jus.br/ https://novoegestao.tst.jus.br/ Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 39 TRT21 - Classificação da sentença de extinção da execução por aplicação da prescrição intercorrente ano prescrição (90.442) Total (90.093) % 2020 399 12.2573,26% 2021 574 9.889 5,80% 2022 1.621 13.385 12,11% Fonte: Relatório D.03 disponível em https://novoegestao.tst.jus.br Embora perceba-se esse crescimento, pelo quadro abaixo nota-se que ainda não há uniformidade quanto ao uso, entre 01/01/2020 a 31/01/2023, do instituto da referida prescrição nas unidades judiciárias do TRT21, existindo unidades judiciárias bem díspares quanto a utilização, a exemplo da VT de Assu/RN, com 0,24% e a 9ª VT de Natal/RN, com 22,71% de uso da prescrição intercorrente, estando ambas com alto desvio da média estadual, que foi de 7,29%, e da mediana do TRT21, que foi de 7,83%. Período 01/01/2020 a 31/01/2023 VTs Prescrição (90.442) Total (90.093) % 1ª VT NATAL 60 1.332 4,50% 2ª VT NATAL 255 2.822 9,04% 3ª VT NATAL 54 2.332 2,32% 4ª VT NATAL 32 1.446 2,21% 5ª VT NATAL 132 1.209 10,92% 6ª VT NATAL 81 1.832 4,42% 7ª VT NATAL 273 1.685 16,20% 8ª VT NATAL 51 1.275 4,00% 9ª VT NATAL 263 1.158 22,71% 10ª VT NATAL 179 1.640 10,91% 11ª VT NATAL 161 1.688 9,54% 12ª VT NATAL 81 941 8,61% https://novoegestao.tst.jus.br/ Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202440 13ª VT NATAL 17 969 1,75% 1ª VT MOSSORÓ 11 1.456 0,76% 2ª VT MOSSORÓ 115 1.643 7,06% 3ª VT MOSSORÓ 115 1.806 6,37% 4ª VT MOSSORÓ 60 1.332 4,50% VT ASSU 3 1.249 0,24% VT CAICÓ 72 692 10,40% VT CEARÁ-MIRIM 142 1.284 11.06% VT CURRAIS NOVOS 78 820 9,51% VT GOIANINHA 233 2.649 8,80% VT MACAU 122 2.315 5,27% Total 2.594 35.590 7,29% Fonte: Relatório D.03 disponível em https://novoegestao.tst.jus.br Nota-se que em todos os dados coletados há disparidade na quantificação do uso da prescrição intercorrente no mesmo período temporal. Para entender essa divergência seria necessário pesquisa qualitativa para coletar junto a magistratura trabalhista o entendimento de cada magistrado sobre o uso dessa forma de extinção. Outra possibilidade que pode ser estudada é verificar, através de ferramenta de Inteligência Artificial, a corretude entre o que está decidido na sentença de extinção e a informação estatística a ela relacionada, a fim de identificar se há incorretude na alimentação dos dados da extinção da execução. 5. CONCLUSÃO Fonte de divergências passadas, com súmulas destoantes entre STF (327, de 13 de dezembro de 1963) e TST (114, de 3 de novembro de 1980), e atuais, mesmo com a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), notadamente quanto a critérios em contraponto ao princípio de impulso oficial do juiz ao processo (artigo 765 e 878 CLT), a prescrição intercorrente passa a ter utilização crescente na Justiça do Trabalho, conforme evidenciada pela coleta dos dados exposta acima. Entretanto, não há como deixar de associar a discrepância de utilização desta forma de extinção de execução, tanto quanto comparados os TRT’s nos últimos três anos como no caso específico das unidades judiciárias do TRT21 no mesmo período, às críticas da forma como a inclusão da prescrição intercorrente na esfera trabalhista, por meio da Lei conhecida como reforma foi apressada, açodada, bem como a recomendação TST nº 3/2018, que em contraponto, enumerou procedimentos que devem ser observados em relação à prescrição intercorrente. https://novoegestao.tst.jus.br/ Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 41 Em síntese, sem adentrar na análise quanto à justiça ou equidade da utilização de um instituto que extingue um processo por inércia da parte, visando garantir a duração razoável do processo (CF/88, artigo 5º, inciso LXXVIII) em contraponto ao princípio constitucional do Acesso à justiça (que abrange que seus direitos e garantias sejam efetivamente observados) conclui-se que é crescente a utilização da prescrição intercorrente, o que pode refletir na diminuição da efetividade da plena execução Trabalhista, aliada à impossibilidade de novo acesso à justiça para pleitear mesmos direitos não efetivados. Ressalta-se, entretanto, que devido às divergências doutrinárias e jurisprudenciais, não parece razoável que, para fins estatísticos, o aumento da utilização dessa forma de extinção da execução seja medido como mesmo peso de desempenho, nem tampouco como um fator de eficiência, sendo, em princípio, um indicador que não deveria ser contabilizado de forma equivalente, ou seja, que seja posto em reflexão a possibilidade de medição com peso inferior, devido às ressalvas inerentes, sendo em contrário, privilegiadas com pesos maiores às demais formas de extinção da execução, associadas diretamente a efetividade da execução trabalhista. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. (2017). Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis n º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Disponível em: https://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm. Acesso em: 13 mai. 2023. BRASIL. Constituição de 1988, promulgada em 5 de outubro de 1988. (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Disponível em: https://www2.camara.leg.br/ legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html Acesso em: 12 mai. 2023. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. (2023). Decisão no Recurso de Revista nº 1760- 25.2011.5.03.0087, julgado em 17 de maio de 2023. Disponível em: https://jurisprudencia-backend2.tst.jus.br/rest/ documentos/83dc9ae4ede9072f534a01186d69fc2b. Acesso em: 20 mai. 2023. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução n. 221, de 21 de junho de 2018 [Instrução Normativa n. 41]. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho: caderno judiciário do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, DF, n. 2503, p. 38-40, 25 jun, 2018. BRITO, Cristiano Gomes de. A incidência da prescrição intercorrente no processo de execução. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 59, v. 233, p. 179-200, 2022. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/59/233/ril_v59_n233_p179.pdf. Acesso em: 20 mai. 2023. CHAVES, Luciano Athayde. Curso de Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2012. CHAVES, Daniela Lustoza Marques de Souza; CHAVES, Luciano Athayde. (2017). Aspectos gerais da reforma da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (Lei nº https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html https://jurisprudencia-backend2.tst.jus.br/rest/documentos/83dc9ae4ede9072f534a01186d69fc2b https://jurisprudencia-backend2.tst.jus.br/rest/documentos/83dc9ae4ede9072f534a01186d69fc2b https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/59/233/ril_v59_n233_p179.pdf Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202442 13.467/2017) no processo de execução na Justiça do Trabalho. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães; TREVISO, Marco Aurélio; FONTES, Saulo Tarcísio de Carvalho. Reforma trabalhista: visão, compreensão e crítica. São Paulo: LTr, p. 257-262. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008. MARINHO, Treicy Martins. A prescrição intercorrente na esfera trabalhista e sua releitura em face das recentes mudanças. Revista do Tribunal Regional da 10ª Região, Brasília, v. 22, n. 2, 2018. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/ handle/20.500.12178/153990/2018_marinho_treicy_pres cricao_intercorrente. pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 20 mai. 2023. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. MIESSA, Élisson. Prescrição intercorrenteno processo do trabalho após a Lei n. 13.467/2017. Revista Ltr: legislação do trabalho, São Paulo, SP, v. 81, n. 9, p. 1111-1120, set. 2017. OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Piaget, 1999. PINHEIRO, Orlando Augusto Barbosa. Prescrição intercorrente no processo do trabalho: uma análise crítica do entendimento adotado pela reforma trabalhista. 2018. 52 f. Monografia (Graduação em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2018. RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. São Paulo: Método, 2011. SCHIAVI, Mauro. Execução no processo do trabalho: de acordo com o novo CPC. (9a ed.). São Paulo: LTR, 2017. SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à Reforma Trabalhista. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 2017. SERRA, Márcia Milena Pivatto. Como utilizar elementos da estatística descritiva na jurimetria. Revista Eletrônica do Curso de Direito das Faculdades OPET. Curitiba PR Brasil. Ano IV, nº 10, jun /dez 2013. SOARES, Flaviana Rampazzo. Dos requisitos ao reconhecimento da prescrição intercorrente no novo CPC – Comentários ao recurso especial n.° 1589.753/PR. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 43, n.140, p. 399/417, jun. 2016, p. 403. TARTUCE, Flávio. Direito civil 1: Lei de introdução e parte geral. 11 ed. Rev. São Paulo: Método, 2015. TUCCI, J. R. C. e. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual : civil e penal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. (21a ed.). São Paulo: Atlas, 2021. https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/153990/2018_marinho_treicy_prescricao_intercorrente.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/153990/2018_marinho_treicy_prescricao_intercorrente.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/153990/2018_marinho_treicy_prescricao_intercorrente.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/153990/2018_marinho_treicy_prescricao_intercorrente.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/153990/2018_marinho_treicy_prescricao_intercorrente.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/153990/2018_marinho_treicy_prescricao_intercorrente.pdf?sequence=1&isAllowed=y Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 43 SOCIEDADE E ESTADO EM REDE: O DIÁLOGO NECESSÁRIO ENTRE AS PROVAS DIGITAIS E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO NO BRASIL NETWORKED SOCIETY AND STATE: THE NECESSARY DIALOGUE BETWEEN DIGITAL EVIDENCE AND FUNDAMENTAL RIGHTS IN LABOR JUSTICE IN BRAZIL Luciano Athayde Chaves1 Maria Fernanda de Araújo Duda2 RESUMO O artigo examina a presença das provas digitais, no âmbito do processo trabalhista brasileiro, e objetiva explorar como a sua utilização pode ser devidamente empregada, com ênfase nos requisitos de validade da prova digital, enquanto documento eletrônico e na consonância dessas com os demais direitos fundamentais aplicáveis ao processo, como os de personalidade, intimidade e proteção de dados pessoais. Com base em uma pesquisa bibliográfica e descritiva, o estudo analisa a teoria da sociedade em rede, desenvolvida por Manuel Castells, e as consequências advindas dessa nova conjuntura, sobretudo no que tange à remodelação do papel do Estado e do Poder Judiciário, os quais têm procurado se adaptar diante das transformações socioeconômicas decorrentes da rápida incorporação das tecnologias da informação em todos os campos da vida e em vários processos organizacionais, públicos e privados. Assim, na medida em que a instrumentalização tecnológica da sociedade foi sendo expandida, o registro dos fatos, por meio desses instrumentos, tornou-se progressivamente mais comum, gerando uma ruptura do paradigma probatório que constituía o processo judicial, em especial o do trabalho, que passou a acolher as provas digitais. Buscando aprofundar a compreensão de como esses mecanismos podem ser utilizados para proporcionar uma maior eficácia ao processo, por atenderem a uma sociedade cada vez mais conectada, uma sociedade em rede, foi possível observar que essa eficiência só pode ser obtida quando assegurados à prova digital os requisitos de sua autenticidade e integridade, bem como a devida proporcionalidade e razoabilidade com os demais direitos fundamentais que envolvem os processos judiciais, como o direito à proteção da privacidade, da intimidade e da proteção de dados pessoais. Palavras-chave: provas digitais; direitos fundamentais; processo do trabalho; sociedade em rede. ABSTRACT The article examines the presence of digital evidence, within the scope of the Brazilian labor process, and aims to explore how its use can be properly employed, with an emphasis on the validity requirements of the digital evidence, as an electronic document and on their consistency with other fundamental rights applicable to the process, such as personality, privacy and protection of personal data. Based on a bibliographic and descriptive research, the study analyzes the theory of the network society, developed by Manuel Castells, and the consequences arising from this new situation, especially with regard to the remodeling of the role of the 1 Doutor em Direito Constitucional. Professor da Graduação e do Programa de Pós- Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Magistrado do Trabalho. 2 Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202444 State and the Judiciary, which have sought to adapt to socioeconomic transformations resulting from the rapid incorporation of information technologies in all areas of life and in various organizational, public and private processes. Thus, as the technological instrumentalization of society was expanded, the recording of facts, through these instruments, became progressively more common, generating a break in the evidentiary paradigm that constituted the judicial process, especially the labor one, which started to host the digital evidence. Seeking to deepen the understanding of how these mechanisms can be used to provide greater effectiveness to the process, as they serve an increasingly connected society, a network society, it was possible to observe that this efficiency can only be obtained when ensuring the digital proof of the requirements of its authenticity and integrity, as well as due proportionality and reasonableness with the other fundamental rights involving legal proceedings, such as the right to protection of privacy, intimacy and protection of personal data. Keywords: digital evidence; fundamental rights; work process; network society. A internet é o tecido de nossas vidas. Se a tecnologia da informação é hoje o que a eletricidade foi na Era Industrial, em nossa época a internet poderia ser equiparada tanto a uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da atividade humana. Manuel Castells (2003, p. 7) “A tecnologia não é antropologicamente universal; seu funcionamento é assegurado e limitado por cosmologias particulares que vão além da mera funcionalidade e da utilidade. Assim, não há uma tecnologia única, mas uma multiplicidade de cosmotécnicas”. Yuk Hui (2020, p. 25) 1. INTRODUÇÃO A sociedade contemporânea é marcada pela crescente inserção da tecnologia nas práticas habituais, sendo diversas as atividades realizadas pelo ser humano que passaram a ser feitas através de novas ferramentas tecnológicas. Essa maleabilidade de condutas atende aoconceito da modernidade líquida defendido por Bauman (2001), que diz respeito a uma nova época na qual as relações sociais, econômicas e de produção são ágeis, fugazes e estão sempre em transformação. O conceito opõe-se ao da modernidade sólida, que, por sua vez, caracteriza-se pela rigidez e durabilidade dessas mesmas relações. Nesse cenário de rápidas mudanças, onde os acontecimentos globais se aceleram dia após dia, presenciamos o fenômeno da “compressão espaço-tempo” (Harvey, 1999), relacionado a uma globalização que acelera os processos humanos, de forma que as distâncias se encurtam na medida em que os meios de comunicação e de transporte evoluem. Mais que isso, esses fenômenos hoje precisam também ser compreendidos a partir da incorporação das novas tecnologias, em especial aquelas alusivas à comunicação e informação (TIC), que emprestaram a esse processo de mundialização novas características, que implicam grandes desafios analíticos e compreensivos, uma vez que essas mudanças estão apoiadas em fluxos de dados e informações muito velozes, que capturam a ideia de tempo, emprestando à instantaneidade um traço de normalidade em uma sociedade amplamente conectada. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 45 Essa conjuntura atinge, de forma transversal, todas as áreas de produção e do conhecimento, ainda que, como acentua Castells (1999) e Hui (2020), cuidem-se de fenômenos que se manifestam de forma bastante irregular pelo Globo, assumindo “cosmo técnicas” diferentes em cada lugar, com ampla dependência do papel que eventualmente assume o Estado e outros atores sociais importantes, mas com grande poder de penetrabilidade em todas as partes. No campo do direito, essas transformações têm demandado a criação de uma nova realidade jurídica, assim compreendida na forma de variados conjuntos de textos normativos de controle e regulação social (Nader, 2003, p. 76), mesmo porque - como expressa o conhecido brocardo jurídico - onde está a sociedade há de estar o direito, com suas regras e seus meios de emprestar validade a comportamentos e de dar procedimentalidade e autoridade à resolução de conflitos. Logo, acompanhar a reestruturação social é um desafio que se coloca ao profissional e intérprete dessa área, haja vista a complexidade da revolução tecnológica ensejar novos tipos de organizações, como administrativas, financeiras e trabalhistas. No tocante à esfera processual, a internet fundou uma nova principiologia orientada pelo princípio da conexão, que rompe a separação rígida entre o mundo do processo judicial e o das relações sociais. Com a inserção dos autos no meio eletrônico, o processo deixa de ser linear, materializado em folhas de papel, ou mesmo simplesmente digitalizado para uma forma eletrônica, e passa a estar em rede. Por conseguinte, novos dados e novas formas de transmitir informações para o ambiente processual sobrevivem, como é o caso das provas digitais. Com a transferência crescente das relações para o ambiente virtual, o registro dos fatos, por exemplo, encontra amparo cada vez maior nos suportes eletrônicos, o que gera uma gradual ruptura do paradigma probatório anterior. Partindo desse panorama, o presente trabalho tem por objetivo estudar alguns aspectos relevantes do uso e da produção das provas digitais no âmbito do processo trabalhista e analisar como esses instrumentos, quando utilizados em consonância com os direitos fundamentais, podem proporcionar uma maior eficácia ao processo, já que atendem a uma sociedade cada vez mais conectada. Para alcançar tais propósitos, será utilizado o método de abordagem descritivo (Gil, 2008), com aplicação dos instrumentos de investigação bibliográfica e documental, esta última não se resumindo à legislação trabalhista e comum, mas também às decisões de tribunais brasileiros, estas tomadas como fontes de evidência do objeto de investigação. O tema abordado mostra relevância analítica, dentre outros fatores, em razão da crescente inserção das relações sociais no cenário tecnológico, e pela forma como essa mudança atingiu as mais diversas organizações, até mesmo o próprio Estado. A partir dessa nova estrutura, muitas outras possibilidades de se alcançar maior grau de certeza dentro do processo judicial foram descobertas, o que suscita a necessidade de entender como esses novos mecanismos devem ser utilizados. Deste modo, a fim de se atingir o itinerário traçado na investigação, será estudada, inicialmente, a teoria da sociedade em rede, de Manuel Castells, que se refere a uma nova forma de organização social e produtiva, onde as relações interpessoais e a cultura passam a ocorrer em um novo espaço, estruturado em redes de informação. Neste prisma, será analisado também Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202446 como o Estado, e, em particular, o Poder Judiciário, vem se ajustando a essas mudanças, tanto no que se refere à adoção de ferramentas tecnológicas para instrumentalizar-se em meio à globalização, quanto à regulamentação desses instrumentos. Posteriormente, explora-se o conceito de provas digitais e de documento eletrônico, a sua natureza jurídica e as bases legais que as disciplinam, em especial no contexto da ordem jurídica brasileira. Além disso, serão analisados também os requisitos de validade e os critérios para a admissão dessas no curso do processo, haja vista a sua aplicabilidade não ser irrestrita e precisar necessariamente dialogar com os direitos fundamentais aplicáveis ao campo do Direito e do processo, além de possuir os requisitos necessários para atestar sua veracidade e confiabilidade. Na sequência, será estudada a inserção das ferramentas digitais na seara trabalhista e como esses mecanismos podem ser úteis à prestação jurisdicional. Para tanto, serão explorados alguns recursos utilizados na produção das provas digitais, como a geolocalização, as redes sociais e as gravações telefônicas, a fim de compreender como estes podem auxiliar não apenas o trabalho do julgador e dos causídicos, mas também a investigação no ambiente forense. Ao final, serão apresentadas algumas notas conclusivas. 2. A SOCIEDADE E O ESTADO EM REDE A palavra rede deriva do latim redis, que quer dizer trama ou conjunto de fios entrelaçados. Qualquer fenômeno que manifeste a ocorrência de interligação de seus membros pode ser chamado de rede, e essa complexidade se verifica não somente no mundo digital, mas também no metabolismo celular, nas estruturas cerebrais, na economia, na política, e em tantos outros tipos de articulação entre indivíduos, organizações, cidades ou países. Por essa razão, Habermas (2001, p. 84) afirma que o vocábulo “rede” se tornou uma palavra-chave, podendo abranger desde vias de transporte para bens e pessoas até o processamento eletrônico de informações. Por seu turno, o uso desse conceito no estudo de fenômenos sociais já ocorre há bastante tempo. Para a psicologia e a antropologia, por exemplo, o termo vem sendo aplicado há muito como instrumento de análise das relações construídas pelos indivíduos, estruturadas por inúmeras redes de relacionamento pessoal e organizacional de diversas áreas (Marques, 1999, p. 5). Da compreensão desses campos de estudo, é possível aferir as particularidades de um determinado sistema social, como os principais atores que o sustentam, os grupos incluídos e excluídos, os fatores de conectividade e as naturezas das múltiplas interações (Scherer-Warren, 1997, p. 27). Para Castells (1999, p. 499), rede é um conjunto de nós conectados que podem se expandir de forma ilimitada, integrando novos nós, desde que consigam se comunicar utilizando os mesmos códigos. Esse autor foi o responsável por criar o conceito de “sociedade em rede”,amplamente utilizado em diversos campos do conhecimento, como a sociologia, filosofia, informática e direito. Segundo ele, com a evolução tecnológica, que marcou o início da era da informação, houve uma reconfiguração social que alterou, por si só, as dinâmicas de poder, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 47 economia e cultura antes existentes. Sob esta ótica, a revolução vivenciada nas últimas décadas caracteriza-se por uma penetrabilidade, ou seja, por sua penetração em todos os domínios da atividade humana, como o tecido em que essa atividade é exercida. E é justamente por essa característica que, embora a forma de organização social em redes tenha existido em outros tempos e espaços, é na contemporaneidade que se intensifica, uma vez que possui base material para expandir-se de forma profunda em toda a estrutura social (Castells, 1999, p. 24). Essa expansão é criada mediante uma linguagem digital comum, na qual a informação é gerada, armazenada, processada e transmitida. Em vista disso, a transformação ocasionada pela tecnologia não se restringe às formas de produção, tampouco às relações sociais, pois afeta toda a cultura e a dinâmica do poder em uma coletividade. O que antes era exposto por meio de fontes históricas e geográficas, passa a ser feito pelas redes de comunicação eletrônica, que criam uma diversidade de códigos e valores. Com a informação circulando predominantemente neste novo espaço, Castells (1999, p. 572) adverte que o Estado precisa se adaptar a essas novas dimensões, que não são mais fixas e estanques, ao contrário, reduzem-se ou ampliam-se no ritmo dos fluxos de comunicação. Por conseguinte, tal conjuntura remodela o antigo papel que os entes estatais possuíam no contexto das sociedades, a exemplo daquele existente nos primórdios do capitalismo industrial, constituído, em suma, pelas classes burguesa e operária, no qual o Estado detinha exclusivamente a função de garantir os contratos de trabalho e de comércio. Para além deste, o modelo seguido pelas oligarquias e trabalhadores rurais também difere-se bastante, já que, nesse período, o ente em tela fora protagonista do desenvolvimento industrial. Em contraste a essa realidade conhecida e tradicional, a vasta gama de atores sociais e mecanismos de comunicação existentes hoje sinaliza para a incompatibilidade com uma estrutura governamental rígida e centralizada, na qual os processos de decisão são pouco visíveis e controláveis pelos cidadãos. Trata-se de um novo contexto relacional, no qual o anterior nexo vertical pautado entre o poder público e o povo, baseado na regulação e subordinação, é confrontado. Nesse cenário, são fomentadas as relações horizontais que privilegiam a diversidade e o diálogo, o que altera significativamente as fronteiras que antes separavam esses dois setores (Evans, 1996, p. 1130). De tal forma, fomenta-se uma forma própria ou diferente de democracia, uma vez que o acesso à justiça é impulsionado pelo novo papel que o Estado possui em sociedade. É a chamada “democracia digital”, que concebe a relação Estado-sociedade a partir de um novo prisma, passando, na perspectiva off-line, de um modelo com maior preponderância do governo, para uma visão online em que a sociedade teria maior protagonismo e capacidade de influenciar no ciclo das políticas públicas (Dias; Sano; Medeiros, 2019, p. 23). Portanto, enquanto na modernidade sólida o Estado possuía a habilidade de domar o espaço - pela colonização do território - e o tempo, pela neutralização do seu dinamismo (Bauman, 2001, p. 257), na conjuntura atual dos fluxos globais de dados essa característica é superada, tendo em vista que tais fluxos possuem tempo e espaço próprios: o instantâneo e o comprimido, respectivamente. De tal forma, conforme defende Van Creveld (2004, p. 540), o desenvolvimento do Estado está intimamente relacionado à ascensão da tecnologia, dada a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202448 dependência deste quanto aos meios de produção para impor o seu poder. Nesse panorama, não apenas o ente estatal em si, como também as instituições e os agentes públicos que o integram encontram-se permeados pela conjuntura atual da sociedade em rede3. Seja na via legislativa, executiva ou judiciária, o fato é que esses setores jamais poderiam estar alheios à transformação social que vem atrelada ao uso dos novos recursos tecnológicos, até mesmo porque o seu próprio funcionamento é otimizado por essa realidade digital. Neste passo, no âmbito dos estudos de governança pública, fala-se na “maturidade digital” dos governos, como um relevante fator para garantir a continuidade de políticas públicas bem- sucedidas, estando a informatização dos procedimentos públicos inserida, necessariamente, no modelo contemporâneo de adequada governança. No que diz respeito ao Poder Judiciário, este já mostra ter recepcionado diversas iniciativas de modernização ao longo dos últimos anos. Como apontam Sousa e Guimarães (2014, p. 321-344), as inovações voltadas para esse setor incluem novos métodos, arranjos estruturais e processos de trabalho que auxiliam na eficiência da prestação jurisdicional. Tais mudanças surgem desde meados dos anos 90, a exemplo do primeiro portal virtual lançado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 1996, que posteriormente contou com a implementação de um sistema automático de envio de publicações (sistema push), em 1998. Nos anos seguintes, as soluções tecnológicas foram surgindo de forma gradual e constante. Em 2006, a informatização dos processos judiciais passou a ser disciplinada pela Lei 11.419/2006, que implementou o Processo Judicial Eletrônico (PJe), considerado um marco para a atual estrutura processual vivenciada no Brasil. Esse sistema tornou-se elementar no uso de novas tecnologias a serviço da eficiência jurisdicional, aprimorando a padronização de atos jurídicos e o acompanhamento do trâmite processual. Para além disso, transformou todo o paradigma de quem vivenciava o processo físico, de forma a atingir, vigorosamente, o cotidiano de magistrados, servidores, advogados e partes, estes últimos obtendo um acesso à justiça fortemente mais amplo que o anterior, haja vista a obtenção de informações online se dar de maneira muito mais simplificada do que quando se depende da locomoção física. Para além do PJe, em 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por intermédio da Resolução Administrativa nº 345, instituiu a criação do Juízo 100% Digital, por meio do qual, no ato de processamento do feito, a parte e o seu advogado podem optar por um processo exclusivamente eletrônico. Esse sistema compreende a possibilidade do cidadão valer-se da tecnologia para acessar a Justiça sem precisar comparecer fisicamente aos tribunais, e foi implementado com o objetivo de aumentar a celeridade processual, bem como viabilizar o princípio constitucional do amplo acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). Além disso, desde janeiro de 2021, está em implementação nos órgãos do judiciário brasileiro o Programa “Justiça 4.0”, desenvolvido pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Conselho da Justiça Federal (CJF). Essa política do Conselho busca aprimorar a atividade jurídica mediante a disponibilização de novas 3 Em sua obra, Castells (1999, p. 566) cita como exemplos marcantes da nova estrutura social o teletrabalho, o comércio eletrônico (telecompras), os serviços de saúde online e a educação, principalmente as universidades Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 49 tecnologias e inteligência artificial, a fim de obter serviços mais rápidos,eficazes e acessíveis. Como exemplo das soluções digitais promovidas, tem-se o Balcão Virtual, a Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro (PDPJ-Br) e o Sistema Nacional de Gestão de Bens (SNGB)4. Ressalta-se, ainda, que o caminho percorrido pelo Poder Judiciário, no tocante a consumação de serviços tecnológicos, sofreu grande impulso no contexto da crise sanitária do Coronavírus, a partir de março de 2020. Esse período demandou uma rápida adaptação de todas as áreas ao exercício de suas funções de maneira remota, por meio da rede de computadores. De tal forma, essa necessidade urgente colocou em evidência a importância e a utilidade destas ferramentas, responsáveis por garantir a continuidade de muitos setores e serviços essenciais no campo da administração da justiça. Ao passo que a instrumentalização tecnológica dos atores do direito foi sendo realizada, também se fez por necessário regulamentar a utilização desses mecanismos. Tal necessidade mostrou-se fundamental, haja vista a inserção da sociedade em um novo meio - virtual - ensejar novos riscos e ameaças às ga- rantias constitucionais, como é o caso da livre circulação de dados pessoais na Internet, que afronta os direitos fundamentais de intimidade e privacidade, consagrados pela Constituição Federal (art. 5º, X). Com a intenção de disciplinar a situação, foram editadas as Leis nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais — LGPD). A primeira é responsável por disciplinar o uso da internet no Brasil, por meio da previsão de direitos, garantias e deveres, além de princípios que tornam o ambiente digital mais seguro e democrático. A criação do referido texto normativo se deu justamente pela necessidade de regularizar esse ambiente, haja vista a inexistência de diretrizes específicas anteriores. Com essa normatização, diversos aspectos importantes da vida social e econômica entrelaçados pelas tecnologias da informação passaram a ter o devido respaldo legal, como o direito de acesso à rede, a liberdade de expressão nos meios virtuais e os deveres dos provedores de internet. Já a LGPD, no que lhe concerne, é o resultado de uma sociedade inserida no meio digital, que precisou se atentar para a forma como os dados de usuários são coletados e tratados5. De tal maneira, consolidou-se como um grande avanço legislativo brasileiro em termos de proteção da informação que circula na web, regulamentando o tratamento de dados pessoais, nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado. Possui como objetivo a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Outrossim, também determina penalidades para o descumprimento das condições por ela estabelecidas, que vão desde a aplicação de multas até a proibição da atividade de tratamento dos dados. 4 Conforme disposição no portal do CNJ, o Balcão Virtual é uma ferramenta que disponibiliza o atendimento remoto direto e imediato dos usuários dos serviços da Justiça às secretarias das Varas em todo o país. Já a PDPJ-Br tem por objetivo modernizar a plataforma do PJe e transformá-la em um sistema multisserviço que permita aos tribunais fazer adequações conforme suas necessidades e garantir a unificação do trâmite processual no país. O SNGP, por sua vez, é uma ferramenta que aprimora a política de gestão de bens judicializados e oferece um maior controle da tramitação judicial desses bens para evitar depreciações, perecimentos e extravios. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/. 5 Sob a mesma necessidade foi publicado, em 2018, o General Data Protection Regulation (GDPR), pelo Parlamento Europeu, que estabelece regras sobre a privacidade e proteção de dados de cidadãos da União Europeia. http://www.cnj.jus.br/tecnologia-da-informacao-e-comunicacao/justica-4-0/ Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202450 De tal maneira, a edição desses textos normativos representa uma evolução nas fronteiras regulatórias do tema no país, não somente no que se refere à transição para o ambiente digital, mas também à necessária atenção à questão da segurança jurídica dos atos e processos que ocorrem nesse meio. Assim, vale-se de um importante aporte normativo para proceder com a devida utilização dos mecanismos oriundos do contexto tecnológico. Dessa forma, todo esse cenário compreensivo fornece uma ancoragem analítica necessária para a discussão das mudanças no campo do Direito Processual, em particular no campo probatório, progressivamente tocado por todas essas transformações sociais e regulatórias. Longe de se constituir fenômeno isolado ou raro, a presença transversal das novas tecnologias e de seus efeitos na vida cotidiana tem, cada dia mais, produzido efeitos na forma como as interações sociais são realizadas, registradas, documentadas e apresentadas como fontes de evidência em processos judiciais. A Justiça, sob esse ponto de vista, tornou-se fortemente impactada por esses processos informacionais, de que são exemplos as provas digitais. 3. PROVAS DIGITAIS A incursão no universo temático das provas digitais reclama um passo inicial: compreender o conceito de prova por si só. Como ensina Nucci (2009, p. 15), a prova é a demonstração lógica da realidade, no processo, por meio dos instrumentos legalmente previstos, buscando gerar a certeza em relação aos fatos alegados. Assim, por meio da reconstituição dos fatos, que dizem respeito a eventos passados, poderá o magistrado formar a sua convicção quanto ao julgamento, embasando-se no conjunto probatório produzido nos autos do processo, de forma a cumprir a exigência constitucional de fundamentação das decisões (art. 93, IX da Constituição Federal). De tal forma, provar é, portanto, o ato de evidenciar a verdade sobre determinado acontecimento. E esse ato apoia-se em diversas regras procedimentais, as quais, como assinalam Marinoni e Arenhart (2011, p. 49), objetivam oferecer legitimação à construção da verdade processual que se refletirá nas decisões do Poder Judiciário. No tocante à prova digital, Thamay e Tamer (2020, p. 33) a conceituam como sendo “o instrumento jurídico vocacionado a demonstrar a ocorrência ou não de determinado fato e suas circunstâncias, tendo ele ocorrido total ou parcialmente em meios digitais ou, se fora deles, esses sirvam como instrumento para sua demonstração”. Logo, compreende-se como prova digital o mecanismo que, da mesma forma, busca evidenciar algum fato, mas difere-se no que diz respeito ao meio material em que é consubstanciado - o digital. Assim, verifica-se que o que muda é o suporte, mas não a finalidade. Enquanto a prova tradicional se dá por meio físico, a digital é constituída por unidades de informação, denominadas bits6. Para além disso, deve ser ressaltado que o novo Código de Processo Civil, ao trazer a prova digital na seção intitulada “Dos Documentos Eletrônicos”, conferiu àquela a natureza jurídica documental. De tal forma, importa salientar que o conceito jurídico-processual de “documento” não mais se limita a algo materializado na escrita em papel, mas configura-se como toda base materialmente disposta a 6 O termo bit, que é proveniente das palavras dígito binário, ou “BInary digiT”, é a menor unidade de medida de transmissão de dados usada na computação e informática. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/programacao/227-o-que-e-bit-. htm Acesso em: 22/04/2023. http://www.tecmundo.com.br/programacao/227-o-que-e-bit- Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 51 concentrar um pensamento, uma ideia ou qualquer manifestação de vontade do ser humano, o que pode ser feito através da escrita, de sinais,gráficos ou símbolos (Nucci, 2009, p. 123). Complementa Taruffo (2014, p.73) essa definição, afirmando que, de forma geral, documento é qualquer coisa que represente um fato, independente da natureza da coisa que tenha essa função. Com efeito, o documento é, portanto, qualquer suporte físico ou eletrônico em que um fato e suas circunstâncias estão registrados. Por seu turno, o documento eletrônico encontra definição no glossário publicado pela Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos (CTDE), como sendo “informação registrada, codificada em forma analógica ou em dígitos binários, acessível por meio de um equipamento eletrônico”. São exemplos desse tipo de documento os vídeos, fotografias, áudios e e-mails produzidos por meio da técnica digital. Assim, para Thamay e Tamer (2020, p. 118-122), documento eletrônico é aquele produzido, autenticado, armazenado e transmitido em suporte eletrónico na sua forma original. Importante atentar para a distinção deste com o documento digitalizado, o qual inicialmente fora produzido em meio físico e depois transportado, por meio da digitalização, para suporte eletrônico. Além das definições acerca do que são as provas digitais, deve-se verificar, também, os fundamentos legais que as permeiam. O Código de Processo Civil autoriza as partes a empregarem todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, para provar a “verdade dos fatos” em que se funda o pedido ou a defesa e influir com eficácia na convicção do juiz (art. 369 do CPC). Além disso, em seu art. 370, dispõe que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”. De outro lado, o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), já mencionado na seção anterior, estabelece que “a parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet” (artigo 7º, III, c/c 22 da Lei nº 12.965/2014). Além disso, também assegura a imperatividade da disponibilização dos registros e dados pessoais armazenados nos provedores de conexão e de acesso a aplicações de internet por ordem judicial (art. 10 da Lei nº 12.965/2014). No mesmo sentido, a LGPD, ao tratar das hipóteses em que se admite o tratamento de dados pessoais, apresenta, em seu art. 7º, VI, a possibilidade deste ser realizado para o exercício regular de direitos em processo judicial. Isto porque, embora em uso processual, o sigilo das informações e dos dados recebidos resta assegurado, uma vez que a lei garante a preservação da intimidade da vida privada, da honra e da imagem do titular de dados pessoais (art. 23 da Lei nº 12.965/2014 e art. 2º, I e III, da LGPD). Noutro giro, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também estabelece, em seu art. 765, que “os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas”, permissão legal, portanto, para que o juiz possa ajustar a condução ou gerenciamento processual de acordo com as peculiaridades da causa e, também, com a atualidade das técnicas procedimentais. Dessa forma, percebe-se que não há óbice legal para o Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202452 emprego das provas digitais no processo judicial brasileiro, haja vista estarem amparadas por diversas normativas legais. No entanto, faz-se necessário atentar para a validade e confiabilidade que devem possuir para a sua devida aceitação em juízo, além da consonância com os direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal, temas que serão tratados nos próximos tópicos. 3.1. Requisitos de validade da Prova Digital Sendo o documento eletrônico qualquer informação obtida por meio não material (no sentido tradicional, cartular ou físico), a sua aceitação como fonte de evidência ou probatória poderia ser compreendida como algo processualmente inseguro. No panorama de fáceis manipulações digitais, destaca Nascimento (2020, p. 117) que a utilização processual de dados provenientes da internet fica suscetível a indagações quanto a sua veracidade, legitimidade e confiabilidade, elementos necessários ao devido valor probatório que se admite em juízo. Por isso, essa autora sustenta que a parte que utiliza desse tipo de prova tem o prévio dever de averiguar a sua procedência e integridade, tendo em vista o compromisso processual de agir com boa-fé (art. 5º, CPC). Sobre o mesmo tema, entendem Marinoni e Arenhart (2020, p. 64) que a confiabilidade da prova documental se fixa na estabilidade do suporte em que a informação é registrada. Não à toa o documento original possui maior força probante do que a simples cópia, a menos que seja certificada a “conformidade entre a cópia e o original” (art. 424 do CPC). O problema se dá quando o suporte em que as provas digitais são produzidas é passível de alteração sem grandes esforços, como uma fotografia que pode ser editada em simples aplicativos, ou até mesmo informações divulgadas na internet que não passam de fake news. Em vista disso, para que se possa obter a devida segurança jurídica das provas a serem utilizadas, é preciso atender a duas premissas básicas, expressamente previstas no art. 195 do Código de Processo Civil, para o registro de atos processuais eletrônicos: a autenticidade do documento e a integralidade das informações. Para Thamay e Tamer (2020, p.40), a autenticidade deve ser entendida como a qualidade da prova digital que permite a certeza com relação ao autor ou autores do fato digital. No caso dos documentos eletrônicos, estes foram regulamentados pelo art. 10 da Medida Provisória 2.200/2001.77 Portanto, quando a assinatura eletrônica for certificada, em conformidade com as diretrizes da ICP-Brasil – Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira, o documento se presume autêntico. Os demais documentos poderão ser utilizados, desde que as partes concordem com a 7 Para uma melhor compreensão da discussão, transcrevem-se os dispositivos de interesse: “Art.10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória. §1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei no 3.071, de 1 de janeiro de 1916 - Código Civil. § 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento” (BRASIL, 2001). Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 53 sua utilização, conforme o § 2º da Medida Provisória citada. Em relação à integridade da prova, esta se faz necessária para que se verifique a certeza quanto à sua completude e não adulteração. De tal forma, é um atributo que diz respeito à inexistência de sinais de alteração ou mutilação, de modo a afastar a consideração de vício ou falsidade (Mittermaier, 2006, p. 336 e 345-6). Assim sendo, será considerada íntegra a prova digital que se apresentar isenta de qualquer modificação, desde o momento da realização do fato até a apresentação do seu resultado em juízo. Uma das formas de se garantir a integridade documental consiste na elaboração da ata notarial (art. 384, CPC), envolvendo o registro, perante um tabelião, de umaprova digital, como um vídeo, um áudio ou mesmo um registro textual colhido em meio digital. Trata-se de instrumento público, por meio do qual o tabelião certifica a ocorrência de determinado fato por ele presenciado, com a finalidade de se atestar a sua veracidade e servindo como meio de prova, inclusive para as digitais (art. 384,§ 1º do CPC). Nessa ótica, para além das formalidades mencionadas, o acolhimento da prova digital também depende da harmonia desta com os preceitos constitucionais atinentes à proteção de dados pessoais, à privacidade e à intimidade, por exemplo. Não raramente, a produção desse tipo de prova se dá de forma ilimitada e em desrespeito aos mencionados direitos dos titulares de dados pessoais, o que enseja o correto diálogo e ponderação entre essas garantias, tema que será abordado a seguir. 3.2. Critérios de admissibilidade e diálogo com os direitos fundamentais A discussão apresentada até aqui permite observar que algumas formalidades devem ser atendidas para a segura utilização das provas digitais no processo. Contudo, para além desses aspectos formais e procedimentais, também constitui uma necessidade essencial a presença da consonância do instrumento probatório com os direitos fundamentais que permeiam o tipo de prova que está sendo produzida, como é o caso da proteção dos dados pessoais das partes. Tal medida é crucial uma vez que, em muitas situações, o emprego de ferramentas digitais para a obtenção desses dados pode invadir a esfera da privacidade e intimidade do sujeito em tela, principalmente porque a ordem jurídica protege não apenas dados pessoais, mas também dados sensíveis das pessoas naturais. Isso ocorre, em muitos casos, quando a utilização da ferramenta se dá de forma ilimitada e desproporcional ao que é necessário à controvérsia processual. Exemplo disso acontece na condição em que é fornecida a geolocalização irrestrita do trabalhador para comprovar a sua eventual permanência na empresa, nos casos em que se pleiteia o pagamento de hora extra. Nessa situação, não há a necessidade de divulgação de dados que representem horários além daqueles em discussão no litígio. No entanto, o que pode se verificar em tal conjuntura é a carência de um juízo de ponderação de valores, a fim de se assegurar a proporcionalidade entre o exercício de ambos os direitos na situação concreta, quais sejam o de produção da prova digital (art. 422 do CPC) e os de personalidade da pessoa envolvida (art. 5º, inciso X, da CF). Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202454 Sob esta ótica, é possível perceber a concretização dessa metodologia de aplicação do Direito em diversos julgamentos de Tribunais do Trabalho brasileiros, que refletem essa preocupação para que a produção endoprocessual de provas digitais seja feita dentro da moldura constitucional. Ilustram esse processo de concretização de direitos fundamentais os seguintes julgados, com destaques acrescidos: MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO INTERNO. PROVA DIGITAL DE GEOLOCALIZAÇÃO. Não se olvida que, dentro de seu poder instrutório, o juiz pode determinar a produção de prova digital de geolocalização visando a busca da verdade real. Uma vez que essa prova atinge a esfera da vida privada das pessoas, essa persecução deve observar certos limites legais e constitucionais, especialmente os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, a partir de um juízo de ponderação dos valores envolvidos, visando a adequação axiológica e finalística da atuação jurisdicional. Cabe, portanto, ao juiz sopesar a sua real necessidade frente aos demais meios de prova disponibilizados às partes pela legislação processual (TRT da 18ª Região. Mandado de Segurança nº 0010305- 51.2022.5.18.0000, Relator:Silene Aparecida Coelho, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 22/08/2022) DADOS DE GEOLOCALIZAÇÃO. REQUISIÇÃO. OFENSA AO DIREITO AO SIGILO TELEMÁTICO E À PRIVACIDADE. Embora a prova digital da geolocalização possa ser admitida em determinados casos, ofende direito líquido e certo ao sigilo telemático e à privacidade, a decisão que determina a requisição de dados sobre horários, lugares, posições da impetrante, durante largo período de tempo, vinte e quatro horas por dia, com o objetivo de suprir prova da jornada a qual deveria ser trazida aos autos pela empresa. Inteligência dos incisos X e XII do art. 5º da CR. (TRT da 3ª. Região. Mandado de Segurança nº 011155-59.2021.5.03.0000. Rel. Marco Antônio Paulinelli Carvalho, Data de Julgamento: 27/10/2021, 1a Seção de Dissídios Individuais, Data de Publicação: 04/11/2021). Portanto, embora exista uma vasta gama de fontes normativas que envolvam a possibilidade da produção probatória digital, a sua aplicabilidade não é irrestrita e deve atender a determinados preceitos, sob pena de violação do tecido normativo de proteção dos direitos fundamentais, que também deve ser observado na dinâmica da produção de atos probatórios. De tal forma, para que as provas digitais sejam admitidas, é importante que o magistrado instrutor analise, pondere e considere se há outro meio lícito de provar o fato (necessidade); estime a lealdade e a boa fé da parte que pretende se utilizar da prova; avalie se o fato pode ser comprovado daquela maneira (utilidade); constate se houve a preservação da dignidade da pessoa humana e dos demais direitos fundamentais aplicáveis a essa atividade, e se foi atendido o interesse público na produção daquela prova. Ademais, também é necessário que seja adotada a máxima da proporcionalidade como um método eficaz para solucionar a colisão entre princípios fundamentais quando da produção da prova, especialmente porque, na sociedade informacional, há uma tendência de alocação de uma quantidade inimaginável de dados pessoais e sensíveis em ambientes digitais, como ocorre com os arquivos em nuvem8. 8 Computação em nuvem (em inglês, cloud computing) é um termo coloquial para a disponibilidade sob demanda de recursos Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 55 Isto posto, uma vez acatada a referida metodologia de razoabilidade e proporcionalidade entre os direitos fundamentais que integram a seara da produção da prova digital, em princípio não há óbice para sua utilização, sendo mecanismos de imenso valor probatório à instrução processual. 4. ALGUMAS PROVAS DIGITAIS NO PROCESSO DO TRABALHO E SEUS DESAFIOS No tocante às relações de trabalho, é muito difícil não se deparar com ferramentas digitais envolvidas nos seus processos e fluxos organizacionais. A instrumentalização tecnológica se faz presente desde o uso preponderante de documentos eletrônicos no cotidiano trabalhista - como folhas de ponto e termos de rescisões digitais - até a própria adoção de aplicativos eletrônicos, como a Carteira de Trabalho Digital9. O que também se percebe é o crescente uso das redes sociais e outras ferramentas de interação laboral e social, ambiente que não apenas é espaço para registro de informações, mas no qual também se pode praticar violações à ordem jurídica, como assédio moral, sexual, dentre outras formas de violência no trabalho, censuradas pela Convenção nº 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Frente a esse mundo em transformação, a Justiça do Trabalho , enquanto segmento do Poder Judiciário brasileiro que lida com as matérias inerentes ao trabalho e suas relações, tem se mostrado alinhada com a preocupação de aplicar e reconhecer a utilização dos meios eletrônicos no âmbito processual. Esse perfil organizacional foi, até mesmo, responsável por assumir o uso das provas digitais em forma de um projeto institucional, o projeto “Provas Digitais”10. Tal projeto diz respeito à uma ação contínua de formação e especialização de magistrados e servidores da Justiça do Trabalho no tocante à utilizaçãodas provas digitais no âmbito do processo trabalhista brasileiro, com o objetivo de explorar como sua utilização pode ser adequadamente empregada; o uso de linguagem simples, mais acessível, clara e inclusiva, de modo a permitir que o cidadão médio compreenda a produção jurídica; a análise da situação de desemprego, que leva indivíduos à condição de rua, e o impacto do desemprego; a investigação sobre a interpretação do artigo 7º, inciso XXVII, da Constituição Federal, diante das ameaças às relações de trabalho provocadas pela “Indústria 4.0”; e a análise do processo de saúde e adoecimento mental de secretários de audiência do Judiciário Trabalhista da Paraíba, que acompanham os juízes. A Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região também é meio de divulgação da jurisprudência do Tribunal, por suas Turmas e Tribunal Pleno, sendo feito convite amplo para que sejam apresentadas, dentro do prazo estabelecido, as decisões a serem publicadas. Assim, ela traz os acórdãos selecionados por seus Relatores, o que possibilita a consulta, análise e compreensão do pensamento da Corte. Completando o perfil do pensamento judicial no âmbito deste Tribunal há a publicação de sentenças igualmente indicadas pelas Julgadoras e Julgadores que as proferiram. Desejamos que tenham uma leitura enriquecedora, pela possibilidade de que os textos ora apresentados despertem reflexões críticas e novas proposições jurídicas sobre a justiça social no Brasil Desembargadora Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro Diretora da Escola Judicial - EJud21 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202410 ARTIGOS DOUTRINÁRIOS ARTIGOS DOUTRINÁRIOS Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202412 DIAGNÓSTICO DO TRABALHO EMOCIONAL NO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO DIAGNOSIS OF EMOTIONAL LABOR IN 21st BRAZILIAN REGIONAL LABOR COURT Larissa Cunha Dantas1 Cynara Carvalho de Abreu2 RESUMO O trabalho emocional é definido como o esforço dos trabalhadores em expressar emoções adequadas no ambiente laboral, de modo a atender às normas implícitas de conduta e comportamento da organização ou atividade profissional. A necessidade de compreender os impactos pessoais e organizacionais do esforço de regulação emocional dos trabalhadores nas organizações tem se afirmado como tópico relevante nas discussões científicas. Através da aplicação a servidores e magistrados de questionário eletrônico desenvolvido a partir da Escala de Trabalho Emocional (ETE-Br) (Silva; Gondim, 2019), versão brasileira da Emotional Labour Scale (Brotheridge; Lee, 2003), e sua correlação com a bibliografia científica e peculiaridades do trabalho no Poder Judiciário brasileiro, esta pesquisa promoveu um diagnóstico organizacional do trabalho emocional no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT21). Os dados coletados confirmaram a presença do construto trabalho emocional no TRT21, em suas três facetas - demandas emocionais de trabalho (DET) e estratégias de regulação emocional, nas dimensões de ação superficial (EAS) e ação profunda (EAP), com maior intensidade nos servidores da área judiciária, que trabalham com atendimento ao público e em contato direto com autoridades, e sua correlação com os resultados das pesquisas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que apontam piora na saúde física, mental e emocional de servidores e magistrados após o retorno das atividades presenciais após a pandemia de COVID-19. Palavras-chave: trabalho emocional; psicologia do trabalho; poder judiciário brasileiro; psicologia organizacional; tribunal federal. ABSTRACT Emotional labor is the effort of workers to express appropriate emotions in the work environment, to comply with the rules of conduct and behavior in organization or professional activity. Understanding the personal and organizational impacts of workers’ emotional regulation efforts in organizations has emerged as a relevant topic in scientific discussions. Through applying an electronic questionnaire to public servers and magistrates, developed from “Escala de Trabalho Emocional” (ETE-Br) (Silva; Gondim, 2019), brazilian version of the Emotional Labor Scale (Brotheridge; Lee, 2003), and its correlation with the scientific bibliography and peculiarities of work in the Brazilian Justiciary, this research promote an organizational diagnosis of emotional labor within the scope of a Regional Labor Court (Tribunal 1 Engenheira civil e bacharel em Direito. Analista judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Mestra em Gestão de Processos Institucionais/UFRN. 2 Psicóloga, Mestra em Administração, Doutora em Educação, docente do Departamento de Psicologia/UFRN, docente permanente do Programa de Pós-graduação em Gestão de Processos Institucionais/UFRN. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 13 Regional do Trabalho da 21ª Região - TRT21). The data collected confirmed the presence of the emotional labor in TRT21, in its three facets - emotional work demands (DET) and emotional regulation strategies, in the dimensions of superficial action (EAS) and deep action (EAP), with greater intensity in the public servers in the judicial area or in direct contact with public and authorities, and its correlation with the results of research by the National Council of Justice (Conselho Nacional de Justiça - CNJ), which indicate a worsening in the physical, mental and emotional health of civil servants and magistrates after the return of in-person activities after the COVID-19 pandemic. Keywords: emotional labor; labor psychology; brazilian justiciary; organizational psychology; federal law court. 1. INTRODUÇÃO Historicamente, o desenvolvimento profissional está ligado ao aprimoramento de competências meramente instrumentais. Para o mercado de trabalho, o bom profissional é aquele que “sabe fazer” com perfeição, produtividade e eficiência. Mais recentemente, no entanto, cresceu a importância do desenvolvimento das competências socioemocionais (soft skills), voltadas ao aprimoramento dos relacionamentos interpessoais no trabalho e suas repercussões para o resultado das organizações, sendo a mais conhecida delas a inteligência emocional, definida como a capacidade de identificar e gerenciar sentimentos e emoções próprios no contexto dos relacionamentos interpessoais (Goleman, 2001). Os estudos mais modernos sobre o tema demonstram que, para alcançar um bom desempenho profissional nas organizações, não basta apenas ter conhecimentos técnicos, as organizações buscam trabalhadores que detenham a capacidade de perceber e regular as emoções no ambiente laboral, através da habilidade de identificar, compreender, exprimir, gerir e, principalmente, utilizar as emoções a seu favor (Kotsou, 2012). Aí se insere a capacidade de regulação emocional, fator de sucesso pessoal não somente para a vida particular, mas também na vida profissional. A regulação emocional dos profissionais é conhecida como trabalho emocional. O esforço para a regulação emocional no ambiente laboral tem sido tema de estudos há quase meio século (Hochschild, 1979). Nas organizações, o relacionamento interpessoal entre os colaboradores, gestores e clientes externos tem exigido, cada vez mais, a habilidade de enfrentar sentimentos variados. O senso comum presume que um profissional que sabe reconhecer seus sentimentos e “adequar” suas emoções à conduta exigida para cada situação contribui para um ambiente organizacional harmônico e o desenvolvimento de trabalho em equipe mais eficiente. A vivência profissional como gestora de pessoas nade informações tecnológicas para auxílio na instrução processual. Assim, valendo-se de seminários e cursos de formação, o programa, desde 2020, tem se voltado à capacitação desses agentes para um melhor aproveitamento e manuseio das ferramentas tecnológicas no âmbito do processo trabalhista, voltado para a janela de lacuna formativa dos profissionais quanto ao tema. Dessa forma, tratando-se de instrumentos complexos e que necessitam de uma devida análise própria, esta seção do trabalho se concentra em algumas dessas provas digitais, a fim de compreender como a sua aplicação processual pode ser adequadamente efetivada. do sistema de computador, especialmente armazenamento de dados e capacidade de computação, sem o gerenciamento ativo direto do utilizador. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Com- puta%C3%A7%C3%A3o_em_nuvem. Acesso em: 16/05/2023 9 A Carteira de Trabalho Digital é uma ferramenta para o cidadão acompanhar de modo fácil a sua vida laboral, tendo acesso a dados pessoais e aos seus contratos de trabalho que estão registrados na Carteira de Trabalho e Previdência Social. Permite também solicitar o Seguro-Desemprego e consultar outros benefícios trabalhistas, como o Abono Salarial, Benefício TAC- Taxista e o Benefício Emergencial. Disponível em: https://apps.apple.com/br/app/carteira-de-trabalho-digital/id1295257499. Acesso em: 22/05/2023 10 Disponível em: https://www.tst.jus.br/provas-digitais. Acesso em: 13 jun. 2023. http://www.tst.jus.br/provas-digitais Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202456 4.1. Geolocalização A geolocalização é um recurso tecnológico que consiste em localizar qualquer pessoa ou objeto com base na sua posição geográfica, detectada automaticamente por um sistema de coordenadas, captadas por meio do apoio de sistemas de comunicação, articulado com satélites artificiais que orbitam o nosso planeta. Na prática, essa detecção se dá com base na latitude e longitude do local em que se encontra o alvo. Como explicam Albino e Lima (2022, p. 225), a localização de pessoas está relacionada com o rastreamento de seu aparelho celular, que é feito através do GPS aparelho celular, que é feito através do GPS (Global Positioning System), com base nas conexões de rede ou conexão via satélite. Não obstante, essa captação também ocorre a partir de sinais de radiofrequência pela triangularização das antenas de celulares. No tocante à utilização desse recurso tecnológico no Processo do Trabalho, é muito frequente que seja solicitado para buscar comprovar, com maior exatidão, a presença do trabalhador nas dependências da empresa ou em outros lugares, a fim de pleitear o pagamento de horas extras, por exemplo. Contudo, como discutido nas seções anteriores deste estudo, nessas situações deve-se observar o limite da esfera privada do sujeito em tela, uma vez que o fornecimento de informações acerca de sua geolocalização, de forma demasiada e ultrapassando o que se discute no processo, atinge os seus direitos de privacidade e proteção de dados pessoais. Nesse contexto, comporta ilustrar esse debate, a Justiça do Trabalho em Joinville, Santa Catarina, considerou válido o pedido feito por um banco para que o registro de localização do aparelho celular da trabalhadora, que pleiteava o pagamento de horas extras, fosse disponibilizado nos autos11. Ao decidir a respeito da produção da prova digital, a Juíza instrutora deferiu parcialmente o pedido, determinando que a pesquisa fosse feita por amostragem, indicando a localização do celular apenas em dias úteis e somente em 20% do período do contrato de trabalho. Com essas medidas, a referida magistrada destacou que os parâmetros da busca evitariam a violação à privacidade da trabalhadora e seriam suficientes para demonstração dos fatos em controvérsia. Ademais, a questão probatória foi levada à análise da segunda instância, por meio de mandado de segurança, impetrado pela parte reclamante, sendo a decisão instrutória de 1º Grau ratificada pela Seção Especializada 2 do TRT da 12ª Região. Tal metodologia de razoabilidade e ponderação de valores espelha justamente a adequação que deve ser prezada para que o instrumento probatório digital, ao ser manuseado, esteja dentro dos limites legais para o seu devido aproveitamento, sendo de extrema valia para comprovar a localização de alguém em determinado dia, horário e local. Portanto, é fundamental destacar a importância de que, ao recorrer a esse tipo de prova, o magistrado do Trabalho deve motivar a sua decisão (art.93, IX) com base nos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Como demonstrado, o manuseio dessas ferramentas não é irrestrito e encontra limites nos direitos e 11 Processo n° 0000955-41.2021.5.12.0000. Disponível em: https://por- tal.trt12.jus.br/noticias/empresa-pode-requisitar- dados-de-localizacao-do-celular-de- trabalhador-como-prova-em-acao. Acesso em: 23/05/2023. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 57 garantias fundamentais dos trabalhadores e na proteção dos dados pessoais. De tal forma, valendo-se de registros de geolocalização como fonte probatória, que identifiquem o cidadão em sua esfera cotidiana privada, é crucial que estes alcancem tão somente os registros concernentes ao efetivo horário de trabalho, sob pena de violação ao sigilo telemático, à privacidade e à proteção de dados pessoais, direitos amplamente assegurados pela ordem jurídico-constitucional brasileira. 4.2. Redes sociais Em meio ao modelo de sociedade informacional existente hoje, cujas relações sociais são, em grande maioria, intermediadas por plataformas digitais, é de se esperar que destes ambientes virtuais sejam extraídos os registros de tais interações. Sob essa mesma perspectiva, também é coerente que esses registros sejam utilizados como meio de prova quando necessário, uma vez que a presença intensa das redes sociais no cotidiano das pessoas reflete, por exemplo, nas relações de trabalho, consequentemente gerando uma maior inserção desse aparato nos processos que tramitam perante a Justiça do Trabalho. Nesse panorama, a comunicação institucional do Tribunal Superior do Trabalho publicou interessante matéria, com diversos exemplos de como as postagens feitas nas redes podem compor o processo na qualidade de instrumentos probatórios digitais12. Dentre os citados, destacam-se os casos em que publicações feitas no ambiente virtual, quando da propagação de críticas e ofensas à imagem da empresa ou do empregador, constituem argumentos para a dispensa por justa causa (art. 482, alínea ‘k’, da CLT). Nada obstante, publicações que retratem desídia por parte do empregado em horário e local de trabalho também embasam de igual maneira a demissão por justa causa (art. 482, alínea ‘e’, da CLT), na medida em que a comprovação do suposto ato lesivo à ordem jurídica, por meio de prints das telas dos smartphones ou de computadores nas respectivas páginas de interesse nas redes sociais, por exemplo, constituem prova digital a ser utilizada no processo. Para além destes, as redes sociais também podem ser importantes aliadas quando da comprovação de conduta por má-fé por parte de algum dos sujeitos processuais. É o caso, por exemplo, da demonstração de falsidade de um atestado utilizado para isentar-se do trabalho, ou até mesmo de atos processuais, como o comparecimento em audiências, quando existem postagens em rede que são incompatíveis com a condição de saúde retratada pelo documento médico, podendo constituir o conjunto probatório para postular a litigância por má-fé. Outrossim, conversas em aplicativos como o whatsapp também são úteis a demonstrar a constituição ou não do vínculo empregatício entre as partes. Nesses casos, por meio de uma comunicação cotidiana, é possívelaferir se aquela relação possui os requisitos legais para caracterizar o vínculo de emprego, quais sejam a pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade (art. 3º da CLT). 12 Objeto de defesa e acusação, redes sociais figuram em ações na Justiça do Trabalho”. Disponível em:https://www.tst. jus.br/-/objeto-de-defesa-e-acusacao-redes-so- ciais-figuram-em-acoes-na-justica-do-trabalho#:~:text=%22Postagens%20po- dem%20servir%2C%20ainda%2C,local%20de%20trabalho%22%2C%20conclui. Acesso em: 24/05/2023. http://www.tst.jus.br/-/objeto-de-defesa-e-acusacao-redes-so- http://www.tst.jus.br/-/objeto-de-defesa-e-acusacao-redes-so- Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202458 Contudo, tratando-se de documentos digitais suscetíveis à fraudes e manipulações, quando forem utilizados prints ou outras formas de introdução de mensagens, fotos e vídeos no ambiente processual, faz-se imprescindível que seja assegurado a estes as devidas garantias de sua autenticidade e integridade. Como já abordado, esses elementos são cruciais para assegurar o devido valor probatório que se admite em juízo. Tal conduta é fundamental para garantir a devida confiabilidade dessas informações enquanto fontes de prova, o que pode ser feito, por exemplo, através da autenticação do documento por ata notarial, na qual o tabelião acessa o endereço eletrônico e atesta a veracidade e autenticidade do conteúdo. Ao fazer isso, eleva-se a garantia de validade legal daquela prova, na medida em que, uma vez registrada, reduz-se a margem para a adulteração do conteúdo original. Outra forma de assegurar a confiabilidade da prova digital diz respeito ao uso da assinatura eletrônica ou até mesmo da possibilidade de acesso e confirmação online do conteúdo na íntegra por parte do magistrado. De tal maneira, uma vez assegurados os elementos que garantem a veracidade dos documentos digitais, as redes sociais assumem importante papel quando da comprovação dos fatos em litígio, sendo um mecanismo de imenso valor probatório ao processo. 4.3. Gravação telefônica A gravação telefônica, por seu turno, também é um exemplo desse tipo de prova, uma vez que é produzida de forma digital. Neste mecanismo, o desafio consiste em assegurar que o ato foi realizado de forma lícita, haja vista a Constituição Federal garantir, em seu art. 5.º, XII, a inviolabilidade do sigilo das comunicações, sendo esse um direito fundamental do indivíduo. Todavia, o referido dispositivo, regulamentado pela norma infraconstitucional nº 9.296/96, admite a quebra do sigilo para os casos de interceptação telefônica, em investigação criminal e em instrução processual penal, quando autorizado judicialmente. O termo “interceptação”, por sua vez, prevê a existência de uma terceira pessoa estranha à conversa, que se coloca no meio dos interlocutores. A interceptação telefônica em sentido estrito compreende a captação da conversa por um terceiro, sem o conhecimento de qualquer dos interlocutores. Já a escuta telefônica, outra forma de interceptação, consiste na captação da conversa por um terceiro, com o consentimento de apenas um dos interlocutores. Ambas as formas se submetem às exigências da Lei nº 9.296/96, e a transgressão destas constitui crime, nos termos do art. 10 da mesma legislação13. Todavia, quando um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro, grava a conversa de ambos, está configurada a gravação telefônica. Esse conceito, por sua vez, não se encontra inserido na expressão “interceptação” (art. 5º, XII, da CF), não sendo disciplinado, portanto, pela Lei nº 9.296/96, já que não há a figura da terceira pessoa na captação do diálogo. 13 A interceptação telefônica também se diferencia da quebra de sigilo telefônico, uma vez que, na primeira, quem intercepta tem acesso ao teor da conversa, já na quebra do sigilo, a única informação a que se tem acesso é o registro de ligações efetuadas e recebidas. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 59 A licitude da gravação telefônica como meio de prova foi uniformizada pelo Supremo Tribunal Federal (Repercussão Geral - Tema 237 do Repertório de Repercussão Geral), em decisão de 2009: “É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro”. De tal forma, a jurisprudência tem entendido que, quando feita por um dos interlocutores, mesmo sem o conhecimento do outro, para fins de comprovação de direito, a gravação é lícita e pode ser usada como prova em ação judicial, desde que não haja causa legal de sigilo ou de reserva da conversação. Assim sendo, no âmbito do processo trabalhista, as gravações telefônicas, quando realizadas por um dos interlocutores mesmo sem o conhecimento dos demais, é lícita e constitui mecanismo probatório a ser utilizado em juízo. Ademais, esse tipo de prova é de grande eficácia para evidenciar fatos que, de outra maneira, não teriam como ser comprovados, haja vista em diversos casos as interações se darem sem terceiros aptos a testemunhá-las. 5. CONCLUSÃO A tecnologia permeia de diversas formas a sociedade vivenciada hoje. Como defende Castells (1999, p. 69), a evolução digital, responsável por modificar as dinâmicas de cultura e poder antes existentes em coletividade, marcou o início da era da informação. Em meio a essa conjuntura, não apenas os cidadãos, mas também o Estado precisou se adaptar ao fluxo da nova dinâmica social, marcada pela agilidade e temporaneidade das informações, que se atualizam a todo instante. De tal forma, tamanha necessidade reverberou aos próprios órgãos que constituem o ente estatal, como é o caso do Poder Judiciário. No que lhe concerne, o estudo permitiu perceber que a Justiça brasileira tem procurado incorporar diversas iniciativas que impulsionam a prestação jurisdicional com apoio ou mediação de tecnologias da informação, como o Processo Judicial Eletrônico e o Programa “Justiça 4.0”. Os procedimentos judiciais também têm apresentado importante abertura na recepção e acolhimento de novos recursos à dinâmica processual, à exemplo da admissão das provas digitais, alinhados com a sociedade informacional. Como visto, trata-se de mecanismos que buscam evidenciar fatos consubstanciados no meio digital, mas possuem natureza jurídica documental, sendo o documento eletrônico qualquer informação acessível por um equipamento eletrônico. Sob essa perspectiva, a transferência crescente das relações sociais para o ambiente virtual ocasionou um amparo cada vez maior nesse tipo de prova. No âmbito da Justiça do Trabalho, a sua utilização é extensa, haja vista esse subsistema processual estar permeado por ferramentas digitais, que vão desde documentos formais que constituem a relação empregatícia, como folhas de ponto e instrumentos de rescisão contratual em formato eletrônico, até aparelhos de registro e comprovação dos fatos, como celulares e gravadores. Todavia, como pôde ser visto ao longo do estudo, a utilização desses mecanismos como fonte de prova não é irrestrita e deve observar alguns preceitos jurídicos para ser corretamente empregada, quais sejam os requisitos de validade da prova digital e a sua consonância com os demais direitos fundamentais Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202460 envolvidos no processo. No que diz respeito à validade da prova, é fundamental que estejam asseguradas a sua autenticidade e integridade (art. 195 do CPC), como forma de garantir a devida segurança jurídica que se admite em juízo. Para tanto, a assinatura eletrônica certificada em conformidade com as diretrizes da ICP-Brasil é pertinente para assegurar a certeza com relação ao autor do fato digital, garantindo a sua autenticidade. Com relação à integridadeda prova, uma das formas de atestar a certeza quanto a sua completude e não adulteração é através da elaboração da ata notarial (art. 384 do CPC), por meio da qual o tabelião certifica a ocorrência de determinado fato por ele presenciado, com a finalidade de se atestar a sua veracidade. Já quanto à consonância do instrumento probatório com os demais direitos fundamentais que envolvem a temática, como a proteção de dados pessoais, a privacidade e a intimidade, é essencial que esta seja observada como forma de garantir que as esferas da vida privada do sujeito em questão não sejam ofendidas. Para tanto, é necessário que seja adotada a máxima da proporcionalidade e razoabilidade como método eficaz para solucionar a colisão entre princípios fundamentais quando da produção da prova, de modo que seja realizada a devida ponderação dos valores envolvidos nos casos concretos. À exemplo dessa conduta, tem-se as decisões que determinam o fornecimento de informações advindas de recursos tecnológicos tão somente na proporção que necessita a controvérsia processual, uma vez que, sendo a fonte de informações uma ferramenta de uso habitual do titular - como o aparelho celular - o provimento irrestrito invadiria a esfera de sua vida privada e ofenderia seus direitos de intimidade e proteção de dados pessoais, amplamente protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro. De tal forma, uma vez garantidos os preceitos que asseguram à prova digital sua devida validade e aceitabilidade no processo, as vias estão abertas para o emprego de fontes de evidência de valor probatório a ser utilizado em juízo, por atender a uma sociedade cada vez mais dependente do amparo tecnológico para comprovação dos fatos. Assim, enquanto sociedade mediada por redes, nada mais condizente do que utilizar os recursos advindos da evolução tecnológica como forma de proporcionar uma prestação jurisdicional mais eficiente e adaptada. REFERÊNCIAS ALBINO, João Pedro; LIMA, Ana Cláudia Ferreira de Lima. Técnicas de captura de geolocalização para produção de prova judicial. Revista Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, v. 8, n. 1, p. 216-233, 2022. BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BRASIL. Código de Processo Civil (2015). Código de Processo Civil Brasileiro. Brasília, DF: Senado, 2015. 26 de mar. de 2015. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05.10.1988. Brasília, 1988. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 61 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Consti- tuicao/Constituiçao. Acesso em: 20 out. 2020. BRASIL. Decreto-lei n° 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Brasília, 1943. BRASIL. Lei no 12.965, de 23 de Abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Brasília, 2014. BRASIL. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/_ato2019- 2022/2020/lei/l14020.htm. Acesso em: 20 out. 2020. CÂMARA TÉCNICA DE DOCUMENTOS ELETRÔNICOS (CTDE). Glossário: Documentos Arquivísticos Digitais. Rio de Janeiro, 2020. CASTELLS, Manuel. “A Sociedade em Rede”. A Era da Informação: economia, sociedade e cultura. Vol I. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CASTELLS, Manuel. A galáxia da internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. DIAS, Thiago Ferreira; SANO, Hironobu; MEDEIROS, Marcos Fernando Machado de. Inovação e tecnologias da comunicação e informação na Administração Pública. Brasília: ENAP, 2019. EVANS, Peter. Government action, social capital and development: reviewing the evidence on synergy. World Development. Vol. 24, Nº 6, 1996. GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008 HABERMAS, Jürgen. A constelação pós-nacional: ensaios políticos. Tradução de Márcio Seligmann-Silva. São Paulo: Littera Mundi, 2001. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 13 ed. São Paulo: Edições Loyola. 2004. MARINONI, Luiz Guilherme Marinoni; ARENHART, Sérgio Cruz. A prova. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. HUI, Yuk. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora, 2020. MARQUES, Eduardo Cesar. Redes sociais e instituições na construção do Estado e da sua permeabilidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais. V. 14, No 41, São Paulo, out, 1999. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Consti- http://www.planalto.gov.br/cci- Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202462 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 23ª ed. rev. e atual.. Rio de Janeiro: Forense, 2003. NASCIMENTO, Bárbara Luiza Coutinho do. Provas digitais obtidas em fontes abertas na internet: conceituação, riscos e oportunidades. In: WOLKART, Erik Navarro; LAUX, Francisco de Mesquita; RAVAGNANI, Giovani dos Santos; LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Direito, processo e tecnologia. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, p. 109-124, 2020. NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. RAFFUL, Leonardo José. RAFFUL, Ana Cristina. Prova eletrônica. Revista do Direito Público, Londrina, v. 12, n. 2, p. 48-76, ago. 2017. DOI: 10.5433/1980-511X.2017v12n2p48. SOUSA, M. M; GUIMARÃES, T. A. Inovação e desempenho na administração judicial: desvendando lacunas conceituais e metodológicas. Revista de Administração e Inovação, v. 11, n. 2, p. 321-344, 2014. SCHERER-WARREN Ilse. Redes e espaços virtuais: uma agenda para a pesquisa de ações coletivas na era da informação. Cadernos de Pesquisa, UFSC/PPGSP, n. 11, jul, 1997. TARUFFO, Michele. A prova. Trad. João Gabriel Couto. Madrid | Barcelona |Buenos Aires | São Paulo: Marcial Pons, 2014. THAMAY, Rennan; TAMER, Mauricio. Provas no direito digital: conceito da prova digital, procedimentos e provas digitais em espécie. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020. VAN CREVELD. Martin. Ascensão e declínio do Estado. Tradução de Jussara Simões; revisão da tradução Silvana Vieira; revisão técnica Cícero Araújo. São Paulo: Martins Fontes, 2004. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 63 A ESCRITA JURÍDICA E A LINGUAGEM SIMPLES. LEGAL WRITING AND PLAIN LANGUAGE Maria do Perpetuo Socorro Wanderley de Castro1 RESUMO A escrita do Direito tem se caracterizado pela linguagem rebuscada, construção inversa e textos de compreensão enigmática. Um novo movimento mundial postula a utilização de linguagem simples: mais acessível, clara e inclusiva para permitir que o cidadão médio possa entender a produção jurídica que lhe afeta. Palavras-chave: escrita jurídica; linguagem simples; linguagem inclusiva. ABSTRACT Legal writing has been characterized by its convoluted language, inverted construction and enigmatic texts. A new worldwide movement is calling for the use of plain language: more accessible, clear and inclusive language to enable the average citizens to understand the legal production that affects them. Keywords: legal writing; plain language; inclusive language. 1. INTRODUÇÃO Uma transformação cultural na atividade jurídica está em curso. Trata-se da utilização da linguagem clara, após séculos de uso de linguagem rebuscada, construção inversa e textos herméticos. É um movimento que ocorre em numerosos países e diferentes expressões da atividade jurídica. Visa ao cidadão médio e a lhe dar compreensão sobre a produção jurídica que lhe afeta. 2. PELA CLAREZA DA LINGUAGEM Uma transformação cultural na atividade jurídica está em curso. Surgiu nos países anglo-saxões, prosseguiu, entre outros países, na França e em Portugal, instaura-se na Espanha e se multiplica nos países de língua espanhola. É um movimento largo quanto aos países e abrangente quanto às atividades. Diz respeito à elaboração das leis, aos textos legais; aos atos da Administraçãode forma que deve ocorrer em Decretos, Portarias, Resoluções do Executivo; e no Judiciário, nas decisões, sentenças e acórdãos e nas comunicações dos atos judiciais. No Brasil, há o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples encaminhado pelo Conselho Nacional de Justiça e expresso na Recomendação nº 144, de 25 de agosto de 20232. O direcionamento visa ao cidadão médio. Trata-se de uma figura abstrata a que são atribuídas condutas, procedimentos e até noção de mundo. Em enfoque particularizado, o direcionamento tem em vista as relações assimétricas, como as relações de consumo. É pertinente, portanto, ao Direito do Trabalho e ao processo do trabalho pela natureza das relações em que ocorrem os conflitos jurídicos. A intermediação 1 Desembargadora do TRT21. Professora aposentada do Departamento de Direito Privado da UFRN. Perpetuo@ trt21.jus.br 2 Embora o texto legal se refira à linguagem simples, uso, neste artigo, a expressão linguagem clara, tendo em vista a utilização necessária de termos técnicos, na linguagem jurídica. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202464 da representação técnica, por advogados, não satisfaz à possibilidade de compreensão de atos judiciais e tramitação de processo. Há, no processo do trabalho, a possibilidade legal de iniciativa ou defesa pela parte legal. Chama-se jus postulandi. Nesse caso, a parte tem a compreensão dos fatos. Como entender a decisão, o dispositivo que enuncia o pedido? Ou procedente em parte? Não podendo ser afastada a expressão técnica, o seu sentido deve ser explicado. Perafán3 (2024) adverte que “ O que sí no entendemos la sentencia desfavorable de um jueces decir, que nos afecta -, creemos que este fue sobornado para fallar en nuestra contra.” Essa autora discorre sobre os Imaginarios culturales. Como crenças que influenciam a comunicação. Refere que, sob esse entendimento, o trabalho extenso é de melhor qualidade, em desconsideração da concisão que, no entanto, implica deixar de mencionar boa parte dos conhecimentos para dizer só o essencial. Menciona que o uso de imagens é entendido como falta de seriedade e rigor. Entre as crenças apontadas, duas se destacam. A primeira é o senso comum de que aquele que fala ou escreve de forma complicada é muito inteligente, pois quem fala com simplicidade é porque lhe faltam conhecimentos, não tem recursos de escrita ou de extenso vocabulário. No Brasil, como se sabe, é decorrência do bacharelismo. Não escapou à ironia de Machado de Assis ao descrever o médico e agregado José Dias, em Dom Casmurro, pois ao lhe traçar o perfil, diz que ele “amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às ideias; não as havendo, servia a prolongar as frases.” (Assis, 2019). A segunda crença a ser destacada consiste no que Perafán (2024) chama de elegantia iuris ; trata-se do uso de termos arcaicos, expressões latinas e orações complexas pontuadas por vírgulas. Outro autor, Leonardo Altamirano (2024, p. 161-162), relaciona desafios que hoje são acrescidos ao rol. O grande volume de textos jurídicos que é produzido diariamente com poucos servidores. O apego a modelos de escritos pouco claros consolidados pelo uso. A urgência da produção de escritos forenses para o cumprimento de prazos processuais e de produtividade institucional. La incidencia de textos juridicos poco claros que forman parte de los expedientes judiciales y que han sido emitidos por legisladores, representantes legales de las partes, funcionais gubernamentales, peritos, equipos técnicos, agentes policiales y penitenciarios, entre otros4. Os produtores de textos jurídicos são inúmeros e isso contribui para a dissonância, opacidade dos textos e até algazarra das diferentes vozes. Basta atentar para um processo trabalhista, em que há, frequentemente, a linguagem dos representantes de autor e reclamado; a linguagem de peritos que incursionam pela linguagem jurídica; a transcrição de depoimentos, com a linguagem direta de partes e testemunhas. A linguagem do servidor ao lançar certidões e informativos. A linguagem do julgador, ao proferir despachos e sentenças. Daí a urgência de compreender a simplificação da linguagem ou linguagem clara. Poblete Olmedo5 (2024) diz que a linguagem clara é um texto com estilo claro e direto, que toma em 3 PERAFÁN, B. Enseñar Lenguaje jurídico claro para promover la confianza en el derecho. In: ARIAS, G. J. A.; WENCES, I. (coords.) ¿CÓMO PUEDE ALGUIEN CUMPLIR UNA LEY QUE NADIE ENTIENDE?: estudios interdisciplinarios sobre lenguaje claro y cultura de la legalidad. Marcial Pons: Madrid, 2024. p. 125-141. 4 ALTAMIRANO. L. La implementación del lenguaje claro en los Tribunales Argentinos: experiencias y obstáculos. In: ARIAS, G. J. A.; WENCES, I. (coords.) ¿CÓMO PUEDE ALGUIEN CUMPLIR UNA LEY QUE NADIE ENTIENDE?: estudios interdisciplinarios sobre lenguaje claro y cultura de la legalidad. Marcial: Madri, 2024. p. 145-164. 5 OLMEDO, C. P. Derecho a comprender y Lenguaje claro: hacia un modelo explicativo integral. In: ARIAS, G. J. A.; WENCES, I. (coords.) ¿CÓMO PUEDE ALGUIEN CUMPLIR UNA LEY QUE NADIE ENTIENDE?: estudios interdisciplinarios sobre lenguaje claro y cultura de la legalidad. Marcial Pons: Madrid, 2024. p. 207-230. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 65 conta o propósito comunicativo e o destinatário e, citando Montolío e Tascón (2020), explica — “El lenguaje claro utiliza una sintaxis correcta, sucinta y clara, y un léxico comprensible y no rebuscado, pero sin renunciar nunca a la precisión y el rigor.”. Nas sugestões para a escrita clara são referidos numerosos procedimentos. A utilização de verbo em vez de substantivo (começar e não, dar começo). A redação de frases concisas, com a sugestão de no máximo dez palavras, até mesmo a referência ao modo Twitter (atual X) com o limite de 140 caracteres, a redação de parágrafos de nove a quinze linhas. O uso moderado dos elementos de ênfase, como negritos, sublinhados, maiúsculas, letras cursivas. A limitação do uso de tecnicismos e a explicação de seu conteúdo, ou significado. A utilização de paratextos com notas de rodapé para citação de doutrina e jurisprudência. Uma das mais repetidas sugestões é a observância da estrutura lógica da oração, isto é, sujeito, verbo e complemento. Essa estrutura torna mais fácil e rápida a compreensão do que é dito. A comunicação jurídica é diferente da acadêmica e da literária; elas têm o estilo próprio no qual é autorizado o uso de alterações sintáticas e uso de vocabulário mais sofisticado e até arcaísmos. Não pode ser desconsiderado que a linguagem jurídica é uma linguagem específica que é necessária para dar precisão conceitual. O tecnicismo é necessário. É inevitável a exatidão do texto e a compreensão geral do comando emitido na decisão. Como ensina Moreira (2001), uma petição inicial será sempre e necessariamente, uma petição inicial. O vocábulo técnico possibilita uma percepção unívoca e, desse modo, se destina a que todos possam ter o devido conhecimento. Diante da natural dificuldade que representa, são adotados os glossários em que é explicado o significado. Ao mesmo tempo é necessário atentar para a evolução de uma nova tecnificação da linguagem decorrente de nossos universos regulatórios, de novos direitos surgidos no mundo atual. Basta lembrar as expressões surgidas do Direito digital e das novas tecnologias que implicam o uso de novos termos técnicos. Altamirano (2024) acentua que uma transformação global do trabalho discursivo requer que todos participem do procedimento de clarificação, o que torna necessário o compromisso também dos atuantes jurídicos externos, como partes e seus advogados, peritos entre outros6. Não se confunda todavia, com o uso do vocativo, Excelência como manifestação de linguagemsimples. A pertinência de se dirigir ao interlocutor só se completa com uma mensagem clara e adequada. A mensagem deve ser legível e inteligível. Daí porque autores mencionam a importância de estabelecer convergência entre juristas, linguistas e comunicadores7 (Cano, 2024). A interdisciplinaridade é própria da multiplicidade e diversidade. O texto é dirigido para um auditório múltiplo, no grau de compreensão da linguagem que não basta ser lida em cada palavra, mas exige ser compreendida em seu todo. E na esfera jurídica, tem que ser compreendida no comando que emite, e nas razões por que assim é estabelecido. 3. CONCLUSÃO São várias as vozes do discurso jurídico. A linguagem deve ter a clareza necessária para 6 ALTAMIRANO. L. La implementación del lenguaje claro en los Tribunales Argentinos: experiencias y obstáculos. In: ARIAS, G. J. A.; WENCES, I. (coords.) ¿CÓMO PUEDE ALGUIEN CUMPLIR UNA LEY QUE NADIE ENTIENDE?: estudios interdisciplinarios sobre lenguaje claro y cultura de la legalidad. Marcial: Madri, 2024. p. 145-164. 7 CANO, M. J. S. Aproximaciones una cultura del lenguaje jurídico claro y (des)encuentros con la cultura de la legalidad. In: ARIAS, G. J. A.; WENCES, I. (coords.) ¿CÓMO PUEDE ALGUIEN CUMPLIR UNA LEY QUE NADIE ENTIENDE?: estudios interdisciplinarios sobre lenguaje claro y cultura de la legalidad. Marcial Pons: Madrid, 2024. p. 23-35. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202466 apresentar à comunidade uma comunicação eficaz, uma transmissão de conteúdo que permita o acesso à informação, de forma precisa, transparente e acessível. Uma narrativa em que o Direito continua a ser um elemento essencial à vida em sociedade. REFERÊNCIAS ALTAMIRANO. L. La implementación del lenguaje claro en los Tribunales Argentinos: experiencias y obstáculos. In: ARIAS, G. J. A.; WENCES, I. (coords.) ¿CÓMO PUEDE ALGUIEN CUMPLIR UNA LEY QUE NADIE ENTIENDE?: estudios interdisciplinarios sobre lenguaje claro y cultura de la legalidad. Marcial: Madri, 2024. p. 145-164. ASSIS, M. Dom Casmurro. 3 ed. Jandira: São Paulo, 2019. CANO, M. J. S. Aproximaciones una cultura del lenguaje jurídico claro y (des)encuentros con la cultura de la legalidad. In: ARIAS, G. J. A.; WENCES, I. (coords.) ¿CÓMO PUEDE ALGUIEN CUMPLIR UNA LEY QUE NADIE ENTIENDE?: estudios interdisciplinarios sobre lenguaje claro y cultura de la legalidad. Marcial Pons: Madri, 2024. p. 23-35. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Recomendação n. 144, de 25 de agosto de 2023. Diário da Justiça [do] Conselho Nacional de Justiça, Brasília, DF, n. 144, p. 4-5, 25 ago. 2023. MONTOLÍO, E.; TASCÓN, M. El derecho a entender. Catarata: Madrid, 2020. MOREIRA, J. C. B. A linguagem forense. In: Palestra proferida no Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, em 04/03/99, Temas de direito processual: 7ª série. São Paulo: Saraiva, 2001. OLMEDO, C. P. Derecho a comprender y Lenguaje claro: hacia un modelo explicativo integral. In: ARIAS, G. J. A.; WENCES, I. (coords.) ¿CÓMO PUEDE ALGUIEN CUMPLIR UNA LEY QUE NADIE ENTIENDE?: estudios interdisciplinarios sobre lenguaje claro y cultura de la legalidad. Marcial Pons: Madri, 2024. p. 207-230. PERAFÁN, B. Enseñar Lenguaje jurídico claro para promover la confianza en el derecho. In: ARIAS, G. J. A.; WENCES, I. (coords.) ¿CÓMO PUEDE ALGUIEN CUMPLIR UNA LEY QUE NADIE ENTIENDE?: estudios interdisciplinarios sobre lenguaje claro y cultura de la legalidad. Marcial Pons: Madri, 2024. p. 125-141. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 67 TRABALHO VERSUS PESSOA EM SITUAÇÃO DE RUA WORK VERSUS HOMELESS PERSON Lisiane Aguiar Henrique1 RESUMO O foco do artigo foi a análise da situação de desemprego que leva a pessoa à situação de rua e o desemprego que a fragiliza ainda mais após passar a viver nas ruas, onde precisa de inventar práticas para sua sobrevivência. Inicialmente, tece-se alguns dos vários motivos que levam a pessoa à rua, tais como questões familiares, porém este ensaio é sobre “trabalho e emprego”. Buscou-se abrir mais uma janela no pensamento da comunidade, inclusive jurídica, que aborda amplamente questões como trabalho e emprego no Brasil, desemprego, emprego salubre física e mentalmente, outros direitos trabalhistas, violações a direitos trabalhistas. A janela se abre para esse segmento composto de no mínimo 236.400 pessoas no Brasil, das quais cerca de 39% estão nas ruas devido a ausência de trabalho e tampouco conseguem trabalho a partir do momento em que passam a morar na rua, agravando-se no decorrer dos dias e meses. Não se quis detalhar muito aqui trabalho x emprego, sendo ambas as nomenclaturas empregadas quase que sem maiores formalizações, em alguns momentos como que equivalentes, distinguindo-se apenas das questões como catações de latinha, pedintes, pequenas vendas de objetos achados em lixeira, etc. Palavras-chave: população em situação de rua; emprego antes; emprego depois. ABSTRACT The focus of the article was the analysis of the unemployment situation that leads people to become homeless and the unemployment that makes them even more fragile after starting to live on the streets, where they need to invent practices for their survival. Initially, some of the various reasons that lead people to the streets are discussed, such as family issues, but this essay is about “work and employment”. We sought to open another window into the thinking of the community, including the legal community, which broadly addresses issues such as work and employment in Brazil, unemployment, physically and mentally healthy employment, other labor rights, violations of labor rights. The window opens for this segment made up of at least 236,400 people in Brazil, of which around 39% are on the streets due to lack of work and cannot find work from the moment they start living on the streets, worsening in the over the days and months. We did not want to detail work x employment here, with both nomenclatures being used without further formalization, almost equivalent, distinguishing themselves only from issues such as collecting cans, begging, small sales of objects found in rubbish bins, etc. Keywords: homeless population; employment before; employment after. 1 Analista Judiciário do Tribunal Regional Terceira Região. Assessora Coordenadora de Gabinete de Magistrado na Segunda Vara do Trabalho de Pouso Alegre/MG. Graduada em Direito. Mestra em Direito Ambiental, na linha Direitos Humanos e Sustentabilidade. Pós-graduada em Direito Público. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202468 1. INTRODUÇÃO O desemprego antes e posterior da pessoa em situação de rua precisa ser urgentemente pensado no Estado Social que imagina haver trabalho para todas e todos. Iniciando pelo desemprego anterior, como um motivo que levara a pessoa a morar nas ruas, não se olvida de outros vários fatores, que citaremos alguns. Vínculos familiares (ou bem próximos) interrompidos ou fragilizados, pensando em família como um encadeamento de relações afetivas. Quase a totalidade da população em situação de rua possui uma referência familiar, contudo a solidariedade e os vínculos afetivos que poderiam as unir, se dissolveram. Quando se atribui a situação de rua à família, os argumentos são desde que os próprios moradores de rua esgotaram suas famílias, impossibilitando a convivência, ou as famílias são problemáticas, com conjunturas abusivas, descontroladas, ou até a falta de apoio familiar relativamente estável, “não porque este foi retirado, mas porque não havia nenhum desde o princípio” (Anderson e Snow, 1998, p. 414). Melo (2011) percebe que, além das questões de pobreza e violência familiar, a situação de falecimento de algum membro da família tem muita implicação emocional nessa temática, por inclusiveacentuar problemas emocionais anteriores, criando um propício terreno para a entrada na situação de rua. Também percebeu ser muito comum a perda de cônjuge, em especial no sentido de o homem ser deixado ou traído por sua companheira, como fatores implicantes. Falou-se acima de pobreza e esse seria o maior e mais extenso campo a se abordar. A pobreza que antecede a “extrema pobreza” (nesta se situa a população de rua) está ligada ao modo como a sociedade brasileira (e outras) se organiza, “em um processo concentrador de renda, marcado por desigualdades sociais, conjunturas econômicas de recessão e desemprego e agravamento das más condições de reprodução da vida humana, como moradia e saúde, por exemplo” (Rosa, 2005, p.29). Silva (2009) aponta que a condição e estagnação da pobreza são vinculadas à sociedade capitalista, como um fenômeno produzido socialmente, e que suas estruturas são reproduzidas. Leff (2015), diante da atual retórica do desenvolvimento sustentável, que converteu o sentido crítico do conceito de ambiente para perspectivas neoliberais, questiona como falar de sustentabilidade do capitalismo, por ser um sistema incapaz de deter a degradação entrópica que gera. Ausência de moradia, mudanças econômicas, fatos biográficos, como ruptura de vínculos, morte de familiares (até arrimos), doenças mentais, uso de álcool e droga, interrupção dos estudos até mesmo para suprimir o desemprego das pessoas adultas da família, migração, assim por diante. O questionamento do porquê algumas pessoas se tornam moradoras de rua, enquanto outras, também vulneráveis, do ponto de vista estrutural, não o tornam, pode obter a resposta na consulta de instituições voltadas a essa assistência, na literatura das ciências sociais, na história individual experienciada ou na conversa com os próprios moradores de rua. Anderson e Snow (1998, p. 405-407) perceberam que as respostas são muitas e variadas, contudo muitos Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 69 moradores de rua a associam a problemas pessoais ou azar. Segundo eles, grande parte dos moradores de rua não atribui a explicação ao voluntarismo, ou escolha pessoal. Quando o desabrigo é percebido como uma questão de “escolha”, normalmente é quando há poucas “alternativas disponíveis”, que não são mais palatáveis que a vida nas ruas. Muitas pessoas poderiam ser inseridas no fator “azar” se esses forem considerados, conforme dizem esses autores (em suas experiências empíricas), acidente de automóvel, ferimento grave, objetos pessoais roubados (pessoas que têm pouco), “perda de um emprego devido ao encerramento de atividades de uma fábrica, à redução do ritmo de atividades específica a uma indústria, ou a mudança econômica geral” (Anderson e Snow, 1998, p. 423). Há também trabalhadores que não conseguem acompanhar as mudanças do perfil de emprego e da sociedade e daí “sofrem os efeitos de forte alijamento do mercado de trabalho” (Rosa, 2005, p. 31). A bem da verdade, praticamente todas essas reflexões, que são baseadas em pesquisas e relatos dos próprios moradores de rua, nos levam à questão da pobreza estrutural (muitas vezes não percebida pelo vulnerável dessa forma), ou seja, questões sociais e econômicas que “possuem” a pessoa no enfrentamento das fatalidades. Fora dessa linha de pobreza, a pessoa teria mais recursos para sair da precariedade física ou psicológica, em regra, mas não sempre. Ficaremos aqui, neste ensaio, com a questão já aventada do “trabalho” (que será impossível separar totalmente da questão do capitalismo e miséria subjacente). Inicialmente a ausência de trabalho gera a situação de rua e, linhas mais a frente, a possibilidade ou não de inserção da pessoa já em situação de rua no mercado de trabalho, ainda nessa situação. O “versus” utilizado no título vem mesmo da ideia de um “confronto”. Não o confronto que alguém poderia querer fazer, como o ter “aversão ao trabalho”, mas o real “não” do “trabalho” a essas pessoas “enojantes”. 2. TRABALHO E EMPREGO: OFERTAS ANTES Uma das causas mais consideráveis para explicação do fenômeno da população em situação de rua é o alijamento da pessoa do mercado de trabalho formal. O diagnóstico do Governo Federal divulgado em agosto de 2023 registra, com base em dados obtidos a partir do Cadastro Único, 236.400 pessoas em situação de rua no Brasil, cadastradas. Dos motivos, o desemprego representa 39% das pessoas cadastradas, seguida de 29% devido a alcoolismo ou uso de drogas, etc. Um parêntese é importante. A questão do álcool ou droga pode tanto ter levado a pessoa a viver nas ruas, como pode ter sido posteriormente uma fuga para “dar conta” de viver as penúrias da rua, desde fome até depressão. Prosseguindo, Silva (2009) explica que o fenômeno denominado “pauperismo” generalizou-se em toda a Europa Ocidental no último quartel do século XVIII. Aqueles que Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202470 “foram expulsos de suas terras não foram absorvidos pela indústria nascente com a mesma rapidez com que se tornaram disponíveis, seja pela incapacidade da indústria, seja pela dificuldade de adaptação repentina a um novo tipo de disciplina de trabalho” (Silva, 2009, p. 95). Foi a partir daí que muitos indivíduos passaram à situação de rua. Estaria vinculado ao processo de acumulação do capital. A produção não era apenas de produtos, mas também do valor das mercadorias, tal como o trabalho humano (dispor da força de trabalho como mercadoria a vender), que pode se tornar a superpopulação relativa, conforme exploração histórica e marxista feita por Silva (2009, p. 98). Trata-se de um excedente à capacidade de absorção pelo capitalismo (no eixo capital/ trabalho), que surge de forma aguda ou crônica, mas conceituado como o tempo em que o trabalhador fica desempregado ou parcialmente empregado. Uma população oriunda de diversas formas, inclusive local consubstanciada na estagnação ou não regulação das condições de trabalho, mas muito evidente também nos fluxos migratórios dos trabalhadores rurais (ora repelidos, ora atraídos pelo mercado de trabalho) e em outras formas de população latente. No entanto, no final do século XV e todo o século XVI, aponta a autora que já surgiram nos países da Europa, por exemplo, uma legislação rígida contra vadiagem, que tinha a finalidade de forçar as pessoas a aceitarem empregos com péssimas condições, rígida disciplina e baixos salários, no intuito principalmente de inibir o deslocamento de tais indivíduos à busca de melhores condições. O fenômeno pauperismo vincula-se hoje à denominada população em situação de rua. Não se trata de reflexões longínquas, pois as atuais transformações na política e na economia têm alterado o funcionamento do mercado de trabalho, assim como a aceleração de processos tecnológicos, precarizando cada vez mais as condições de emprego. “Esta é a perspectiva de um dos eixos da análise: conjunturas sociais e econômicas ligadas ao trabalho podem contribuir para que pessoas se vejam forçadas a ir para a rua” (Rosa, 2005, p.108). Significa que as desigualdades sociais são aprofundadas na cena contemporânea, inclusive pelas mudanças no mundo do trabalho diante da tecnização e em seu processo de reestruturação produtiva, bem como pelo fato das (re)orientações por parte do Estado, que não consulta os mais vulneráveis (suposta minoria) e supervaloriza os detentores do capital financeiro (de fato minoria), tornando-se instrumento político qualificado na mediação entre as classes sociais. Discorre Bauman (2005b, p. 56) que “a superpopulação é apenas um efeito colateral da civilização global emergente que se manifesta na produção e remoção de refugos”.E esses refugos, assim como o exército industrial de reserva, são os seres humanos mais vulneráveis. Agora, criticando o paradigma da vagabundagem e o falso pressuposto de que existe trabalho para todos (inclusive os socialmente isolados), a doutrina aponta que outras pesquisas sobre a população de rua revelam claramente que se trata de um perfil de trabalhadores em situação de sem emprego ou subemprego, contrário àquela visão corrente da sociedade que concebe tais pessoas como “sem capacidade de pensar, refletir e se organizar e todos dependentes Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 71 do álcool” (Rosa, 2005, p.42). Nas pesquisas, a análise principalmente do conjunto das trajetórias ocupacionais desses indivíduos chega a duas perspectivas: uma individual e outra de ordem geral. A primeira considera como que cada pessoa, ao longo dos anos, perdeu oportunidades de trabalho e emprego, seja devido à sua formação escolar, profissional ou pela ausência de experiências. A segunda vertente, ainda conforme Rosa (2005, p. 114), demonstra que todos os indivíduos obtêm no mercado de trabalho as mesmas oportunidades precárias, inclusive com rebaixamento salarial. Em suas pesquisas realizadas nos Texas da década de 1980, sociólogos seguiram no mesmo sentido. “É a falta de disponibilidade ou de acesso ao trabalho regular que torna o trabalho um dos dilemas centrais nas vidas dos moradores de rua. O senso comum, todavia, frequentemente sustenta, em lugar disso, que os moradores de rua fogem do trabalho regular porque são preguiçosos” (Anderson; Snow, 1998, p. 185). Veja-se que a discussão sobre trabalho que precedia a situação de rua, agora a sucede e passa a ser mais brutal. Apontou-se primeiro que o mercado não foi capaz de acolher a todos, principalmente os fragilizados, seja diante de sua pouca preparação ou adaptação para o trabalho ou emprego, seja pela precariedade do próprio mercado, ou até mesmo pela estratégia do sistema que sempre mantém uma superpopulação relativa desempregada. Agora a discussão caminha no sentido da inerente manutenção da situação de desemprego da população de rua, que possui dificuldades mais extremadas ainda de se (re)inserir no mercado de trabalho. 3. TRABALHO E EMPREGO: OFERTAS DEPOIS O emprego já parece uma realidade muito distante, pela ausência de condições sólidas de participarem de uma entrevista, mas o trabalho como autônomo e outros dignos também é distante, contentando-se muitas vezes, para sobrevivência, a fazerem pequenas vendas de resíduos ou objetos. Um problema também é que a pessoa não apenas vai ficando com a “aparência cada vez mais suja” no decorrer dos dias e semanas que sucedem sua situação de rua, ainda que tome banho no abrigo, pela própria condição da rua, mas também vai perdendo a sanidade no decorrer dos meses e quando mais se prolonga seu estado na rua menos consegue sair dele em todos os aspectos. Anderson e Snow (1998) não olvidam que há ofertas de emprego, porém indagam: “primeiro, quais são os níveis de qualificação dos moradores de rua? Segundo, há suficientes empregos que pagam decentemente para os quais os moradores de rua se qualificam? Terceiro, os moradores de rua realmente deixam de ir atrás desses empregos e, em caso afirmativo, por quê?” (Anderson e Snow, 1998, p. 186). No primeiro caso, alegam que não há fundamento empírico de que os anúncios “procura- Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202472 se” vão ao encontro da qualificação dos moradores de rua. Outros obstáculos são o vestuário, a aparência, o ter onde guardar as coisas (que muitas vezes são carregadas num saco – todas as roupas que possui, espelho, shampoo e outros pertences pessoais), lugar para tomar um banho e fazer barba, falta de referência, de ideia de tempo, de telefone e endereço (a não ser o do abrigo - se for o caso - o que já gera preconceito), local para preparar a marmita à noite para ir trabalhar no dia seguinte, além de estar vulnerável a ter seu uniforme de trabalho roubado, e assim por diante. Por fim, atestaram em suas pesquisas que, quando já na situação de rua e foram indicados a algum emprego, cerca de 89,3% responderam à indicação, mas foram também rejeitados pelo emprego. A possibilidade de emprego (formal, na relação empregatícia com carteira assinada) é mínima. Trabalhos em geral também não são fáceis de conseguir por esse segmento populacional, contudo, dos entrevistados por Rosa (2009, p.126), metade estava sem ocupação, uma pessoa trabalhava como servente de pedreiro, outra em acampamento do MST e os demais ativavam- se como catadores de papel e latas, carregamento e descarregamento de caminhão ou entulho, serviços domésticos ou serviço de guardar barracas, sempre de forma irregular e esporádica. Como parte constitutiva das relações sociais capitalistas, na acepção de uma expressão de desigualdades, encontram-se as conformações pelo trabalho, e o segmento população de rua é inquestionavelmente a dicção mais radical dessa questão, que é social. A título de exemplo, Silva (2009, p. 169) apontou que, na pesquisa realizada em 2005 na cidade de Recife, a maioria dos moradores de rua entrevistados indicaram o desemprego como principal motivo da situação de rua, assim como demonstraram querer sair das ruas mediante inserção no mercado de trabalho. Enquanto não efetivado, as atividades socioespaciais de sobrevivência na rua que mais se destacam no Brasil, das mais perceptíveis atualmente, para obtenção de rendimentos, são as voltadas à catação de materiais recicláveis e as vinculadas a guardar e lavar carros. A mendicância é bem presente em algumas capitais, mas não é a principal fonte para se ganhar dinheiro, pois, conforme censo nacional realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) Em 2008, apenas 15,7% dos entrevistados pediam dinheiro como principal meio de sobrevivência2. Enfim, conforme depreende Melo (2011, p. 14), o principal marcador desde a criminalização da mendicância à formação da população em situação de rua, é a categoria trabalho/emprego, em especial a falta dele no processo de desenvolvimento capitalista. Sem buscar aqui adentrar muito nos conceitos de emprego, trabalho autônomo, etc, certo é que não se confundem com práticas de sobrevivência diária, por intermédio de meios para se conseguir algum dinheiro. Para a sociedade, num grosso modo, é porque não quer trabalhar que a pessoa está 2 Índice encontrado na p.93 da pesquisa nacional realizada em 2007 e 2008, consoante publicação no site do MDS, que se encontra nas referências, sendo esse ministério o realizador da pesquisa. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 73 nessa situação. Não é uma matéria que vamos repisar, porque o presente trabalho não é palpite e sim um enredo técnico, porém as identidades das pessoas de rua, quando situacionalmente estabelecidas e atribuídas por outrem, estariam exemplificadas na seguinte situação: “quando estudantes de colégio gritam para fora das janelas de seu ônibus escolar aos moradores de rua que estão na fila de jantar em frente ao Sally3: Arrumem um emprego, seus vagabundos!’” (Anderson e Snow, 1998, p. 343). A Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua coloca esse segmento populacional como “público-alvo prioritário na intermediação de emprego, na qualificação profissional e no estabelecimento de parcerias com a iniciativa privada e com o setor público para a criação de novos postos de trabalho”, e apresenta como mecanismo a “promoção de capacitação, qualificação e requalificação profissional da população em situação de rua” e o “incentivo às formas cooperadas de trabalho” (p. 16). Dispõeainda sobre a possibilidade de “promoção de oficinas sobre economia solidária, centradas no fomento e na capacitação, a partir de recortes regionais, com o apoio do Ministério do Trabalho e Emprego” (p. 17). Silva (2009, p. 116) aponta que em Belo Horizonte e São Paulo existem há décadas movimentos organizados de população de rua na luta por trabalho e políticas públicas. É preciso pensar hoje se essas reuniões para debates desses temas não estão vazias. Existe um projeto de iniciativa do Ministério Público de Minas Gerais, do Servas (Serviço Voluntário de Assistência Social) e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, intitulado “Rua do Respeito”4, que pretende promover sobretudo o diálogo e reflexão entre representantes de setores da sociedade sobre as condições em que vivem as pessoas de trajetória de rua, que, dentre outros, resultou na criação de uma cooperativa, denominada “CoopMulti” (Cooperativa de Serviços Múltiplos), “responsável pela capacitação e inserção profissional direcionada à construção civil”. A última divulgação que se tem a respeito é datada de 2019. Já o prefeito de São Paulo5 iniciou, conforme disponível no site da prefeitura da Capital, a partir de reuniões formalizadas desde 04 de janeiro de 2017, um projeto intitulado como Trabalho Novo6. O projeto, conforme divulgado na Folha de São Paulo7, consistiria numa parceria da prefeitura com a empresa McDonald’s visando dar vagas de emprego a moradores de rua, mas também parece buscar sensibilizar outros empregadores. A meta seria empregar, até o final de 2017, 20 mil pessoas. A última divulgação que se tem a respeito é datada de 2019. Ao se considerar a última estatística realizada no município (2015), na qual se constatou o número de 15.905 pessoas em situação de rua naquela localidade, é possível considerar que mencionado prefeito deseja empregar praticamente, ou no mínimo, todos os moradores de rua, um projeto, de fato, hegemônico. Alguns pontos precisam ser indagados, como as “possibilidades”, e até vontades, de todas 3 Era um abrigo temporário para moradores de rua no Texas. 4 Projeto lançado em setembro de 2015, cujas informações estão no site do MPMG, conforme referências. 5 João Dória, com mandato de outubro de 2016 à 2020. 6 Conforme relatórios de reuniões e atos de adesão elencados no site da prefeitura, cujos conteúdos não se encontram disponíveis para usuário externo. Endereço eletrônico nas referências. 7 Jornal Folha de São Paulo, matéria on-line divulgada em 10 de abril de 2017, conforme referências. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202474 essas pessoas de se inserirem no mercado de trabalho. Não se pode olvidar da particularidade de cada indivíduo e seu processo construtivo. Uma fórmula para propiciar a saída da rua de todos pode gerar dúvidas por conduzir a uma pseudo individualidade, no sentido de que o individual pode se reduzir “à capacidade do universal de marcar tão integralmente o contingente que ele possa ser conservado como o mesmo” (Adorno e Horkheimer, 1985, p. 128). De qualquer forma, a Folha de São Paulo informou que, até abril de 2017, já haviam sido contratadas 230 pessoas por intermédio do programa, sendo que 14 foram dispensados. A prefeitura informou que várias outras vagas já haviam sido viabilizadas. Interessante uma entrevista colhida por tal jornal referente a um desses assistidos, de nome Charles, que está dentre os 14 dispensados do emprego. “Não tenho despertador. Durmo na rua. Como ia acordar para entrar às 6h? Acordava às 3h para não atrasar, aflito”, diz Charles Queiroz, 29, que trabalhou na limpeza do Hospital das Clínicas enquanto dormia no Anhangabaú, no centro. Ele diz ter sido vítima de discriminação. “[No hospital] não sabiam que éramos de rua. Mas funcionários questionaram porque recebíamos marmita e eles não. Quando souberam, ficou a maior fofoca”, diz. (FOLHA DE S. PAULO). Percebe-se algumas dificuldades de logística enfrentadas pelos moradores de rua ou de compreensão no ambiente laboral. Fatores como, repita-se, horário para acordar e iniciar a jornada de trabalho, locomoção, ter que lidar com o vício, saúde fraca (acentuada cada vez mais com o tempo), além de tudo o mais que já foi exposto, são muitas vezes complicadores que, por mais que a pessoa queira desvincular da (não) rotina das ruas, muitas vezes não consegue, num plano primário e imediato. Conforme informações do jornal, em regra, o programa não emprega pessoas que ainda dormem na calçada. A pessoa deve, provavelmente, ter que estar então abrigada, mas, como visto, casas de acolhimento não são consideradas moradia/habitação, além de abarcar várias situações em torno da ausência de autonomia, tal como se chegar atrasado por qualquer motivo já não entra, pois não se trata de casa mas de institucionalização. Não há dúvida de que tanto a empresa como a pessoa em situação de rua contratada demora muito a se adaptar, pois cada um tem sua cultura. Diante disso, aquela prefeitura teria aderido ao “RH Compartilhado”, instituído pela ONG “Rede Cidadã”8, que faz o meio campo entre moradores de rua e empresas, acompanhando ambos, de forma até que as demissões só aconteçam após decisão conjunta. A imprensa aponta que, antes de iniciarem os trabalhos, os moradores de rua passam por um curso comportamental de uma semana, ministrado por tal ONG, no qual há inclusive tapetes de ioga nos quais as pessoas se deitam e escutam palavras como “acredite”. Não há dúvida de que o acompanhamento deve ser realizado por rede articulada, devido 8 A Rede Cidadã é uma organização não governamental de Belo Horizonte, sem fins lucrativos, que busca a transformação social por meio da integração entre vida e trabalho, atuante desde 2002, que reúne sociedade civil, empresas, órgãos públicos e outras organizações sociais para trazer soluções para geração de trabalho e renda, conforme consta em seu endereço virtual, que está nas referências. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 75 à heterogeneidade do segmento e em inclusive pela dificuldade do morador de rua de se livrar dos hábitos da rua tão arraigados e marcados pelo alheamento em vários aspectos. Precisa até mesmo de apoio para conseguir se (re)encaixar no mercado por exigência competitiva. Desse modo, também necessita ser mais contínuo, sendo incompatível com apenas uma semana. São pessoas com identidades próprias e muita diversidade. Ou seja, é bom lembrar que a população de rua não é uma população homogênea ou hegemônica. É só levar em conta que há muitos moradores em situação de rua migrantes de várias regiões. Ademais, o trabalho humano é histórico e varia de uma localidade para outra, inclusive de acordo com as condições climáticas e culturais. Não se olvida, contudo, que o projeto da prefeitura de São Paulo, numa primeira vista, parece muito bom, ao menos diante das informações divulgadas, mas há grandes contradições e ambiguidades em relação ao conjunto de políticas voltadas à população de rua naquela cidade, o que faz questionar sua real preocupação com esse segmento da sociedade. A inserção de todos os moradores de rua num emprego seria mais pela intenção de higienizar, limpar a cidade, e retirar o desconforto dos domiciliados? Veja-se que no mesmo ano de 2017, meses depois do início do projeto “Trabalho Novo”, a rádio CBN local noticiou, precisamente em 19 de julho de 2017, que moradores em situação de rua eram acordados com jatos de água aplicados por empresa contratada pela prefeitura, o que acontece de manhã ou de madrugada, embora o clima da cidade tenha alcançado temperaturas de cerca de 7º a 12º9. Aparenta uma intolerância. Enquadra-se ou é exterminado. Jogar água vai indubitavelmente ao encontro da ideologia da higienização. Desse modo, coloca-seem dúvida as reais motivações para as políticas implementadas nesse segmento. De qualquer forma, retomando o debate, constata-se que “enquanto alguns comerciantes podem achar que é vantajoso adaptar os esquemas do mercado a fim de expandir o mercado de classe baixa, os empregadores são pouco incentivados a adaptar suas exigências e práticas de modo a atender aos moradores de rua, desde que haja outros candidatos disponíveis ao emprego” (Anderson e Snow, 1998, p. 201). A camada que vive uma das piores condições sociais depende, geralmente, para sua sustentação, dos serviços sociais lhes prestados, arcados pelos demais trabalhadores no pagamento de impostos ao Estado. Contudo, é necessário levar também à discussão a questão das pessoas aptas ao trabalho, mas que não são absorvidas pelo mercado. Obviamente, por outro lado, dentre a população em situação de rua, há idosos e deficientes, que devem receber a assistência adequada de profissionais, que podem até tentar levantar a possibilidade dos laços familiares que, pela invalidez, aqueles não têm condição de realizar. Num geral, é preciso notar que o trabalho permanece como determinante na estruturação capitalista, ainda que a reestruturação produtiva contemporânea seja pautada em prevalência na tecnologia, o que pode reduzir a oferta de postos de trabalho. 9 Trata-se de reportagem do dia 19 de julho de 2017, via rádio globo CBN notícias, cujo link encontra-se nas referências. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202476 Além disso, “o trabalho é atividade dos seres humanos na construção de respostas às suas necessidades; e nas condições em que se realiza na sociedade capitalista, em que é visto como criador de novas mercadorias e gerador do valor das mercadorias” (Silva, 2009, p. 22). Veja-se que “a produção é, pois, uma atividade social e histórica. E, como tal, não produz apenas objetos materiais, mas relações sociais entre pessoas, classes, embora essas relações estejam ligadas a coisas e aparecem como coisas” (p. 39). Aliás, “a produção social é também a produção de ideias e representações que expressam essas relações sociais” (p. 39-40). Na verdade, as perspectivas neoliberais exigem no mercado de trabalho o potencial de produtividade e alcance de metas que, muitas vezes, a pessoa em situação de rua não é capacitada. No entanto, o trabalho, historicamente, sempre será visto como criação de coisas úteis e condição indispensável à existência dos seres humanos, seja para satisfação das necessidades da vida material, seja por necessidades justamente históricas: O trabalho, em seu processo de realização, ou seja, como atividade concreta do processo de trabalho, é uma atividade consciente dos seres humanos de transformação da natureza, orientada para o fim de satisfazer as suas necessidades, sejam elas as necessidades de reprodução da vida material ou outras necessidades historicamente construídas, inclusive a de dar continuidade ao conjunto da vida social, a um determinado estágio de sociabilidade. (SILVA, 2009, p. 43). Pelo exposto, vislumbra-se dois corolários. O primeiro é a constatação do trabalho como atividade de realização histórica do ser humano, até ser imposta. Segundo, a inserção do morador de rua no mercado empregatício demanda uma rede de organização e adaptação, com abrangência de aspectos até imateriais. Desse último, percebe-se: Existem muito mais aspectos envolvidos e relacionados que são provocadores e que fazem a manutenção da permanência nas ruas. Mesmo havendo dinheiro, uma pessoa sozinha, tendo sofrido experiências de ruptura que o levam a rua, entre tantas decepções possíveis, muitas vezes precisa de mais do que o salário para conseguir sair dessa situação. Por outro lado, as drogas aparecem como uma questão de saúde pública. O aspecto referido como doença, mostra a força esmagadora que ela pode vir a ter sobre a autonomia dos sujeitos. (MELO, 2011, p. 78). Não é apenas um salário que possui o condão de propiciar a saída das ruas. As experiências de ruptura, a ausência de autonomia do indivíduo e/ou outras realidades podem dificultar o processo. É substancial evocar o tema emprego na pesquisa direcionada à população de rua, contudo é curioso notar que a sociedade “classifica o emprego como uma chave - a chave - para solução dos problemas ao mesmo tempo da identidade pessoal socialmente aceitável” (Bauman, 2005b, p. 19). Caminhando ao fim deste artigo, destaca-se que às vezes uma certa rotina na rua (negociar a vida nas ruas) é mais simples do que se ativar numa empresa, haja vista a habituação àquela e pelos vínculos de amizade que surgiram. Para Anderson e Snow (1998) nem sempre o emprego é algo perseguido com Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 77 compromisso interno. Ora, a ação e a cognição, conforme aduzem, podem estar alinhadas, mas não necessariamente. “O comportamento de alguns indivíduos pode se ancorar no estilo de vida da subcultura de rua, desde que a orientação cognitiva deles em relação a si mesmos e ao futuro se enraíze em outra parte. Inversamente, alguns se identificam e expressam compromisso interno com a vida nas ruas” (Anderson e Snow, 1998, p. 82), o que muitas vezes está relacionado ao tempo de exposição na rua. Ademais, como dito, alguns fatores da vida diária interferem no desempenho no emprego, até mesmo problemas com alcoolismo ou problemas físicos desenvolvidos durante a permanência na rua. Doenças como pneumonia, úlceras e até de articulações são muito comuns e ter que lidar com isso, na dinâmica de horários e burocracias empresariais, é um desafio muitas vezes descomunal. Pessoas que, há anos, não usam um banheiro convencional ou não possuem um relógio, têm até a atenção perturbada, pelos próprios perigos da rua, gerando algumas angústias. Também, conforme já aventado, o hábito da rua pode gerar discrepâncias cognitivas, inclusive pelo fato de se comer mal e beber muito pouco água. Assim, muitas vezes, as políticas públicas ou as iniciativas particulares preferem apenas fornecer o acomodamento, possibilitando que ao menos não durmam na rua, visto a dificuldade enorme de engajar no mercado de trabalho. No entanto, é preciso reforçar que essa não é a melhor política pública para o segmento, pois a inserção no mercado de trabalho deve sim ser fomentada, mas com todos os acompanhamentos e possibilidades adequadas que se fazem imprescindíveis, inclusive trabalhando conjuntamente a lógica da moradia. O morador de rua tem muita tendência de se concentrar no presente, haja vista que sua sobrevivência necessita de ajudas imediatas. Assim, programar um futuro, esperar sua vez, esperar o tempo certo, é algo difícil para ser rapidamente assimilado. Ao se trazer tais perspectivas, não se quer associar a adaptação a um emprego com atributos dos indivíduos, mas o debate está nas situações que os incapacitam e têm que ser superadas. Imperioso, novamente e também, indagar se há de fato oportunidade de trabalho a esse segmento populacional, seja antes ou depois da situação de rua. Por tudo isso, a importância, numa ótica sustentável, de se fortalecer: as oportunidades de trabalho por intermédio de políticas específicas para esse segmento da população e fomentar por exemplo cooperativas; o empenho para que esses indivíduos possuam preferencialmente garantias empregatícias de um trabalho formal (“fichado”); o acompanhamento contínuo, realizado pela rede (uma rede multissetorial por exemplo da Prefeitura), tanto pela heterogeneidade do segmento, pelas limitações, como pelas dificuldades de adaptação por parte de empregado e empregador;e o respeito à autonomia do indivíduo e à sua condição de ser humano, que pode ancorar sua cognição em outro estilo de sobrevivência. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202478 4. CONCLUSÃO No exposto, não se quis chegar a um debate ou solução para evitar a situação de rua, tampouco para tirar as pessoas dessa condição. Quem dera. Precaver ou resolver não foi a discussão em foco neste simples artigo. O que se quis, de fato, foi abrir mais uma janela no pensamento, quando se fala em trabalho e emprego no Brasil, com suas questões de desemprego, emprego salubre física e mentalmente, outros direitos trabalhistas, violações a direitos trabalhistas. Em toda essa discussão, existe um segmento composto de milhares de pessoas (população em situação de rua) em que ao menos grande percentual dele lamenta nas ruas o que o mercado de trabalho fez e/ou lhe faz. REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Tradução de Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. ANDERSON, Leon; SNOW, David. Desafortunados: um estudo sobre o povo da rua. Tradução de Sandra Vasconcelos. Petrópolis: Vozes, 1998. ANDRADE, Laura Martins Maia de. Meio ambiente do trabalho e ação civil pública trabalhista. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2003. BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2005, p. 19. BIZAWU, Kiwonghi; HENRIQUE, Lisiane Aguiar. Meio ambiente e redução das desigualdades e da pobreza. Revista da AGU, Brasília, v.16, n.03, p.197-216, 2017. BRASIL. Manda executar o Código Criminal. Código Criminal do Império do Brazil: dos Crimes, e das Penas. Lei de 16 de dezembro de 1830. Disponível em: https://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/lim/LIM-16-12-1830.htm. Acesso em: 22 set. 2017. BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto-Lei nº 5.452, de 01 de maio de 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 01 maio 2016. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 26 maio 2016. BRASIL. Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências. Decreto nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007- 2010/2009/decreto/d7053.htm. Acesso em: 15 jul. 2017. BRASIL. Lei das Contravenções Penais. Decreto-Lei nº 3.688 de 03 de outubro de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm. Acesso em: 22 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-16-12-1830.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/LIM-16-12-1830.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7053.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7053.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 79 set. 2017. BRASIL. Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua. Brasília: maio de 2008. Disponível em: https://www.justica.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/ files/documento/2019-08/pol.nacional-morad.rua_.pdf. Acesso em: 15 jul. 2017. CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Guia de Atuação Ministerial: defesa dos direitos das pessoas em situação de rua. Brasília: CNMP, 2015. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/Guia_Ministerial_CNMP_ WEB_2015.pdf. Acesso em: 21 set. 2017. FARIA, Tiago Guilherme. OLIVEIRA, Anna Flora Carvalho de. ROCHA, Gabrielle Leite. VILHENA, Sielen Barreto Caldas de. Entraves para o desenvolvimento de uma cooperativa popular: o caso da COOPMULT. Salvador (BA): XVI Encontro Nacional da ABET 3 a 6/9/2019, UFBA Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2024. FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. 3 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. FUNDAÇÃO INSTITUTO DE PESQUISAS ECONÔMICAS. Censo da população em situação de rua da cidade de São Paulo, 2015, Resultados. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2017. GRAGNANI, Juliana. Ação de Doria para moradores de rua tem de demissão a autoestima em alta. Folha UOL, São Paulo, 10 abr. 2017. Disponível em . Acesso em: 21 set. 2017. HENRIQUE, Lisiane Aguiar. Labirintos e paradoxos: constituição dos direitos humanos é marcada por lutas e resistência. Dom Total, em 19 j a n 2017. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2017. HENRIQUE, Lisiane Aguiar. Conversão ecológica: preceito da encíclica Laudato’si numa conjunção social. In: Direito ambiental e socioambientalismo II - Organização Conpedi Montevidé - Uruguai.; coord: Misailidis, M.G.L.M; Tybusch, J.S.; Carnelli, C.C. - Santa Catarina: CONPEDI, 2016, p. 100-118. Disponível em: . Acesso em: 22 set. 2017. JUSTO, Marcelo Gomes. A fresta - ex-moradores de rua como camponeses num assentamento pelo MST. São Paulo: Humanitas, 2008. LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. saberes. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. 11 ed. Petrópolis: Vozes, 2015. MELO, Tomás Henrique de Azevedo Gomes. A rua e a sociedade: articulações políticas, socialidade e a luta por reconhecimento da população em situação de rua. 2011. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes do Departamento de Antropologia, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Curitiba, 2011. Disponível em: . Acesso em: 20 set. 2017. https://www.justica.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2019-08/pol.nacional-morad.rua_.pdf https://www.justica.pr.gov.br/sites/default/arquivos_restritos/files/documento/2019-08/pol.nacional-morad.rua_.pdf https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/Guia_Ministerial_CNMP_WEB_2015.pdf https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/Guia_Ministerial_CNMP_WEB_2015.pdf about:blank about:blank http://www/ http://www1.folha.uol.com.br/ http://domtotal.com/noticia/1117547/2017/01/labirintos-e-paradoxos-constituicao-dos- http://www.conpedi.org.br/ http://www.humanas.ufpr.br/portal/ppga/files/2012/04/A-Rua-e-a- Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202480 MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA. População em Situação de Rua: diagnóstico com base nos dados e informações disponíveis em registros administrativos e sistemas do Governo Federal. Brasília, agosto de 2023. Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2024. MPMG. Rua do respeito: MPMG, TJMG e Servas lançam projeto em defesa dos direitos das pessoas em situação de rua. 17 set. 2015. Disponível em: área judiciária de um tribunal federal trabalhista confirma a importância de manter relações profissionais saudáveis e promover o bem-estar das pessoas nas organizações, especialmente sob o aspecto emocional. Afinal, as organizações têm nas pessoas seu maior valor e nelas devem focar seus esforços para manter uma ambiência de trabalho favorável ao desenvolvimento dos colaboradores e dos objetivos Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202414 organizacionais. Nesse contexto, é importante perceber as duas principais perspectivas do trabalho emocional: por um lado, contribui para a promoção de bons relacionamentos, reconhecimento e ascensão profissional; por outro, o esforço de regulação emocional é desgastante para os indivíduos - psicológica, emocional e fisiologicamente. A maior parte da literatura científica se debruça exclusivamente sobre o estudo das repercussões negativas do esforço de inibição emocional para o trabalhador, sob os aspectos psicológico e fisiológico (Hochschild, 1983; Grandey, 2000; Gross; Levenson, 1997). Poucos estudiosos abordam o trabalho emocional como potencialmente benéfico para o trabalhador, sob a perspectiva da sua utilidade como forma de incrementar a performance social no ambiente laboral (Rafaeli; Sutton, 1991). Há uma lacuna científica relevante no desenvolvimento de intervenções institucionais que efetivamente promovam melhorias para trabalhadores e organização no contexto do trabalho emocional. De todo modo, as pesquisas já desenvolvidas apresentam uma conclusão em comum: a percepção do trabalho emocional como um esforço pessoal que promove o sucesso das organizações, mas que não beneficia o trabalhador na mesma proporção. Esse desequilíbrio entre os interesses da organização e dos seus colaboradores atenta contra o bem-estar das pessoas nas organizações, tema de relevância mundial, inserto na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), alinhado com os seguintes Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): ODS 3 – Saúde e bem-estar: assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. ODS 8 – Trabalho decente e crescimento econômico: promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos. ODS 16 – Paz, justiça e instituições eficazes: promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis. Este artigo apresenta o diagnóstico do trabalho emocional no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT21), órgão do Poder Judiciário Federal instalado no Estado do Rio Grande do Norte que elenca a valorização das pessoas como valor institucional, porém, relata crescimento de relatos de insatisfação, assédio, discriminação e sentimento de desvalorização e não pertencimento das pessoas. Através da investigação da correlação do trabalho emocional com variáveis pessoais e organizacionais que, por hipótese, impactam o bem-estar dos trabalhadores do Poder Judiciário brasileiro, pretende-se contribuir para o esclarecimento das repercussões do trabalho emocional para o indivíduo, de modo a balizar a efetiva atuação da organização em favor da saúde emocional dos seus colaboradores, em especial no atual cenário mundial, pós-pandêmico, no qual as pessoas e as organizações estão passando por adaptações e transformações decorrentes dos anos de isolamento social, medo e incertezas, tanto nas empresas privadas, quanto nas instituições públicas. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 15 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Trabalho emocional: conceituação A tradicional sociedade baseada na produção agrícola ou industrial não existe mais. A lógica de produção industrial - de multiplicar o mesmo produto, massificando-o para um número cada vez maior de consumidores - foi superada no século XXI, com a revolução tecnológica e informacional vivenciada pelo mundo. Atualmente, a lógica produtiva é regida pela necessidade de multiplicar o mesmo produto em novas versões, num processo de constante diferenciação, para o mesmo segmento e o mesmo número de consumidores. Nesse processo se baseia a sociedade do conhecimento, centrada nos indivíduos, “Trata-se de uma revolução que agrega novas capacidades à inteligência humana e muda o modo de trabalharmos juntos e vivemos juntos” (González De Gomez, 1997). O mundo globalizado da sociedade do conhecimento acarretou mudanças significativas no mercado de trabalho. O conceito de emprego (mão-de-obra subordinada a um empregador, condicionado a seguir ordens) vem sendo substituído pelo de trabalho, mais amplo, que não mais exige do trabalhador um conhecimento perene, estático e imutável, este deve ser agregado a outros vieses, como criatividade, senso crítico, autonomia e adaptabilidade rápida às mudanças da sociedade (“saber conhecer”). A criatividade e a disposição para capacitação permanente são requeridas e valorizadas. As competências técnicas (“saber fazer”) não bastam mais para garantir sucesso profissional, devem estar associadas às capacidades de decisão, adaptação a novas situações e comunicação (“saber ser”), bem assim de fomentar relacionamentos interpessoais saudáveis e o trabalho em equipe (“saber conviver”). No campo do “saber conviver” no trabalho, em que todos são afetados de alguma forma, em maior ou menor proporção, a depender das características de cada indivíduo, insere-se o trabalho emocional, enquanto causa e consequência das repercussões pessoais e organizacionais das interações sociais dos indivíduos no ambiente de trabalho. A psicologia do trabalho tem cada vez mais se voltado para o estudo do trabalho emocional. Desde os primeiros ensaios (Hochschild, 1979; Fineman, 1993; Grandey, 2000), os estudos sobre o tema comprovam que as emoções são manifestações de sentimentos úteis e valiosas na gestão das organizações. Essa constatação desencadeou o interesse e a necessidade de compreender como os trabalhadores, maior valor organizacional, expressam e regulam as emoções nas situações laborais, em confronto com os padrões de conduta normalizados e normatizados, expressa ou tacitamente, nas organizações. Apesar de alguns estudiosos tratarem emoções e sentimentos como sinônimos, esses conceitos apresentam distinções. A diferenciação feita por Fineman (2001) é esclarecedora: o sentimento é uma experiência privada, não exteriorizada, derivada dos pensamentos e sensações vivenciadas pelo indivíduo, enquanto a emoção é a manifestação do sentimento, passível de observação pelos demais. Nessa esteira, pode-se conceituar as emoções como alterações fisiológicas e corporais perceptíveis por terceiros, desencadeadas por estímulos internos ou externos, positivos ou Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202416 negativos, do indivíduo a determinado evento (sentimentos). São estados passageiros, mas intensos, que não podem ser total e conscientemente controlados pelo sujeito. Em outras palavras, as emoções são as respostas fisiológicas do corpo que preparam o organismo para a ação, tais quais batimentos cardíacos acelerados e variações na pressão arterial e na sudorese (Bonfim; Gondim, 2010). No ambiente profissional, assim como em outras situações cotidianas, o indivíduo está submetido aos impulsos naturais dos sentimentos. Mas, para se ajustar às regras de convívio social, deve regular a manifestação desses sentimentos, modulando a expressão das emoções de modo a melhor se adequar ao contexto que está vivenciando no momento. Os afetos impactam diretamente - de formacomunicacao/noticias/rua-do-respeito-mpmg-tjmg-e-servas-lancam-projeto-em-defesa-dos- direitos-das-pessoas-em-situacao-de-rua.htm#.WftzVNWnF5U>. Acesso em: 17 set. 2017. NICOLAU, André. Programa Trabalho Novo capacita ex-moradores de rua em SP. Catraca Livre, 12 de abr. 2019. Disponível em: . Acesso em: 13 jun. 2024. O GLOBO. Moradores de rua são acordados com jatos de água fria em SP, diz CBN. 19 jul. 2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/moradores-de-rua-sao-acordados- com-jatos-de-agua-fria-em-sp-diz-cbn-21607407 . Acesso em: 19 jul. 2017. PREFEITURA DE SÃO PAULO. Trabalho novo. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2017. ROSA, CLEISA MORENO MAFFEI. Vidas de rua. São Paulo: Hucitec Associação Rede Rua, 2005. REDE CIDADÃ. Quem somos: Rede Cidadã. Disponível em: . Acesso em: 21 set. 2017. SILVA, Maria Lúcia Lopes da. Trabalho e população em situação de rua no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS: Mutirão realiza prestação de serviços às pessoas em situação de rua. Belo Horizonte, novembro 2023. Disponível em: . Acesso em: 14 jun. 2014. VASCONCELOS, Ruth. In: PINTO, João Batista Moreira; SOUZA, Eron Geraldo de. (Org). Os direitos humanos como um projeto de sociedade: desafios para as dimensões política, socioeconômica, ética, jurídica e socioambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p.143- 162. http://www.gov.br/ http://www.gov.br/ http://www.mpmg.mp.br/ http://www.mpmg.mp.br/ https://catracalivre.com.br/carreira/projeto-trabalho-novo-capacita-ex-moradores-de-rua-em-sp/ https://catracalivre.com.br/carreira/projeto-trabalho-novo-capacita-ex-moradores-de-rua-em-sp/ https://oglobo.globo.com/politica/moradores-de-rua-sao-acordados-com-jatos-de-agua-fria-em-sp-diz-cbn-21607407 https://oglobo.globo.com/politica/moradores-de-rua-sao-acordados-com-jatos-de-agua-fria-em-sp-diz-cbn-21607407 http://www.capital.sp/ https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/mutirao-realiza-prestacao-de-servicos-as-pessoas-em-situacao-de-rua.htm https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/mutirao-realiza-prestacao-de-servicos-as-pessoas-em-situacao-de-rua.htm https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/mutirao-realiza-prestacao-de-servicos-as-pessoas-em-situacao-de-rua.htm https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/mutirao-realiza-prestacao-de-servicos-as-pessoas-em-situacao-de-rua.htm Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 81 A INDÚSTRIA 4.0 E O DIREITO FUNDAMENTAL DE PROTEÇÃO EM FACE DA AUTOMAÇÃO (ART. 7º, XXVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL): UMA INTERPRETAÇÃO À LUZ DO MÉTODO GRAMATICAL E DO MÉTODO TÓPICO-PROBLEMÁTICO Yara Maria Pereira Gurgel Tiago Batista dos Santos Ricardo Galvão de Sousa Lins RESUMO Investiga-se a interpretação do artigo 7º, XXVII, da Constituição Federal, sob os modelos gramatical (hermenêutica clássica) e tópico-problemático (hermenêutica constitucional). A investigação é justificada pela ameaça de extinção ou de precarização das relações de trabalho, provocada pela “Indústria 4.0”. Utilizou-se o método bibliográfico qualitativo. Os resultados encontrados foram: (I) a interpretação gramatical revela que a automação não é uma mazela a ser combatida, tratando-se apenas de um fenômeno em face do qual os trabalhadores têm direito fundamental à proteção, a depender de regulamentação infraconstitucional; (II) a interpretação tópico-problemática revela que é admissível a atuação regulatória do Poder Executivo, respeitado o princípio da legalidade, sendo que a legislação eventualmente editada deve conter, no mínimo, quatro abordagens: privacidade no ambiente trabalho, controle final por humanos (abordagem “humano-no-comando”), qualificação dos trabalhadores e indenização especial na hipótese de ruptura contrato de trabalho. Palavras-chaves: indústria 4.0; modelo gramatical; método tópico-problemático; direito fundamental; direito à proteção; Constituição Federal. ABSTRACT The interpretation of article 7º, XXVII, of the Federal Constitution is investigated, under the grammatical (classical hermeneutics) and topical-problematic (constitutional hermeneutics) models. The investigation is justified by the threat of extinction or precarization of work relationships, caused by “Industry 4.0”. The qualitative bibliographic method was used. The results found were: (I) the grammatical interpretation reveals that automation is not a problem to be combated, it is simply a phenomenon in the face of which workers have a fundamental right to protection, depending on infraconstitutional regulation; (II) the topical-problematic interpretation reveals that the regulatory action of the Executive Branch is admissible, respecting the principle of legality, and that the legislation eventually enacted must contain, at least, four approaches: privacy in work environment, final control by humans (“human-in-command” approach), worker qualification and special compensation in the event of a termination of employment contract. Keywords: industry 4.0; grammatical model; topical-problematic method; fundamental right; right to protection; Federal Constitution. 1. INTRODUÇÃO O fenômeno denominado “Indústria 4.0” (ou “quarta revolução industrial”) vem alterando rápida e profundamente o modo de produção e de prestação de serviços, com evidentes reflexos nas relações de trabalho, que passam a estar ameaçadas de extinção ou de Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202482 precarização. Nesse cenário, é relevante investigar a interpretação do artigo 7º, XXVII, da Constituição Federal (C.F.), que estabelece o direito fundamental de proteção dos trabalhadores em face da automação, sob os métodos gramatical e tópico-problemático. A seleção dos métodos teve a finalidade de ilustrar as diferenças entre a hermenêutica clássica — a que pertence o método gramatical — e a hermenêutica constitucional — a que pertence o método tópico- problemático. Quanto ao plano de trabalho, a primeira etapa consiste em definir o fenômeno da Indústria 4.0; a segunda etapa, em apresentar a teórica central de cada um dos métodos selecionados, aplicando-os na tarefa de interpretação do artigo 7º, XXVII, da C.F.; na terceira e última etapa, serão apresentadas as conclusões do estudo. Na elaboração de todas as etapas, foram utilizados trabalhos da doutrina especializada, bem como documentos de organismos internacionais e institutos de pesquisa. 2. A INDÚSTRIA 4.0 (QUARTA REVOLUÇÃO EMPRESARIAL) Embora não exista consenso sobre o que seja uma “revolução industrial”, normalmente são identificadas quatro revoluções industriais (NATIONAL ACADEMY OF SCIENCE AND ENGINEERING, 2013, p. 5)1, sendo a primeira caracterizada pela utilização de equipamentos de manufatura mecânicos, movidos a água ou vapor, a partir do final do século XVIII; a segunda, pelo advento de tecnologias de produção em massa, providas por energia elétrica, no alvorecer do século XX; a terceira, pela popularização de eletrônicos e da tecnologia da informação nas fábricas, e a quarta revolução industrial, também conhecida como “indústria 4.0”2, caracterizada pela Internet das Coisas (em inglês, Internet of Things, IoT) e pelos Sistemas Ciber-físicos (em inglês, no singular, Cyber-physical system, CPS) (Liao; Loures; Deschamps; Brezinski; Venâncio, 2017, p. 1-2). De sua feita, a IoT pode ser definida como uma infraestrutura de rede de dinâmica global, com capacidades deauto-configuração baseadas em protocolos de comunicação interoperáveis e padronizados, na qual “coisas” físicas e virtuais possuem identidades, atributos físicos, personalidades e usam interfaces inteligentes, e são perfeitamente integrados na rede de informação (CERP, 2009, p. 4)3. Por outro lado, o CPS é uma evolução do sistema embutido (ou “sistema embarcado”), sendo este último definido como um sistema computacional dedicado ao controle de algum equipamento, por exemplo, o semáforo de um cruzamento rodoviário (GERMAN TRADE & INVEST. s.d., p. 8)4. Nesse caminho, se o sistema embutido do semáforo apenas controlava a sequência e o tempo de acionamento das luzes, o CPS é uma forma evoluída, que conecta em rede os semáforos da cidade, e utiliza inteligência artificial para decidir sobre a melhor forma 1 No original: “The first three industrial revolutions came about as a result of mechanization, electricity and IT. Now, the introduction of the Internet of Things and Services into the manufacturing environ- ment is ushering in a fourth industrial revolution”. 2 Conferir Ribeiro (2017, p. 9) sobre o termo “Indústria 4.0” que surgiu na Feira de Hanôver (capital do Estado da Baixa Saxônia, Alemanha, também grafado “Hanover” ou, em alemão, “Hannover”), tendo constado do relatório final apresentado em 2013 por um grupo de trabalho presidido por Siegfried Dais e Henning Kagermann, documento no qual foram feitas recomendações ao Governo Alemão para implementar um modelo industrial em que máquinas, sistemas e ativos estão interligados, criando “fábricas inteligentes”. 3 No original: “The Internet of Things is an integrated part of Future Internet and could be defined as a dynamic global network infrastructure with self configuring capabilities based on standard and interoperable communication protocols where physical and virtual “things” have identities, physical attributes, virtual personalities and use intelligent interfaces, and are seamlessly integrated into the information network”. 4 Conferir ITPro (2019): os sistemas embutidos estão presentes em vários equipamentos modernos, desde máquinas de lavar até carros. Em um carro, há vários sistemas embutidos, dedicados ao controle, por exemplo, do sistema de tração, da navegação por GPS, mecanismos de estabilidade e airbags. Disponível em: https://www.itpro.co.uk/hardware/30317/ what-is-an-embedded-system. Acesso em: 15 jan. 2020. http://www.itpro.co.uk/hardware/30317/what-is-an-embedded-system http://www.itpro.co.uk/hardware/30317/what-is-an-embedded-system Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 83 de acionamento deles, com vistas a permitir um melhor fluxo do trânsito. Tratando-se de um fenômeno recente, e ainda em curso, é natural que existam outras definições da Indústria 4.0, algumas de caráter marcadamente analítico, extenso. Por exemplo, Schwab afirma que a quarta revolução industrial possui três características fundamentais: velocidade exponencial, em contraste com as revoluções anteriores, que progrediram linearmente; amplitude e profundidade, pois combina amplamente as tecnologias, alterando de modo profundo a sociedade; e o impacto sistêmico, porque afeta desde as relações entre países até as relações humanas (Schwab, 2016, p. 13). O autor enumera, ainda, os impulsionadores tecnológicos da Indústria 4.0 em três categorias, quais sejam, veículos autônomos, impressão 3D, robótica avançada, novos materiais (categoria física), IoT (categoria digital) e biotecnologia (categoria biológica) (Schwab, 2016, p. 23-24; 26; 29). A despeito da definição que seja adotada, o crucial é perceber que a Indústria 4.0 pode ter um efeito prejudicial sobre o mercado de trabalho, pelo menos no horizonte próximo, porque o efeito destrutivo, decorrente da automação, que substitui o trabalho pelo capital, vem em primeiro lugar, e o efeito capitalizador, no qual o capital provoca a aparição de novas empresas e profissões, vem apenas em segundo lugar (Schwab, 2016, p. 41-42). Nesse contexto é que deve ser indagada qual a interpretação do artigo 7º, XXVII, da C.F. 3. O MÉTODO GRAMATICAL NA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 7º, XXVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL De partida, é curial ressaltar que o artigo 7º, XXVII, da C.F., estabelece um “direito fundamental”, categoria que abrange os direitos humanos consagrados na ordem constitucional positiva de um determinado Estado, correspondendo, no caso do Brasil, aos direitos individuais e coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos (Sarlet, 2004, p. 34-36). Dito isto, pode-se afirmar que o método gramatical, também conhecido como método filológico, recomenda que as palavras (e as relações entre elas) sejam o ponto de partida da interpretação de uma norma jurídica. Assim, para fixar o sentido e o alcance de um preceito normativo, o intérprete deve inicialmente examinar os signos linguísticos. Além de constituir o início da interpretação, o exame da literalidade da norma jurídica é também o limite da atividade interpretativa (Bastos, 2002, p. 58), não podendo o intérprete se afastar completamente dos significados mínimos das palavras que constituem o enunciado normativo. Realmente, o método gramatical, que compõe a chamada hermenêutica clássica, defende que o começo da interpretação, invariavelmente, será o texto normativo, devendo ser pressuposto a clareza deste (França, 1994, p. 50). Sem embargo de sua importância — pois o intérprete necessita da linguagem para tomar contato com a norma — o método gramatical não pode ser utilizado isoladamente (Peixinho, 2003, p. 35). Assim, inicia-se o estudo do artigo 7º, XXVII, da C.F., mediante a invocação do seu texto: “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: […] proteção em face da automação, na forma da lei”. Ao afirmar que a proteção deve ocorrer “em face da automação” e não “contra a automação”, a norma constitucional evidencia que a automatização da produção e da circulação de bens e serviços não é um mal em si mesmo, vale dizer, não é algo contra o qual se deva lutar. A diretriz constitucional apenas assegura aos trabalhadores o direito de estarem protegidos em face da automação que signifique medida de exclusão, acarretando eliminação drástica dos postos de trabalho (Coutinho, 2013, p. 609). Demais disso, a expressão “na forma da lei”, revela que se trata de norma constitucional de eficácia limitada, a qual, portanto, carece de regulamentação legal para que possa produzir integralmente seus efeitos (Silva, 2009, p. 148). Um exemplo de atuação do legislador para conferir eficácia ao artigo 7º, XXVII, da C.F., foi a edição da Lei Federal n. 9.956/2000, que proíbe Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202484 o funcionamento de bombas de auto-serviço nos postos de abastecimento de combustíveis5. Além da Lei Federal n. 9.956/2000, é possível mencionar a Convenção n. 158 da O.I.T., sobre o Término da Relação de Trabalho, cujo artigo 13 recomenda que o encerramento da relação de trabalho, por motivos tecnológicos, deve ser precedido de informes aos trabalhadores, explicitando as razões do término contratual, a quantidade de pessoas atingidas e a época em que as demissões ocorrerão. Adicionalmente, a Convenção n. 158 da O.I.T. prevê que, de acordo com a legislação e a prática nacionais, devem ser realizadas consultas com os representantes dos trabalhadores afetados, na tentativa de minimizar as consequências advindas da demissão, bem como devem ser notificadas às autoridades competentes. Nada obstante, a vigência da Convenção n. 158 da O.I.T. no plano nacional brasileiro está sub judice, ainda sem solução definitiva6. 4. O MÉTODO TÓPICO-PROBLEMÁTICO NA INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 7º, XXVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL O método tópico-problemático foicatalogado e examinado no artigo científico “Os métodos de interpretação constitucional: inventário e crítica”, de autoria do jurista alemão Ernst-Wolfgang Böckenförde, e divulgado na literatura jurídica brasileira por intermédio da obra de Canotilho (Silva, 2005, p.134). Na visão de Böckenförde, a recepção da tópica e do pensamento orientado a problemas como um método de interpretação constitucional deve começar pela visualização do problema que o método hermenêutico clássico deixa sem solução, senão totalmente, ao menos quando é aplicado à Constituição: diante da natureza fragmentária — muitas vezes indefinida — da Constituição, faz sentido recorrer ao procedimento tópico, orientado a problemas, a fim de combater a inadequação das regras de interpretação clássica e evitar o non liquet, o qual não é mais possível, haja vista a jurisdição constitucional existente (Böcken- Förde, 2011, p. 128). 5 Conferir Bandeira (2001, p. 166): há lição doutrinária no sentido de que a proibição, pura e simples, do funcionamento de bombas de auto-serviço fere a livre iniciativa, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, portanto a Lei n. 9.956/2000 seria inconstitucional; entretanto, esta doutrina ressalta ser possível a proibição de demissão dos frentistas. É interessante notar que a Lei do Estado de São Paulo n. 9.796, de 3 de outubro de 1997, proibiu a instalação e a operação de bombas do tipo auto serviço, no âmbito do Estado de São Paulo, tendo sido atacada por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 3113/SP, sob diversos argumentos, dentre eles o argumento de que teria havido invasão da competência privativa da União de legislar sobre direito do trabalho. Em sua manifestação, a Advocacia- Geral da União frisou que a declaração de inconstitucionalidade da Lei do Estado de São Paulo n. 9.796/1997 acarretaria a perda de cinquenta mil postos de trabalho. Finalmente, a ADI n. 3113/SP foi julgada prejudicada, em razão da superveniência da Lei Federal n. 9.956/2000, cujo texto é quase idêntico ao da lei paulista, tendo revogado esta última. 6 A Convenção n. 158 da O.I.T. foi aprovada na 68.a reunião da Conferência Internacional do Trabalho, entrando em vigor no plano internacional em 23 de novembro de 1985. No Brasil, a aprovação deste tratado internacional se deu pelo Decreto Legislativo n. 68, de 16 de setembro de 1992, do Congresso Nacional, sendo promulgado pelo Decreto Executivo n. 1.855, de 10 de abril de 1996. Contudo, houve denúncia da Convenção n. 158 da O.I.T. poucos meses depois, pelo Decreto Executivo n. 2.100, de 20 de dezembro de 1996 (Organização Internacional do Trabalho (O.I.T.). C158 — Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador. Disponível em: https://www.ilo.o rg/ brasilia/conven- coes/WCMS_236164/lang--pt/index.htm. Acesso em: 24 jan. 2020). Contra esta denúncia, foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 1625/UF, ainda sem julgamento definitivo, mas com a manifestação de seis votos, assim resumidos: os Ministros Maurício Corrêa (relator) e Carlos Britto votaram pela procedência, em parte, da ação para, emprestando ao Decreto Federal n. 2.100, de 20 de dezembro de 1996, interpretação conforme ao artigo 49, inciso I, da Constituição Federal, determinar que a denúncia da Convenção n. 158 da O.I.T. condiciona-se ao referendo do Congresso Nacional, a partir do que produz a sua eficácia plena; o Ministro Nelson Jobim votou pela improcedência da ação; os Ministros Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Teori Zavascki votaram pela total procedência da ação. Conforme o último registro de movimentação processual, em 6 de maio de 2019, os autos se encontram no Gabinete do Ministro Dias Toffoli ; conferir Brasil (1997). http://www.ilo.o/ Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 85 Na abordagem de Canotilho, o método tópico-problemático adota três premissas: (I) a índole prática da interpretação constitucional; (II) a natureza aberta das normas constitucionais; e (III) a predileção pelo debate dos problemas, em contraponto à abordagem da subsunção (Canotilho, 1993, p. 1163). É importante frisar que a “tópica” é uma maneira de pensar que se baseia em problemas, surgida na obra homônima do filósofo Aristóteles (Leite, 2001, p. 97). No campo jurídico, a tópica surge em 1953 com a obra Topik und Jurisprudenz de Theodor Viehweg, que retoma as lições aristotélicas e apresenta como ideia central a importância de se resgatar a argumentação tópica (Atienza, 2016, p. 37).. Após a flexão linguística de gênero, a “tópica” assume a forma “tópico”, para integrar a expressão “tópico-problemático”. A doutrina aponta que, no método tópico-problemático, a interpretação deve focar no problema, visto que o foco no próprio texto constitucional encontrará como obstáculos a natureza aberta da Constituição, cuja redação é insuficiente para desvelar o respectivo conteúdo normativo (Coelho, 62002, p. 163-18), sendo usual dizer-se que o método tópico-problemático inicia a análise com o problema para só depois voltar os olhos para a norma. De maneira concisa, pode-se asseverar que o nascimento de métodos específicos de interpretação constitucional, dentre eles o método tópico-problemático, tem origem nas seguintes circunstâncias: o caráter inicial da Constituição, porque ocupa o ápice do escalonamento normativo, não se remetendo a qualquer norma superior para buscar fundamento de validade; o caráter aberto do texto constitucional, cuja leitura deve se adaptar às alterações sofridas pela sociedade; o caráter sintético dos preceitos constitucionais, em contraste com a redação extensa dos preceitos normativos de outros ramos do direito; o caráter político da Constituição, que torna os métodos estritamente jurídicos insuficientes para resolver os conflitos interpretativos; e o caráter estruturante da norma constitucional, que governa a atividade do legislador, de modo que as técnicas usadas na interpretação do obra deste não teriam a mesma serventia quando aplicadas à interpretação da Constituição (Nishiyama, 2013, p. 93-94). No entanto, não basta descrever o método tópico-problemático em termos abstratos, porque, cuidando-se de um método de interpretação, sua plena compreensão depende de exemplos de aplicação na atividade interpretativa7. Diante disso, cumpre iniciar a análise averiguando os problemas que a Indústria 4.0 pode trazer para o mundo do trabalho. Nessa direção, é preciso lembrar que novos equipamentos, frutos da quarta revolução industrial, podem ser instalados não para substituir os trabalhadores, mas para monitorar o trabalho humano de maneira intensa e ampla, o que levanta questões quanto à preservação da privacidade no ambiente laboral. Acerca do tema, a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) assentou que o monitoramento, pelo empregador, das atividades on-line do empregado, conquanto em princípio seja lícito, deve observar a diretriz da proporcionalidade. Sem esgotar o que seriam medidas proporcionais, a CEDH mencionou ser recomen- dável ao empregador alertar o empregado acerca da possibilidade de monitoramento de seus correios eletrônicos (e-mail) e demais formas de comunicação eletrônica; possuir motivos legítimos a amparar a fiscalização das comunicações; e buscar continuamente formas menos invasivas de supervisão (CEDH. 2017, itens 121; 141). Sob a ótica do desemprego, segundo o Banco Mundial, de um conjunto de 35 países, incluindo desde países de baixa renda (a exemplo da Armênia) até países de alta renda (a exemplo da Dinamarca), menos de 15 % dos postos de trabalho correm grande risco de automação (Hallward-driemeier, 2017, p. 135). No Brasil, a partir de dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2017, constatou-se que as ocupações com probabilidade alta ou muitoalta de automação totalizam 7 Conferir Silva (2005, p. 134-136) sobre a carência de exemplos práticos notada por Silva: “Não se costuma examinar, por exemplo, quando se fala desse ou daquele método, como seria uma aplicação prática de cada um deles. As análises costumam limitar-se a expor a ideia teórica central de cada método. Isso é obviamente insuficiente, pois métodos não são um fim em si mesmos, mas existem para serem aplicados”. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202486 54,45 % (cinquenta e quatro inteiros e quarenta e cinco centésimo por cento) do total, e verificou- se que estas ocupações apresentam tendência de crescimento no quantitativo de trabalhadores, o que traz risco de desemprego em massa (Albuquerque, 2019). Após examinarem 702 profissões, com dados extraídos do Departamento do Trabalho dos EUA, Frey e Osborne concluíram que aproximadamente 47 % dos empregos no território americano possuem grande risco de serem automatizados. De acordo com os autores, a primeira onda de automação atingirá os postos de trabalho nas áreas de logística e transportes, juntamente com as áreas de escritório e suporte administrativo, visto que o custo dos veículos automatizados está em franco declínio, além do que os algoritmos de computador estão rapidamente ingressando nos domínios que dependem de armazenamento e acesso de informações (bancos de dados), os quais tipicamente recrutavam trabalhadores em setor administrativo; em acréscimo, a pesquisa concluiu que os trabalhadores de baixa qualificação serão os primeiros a sofrerem as consequências da automação dos postos de trabalho (Frey, 2017, p. 254-280). Também analisando a situação dos EUA, com enfoque não somente na profissão em si, mas nas tarefas relativas a ela, Chui, Manyika e Miremadi afirmam que, enquanto apenas 5% das profissões podem ser totalmente automatizadas, cerca de 30 % das tarefas relativas a 60 % das profissões podem ser feitas por procedimentos automatizados, o que implica uma redefinição dos papéis dos trabalhadores. Por exemplo, no tocante ao diagnóstico de problemas de saúde, a automação pode ser utilizada na identificação das doenças mais comuns, com grande precisão, deixando os médicos livres para focar atenção nos casos mais agudos ou incomuns. Ainda, os pesquisadores ressaltam que embora a correlação entre salários e possibilidade de automação seja estatisticamente significativa, a variabilidade é alta, de maneira que o patamar salarial não é um preditor forte do risco de automação, o que confronta com o senso comum (Chui, 2015, p. 5-7). Investigando a situação em Camboja, Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietnã, cinco países membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), Chang e Huynh encontraram que aproximadamente 56 % dos empregos estão sujeitos a alto risco de automação, gerando desemprego, nos próximos vinte anos. De maneira específica, no Camboja, país onde a produção de vestuário domina o setor manufatureiro, quase meio milhão de operadores de máquinas de costura estão sujeitos a um alto risco de automação; e na Tailândia, cerca de um milhão de vendedores de loja correm alto risco de verem suas funções automatizadas (Chang, 2016, p. 4). Por outro lado, Berger apresenta um prospecto positivo, de criação líquida de empregos no Leste Europeu, com perda de 8,3 milhões de postos de trabalho, mas surgimento de aproximadamente dez milhões de postos de trabalho até o ano 2035. Nessa perspectiva, a modernização associada à Indústria 4.0 permitirá uma melhor aplicação do capital, aspecto chave na geração de empregos, havendo um potencial de surgimento de postos de trabalho tanto na manufatura quanto em “novos serviços”, estes no campo da educação, saúde, lazer, mobilidade, entre outros (Berger, s.d., p. 15-18). De modo panorâmico, os estudos consultados ressaltam que as inovações tecnológicas de natureza disruptiva, relacionadas à Indústria 4.0, tem grande potencial de destruir postos de trabalho. Entretanto, cenários pessimistas do impacto da tecnologia sobre os níveis de emprego, ao longo da segunda metade do século XX, se mostraram exagerados (O.I.T., 2017, p. 24). Em verdade, o que se infere das discrepâncias entre os resultados dos estudos científicos é que o impacto de longo prazo da quarta revolução industrial sobre a quantidade de postos de trabalho ainda não pode ser aferido com exatidão. No curto prazo, porém, há convergência quanto à conclusão de que vários postos de trabalho serão eliminados ou profundamente modificados, devendo os respectivos trabalhadores receberem a proteção mencionada no artigo 7º, XXVIII, da C.F., sendo, agora, o momento de ir até a norma constitucional, para interpretá- la a partir do problema delineado. Um primeiro ponto de vista seria interpretar de maneira mais atenuada a “eficácia limitada” da norma constitucional em debate, haja vista a grande velocidade que se verifica na Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 87 quarta revolução industrial, se comparadas às três anteriores8. Nessa direção, além da atuação do legislador, é viável reconhecer ao Poder Executivo a prerrogativa de estabelecer atos de regulamentação da proteção em face da automação, sem descuidar do princípio da legalidade. Exemplo dessa atuação regulatória foi a edição da Portaria n. 340, de 4 de maio de 2000, pelo então Ministério do Trabalho e Emprego, que, com o intento de preservar a segurança dos trabalhadores de veículos de transporte coletivo de passageiros, condicionava a instalação de inovações tecnológicas à realização inspeção prévia pelo Auditor-Fiscal do Trabalho. Na prática, a fiscalização do trabalho passou a multar as empresas proprietárias de ônibus que circulavam sem cobradores por terem instalado catracas eletrônicas (inovação tecnológica) para substituir estes trabalhadores, sendo as multas jus- tificadas pelo prejuízo à segurança do motorista, que ficaria sozinho, com a atribuição de conduzir o veículo e de resolver eventuais problemas atinentes à cobrança de passagens, distraindo-o da função de condução veicular (FOLHA DE SÃO PAULO, 2.000)9. Não há que se cogitar de violação ao princípio da legalidade, porque razões de segurança no trabalho legitimam a atuação reguladora do Poder Executivo Federal, por força do artigo 200 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)10. No entanto, cumpre registrar que a Portaria n. 340, de 4 de maio de 2000, foi recentemente revogada pela Portaria n. 1417, de 19 de dezembro de 2019, editada pela atual Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia (SEPRT). Um segundo ponto de vista recai sobre as abordagens que devem figurar na legislação que eventualmente for editada para proteger os trabalhadores em face da automação. De pronto, é possível vislumbrar um mínimo de quatro abordagens: privacidade no ambiente de trabalho, controle final por humanos, qualificação dos trabalhadores e indenização especial na hipótese de ruptura contrato de trabalho. No tocante à proteção da privacidade, a legislação precisa limitar a espécie, quantidade e a destinação dos dados coletados dos trabalhadores, resguardando-lhes a vida privada. É relevante notar que a regulamentação desse aspecto não significa a simples transposição da guarida concedida pelo direito civil para a seara trabalhista, pois regular a maneira como o poder diretivo do empregador faz uso de dados, buscando evitar que a busca por crescimento da produtividade gere riscos ocupacionais e aumento de estresse nos empregados, tem pertinência atávica com o direito do trabalho (De Stefano, 2019, p. 29). No tocante ao controle final por humanos (abordagem “humano-no-comando”), (EESC, 2017)11, a legislação deve assegurar que a última palavra sobre o exercício do poder diretivo e disciplinar do empregadorseja dada por um ser humano. Com efeito, ainda que seja possível à inteligência artificial avaliar e determinar o ritmo da produção, a decisão final deve ser tomada por um ser humano, o mesmo se aplicando a questões disciplinares (De Stefano, 2019, p. 29). 8 Nas palavras de Schwab (2016, p. 13), a rapidez exponencial da quarta revolução industrial é resultado “do mundo multifacetado e profundamente interconectado em que vivemos” . 9 Conferir Giuliana sobre Portaria que obriga empresas a manter cobradores a partir de sexta. A reportagem da Folha de São Paulo esclarece, corretamente, que a obrigação é de manter os cobradores de ônibus, não havendo proibição de instalação das catracas eletrônicas. 10 Conferir Bandeira (2001, p. 165) sobre CLT, art. 200: “Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas de que trata este Capítulo [Da Segurança e da Medicina do Trabalho], tendo em vista as peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho […]”. Há posição doutrinária de que os Municípios, na qualidade de poder concedente do serviço de transporte urbano coletivo de passageiros (C.F., art. 30, V) podem inserir nos respectivos contratos de concessão, por ordem da Administração Municipal, a proibição das catracas eletrônicas nos ônibus, com vistas a preservar o emprego dos cobradores. 11 A abordagem “humano-no-comando” (em inglês, human-in-command) é preconizada pelo Comitê Econômico e Social Europeu, o qual prescreve como pré-condição para o desenvolvimento responsável, seguro e útil da inteligência artificial, que as máquinas permaneçam máquinas e que as pessoas mantenham o controle sobre essas máquinas o tempo todo. No original: “1.6 The EESC calls for a human-in-command approach to AI, including the precondition that the development of AI be responsible, safe and useful, where machines remain machines and people retain control over these machines at all times”. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202488 Acerca da necessidade de qualificação dos trabalhadores, cumpre rememorar que a formação intelectual ocupa posição nuclear na defesa do trabalhador em face da automação, sendo certo que o desafio de manter em harmonia o crescimento econômico, a criação de empregos e o trabalho de qualidade está na reinvenção dos trabalhadores, com esteio no treinamento, destinado a aquisição de habilidades digitais (Ciulli, 2018, p. 210). Por fim, no atinente à indenização especial devida em caso de ruptura contrato de emprego motivada por automatização do posto de trabalho, esta consequência indenizatória parece mais razoável do que proibir a automação em si, ou mesmo do que assegurar o emprego, independentemente da extinção da função, determinando o remanejamento do empregado dentro da empresa. Dessa forma, sem comprometer a competitividade empresarial12, que terá papel inegável na geração dos empregos futuros, é possível compartilhar, desde logo, os dividendos da quarta revolução industrial13. 5. CONCLUSÃO Diante do exposto, podem ser firmadas as seguintes conclusões: 1. A interpretação gramatical do artigo 7.º, XXVIII, da C.F. revela que (a) a escolha da expressão “em face da” — cuja carga semântica é neutra — em lugar do termo “contra” — cuja carga semântica é de negatividade — indica que a automação não é uma mazela a ser combatida, tratando-se apenas de um fenômeno em face do qual os trabalhadores têm direito fundamental à proteção; (b) a expressão “na forma da lei” significa que se trata de norma constitucional de eficácia limitada, a depender de regulamentação infraconstitucional para que possa produzir integralmente seus efeitos. 2. A interpretação tópico-problemática do artigo 7º, XXVIII, da C.F. resulta em que(a) a eficácia limitada deve ser interpretada de modo atenuado, admitindo a atuação regulatória do Poder Executivo, respeitado o princípio da legalidade, haja vista a velocidade com que as mudanças da quarta revolução industrial são implantadas; (b) a legislação que eventualmente for editada para proteger os trabalhadores em face da automação deve conter, no mínimo, quatro abordagens: privacidade no ambiente trabalho, controle final por humanos (abordagem “humano-no-comando”), qualificação dos trabalhadores e indenização especial na hipótese de ruptura contrato de trabalho. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Pedro et al. Na era das máquinas, o emprego é de quem? Estimação da probabilidade de automação de ocupações no Brasil. Brasília: LMFAO, 2019. Disponível em: https://lamfo.shinyapps.io/automacao/ .Acesso em: 25 jan. 2020. 12 Neste particular, é preciso reconhecer que a Indústria 4.0 é um movimento global, que tem angariado grande atenção na agenda de desenvolvimento de países como Alemanha, Estados Unidos, China, Japão e Coréia do Sul, sendo imprescindível formular e efetivar um plano de ação para viabilizar ao parque industrial brasileiro a capacidade de competir no mercado globalizado , para tanto conferir CNI (2016, p. 33-34). 13 A preocupação em dividir os dividendos tecnológicos justifica-se porque eles, até o momento, estão circunscritos aos setores digitais, não tendo se espraiado para outros setores da economia, com risco de aprofundamento de desigualdades, especialmente entre capital e trabalho, conferir O.I.T. (2017, p. 26). No original: “[…] so far the technological dividends generated in the digital sectors have not spilled over to the rest of the economy, and thus risk deepening some of the prevailing inequalities, notably between capital and labour”. https://lamfo.shinyapps.io/automacao/ Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 89 ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Tradução: Maria Cristina Guimarães Cupertino. 2. ed. São Paulo: Landy, 2016. BANDEIRA, Luiz Fernando. Proibição de bombas de auto-serviço em postos de gasolina e de catracas eletrônicas em ônibus: limites e possibilidades da ingerência estatal na empresa privada. Revista de informação legislativa, v. 38, n. 150, p. 157-166, abr.- -jun. 2001. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/686. Acesso em: 08 jan. 2020. BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 3. ed. São Paulo: Celso Bastos/IBDC, 2002. p. 58. BERGER, Roland. The Industrie 4.0 transition quantified. s.d., p. 15-18. Disponível em: https://www.rolandberger.com/publications/publication_pdf/roland_berger_indus- try_40_20160609.pdf. Acesso em: 25 jan. 2020. BÖCKENFÖRDE, Ernst-Wolfgang; GOSEWINKEL, Dieter. Wissenschaft, Politik, Verfassungsgericht: Aufsätze von Ernst-Wolfgang Böckenförde. Biographisches Interview von Dieter Gosewinkel. Berlim: Suhrkamp, 2011. Disponível em: https://cdn-assetservice. ecom-api.beck-shop.de/product/readingsample/8869043/9783518296066_excerpt_001.pdf Acesso em: 07 jan. 2020. BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 27 jan. 2020. BRASIL. Presidência da República. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho (CLT). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 09 ago. 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 27 jan. 2020. BRASIL. Presidência da República. Lei n. 9.956, de 12 de janeiro de 2000. Proíbe o funcionamento de bombas de auto-serviço nos postos de abastecimento de combustíveis e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jan. 2000. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9956.htm. Acesso em: 19 jan. 2020.BRASIL. Presidência da República. Portaria MTE n. 340, de 4 de maio de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 maio de 2000. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/ legislacao/?id=182276.Acesso em: 19 jan. 2020. BRASIL. Presidência da República. Portaria n. 1.417, de 19 de dezembro de 2019. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2019. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/ dou/-/portaria-n-1.417-de-19-de-dezembro-de-2019-234644241. Acesso em: 19 jan. 2020. BRASIL. Presidência da República. Supremo Tribunal Federal (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade: ADI 3113/SP. Relator: Ministro Eros Grau. DJ: 16/03/2005. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/14792101. Acesso em: 22 jan. 2020. https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/686 http://www.rolandberger.com/publications/publication_pdf/roland_berger_indus- http://www.rolandberger.com/publications/publication_pdf/roland_berger_indus- https://cdn-assetservice.ecom-api.beck-shop.de/product/readingsample/8869043/9783518296066_excerpt_001.pdf https://cdn-assetservice.ecom-api.beck-shop.de/product/readingsample/8869043/9783518296066_excerpt_001.pdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9956.htm https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=182276 https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=182276 http://www.in.gov.br/en/web/ https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/14792101 http://tinyurl.com/nff27ze Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202490 BRASIL. Presidência da República. Supremo Tribunal Federal (STF). Ação Direta de Inconstitucionalidade: ADI 1625/UF. Relator: Min. Maurício Corrêa. Pendente de julgamento. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1675413. Acesso em: 24 jan. 2020. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993. CEDH. Corte Europeia de Direitos Humanos. Bărbulescu v. Romania. Julgamento: 05 set. 2017. Disponível em: http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-177082. Acesso em: 21 jan. 2020. CERP. Internet of Things European Research Cluster (2009). Internet of Things: Strategic Research Roadmap. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/44962661/CERP-IoT- SRA-IoT-v11-pdf. Acesso em: 02 jan. 2020. CHANG, Jae-Hee; HUYNH, Phu. ASEAN in transformation: the future of jobs at risk of automation. International Labour Office, Bureau for Employers’ Activities. Genebra: O.I.T., 2016. Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dialogue/---act_emp/ documents/publication/wcms_579554.pdf. Acesso em: 23 jan. 2020. CHUI, Michael; MANYIKA, James; MIREMADI, Mehdi. Four fundamentals of workplace automation. Washington: McKinsey Global Institute, 2015. Disponível em: https://www. mckinsey.com/capabilities/mckinsey-digital/our-insights/four-fundamentals-of-workplace- automation Acesso em: 25 jan. 2020. CIULLI, Diego. L’economia delle piattaforme: trend tecnologici e trasformazioni del lavoro. In: CIPRIANI, Alberto; GRAMOLATI, Alessio; MARI, Giovanni (Ed.). Il lavoro 4.0: La Quarta Rivoluzione industriale e le trasformazioni delle attività lavorative. Firenze University Press, 2018. Disponível em: https://flore.unifi.it/retrieve/e398c37c-d7c3-179a-e053-3705fe0a4cff/ Causarano%20Orofessionalit%204.0%20finale.pdf.Acesso em: 17 jan. 2020. CNI. Confederação Nacional da Indústria. Desafios para a indústria 4.0 no Brasil: relatório. Brasília: CNI, 2016. Disponível em: https://www.portaldaindustria.com.br/publicacoes/2016/8/ desafios-para-industria-40-no-brasil/ Acesso em: 25 jan. 2020. COELHO, Inocêncio Mártires. Métodos — Princípios de interpretação constitucional. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 230, p. 163-186, out. 2002. ISSN 2238-5177. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4565164/mod_resource/ content/1/1.%20COELHO%2C%20Inoc%C3%AAncio.%20M%C3%A9todos%20e%20 Princ%C3%ADpios%20da%20Interpreta%C3%A7%C3%A3o%20Constitucional.pdf. Acesso em: 22 Jan. 2020. COUTINHO, Aldacy Rachid. Comentário ao artigo 7º, XXVII, da C.F. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang.; STRECK, Lenio Luiz. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013. DE STEFANO, Valerio. ‘Negotiating the Algorithm’: Automation, Artificial Intelligence and Labour Protection. Comparative Labor Law & Policy Journal, v. 41, n. 1, 2019. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3178233. Acesso em: 08 jan. 2020. http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1675413 http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-177082 https://pt.scribd.com/document/44962661/CERP-IoT-SRA-IoT-v11-pdf https://pt.scribd.com/document/44962661/CERP-IoT-SRA-IoT-v11-pdf http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dia- https://www.mckinsey.com/capabilities/mckinsey-digital/our-insights/four-fundamentals-of-workplace-automation https://www.mckinsey.com/capabilities/mckinsey-digital/our-insights/four-fundamentals-of-workplace-automation https://www.mckinsey.com/capabilities/mckinsey-digital/our-insights/four-fundamentals-of-workplace-automation https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4565164/mod_resource/content/1/1. COELHO%2C Inocêncio. Métodos e Princípios da Interpretação Constitucional.pdf https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4565164/mod_resource/content/1/1. COELHO%2C Inocêncio. Métodos e Princípios da Interpretação Constitucional.pdf https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4565164/mod_resource/content/1/1. COELHO%2C Inocêncio. Métodos e Princípios da Interpretação Constitucional.pdf https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4565164/mod_resource/content/1/1. COELHO%2C Inocêncio. Métodos e Princípios da Interpretação Constitucional.pdf Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 91 EESC. Comitê Econômico e Social Europeu. Opinião sobre “Inteligência artificial — As consequências da inteligência artificial no mercado único (digital), produção, consumo, emprego e sociedade”. Diário Oficial da União Europeia, C. 288, v. 60, 31 ago. 2017. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=OJ:C:2017:288:TOC. Acesso em: 17 jan. 2020. FRANÇA, Rubens Limongi. Hermenêutica jurídica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael A. The future of employment: How susceptible are jobs to computerisation?. Technological forecasting and social change, v. 114, p. 254-280, 2017. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/ S0040162516302244. Acesso em: 23 Jan. 2020. GTAI. Germany Trade & Invest. Agência de Comércio Exterior e Investimento Interno da República Federal da Alemanha. Smart Manufacturing for the Future. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/378680327/2014-01-14-Industrie-4-0-Smart-Manufacturing- for-the-Future-German-Trade-Investe. Acesso em: 02 jan. 2020. HALLWARD-DRIEMEIER, Mary; NAYYAR, Gaurav. Trouble in the Making? The Future of Manufacturing-Led Development. Washington: Banco Mundial, 2017. Disponível em: https://www.skillsforemployment.org/sites/default/files/2024-01/wcmstest4_194713.pdf Acesso em: 21 jan. 2020. ITPro. What is an embedded system?. Londres: Dennis Publishing, 2019. Disponível em: https://www.itpro.co.uk/hardware/30317/what-is-an-embedded-system. Acesso em: 15 jan. 2020. LEITE, George Salomão. Interpretação constitucional e tópico jurídico. 2001, 171 f. Dissertação (Mestrado em Direito) — Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. LIAO; LOURES; DESCHAMPS; BREZINSKI; VENÂNCIO, André. The Impact of the Fourth Industrial Revolution: a cross-country/region comparison. Pontifícia UniversidadeCatólica do Paraná, Curitiba, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/prod/a/ hRmXgtCKq6qbwMkK4nVkj8g/?lang=en. Acesso em: 22 jan. 2020, p. 1-2. MAGANE, Renata Possi. O método concretista da constituição aberta. Revista da Faculdade de Direito do Sul de Minas, Pouso Alegre, v. 25, n. 2, jul-dez 2009. Disponível em: https:// www.fdsm.edu.br/adm/artigos/1d466143fcaa8f66b451a0d053b25349.pdf. Acesso em: 15 jan. 2020. MARTINEZ, Luciano; MALTEZ, Mariana. O Direito Fundamental à Proteção em Face da Automação. Revista Nova Hileia, v. 2. n 2, jan-jun 2017. Disponível em: http:// repositorioinstitucional.uea.edu.br/handle/riuea/1253. Acesso em: 06 jan. 2020. NATIONAL ACADEMY OF SCIENCE AND ENGINEERING — ACATECH. Recommendations for implementing the strategic initiative industrie 4.0. final report of the industrie 4.0 working group. Frankfurt: ACATECH, 2013. Disponível em: https://www. acatech.de/wp-content/uploads/2018/03/Final_report__Industrie_4.0_accessible.pdf. Acesso em: 15 jan. 2020. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=OJ:C:2017:288:TOC https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0040162516302244 https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0040162516302244 https://pt.scribd.com/document/378680327/2014-01-14-Industrie-4-0-Smart-Manufacturing-for-the-Future-German-Trade-Investe https://pt.scribd.com/document/378680327/2014-01-14-Industrie-4-0-Smart-Manufacturing-for-the-Future-German-Trade-Investe https://pt.scribd.com/document/378680327/2014-01-14-Industrie-4-0-Smart-Manufacturing-for-the-Future-German-Trade-Investe https://www.skillsforemployment.org/sites/default/files/2024-01/wcmstest4_194713.pdf http://www.itpro.co.uk/hardware/30317/what-is-an-embedded-system http://www.itpro.co.uk/hardware/30317/what-is-an-embedded-system http://www.itpro.co.uk/hardware/30317/what-is-an-embedded-system https://www.scielo.br/j/prod/a/hRmXgtCKq6qbwMkK4nVkj8g/?lang=en https://www.scielo.br/j/prod/a/hRmXgtCKq6qbwMkK4nVkj8g/?lang=en http://www.fdsm.edu.br/adm/artigos/1d466143fcaa8f66b451a0d053b25349.pdf http://www.fdsm.edu.br/adm/artigos/1d466143fcaa8f66b451a0d053b25349.pdf http://www.fdsm.edu.br/adm/artigos/1d466143fcaa8f66b451a0d053b25349.pdf http://repositorioinstitucional.uea.edu.br/handle/riuea/1253 http://repositorioinstitucional.uea.edu.br/handle/riuea/1253 https://www.acatech.de/wp-content/uploads/2018/03/Final_report__Industrie_4.0_accessible.pdf https://www.acatech.de/wp-content/uploads/2018/03/Final_report__Industrie_4.0_accessible.pdf Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202492 NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. Os métodos de interpretação constitucional. Unisul de Fato e de Direito: revista jurídica da Universidade do Sul de Santa Catarina, [S.l.],v. 4, n. 7, p. 77-95, nov. 2013. ISSN 2358-601X. Disponível em:https://portaldeperiodicos.animaeducacao. com.br/index.php/U_Fato_Direito/article/view/19531. Acesso em: 23 jan. 2020. O.I.T. Organização Internacional do Trabalho. C158 — Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador. Disponível em: https://www.ilo.org/pt-pt/resource/c158-termino- da-relacao-de-trabalho-por-iniciativa-do-empregador. Acesso em: 24 jan. 2020. O.I.T. Organização Internacional do Trabalho. Inception Report for the Global Commission on the Future of Work. 2017. Disponível em: https://www.ilo.org/media/420216/download. Acesso em: 04 jan. 2020. PEIXINHO, Manoel Messias. A interpretação da Constituição e os princípios fundamentais: elementos para uma hermenêutica constitucional renovada. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. RIBEIRO, Joaquim Meireles. O conceito da indústria 4.0 na confecção: análise e implementação. 2017, 82 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Têxtil) – Escola de Engenharia, Departamento de Engenharia Têxtil, Universidade do Minho, Braga, 2017. ROVAI, Giuliana. Portaria obriga empresas a manter cobradores a partir de sexta. Folha de S. Paulo, São Paulo, 04 maio de 2000. Disponível em: https://www.folha.uol.com.br/fol/ geral/ ult04052000275.htm. Acesso em: 15 dez. 2019. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2009. SILVA, Virgílio Afonso da. Interpretação constitucional e sincretismo metodológico. In: Interpretação constitucional. São Paulo: Malheiros, 2005. Disponível em: https://constituicao.direito.usp.br/wp-content/uploads/2005-Interpretacao_e_sincretismo.pdf. Acesso em: 22 jan. 2020. https://www.ilo.org/pt-pt/resource/c158-termino-da-relacao-de-trabalho-por-iniciativa-do-empregador https://www.ilo.org/pt-pt/resource/c158-termino-da-relacao-de-trabalho-por-iniciativa-do-empregador https://www.ilo.org/media/420216/download https://www.folha.uol.com.br/fol/ geral/ult04052000275.htm https://www.folha.uol.com.br/fol/ geral/ult04052000275.htm https://constituicao.direito.usp.br/wp-content/uploads/2005-Interpretacao_e_sincretismo.pdf Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 93 ANÁLISE DO TRABALHO NA JUSTIÇA TRABALHISTA: O OLHAR DA CLÍNICA DA ATIVIDADE ANALYSIS OF WORK IN LABOR JUSTICE: THE VIEW OF THE CLINIC OF ACTIVITY Rosane Helena Cardoso de Melo1 Tatiana de Lucena Torres2 Erick Idalino Moura3 Jorge Tarcisio da Rocha Falcão4 RESUMO O objetivo deste estudo é analisar o processo saúde-adoecimento mental de secretários de audiência do judiciário trabalhista da Paraíba, que acompanham os juízes nas audiências (contato com as partes, digitação dos termos, encaminhamentos). A clínica da atividade foi o aporte teórico-metodológico escolhido, com o uso da técnica de instrução ao sósia, complementada por entrevistas semiestruturadas e delineamento descritivo para informações sociodemográficas dos participantes. Destacamos como resultados: (a) as relações interpessoais laborais fomentaram ou desregularam a saúde mental dos trabalhadores; (b) o excesso de atribuições, o distanciamento dos pares e inexistência de pausas durante a execução das tarefas favoreceram vivências de sofrimento e impotência; (c) o enfraquecimento dos coletivos e do gênero profissional se relacionaram com a perda da saúde; por outro lado, (d) houve formas de escapar às limitações da atividade, pelos instrumentos criados pelos trabalhadores para se reinventarem e a personalizarem. A articulação entre os secretários de audiências enquanto coletivo de trabalho pode fomentar ações de proteção à saúde mental desses trabalhadores. Palavras-chave: saúde mental; trabalho; poder judiciário. ABSTRACT This study aimed to analyze the mental health-illness process of court hearing secretaries of the labor judiciary of Paraíba. These professionals accompany judges in hearings (contacting parties, typing terms, drawing referrals, etc.). Activity Clinic was the theoretical-methodological approach we chose, using the technique of interview to the double, complemented by semi- structured interviews and a descriptive design to collect participants’ sociodemographic information. We highlight the following results: (a) interpersonal relationships at work fostered or disrupted the workers’ mental health; (b) an excess of attributions, distance from peers, and the lack of pauses during the execution of the tasks favored experiences of suffering and impotence; (c) the weakening of collectives and the professional genre was related to the loss of health; on the other hand, (d) participants had ways to escape the limitations of their activity by instruments they created to reinvent and personalize their activity. The articulation between the secretaries of hearings as a work collective can promoteactions to protect the mental health of these workers. Keywords: mental health; work; judiciary. 1 https://orcid.org/0000-0001-8334-907X 2 https://orcid.org/0000-0001-6274-1929 3 https://orcid.org/0000-0003-0621-0191 4 https://orcid.org/0000-0002-2798-372 https://orcid.org/0000-0001-8334-907X https://orcid.org/0000-0001-6274-1929 https://orcid.org/0000-0003-0621-0191 https://orcid.org/0000-0002-2798-3727 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202494 1. INTRODUÇÃO O trabalho no contexto do Poder Judiciário brasileiro tem se transformado, buscando atender uma crescente demanda pela aceleração dos processos de julgamentos, que é motivada por queixas constantes, em relação aos órgãos judiciários, quanto à morosidade nos julgamentos, à obsolescência, à ineficiência e à pouca transparência da máquina pública em geral (Renault, 2005). Essas transformações envolvem progressivas inovações tecnológicas, determinação de metas e mudanças na organização do trabalho, o que impõe novas exigências aos trabalhadores (Amazarray et al., 2019; Fernandes; Ferreira, 2015). Estudos apontam que essas mudanças têm provocado efeitos negativos sobre a saúde dos servidores, especialmente pela aceleração dos ritmos de trabalho e o incremento de metas na produção (Amazarray et al., 2019; Andrade, 2011; Dal Pai et al., 2014). Vale observar a existência de sintomas relacionados à organização do trabalho no setor público, tais como ressecamento ocular, dores na coluna, cefaleias, sensação de cansaço e desgaste mental (Dal Pai et al., 2014). Outras pesquisas (Fernandes; Ferreira, 2015; Giannini et al., 2019) indicam que o incentivo à competitividade e o enfraquecimento das redes de cooperação intensificam os riscos de adoecimento desses trabalhadores. Amazarray et al. (2019) constataram forte associação entre o contexto laboral do judiciário e a potencialização de transtornos mentais e sofrimento psíquico, destacando que a forma como as atividades são divididas, o conteúdo das tarefas, o sistema hierárquico, as formas como as relações socioprofissionais são estabelecidas e a configuração das relações de poder podem se relacionar à vulnerabilidade da saúde mental desses trabalhadores. Nesse sentido, considerando que o Poder Judiciário Trabalhista é o lugar da garantia de direitos trabalhistas, nos pareceu relevante e pertinente analisar a atividade de trabalho nesse contexto. A escolha da atividade de secretariar audiências, dentre as atividades do ofício de servidor técnico no âmbito do Poder Judiciário Trabalhista, justifica-se por ser um trabalho fundamental para o funcionamento das varas do trabalho, que contam com secretário/a(s) e salas de audiências. Tal profissional acompanha o/a juiz/a do trabalho nas audiências, digita os termos (conciliações, depoimentos das partes e testemunhas), é responsável pelo primeiro contato com as partes antes da audiência e por encaminhamentos decorrentes das decisões judiciais. Na descrição do cargo é esperado que o/a trabalhador/a tenha nível superior completo (sem área especificada), experiência em digitação e edição de textos, conhecimento em sistemas informatizados da justiça, domínio nas áreas de processo civil, direito do trabalho, direito processual trabalhista, sobretudo no que se refere à organização das pautas de julgamento para o/a juiz/a. Além disso, consideramos que esses profissionais exercem atividades de intensa carga de trabalho e complexa exigência cognitiva (Fonseca; Carlotto, 2011), o que se associa ao contexto organizacional de controle e pressão para cumprimento de metas (Arenas, 2013; Mansur, 2016; Pooli; Monteiro, 2018). Propositor da clínica da atividade, Yves Clot (2010) afirma que uma das características estruturais da atividade de trabalho é a existência de um trabalho prescrito, aquele que é Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 95 demandado pela organização ou pelos regramentos existentes, e o trabalho realizado, aquele que representa a concretização, pelos trabalhadores, das prescrições recebidas (Clot, 2006, 2010). Guérin et al. (2005) observam que o trabalho prescrito se refere ao conjunto de objetivos a serem perseguidos, os métodos, as normas técnicas, os protocolos e procedimentos, as ordens e instruções a seguir, a forma de divisão do trabalho, os prazos estabelecidos, assim como os meios técnicos e as condições socioeconômicas disponíveis. Estes autores destacam que a atividade de trabalho não reproduz rigorosamente o pré-estabelecido sobre ele, mas abarca a subjetividade dos sujeitos e tem o coletivo de trabalhadores como regulador da ação de cada indivíduo, de modo que o trabalho permeia tanto a dimensão da história singular de cada indivíduo, quanto a história de cada ofício, de construção coletiva de um gênero profissional (BendassollI; Soboll, 2011; Clot, 2010). Nesse sentido, a organização da atividade de trabalho extrapola o indivíduo-trabalhador e o auxilia no que diz respeito à realização de sua própria atividade. O indivíduo-trabalhador se reporta a um coletivo de trabalho, instância tangível representada pelo conjunto de outros indivíduos-trabalhadores que compartilham as mesmas metas de trabalho e filiação a um gênero profissional. Desta filiação resulta o referenciamento, que permite ao trabalhador, através de seu coletivo, avaliar o quão bem realizou seu trabalho, mesmo que tal referenciamento comporte a limitação do poder de agir deste trabalhador (Clot, 2006, 2010). Nesta ordem de ideias, o enfraquecimento dos coletivos e do gênero profissional, muitas vezes imposto pela organização do trabalho, favorece o sofrimento e, eventualmente, o adoecimento, pois impede que os indivíduos adquiram apoio e recursos para lidarem com as situações no exercício laboral. Nesse sentido, a recuperação dos coletivos de trabalho pode ser um dispositivo fundamental no enfrentamento dos bloqueios do poder de agir e do adoecimento no trabalho. O sofrimento no trabalho refere-se a um trabalhador passivo às circunstâncias que o acometem, esvaziado de seu poder de agir, tendo em vista o enfraquecimento de seu gênero profissional, e entregue aos especialistas do cuidado (Clot, 2010; Clot; Gollac, 2014; Clot et al., 2021). Na clínica da atividade, a atividade de trabalho é entendida como meio para estabelecimento e restauração da saúde (Clot, 2010) nas situações em que o sofrimento é causado pela amputação do poder de agir dos sujeitos trabalhadores pela própria atividade de trabalho (Rabardel; Gouédard, 2012). A abordagem clínica da atividade de trabalho, ao preconizar a consideração do indivíduo trabalhador, do contexto em que o trabalho se realiza e do conjunto de prescrições que estabelecem balizas para o trabalho esperado, traz, portanto, elementos não somente para caracterizar eventual precarização, mas para fazer face a ela, e, por esta via, contribuir para a restauração da saúde do trabalhador. Cabe desde logo ter clareza quanto ao fato de que a referida precarização da atividade de trabalho decorre de aspectos que ultrapassam qualquer abordagem psicológica, tendo em vista os arranjos do modo de produção capitalista ocidental contemporâneo. Não obstante, a abordagem clínica da atividade de trabalho permite ao indivíduo-trabalhador tomar consciência do que faz, do que deixa de fazer (e por quais razões) e do que poderia fazer. Nesse sentido, a atividade efetivamente realizada pelo trabalhador (aquilo Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202496 que se faz) é tão somente uma dentre várias possibilidades, face às prescrições que balizam o trabalho esperado. O real da atividade compreende essa gama de possibilidades, que abarca o trabalho realizado, mas não se circunscreve a este.Diante disso, defendemos que a saúde está ligada ao contexto de trabalho em que se vive, e à capacidade de se desenvolver individual e coletivamente para transformar esse meio. Situações de adoecimento no trabalho, sobretudo o adoecimento mental, podem estar relacionadas às dificuldades decorrentes do desencontro entre o trabalho prescrito e o trabalho real (atividade efetivamente realizada). De acordo com Clot (2010), as escolhas recalcadas – ou possibilidades de ação –, que não foram utilizadas na atividade, continuam a influenciar ela e o sujeito, tendo no conceito de real da atividade a manifestação dessa atividade subtraída, oculta ou recuada, que influi na atividade presente. Reiteramos aqui, portanto, que o real da atividade se situa entre a atividade prescrita (aquilo que deve ser feito) e a atividade realizada (aquilo que se fez), partindo-se do pressuposto teórico segundo o qual as prescrições nunca são rigorosamente cumpridas na prática. Assim, para dar conta das dificuldades impostas por esse desencontro, o sujeito aparece como agente de seu próprio ato no trabalho, já que precisa fazer escolhas e criar soluções (Osório da Silva; Ramminger, 2014). Diante do exposto, este estudo teve o objetivo de analisar o processo saúde-adoecimento mental na atividade de trabalho de secretários de audiências (SA) do Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba, a partir do olhar da clínica da atividade, buscando compreender o processo de sofrimento e adoecimento mental dos participantes, dimensões do coletivo de trabalho e suas condições de laboração. Destacamos a pertinência teórica da clínica da atividade para o campo da Saúde Mental e Trabalho, na medida em que se constitui como uma abordagem de transformação das situações de trabalho que pode contribuir para a prevenção ou minimização dos problemas de saúde. 2. MÉTODO O estudo teve caráter clínico-interventivo, com base na perspectiva teórica da clínica da atividade. Participaram nove trabalhadores, todos servidores públicos, no cargo de técnicos/as judiciários/as, na função de secretários/as de audiências (SA), com o seguinte perfil: maioria de homens (5), com idades entre 35 e 59 anos, a maioria (6) possuía mais de 20 anos de trabalho no judiciário e mais de 10 anos na função. Tais participantes aceitaram voluntariamente o convite, considerando o prazo para a realização do estudo e adequação ao cronograma da pesquisa. Todos os participantes eram trabalhadores no Tribunal Regional do Trabalho da Paraíba, e se distribuíram entre as 13 (treze) varas do trabalho da cidade de João Pessoa (PB). Contamos com a anuência da instituição em todas as etapas do estudo. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (parecer 3.325.829), e foi conduzida por uma das autoras do presente artigo, na condição de trabalhadora da organização participante. Por isso, na intenção de manter o sigilo e confidencialidade dos participantes, todos os nomes apresentados nos resultados deste estudo são fictícios. Os trabalhadores foram convidados para participarem da pesquisa através da divulgação Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 97 presencial em cada setor, e, apesar da dificuldade de acesso e da indisponibilidade de tempo destes, houve procura espontânea e voluntária, além de indicação de trabalhadores pelos entrevistados (técnica da “bola de neve”). O local escolhido pelos participantes foi a sala de audiências, ou, quando não estava disponível, a sala de psicologia. Realizamos entrevistas semiestruturadas com questões norteadoras pré-estabelecidas, que buscaram obter narrativas autobiográficas de cada participante em sua atividade de trabalho (Bauer; Gaskell, 2008), na intenção de: (a) compreender a trajetória profissional e ingresso na função; (b) identificar vivências de sofrimento e adoecimento na trajetória de trabalho; (c) identificar experiências de mal-estar no trabalho, impedimentos e condições de trabalho para atender as demandas prescritas; (d) caracterizar as relações com colegas que realizam a mesma atividade; e, (e) compreender o sentido do trabalho bem-feito para os/as participantes. Logo após a referida entrevista, foi realizada a Instrução ao Sósia (IaS), que é uma técnica que, além de obter informações acerca da atividade de trabalho, busca ampliar o poder de agir e restaurar os coletivos de trabalho a partir da reflexão e co-análise sobre o desenvolvimento da atividade laboral com auxílio do pesquisador. A IaS consiste em uma entrevista dialogada gravada, na qual o trabalhador ou trabalhadora indica ao pesquisador como este deve se portar em relação à atividade de trabalho, supondo que o pesquisador será sósia do trabalhador- participante no dia seguinte, de modo que não se perceba que se trata de outra pessoa (Osório da Silva, 2014). A entrevista e a IaS foram transcritas, e em um segundo momento validadas pelos trabalhadores. Para analisar as informações, utilizamos a técnica dos Núcleos de Significação, procedimento que possibilita ao pesquisador apreender sentidos e significados que o sujeito constrói em contato com a realidade em uma dimensão mais concreta. Para nos apropriarmos das significações, é necessário apreender não sua unilateralidade, mas suas relações, qualidades, contradições, isto é, as mediações sociais e históricas que as configuram como unidades dialéticas da fala e do pensamento (Aguiar et al., 2015). A construção dos Núcleos de Significação possui três etapas: levantamento de pré-indicadores (identificação de formas de pensar, sentir e agir dos sujeitos), sistematização de indicadores (articulação de pré-indicadores baseando-se nos critérios de “similaridade”, “complementaridade” e “contraposição”) e sistematização dos núcleos de significação (articulação dos indicadores para revelar a realidade estudada a partir do empírico e dos sentidos construídos pelos sujeitos) (Aguiar et al., 2015). Outrossim, as etapas apresentadas não pressupõem uma sequência linear, mas um processo dialético. Neste estudo, o material transcrito de cada entrevista e IaS passou por uma fase de leitura flutuante, juntamente com a escuta do áudio, a fim de apreender as palavras ou frases que chamaram atenção por se repetirem, complementarem ou contradizerem, ou ainda que indicavam uma carga emocional (fala emocionada). Os pré-indicadores foram agrupados na forma de indicadores temáticos, no sentido de avançar nas significações trazidas pelos sujeitos. No presente artigo, optamos por realizar um recorte e seleção de quatro núcleos de sentido, dos nove que integram a pesquisa na íntegra, por compreendermos que estes representam e ilustram melhor a análise do trabalho dos secretários de audiência (SA). Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202498 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES Os resultados advindos da IaS e das entrevistas transcritas foram submetidos à análise dos Núcleos de Significação, com a seleção de unidades do discurso que revelassem o todo, por meio de temas que aparecem reiteradas vezes ou com uma ênfase emocional na fala dos sujeitos. Nesse processo, a articulação de uma narrativa com as demais revela o contexto social mais amplo em que se inserem os sujeitos históricos, incluindo as contradições. Núcleo de significação 1: as situações que chegam às audiências, as relações interpessoais que se estabelecem e seus reflexos na saúde dos servidores A abordagem da clínica da atividade propõe um deslocamento, que entende que as causas do sofrimento no trabalho não estão nos sujeitos ou nas relações entre eles, mas no próprio trabalho, utilizando, para isso, o conceito de atividade impedida (Bendassolli, 2011). Para esta abordagem, toda atividade profissional é considerada uma co-atividade, uma vez que é sempre uma respostaà atividade dos outros. A atividade de trabalho, então, se define, cristaliza, e organiza na atividade dos outros, com a atividade dos outros, contra a atividade dos outros, apoiando-se ou aproximando-se da atividade dos outros, construindo-se sempre no universo da atividade dos outros (Santos, 2006). Por meio das significações que os/as SA construíram acerca de sua atividade de trabalho, a sala de audiências é um lugar que precisa ser preparado para o dia da audiência, dando encaminhamento ao que foi resolvido nela. Portanto, há tarefas a serem cumpridas pelo/a SA antes, durante e após as audiências trabalhistas, por isso os/as participantes afirmam a necessidade de que o/a profissional seja “multitarefas”. Expressam também uma preocupação em não cometer erros, pois sabem que têm consequências para os outros, tanto para os demais colegas da vara do trabalho, que darão seguimento ao processo na fase seguinte (chamada execução), como para as partes (trabalhadores, empregadores, advogados), que terão prejuízo e transtorno se não forem notificadas a tempo, em caso de adiamento da audiência. Até chegar ali, no dia da audiência, aí tem o papel do secretário de audiência, que é pegar o processo, abrir a inicial, ver se tem algum pedido urgente, alguma tutela de urgência, tal, pedindo alguma coisa urgente, um plano de saúde que cortaram ou seguro desemprego, FGTS. Aí a gente que tem que ver e passar logo pra frente pro pessoal resolver de imediato (RO – IaS). Eu acho assim, eu acho que cada atividade ali dentro da Vara é como se fosse um organismo, né? E então, se você não faz bem agora, lá na frente. . . . Então tem feedback . . . É como se fosse o início, e vai espalhando ou coisas boas ou coisas ruins, né? pra Vara (MS – Entrevista). Esse “espalhar de coisas” também acaba sendo um dos motivos que os faz perceber a importância da atividade, da qual muitos admitiram gostar muito, e percebem que a audiência é o início de tudo, da visão de cada processo judicial que irá tramitar no Tribunal. Além disso, pensam no colega que vai dar continuidade ao processo, nos efeitos para as partes, para a garantia de direitos das pessoas. As falas citadas remetem à afirmação de Clot (2006) de que o trabalho “requer a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 99 capacidade de realizar coisas úteis, de estabelecer e manter engajamentos, de prever com outros e para outros algo que não tem vínculo diretamente consigo” (p. 73). Quando os trabalhadores cometem algum erro ou deixam de realizar uma tarefa, já imaginam os efeitos na vida dos envolvidos no processo, incluindo possíveis prejuízos. Aí tem todo esse lado, intimar a testemunha. Se você deixa de intimar uma testemunha, vem todo mundo: “Cadê? Eita, deixaram de intimar. Quem foi? Foi você”. Aí todo mundo: “vamos adiar” . . . porque se preparam, chama advogado, briga em casa, falta emprego, falta trabalho. Aí se o secretário errar, é prejuízo pra todo mundo, aí isso fica na minha cabeça, pô, se eu deixar (RO – Entrevista). Contraditoriamente, os trabalhadores narram que ficam afetados pelos julgamentos, enquanto admitem ser imprescindível que esse afeto não transpareça no desenvolver da atividade, pois podem ficar propensos ao erro, além de comprometerem outro papel que devem exercer: de auxílio às pessoas envolvidas (trabalhadores buscando seus direitos, advogados, representante de empresas, empregadores) para propiciar um ambiente mais amistoso durante a audiência trabalhista. Em nossa análise, esse papel foi construído no gênero profissional, uma vez que os SA o tomam como uma dimensão imprescindível na tarefa formal de convocar os participantes para recolherem os documentos e informações meramente mais burocráticas que antecedem e viabilizam as audiências. Se fazer acolhedor e prestativo nesse momento se constitui para os SA como algo intrínseco e indispensável à atividade, indo além das obrigações estabelecidas. Nesse contexto, percebemos o quanto o gênero pode enriquecer e tornar dinâmica a atividade, constituindo-se também como uma fonte de prescrições, mesmo que não explícitas. É que tem testemunha que chega muita nervosa, vai testemunhar e fica tremendo e tal, não chega nem a falar direito. Geralmente, se a pessoa tá nervosa, a gente fala: “fica tranquilo aí”. Deixar a pessoa à vontade, que a pessoa fica mais tranquila e tal, o pessoal não tem muito entendimento dessa dinâmica do direito e tal (RN – IaS). Apesar da função de SA definir procedimentos estabelecidos nos ritos do judiciário, trabalhar na sala de audiências vai além de digitar o que se diz e realizar as tarefas. Neste sentido, o cotidiano na atividade de SA começa antes da audiência – ao conferir os documentos do processo, o funcionamento dos equipamentos e de ferramentas usadas durante as sessões, o primeiro contato com as partes interessadas no julgamento –, e pode, inclusive, invadir o horário do pós-expediente, sem pausas, sendo um fato comum para esses profissionais. Ao longo das audiências, os SA precisam lidar com diferentes situações e manejar seus sentimentos, tais como o estresse, ansiedade e o cansaço mental e físico. A atividade de trabalho sempre é dirigida pelo sujeito, pela tarefa e para os outros (Clot, 2010). A atividade dos SA expressa esse interjogo entre as exigências da tarefa e a atividade dos outros e as próprias dinâmicas do sujeito da ação, e como estes produzem impactos para a sua própria atividade, em que os aspectos intersubjetivos influenciam sua saúde mental. De acordo com os trabalhadores, quando o relacionamento com os magistrados que presidem a audiência é tranquilo e respeitoso, a atividade de trabalho é vivenciada como propiciadora de desenvolvimento, no contexto da qual os SA sentem que podem contar com a ajuda e apoio Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024100 desses magistrados. Muitos SA descreveram sintomas psicossomáticos, como taquicardia e pressão sanguínea elevada, no período em que passaram por contextos relacionais considerados “ruins” com colegas e/ou superiores, além de descreverem mal-estar após audiências que lhes afetaram emocionalmente. Taquicardia, do nada, em casa ficava nervoso. E eu indo trabalhar, que eu via que aquele negócio eu ia, sabe, aquela coisa que não tinha mais vontade de trabalhar, por conta dessa chefia, né? Aquilo lá me fez muito mal. Não chegava a adoecer, mas começou umas dores de cabeça esquisitas, e chegava em casa e o coração. Eu ia falar alguma coisa sobre o que aconteceu, todo dia sempre tinha alguma notícia ruim, aí o coração começava a palpitar, aí eu “pá”, ficava aquela coisa, aquela agonia (RO – Entrevista). No decorrer das audiências, a comunicação entre juízes e SA é perpassada pelos diferentes papéis profissionais e hierárquicos que cada um ocupa nesta relação desigual de poder. Os SA precisam observar e conhecer o/a juiz/a, conseguindo captar rapidamente suas ações e ritmos no trabalho para traduzi-los em forma texto, que resultará em documento ao fim de cada audiência (termos de audiências). Por outro lado, mesmo com essa relativa proximidade, precisam incorporar o funcionamento das instituições judiciárias no tocante à estrutura hierarquizada, obedecendo a distância estrutural e inerente a tal funcionamento entre magistrados e servidores. Existe o juiz, lá na estratosfera, e a gente, na hierarquia, aqui bem embaixo, não tem. É diferente da maioria dos órgãos públicos. O juiz é aquele cidadão que tá ocupando uma função pública, que é muito, mas muito diferente, na realidade, da sua eu cuidei de trabalhar isso na minha cabeça, de manter o distanciamento necessário. Eu não posso ter um nível de intimidade, como eu tenho com um colega de trabalho. Vêpositiva ou negativa - a capacidade individual de regulação emocional em cada circunstância da vida. No ambiente laboral, a livre expressão dos afetos é historicamente coibida, como algo indesejável que pode acarretar repercussões adversas para a organização. Os contextos sociais, inclusive os ambientes de trabalho, tendem a normatizar, mesmo que implicitamente, a expressão dos estados afetivos, de modo a torná-los previsíveis e ajustados às necessidades do grupo. No entanto, estudos mais recentes têm acolhido as emoções como indissociáveis da cognição humana, percebendo os processos emocionais e cognitivos como interdependentes e fortemente relacionados, especialmente na tomada de decisões. A partir de então, os afetos e emoções passaram a assumir papel relevante na gestão organizacional, como propulsores das rotinas de trabalho (Fineman, 2001), o que ensejou a necessidade de aprofundamento nos estudos interdisciplinares sobre o tema. Importante vertente desses estudos se debruça sobre a regulação emocional, conceituada como o processo de gerenciamento da expressão de emoções, de modo a atender às demandas comportamentais do trabalho. É o que denominamos de trabalho emocional, que se define pelo ciclo de processos neurofisiológicos, cognitivos e comportamentais, conscientes ou inconscientes, automáticos ou controlados, que têm a finalidade de mudar a experiência emocional por meio da modificação da expressão emocional e do que se sente em diferentes contextos (Gross, 2013). 2.2 Trabalho emocional e suas repercussões para o indivíduo Ao expressar emoções distintas dos sentimentos vivenciados, o indivíduo age contra o seu impulso natural. Esse esforço de modulação emocional gera repercussões diretas para o ser humano, psicológicas e fisiológicas, tanto na vida privada, quanto no ambiente organizacional. Apesar de a regulação dos estados emocionais na vida privada ser natural e inata aos seres humanos, ocorrendo nos processos de socialização que acontecem desde o nascimento como forma de corresponder às expectativas sociais de adequação e aceitação, a necessidade de regulação emocional no trabalho ganha outros contornos, assumindo valor de mercado para as organizações (Hochschild, 1983), e aí reside a face mais crítica do trabalho emocional. Ao transferir a gestão das emoções do ambiente privado para o laboral, o desempenho emocional passa a ser um recurso que gera vantagens para as organizações, primordialmente. Em busca Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 17 dessas vantagens, as organizações passam a normatizar a conduta, as interações humanas e as emoções a serem manifestadas pelos colaboradores, que, por sua vez, são monitorados por usuários, colegas de trabalho e gestores, sofrendo a pressão da necessidade de adequação sobre si. Os estudos científicos acerca das consequências do trabalho emocional para o trabalhador apresentam conclusões diversas. Enquanto parte dos pesquisadores ressalta os resultados positivos para a organização, mas a elevado custo pessoal para os trabalhadores (Hochschild, 1983; Grandey, 2000; Gross; Levenson, 1997), outros destacam a possibilidade de gerar consequências positivas para o indivíduo (Rafaeli; Sutton, 1991; Totterdell; Holman, 2003). A maior parte dos estudos se debruça sobre os aspectos nocivos do trabalho do esforço, destacando que modular os estados afetivos causa efeitos como alienação e supressão dos sentimentos genuínos (Hochschild, 1983). O estresse característico do trabalho emocional, acarretado pela necessidade de controlar emoções negativas, prejudica a saúde do trabalhador, causando doenças. Hostilidade e inibição de sentimentos negativos, por exemplo, são associadas à hipertensão e a doenças coronarianas, podendo acelerar a progressão do câncer e ocasionar psicopatologias (Gross; Levenson, 1997). Nas interações com pessoas externas à organização (clientes, por exemplo), o trabalhador tende a apresentar dissonância emocional, controlando e expressando emoções adequadas, segundo o contexto organizacional. Já com os colegas de trabalho, o colaborador tende ao desvio emocional, ou seja, expressa seu real estado afetivo, sem esforço de adequação emocional, descuidando de expressar-se da forma prescrita (Tschan; Rochat; Zapf, 2005 apud Bonfim; Gondim, 2010). Essa diversidade na expressão de afetos deriva essencialmente do papel do trabalhador, enquanto preposto da organização em cada dimensão de interação social: com os clientes (onstage), o colaborador atua em nome da organização, razão pela qual o dever de “parecer ser” prevalece. Na intimidade do backstage do ambiente corporativo, de forma diversa, sente-se mais livre para se expressar sem máscaras. Essas repercussões danosas do trabalho emocional para as pessoas acarretam perdas reflexas para a organização. O mal-estar físico e psicológico dos trabalhadores impacta negativamente na satisfação com o trabalho (Grandey; Gabriel 2015; Gross, 1998; Hartley; Phelps, 2010 apud Silva, 2016), bem como no burnout e no absenteísmo (Alves, 2015; Chau; Dahling; Levy; Diefendorff, 2009; Goodwin; Groth; Frenkel, 2011 apud Silva, 2016). Alguns pesquisadores argumentam que, em regra, o trabalhador se utiliza conscientemente do trabalho emocional em benefício próprio, para aprimorar sua performance social no ambiente laboral, sendo ele potencialmente positivo para os indivíduos (Rafaeli; Sutton, 1991). A escassez de estudos científicos que especifiquem e mensuram as consequências positivas - psicológicas e fisiológicas - do trabalho emocional para o indivíduo tornam qualquer conclusão nesse sentido incipiente (Totterdell; Holman, 2003). Em resumo, a literatura científica indica que o trabalho emocional, por ser um processo antinatural, mas que pode trazer recompensas para o profissional, provoca reações ambíguas nos indivíduos, deixando alguns esgotados e infelizes, outros desafiados e satisfeitos. Essa Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202418 ambiguidade, importante destacar, é inerente à regulação emocional nas interações sociais, tanto na esfera privada, quanto na profissional, porém também aponta que na vida privada o indivíduo detém maior poder de escolha sobre as relações que pretende manter, o que não ocorre no ambiente laboral, em regra. De forma geral, as relações humanas envolvem, em regra, afetos ambivalentes e contraditórios, gerando prazer e sofrimento (Gondim, 2006 apud Bonfim; Gondim, 2010), o que dificulta a mensuração das repercussões fisiológicas e psicológicas diretamente originadas pela inibição das emoções no ambiente organizacional. Inobstante, o trabalho é reconhecido cientificamente como uma das grandes fontes de estresse emocional na atualidade, conduzindo à conclusão de que a ambiência laboral é preditor para a maior ou menor sensação de bem-estar do trabalhador, no contexto do trabalho emocional. Temos, portanto, o seguinte cenário: de um lado, o sujeito é impulsionado pela vontade e necessidade de melhorar a performance profissional através da regulação da expressão emocional, de modo a permanecer e ascender na hierarquia da organização; do outro, há o estresse emocional que causa repercussões negativas, tanto psicológicas, quanto fisiológicas, ao indivíduo. Os estudos demonstram a prevalência dos malefícios do trabalho emocional para os trabalhadores, sem, contudo, demonstrar um retorno à organização e da organização que justifique a submissão dos colaboradores a esse estresse. Em resumo, no contexto laboral, as pessoas sofrem mais do que se beneficiam com o trabalho emocional. Trata-se da perspectiva neoliberal do trabalho não humanizado, focadocomo o audiencista, ele trabalha dentro desse pisar em ovos (AR – Entrevista). A comunicação com o juiz, para os SA, é vista como fundamental não só para o desempenho deles na atividade, mas para todos que estão participando da audiência. E essa comunicação se torna mais facilitada quando o secretário de audiências conhece bem o magistrado que auxilia, contribuindo para construir uma relação de respeito. Nesse sentido, para a realização de sua atividade, os SA desenvolvem estratégias para lidarem com as atividades dos outros envolvidos que, dentre essas, envolvem o desenvolvimento de relacionamentos positivos com os envolvidos na audiência, e, em específico, adequam-se ao estilo profissional de cada juiz/juíza. Os participantes do estudo descreveram também que, para superarem adversidades nas relações no trabalho, recorreram ao suporte externo, como a família, amigos, atividades religiosas e tratamentos médicos, suportando as situações adversas, mesmo sabendo que a causa principal do sofrimento estava no ambiente de trabalho. No entanto, não basta “curar” os sujeitos, mas “intervir” na forma em que este trabalho é organizado socialmente a partir da perspectiva do trabalho real (Bendassolli, 2011). Partimos, aqui, do pressuposto de que o cuidado com o trabalho e transformação das condições em que ele é realizado se relaciona com a saúde dos trabalhadores (Osório da Silva, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 101 2014). Nesse contexto, ressaltamos que, para garantir esse cuidado, as instituições precisam, através de seus dirigentes, se engajarem nesse processo, a partir da tomada de consciência de que, ao cuidar da atividade de trabalho, reduzimos os impedimentos à atividade, possibilitando que os trabalhadores se desenvolvam por meio dela. Núcleo de significação 2: fazer audiência diariamente aumenta o estresse, o cansaço, e gera ansiedade: a importância de ter alguém com quem revezar e fazer pausas O estresse próprio do trabalho em audiência aparece nas narrativas relacionadas a não poder cometer erros na transcrição das audiências, ter atenção e evitar erros. Essa característica da função parece contribuir para o cansaço mental, principalmente quando a intensidade e carga de trabalho aumentam, seja pela quantidade ou pela duração das audiências. Para o desenvolvimento da atividade de SA é fundamental a administração do tempo e a realização de tarefas com rapidez, sem erros. Na descrição institucional das atribuições dos SA prevalecem as tarefas técnicas, relacionadas aos processos da vara, como observar e cumprir diretrizes e determinações, registrar e secretariar, expedir notificações e certidões, redigir documentos e certificar eventuais alterações processuais, dentre outros. Em contraposição ao excesso de atribuições descritos, não se evidencia nos documentos a necessidade do autocuidado para a prevenção de adoecimentos. Um dos participantes relacionou episódios de labirintite a um período de estresse no trabalho, quando havia mais audiências. O número e a complexidade de audiências se relacionam com a saúde desses trabalhadores. Secretariar audiências diariamente aumenta o estresse, o cansaço e gera ansiedade Provavelmente por isso poucos servidores aceitam ocupar esta função (mesmo recebendo gratificação para exercê-la), e isso se soma à sobrecarga de não ter outra pessoa para revezar. Alternar com colegas os dias em sala de audiência e as atribuições do SA é importante para diminuir o acúmulo do cumprimento de suas obrigações. O volume de trabalho se soma às audiências de longa duração, contribuindo para negligenciar os momentos de alimentação e movimentos do corpo, pois comumente os trabalhadores permanecem longas horas sentados sem se alimentar. Tais dificuldades são associadas pelos trabalhadores à quantidade de tarefas, imposta não apenas pelos juízes aos quais estão subordinados, mas também por eles próprios, para darem conta da atividade. Para a servidora Bianca, foi necessário criar uma estratégia para driblar a dificuldade de se levantar ou se ausentar da sala de audiências quando sente fome ou sede. Ao dar instruções à sua sósia, ela enfatiza a importância de não se esquecer destes itens no trabalho: Lembre da sua água e do seu lanche. Normalmente eu trago alguma coisa que dê pra eu comer aqui. Então, assim, eu já trago de casa separado aí eu posso ir digitando aqui, comendo aqui e vou digitando (BI – IaS). O cuidado com a própria saúde no cotidiano de trabalho (alimentação em horários regulares e adequados, realização de pausas ao longo da jornada), assim como a necessidade de desenvolver as tarefas de forma mais célere, acabam se tornando inconciliáveis no cotidiano Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024102 desses servidores, o que se agrava pela escassez de trabalhadores para revezarem na realização da atividade. Em relação a isso, um trabalhador esclarece as impossibilidades com que se depara, pois não consegue realizar tudo que gostaria em tempo hábil: Aí eu vou fazendo, né? Aí eu levanto menos, fico mais na mesa, tomo menos café. Aí eu procuro fazer aquela coisa bem concentrado, assim mais rápido… assim, tento ser mais direto, dinâmico, né? Aí vai fazendo, vai conseguindo . . . às vezes, você deixa de fazer alguma coisa não por, é ser relapso, mas pela correria, pela falta talvez de ajuda de colegas, e de conscientização, né? Ou pela carga, é, também de trabalho só, talvez, em cima de mim (RO – IaS). Discorreram também sobre possíveis soluções que acreditam que amenizariam esse contexto, dentre as quais aparecem sugestões de cunho mais pessoal (por exemplo, diminuir a autocobrança e respeitar seu ritmo de trabalho), como também mudanças no âmbito institucional, como ter mais uma pessoa de suporte em períodos de maior realização de audiências, ou não ser exigido que quem fica em audiência cumpra outras obrigações. Distintas formas de se comportar dão pistas sobre como os SA podem estar tentando escapar dos obstáculos da atividade e dos seus respectivos impedimentos, pois a ação do sujeito tem sua fonte nas atividades contrariadas (Clot, 2006). Essas atividades contrariadas não cessam de exercer seus efeitos sobre o sujeito, considerando que a atividade não se resume ao que se pode observar (à atividade realizada), mas também envolve as impossibilidades, o realizado e o não realizado, emoções e afetos – o real da atividade. Núcleo de significação 3: a novidade, o inesperado e a criação, apesar dos impedimentos e limitações O destino que cada um dá ao enfrentamento dos empecilhos cotidianos pode ser vivenciado como sofrimento, isto é, como dor física ou mental, como diminuição ou destruição da capacidade de agir (Clot, 2001, 2006). Por outro lado, também pode ser o ponto de partida para a invenção de outras formas de vida, sobretudo no trabalho. Como vimos, o tempo é um impedimento e uma preocupação constante para os trabalhadores do judiciário, uma vez que devem cumprir também os prazos processuais. Mas, na maioria das vezes, não dispõem de tempo suficiente para realizarem o trabalho como gostariam, constituindo-se isso como um dos principais impedimentos na atividade. Em muitas das situações, os servidores se veem realizando atividades burocráticas e tecnicistas, por questões da própria natureza da função que ocupam e da própria estrutura do judiciário, o que reduz muito o raio de ação na atividade de trabalho. Conforme os próprios SA apontam, estão ali para digitar o que as testemunhas, reclamantes e reclamados falam, assim como advogados, e o juiz. Contudo, mesmo só como digitadores, eles não executam apenas o prescrito. Apesar de serem exigirem que sejam “multitarefas”, tendo muitas habilidades e cumprindoas etapas rígidas no desenvolvimento de suas atividades laborais, os SA não devem ter um trabalho automatizado, conforme eles mesmos apontaram: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 103 Eu acho que o trabalho da sala de audiência é menos automatizado do que se imagina, assim, o trabalho mais eficaz, mas que atinge mais o objetivo, ele não é um trabalho automatizado. . . A gente é muito mais facilitador do que qualquer outra coisa dentro da sala de audiência. . . Digitar, qualquer pessoa pode digitar. . . Ou seja, é um, é como se expandisse os sentidos do juiz durante a audiência, pra isso serve também o assistente da audiência. . . Não é função exatamente minha, mas é preciso que você esteja integrado com tudo que está acontecendo na sala (AR – IaS). Isso remete à impossibilidade das prescrições da tarefa darem conta de todas as situações do cotidiano de trabalho. Diante da defasagem entre a atividade prescrita e a realizada, é necessário a emergência dos trabalhadores como seres ativos nesse processo. Existe mobilização cognitiva e afetiva, por mais que uma tarefa seja repetitiva. No caso da tarefa dos SA, eles precisam aparecer o mínimo possível, mas estarem atentos, presentes e necessários ao mesmo tempo; devem aparecer em momentos cruciais, auxiliando o trabalho do juiz, que é o responsável e autoridade na condução da audiência. Ao mesmo tempo em que dizem que o trabalho é simples, que qualquer um pode fazer, que é só digitar conforme aconteceu na audiência, há outras esferas do trabalho em que há ação, atividade, criação do servidor. Eles acabam se fazendo necessários ao trabalho do juiz em outros aspectos, sobretudo quanto à atenção redobrada que precisam ter ao que acontece à sua volta para justamente intervirem em situações bem específicas, tais como observar a dinâmica de pessoas na sala de audiência e avisar ao juiz se algo ou alguém pode interferir nos procedimentos judiciais, auxiliando as partes e o juiz no que lhes couber. A atenção é algo extremamente exigido no cotidiano da atividade, inclusive em procedimentos anteriores ao início da audiência, como estar atento e conferir os participantes da audiência trabalhista conforme documentos: Aí você vai ver, é seu Matheus? “Seu Matheus, o senhor poderia me dar seus documentos de identificação?”. Que eu não sei se seu Matheus é seu Matheus, né? Aí ele lhe dá identidade, CPF e carteira de trabalho (LU – IaS). Apreendemos que a atividade adquire um sentido de que o servidor deve ficar despercebido na audiência, mas, simultaneamente, deve exercer o papel de um facilitador, ou de um árbitro de futebol, como sinalizado por Arlindo: Assista 100% da audiência, a audiência inteira. Assista mais de que o juiz . . . E outra coisa: passe o máximo possível despercebido. É como um árbitro de futebol, no jogo, se o árbitro não aparecer é porque ele foi muito bem, ele fez muito bem, ninguém percebeu que tinha um árbitro, que tinha alguém digitando, que tinha não, porque ele foi ótimo (AR – IaS). Se o prescrito da atividade envolve acompanhar o juiz do trabalho para secretariar as audiências, digitar os termos de audiências no decorrer dessas (conciliações, depoimentos das partes e testemunhas, entre outros), e, ainda, se responsabilizar pelo primeiro contato com as partes antes da audiência trabalhista e por alguns encaminhamentos decorrentes das decisões judiciais. O trabalho real se apresenta com eventuais necessidades de sair da “invisibilidade” e “ampliar os sentidos do juiz”, pois, em casos peculiares, esses servidores acabam intervindo na audiência, já que observam tudo que se passa no seu andamento. Isso acaba sendo um aspecto Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024104 da atividade que surge para além do trabalho aparentemente prescrito. Além disso, os as precisam lidar com suas próprias limitações, o que é indicado por eles como lentidão, tanto na realização de procedimentos do processo, quanto na digitação. No entanto, quando se observa a situação de trabalho, percebemos a alta carga de trabalho a que esses trabalhadores estão submetidos, um grande número de processos trabalhistas, muitas audiências para secretariar, com diversas atividades e processos burocráticos. A suposta lentidão dos sujeitos expõe um sentido atribuído a si mesmos pelos próprios trabalhadores, um certo julgamento de valor de si, o que acaba ocultando as características da atividade – o indivíduo que acaba se considerando lento, limitado. Ainda assim, outra restrição que os incomoda é o conhecimento limitado em Direito, já que essa formação não é um requisito para ocupação do cargo público nesta situação. Há ainda os sentimentos de que os SA ficam restritos e “presos” à audiência, sem contato com os demais colegas do setor, o que remete a um isolamento no trabalho desses servidores. Ainda assim, percebemos que esses trabalhadores têm satisfação de terem contato com o público atendido nas audiências, para o qual a instituição presta o serviço, a quem devem prestar informações, fazer o primeiro acolhimento antes da audiência, exercendo o papel, inclusive, de acalmá-los em algumas situações, para além do prescrito, uma vez que acabam conhecendo a história de muitos, o percurso que fizeram até chegar a buscar seus direitos junto ao judiciário trabalhista. Portanto, a novidade, o inesperado, a possibilidade de crescimento e aprendizagem no trabalho são aspectos levantados por eles como positivos, sendo destacado que sempre há algo novo a cada audiência realizada, a cada história que chega. Os SA enfatizam a novidade e o inesperado como coisas positivas, uma atividade diferente das outras: “todo dia tem uma novidade, é algo diferente, sai do mecânico” (RO – Entrevista). Para Clot (2013), é importante os trabalhadores se sentirem participantes na dinâmica de tomada de decisões em contexto de trabalho, algo diretamente relacionado ao seu poder de agir face ao trabalho prescrito, organização de trabalho e gênero profissional. Tal participação tem importância em termos de manutenção da saúde para estes trabalhadores. Percebemos algumas formas interessantes de contornar as limitações da atividade por parte dos participantes desse estudo, principalmente voltadas a automatizar certos tipos de tarefas. Isso se dá, muitas vezes, pelos instrumentos que criam ou que se utilizam para driblar não só suas dificuldades pessoais, como a de ser mais rápidos, mas também como uma forma de se reinventar, de colocar algo seu no trabalho, fazer as coisas terem sentido e reconhecimento, não só para os outros, mas também para eles mesmos. Quando o trabalhador não é impedido de agir, ele não cessa de reinventar as funções sociais da ferramenta (Clot, 2010). Os SA utilizam muito dos recursos do próprio sistema informatizado de audiências, o AUDI, que facilita a criação de documentos próprios em cada situação, facilitando o resgate quando há necessidade. Usam também de modelos de textos criados por eles próprios ao longo dos diferentes tipos de audiências realizadas, que são compartilhados com os pares, possibilitando a troca entre eles. Realizar anotações no decorrer da atividade constitui-se também como uma forma de se organizar, de ter controle; facilita os as em situações posteriores e auxilia no resgate de informações. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 105 Os enfrentamentos e limitações com que esses profissionais se deparam, além de resultarem em sofrimento e adoecimento mental, também podem ser o ponto de partida para a criação na atividade. Com isso, vemos a mobilização psíquica que permanece, mesmo diante das adversidades (Clot, 2010). O conflito na atividade coloca o sujeito diante de sua capacidade de recriartécnicas, de fazer uso deslocado e subversivo destas, conforme suas necessidades. Núcleo de significação 4: estamos no mesmo barco, é preciso ter solidariedade Conforme ressaltam Clot (2001, 2006, 2010) e Almeida e Lima (2017), o coletivo de trabalho detém a história do pensar sobre o trabalho e é o alicerce para a atividade individual. Osório da Silva (2014) relembra que “ . . . o trabalhar é sempre coletivo, mesmo que se realize por um único trabalhador” (p. 84). No processo de criação ou transformação de ferramentas ou objetos do trabalho conforme sua necessidade, é importante que o profissional possa contar com o suporte dos colegas de ofício para endossar a utilização desses instrumentos em situações semelhantes. O coletivo proporciona também um repertório do qual o sujeito busca elementos para tomar suas decisões e enfrentar as adversidades no cotidiano da atividade, constituindo-se numa fonte protetiva de sua saúde mental no trabalho. No tocante ao gênero profissional, apreendemos que o coletivo de referência acaba sendo a equipe da Vara do Trabalho como um todo, já que os entrevistados remetem muitas vezes ao apoio e preocupações com a continuidade do trabalho no interior da própria unidade, onde estão lotados. Nesses contextos, é possível perceber nos discursos que há um sentido maior de coletivo entre todos. Entretanto, conforme Arlindo destacou, até mesmo com a proximidade cotidiana no mesmo ambiente, a cooperação pode ser substituída pelo sentimento de isolamento: A gente conhecer, saber qual é o dia a dia do outro, gera uma intimidade natural, né? Aquela intimidade de solidariedade quase, né?, nós somos, estamos no mesmo barco, mas não temos amizades, não se constrói amizades em torno disso, sabe? . . . não existem grupos, rede social, coisa mais natural do mundo, mais fácil do mundo se fazer um grupo de pessoas na rede social, mas não existe. A gente se dá muito bem, todo mundo se dá bem, não tem nenhum problema um com outro não, mas não temos essa coisa de discutir a situação, discutir uma coisa ou outra, o que é que uma coisa que tá pegando, uma coisa que tá, uma dificuldade e tal que o outro possa ajudar (AR – Entrevista). Além disso, destacamos que a cooperação entre servidores de diferentes varas do trabalho pode ser ainda mais dificultada pela lógica de funcionamento do judiciário, que pressupõe a independência de cada juiz, assim como a cultura de competição (Giannini et al., 2019) entre as unidades da qual cada magistrado está à frente, posto que cada uma delas acaba tendo resultados diversos, e podem ser comparadas em rankings de seu desempenho institucional. Entretanto, sabemos que, para manter a saúde dos trabalhadores, é importante estimular as construções coletivas, o estímulo ao debate sobre a atividade de trabalho, incentivando a solidariedade e cooperação entre os pares. Quando o acesso ao gênero está impedido pela falta de debate, abre-se espaço para que haja sofrimento psíquico, já que o sujeito fica limitado em Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024106 sua capacidade para dar sentido à atividade e se desenvolver (Osório da Silva, 2014). Além disso, a criação na atividade também pode ser potencializada pela experiência coletiva, já que implica o encontro consigo mesmo e com o outro (Barros; Benevides, 2007). A abertura de processos que façam aumentar o pensar e o fazer sobre o trabalho pode contribuir para aumentar a autonomia desses trabalhadores, assim como pode favorecer a superação de situações de sofrimento. Apesar de os pares que trabalham em um mesmo setor/Vara constituírem um coletivo de referência para esses servidores, não podemos desconsiderar a importância do fortalecimento ou até mesmo a construção de um coletivo de SA. Clot (2006) menciona que o cruzamento entre os diferentes gêneros profissionais é o que enriquece a criação de um estilo específico, individual. Justamente por esse contato com diversos gêneros simultaneamente é que um coletivo de SA poderia se beneficiar de um enriquecimento proporcionado por momentos de debate sobre a atividade. Lembramos, ainda, que os discursos remetem à importância da renovação do gênero, o qual não é algo estático, mas está sempre em movimento, mudando conforme as transformações históricas e os sujeitos vão se apropriando dele, e, ao mesmo tempo, dando suas contribuições para desenvolvê-lo. Eu acho que, quando você faz uma coisa, principalmente depois de um tempo, é difícil .saber tudo, mas você sabe 80%, você sente mais confortável, e, como você ver que aquilo tá dando certo pra você e tá dando certo pro grupo que você trabalha . . . Acho que qualquer local do setor público você chega zero, você não tem nada e você tem a experiência das outras pessoas que já passaram em arquivos e eles passam esses arquivos. É extremamente comum, você chega, eles passam os arquivos. E esses arquivos, eles ajudam pra deixar a coisa mais rápida, mais autônoma, e você consegue ir modificando e deixando do seu jeito . . . você acaba tendo que remodelar, fazer de novo com relação aos novos procedimentos, sabe? (MS – Entrevista). Os “arquivos” mencionados pelo trabalhador explicitam a existência de um acervo do trabalho que serve de herança para os que chegam. É uma produção coletiva, que se constitui no gênero profissional. Assim, o diálogo entre profissionais acerca da atividade possibilita transformar a experiência em meio de vida, auxiliando o reencontro do sujeito com o sentimento de vida e, por consequência, com a saúde. A associação entre saúde, poder de agir e criação pode ser mais uma vez mencionada, na medida em que a saúde vai além de se conformar e se adaptar à norma: ela remete ao poder de ação sobre si, e sobre o mundo, o qual se adquire com outros (Clot, 2010). Os dados explorados nos quatro núcleos de significação que foram aqui sumarizados trazem elementos no sentido de evidenciar este ponto central: os trabalhadores explicitaram regras de ofício e demandas do trabalho prescrito, evidenciando o quanto a existência de obstáculos para dar conta dessas regras é adoecedor, além do eventual caráter patógeno, em si, das próprias regras. Se, por um lado, é crucial para o trabalhador dispor do referenciamento do gênero profissional, através, muitas vezes, de seus coletivos de trabalho, por outro lado, o enquadre fornecido pelo gênero pode ser de ordem a contrariar aspectos do que o trabalhador considera um trabalho bem-feito. Esta tensão constante entre indivíduo trabalhador e seus contextos de referenciamento constitui a dinâmica da atividade de Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 107 trabalho, possibilitando ao trabalhador iniciativas inovadoras (estilizadoras) que podem vir a se incorporar no acervo comum do gênero, ou serem refutadas como variantes não-aceitas. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A atividade de trabalho, na contemporaneidade, contribui centralmente para a construção de identidade psicossocial, e, por esse aspecto, para o desenvolvimento, para a saúde e para o adoecimento. A atividade de trabalho dos SA, abordada aqui, apresenta aspectos assimiláveis ao contexto da precarização, alguns dos quais foram referidos: constata-se excesso de atribuições, impossibilidade de contar com os pares e de realizar pausas durante a execução das tarefas. Estes aspectos foram indicados como causadores ou agravantes de quadros de ansiedade e estresse, assim como puderam ser associados a vivências de sofrimento e impotência em relação ao trabalho. Mesmo que as características do trabalho dos SA dificultem a realização de trocas de qualidade entre os pares, a partir das narrativas dos entrevistados foi possível perceber como positivo e desejável o incentivo a essas trocas no âmbito do coletivo, sendo visto como algo desuma importância para a saúde mental dos trabalhadores do judiciário. Destacamos que as relações interpessoais, sejam elas com superiores, colegas ou público externo a quem atendem, adquirem relevância no processo de saúde/sofrimento, entendendo que a clínica da atividade vai além da concepção de trabalho apenas como causa de sofrimento; ela busca resgatar seu papel como operador de saúde, de lugar de criação coletiva e pessoal. No âmbito do judiciário, o enfraquecimento dos coletivos e do gênero pode estar abrindo caminho para o sofrimento e o adoecimento no trabalho para aqueles que desempenham o ofício de secretário de audiência. Para que se resgate a função do trabalho como operador de saúde, destacamos a necessidade de maior articulação no interior de cada coletivo de trabalho nesse contexto. Uma vez que a saúde se constitui como recurso coletivo, é preciso ampliar os recursos psicossociais para a ação desses trabalhadores por meio de ações que incentivem a cooperação, em contrário à lógica de competição e isolamento das formas de gestão no judiciário. Neste sentido, a organização deve construir espaços que possam contribuir para o fortalecimento de coletivos e dos gêneros profissionais, o que está de acordo com aspectos centrais, aqui discutidos, da proposta da clínica da atividade. Cabe finalmente ressaltar o quanto essa perspectiva também se coaduna com a defesa de direitos trabalhistas em termos de garantias para a saúde e desenvolvimento do trabalhador, com rebatimentos para a atividade de trabalho em sua completa extensão. REFERÊNCIAS AGUIAR, W. M. J.; SOARES, J. R.; MACHADO, V. C. Núcleos de significação: uma proposta histórico-dialética de apreensão das significações. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 45, p. 56-75, 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/198053142818. Acesso em: 09 ago 2022. ALMEIDA, A. P. C.; LIMA, M. E. A. A instrução ao sósia no contexto da pesquisa: Diferentes http://dx.doi.org/10.1590/198053142818 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024108 modos de apropriação do instrumento. Horizontes, [S. l.] v. 35 n. 3, p. 58-70, 2017. Disponível em: https://doi.org/10.24933/horizontes.v35i3.521. Acesso em: 09 ago 2022. AMAZARRAY, M. R.; OLIVEIRA, G. F.; FEIJÓ, F. R. Contexto de trabalho e transtornos mentais comuns em trabalhadores do Judiciário Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, v. 19, n. 3, p. 687-694, 2019. Disponível em: http://dx.doi. org/10.17652/rpot/2019.3.16744. Acesso em: 09 ago 2022. ANDRADE, P. P. Sentimento de (in)justiça na Justiça: fatores (des)estruturantes de QVT sob a ótica dos servidores de um órgão do Poder Judiciário. 2011. Dissertação (Mestrado) Universidade de Brasília. UnB. Brasília, 2011. Disponível em: https://repositorio.unb.br/jspui/ handle/10482/10350. Acesso em: 09 ago 2022. ARENAS, M. V. S. Assédio moral e saúde no trabalho do servidor público do judiciário: Implicações psicossociais. 2013. Tese (Doutorado) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/ handle/10183/78677. Acesso em: 20 ago 2022. BARROS, M.E.B.; BENEVIDES DE BARROS, R. Da dor ao prazer no trabalho. In: BARROS, M.E.B.; SANTOS, S.B. (Orgs.). Trabalhador da saúde: muito prazer – protagonismo dos trabalhadores na gestão do trabalho em saúde. Porto Alegre: Unijuí, 2007. p.61-72. BAUER, M.W.; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. 7 ed.. Petrópolis: Vozes, 2008. BENDASSOLLI, P. F.; SOBOLL, L. A. P. (Orgs.). Clínicas do trabalho: novas perspectivas para compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas, 2011. BENDASSOLLI, P. F. Mal estar no trabalho: do sofrimento ao poder de agir. Revista Mal Estar e Subjetividade, v. 11, n.1, p. 65-99, 2011. Disponível em: https://ojs.unifor.br/rmes/ article/view/4977. Acesso em: 09 jul 2022. CLOT, Y. A função psicológica do trabalho. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 2006. CLOT, Y. O ofício como operador de saúde. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, vol. 16, n. especial 1, p. 1-11, 2013. Disponível em: https://revistas.usp.br/cpst/article/view/77855. Acesso em: 09 jul 2022. CLOT, Y. Clínica do trabalho, clínica do real. Tradução: Kátia Santorum; Suyanna Linhales Barker. Le Journal des Psychologues, v. 185, p. 48-51, 2001. CLOT, Y.; BONNEFOND, J.-Y.; BONNEMAIN, A.; ZITTOUN, M. Le prix du travail bien fait: La cooperation conflictuelle dans les organisations. Paris: La Découverte, 2021. CLOT, Y.; GOLLAC, M. (2014) Le travail peut-il devenir supportable? Paris: Armand Colin, 2014. CLOT, Y. Trabalho e poder de agir. Belo Horizonte: Fabrefactum, 2010. DAL PAI, D.; LAUTERT, L.; TAVARES, J. P.; SOUZA FILHO, G. A. E.; DORNELLES, R. A. N.; MERLO, A. R. C. Repercussões da aceleração dos ritmos de trabalho na saúde dos servidores de um juizado especial. Saúde e Sociedade, São Paulo. Vol. 23, n. 3 jul./set 2014, p. https://doi.org/10.24933/horizontes.v35i3.521 http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2019.3.16744 http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2019.3.16744 https://repositorio.unb.br/jspui/handle/10482/10350 https://repositorio.unb.br/jspui/handle/10482/10350 https://lume.ufrgs.br/handle/10183/78677 https://lume.ufrgs.br/handle/10183/78677 https://ojs.unifor.br/rmes/article/view/4977 https://ojs.unifor.br/rmes/article/view/4977 https://revistas.usp.br/cpst/article/view/77855 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 109 942-952. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000300017.3. Acesso em: 20 jul 2022. FERNANDES, L. C.; FERREIRA, M. C. Qualidade de vida no trabalho e risco de adoecimento: Estudo no poder judiciário brasileiro. Psicologia USP, v. 26, n. 2. p. 296-306, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-656420130011. Acesso em: 15 jul 2022. FONSECA, R. M. C.; CARLOTTO, M. S.. Saúde mental e afastamento do trabalho em servidores do judiciário do estado do Rio Grande do Sul. Psicologia em Pesquisa, v. 5, n. 2, p. 117-125; 2011. Disponível em: https://periodicos.ufjf.br/index.php/psicologiaempesquisa/ article/view/23595. Acesso em: 15 jul 2022. GIANNINI, R.; SZNELWAR, L. I.; UCHIDA, S.; LANCMAN, S. A cooperação como instrumento de enfrentamento do real: O caso dos magistrados do trabalho no Brasil. Laboreal, v. 15, n. 1, p. 1-19, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.4000/laboreal.1202 . Acesso em: 20 jul 2022. GUÉRIN, F.; LAVILLE, A.; DANIELLOU, F.; DURAFFOURG, J.; KERGUELEN, A. Compreender o trabalho para transformá-lo: A prática da ergonomia. São Paulo: Edgard Blücher, 2001. MANSUR, J. E. A. Metas de produtividade no Poder Judiciário: Entre o aprimoramento da gestão e a potencialização dos riscos de assédio moral no trabalho. In: B. Farah (Org.), Assédio moral e organizacional: Novas modulações do sofrimento psíquico nas empresas contemporâneas. São Paulo: LTr, 2017. p.107-123. OSÓRIO DA SILVA, C. Pesquisa e intervenção em clínica da atividade: a análise do trabalho em movimento. In P. F. Bendassolli; L. A. P. Soboll (Orgs.), Métodos de pesquisa e intervenção em psicologia do trabalho: Clínicas do trabalho. São Paulo: Atlas, 2014. p.82-99. OSÓRIO DA SILVA C.; RAMMINGER, T.. O trabalho como operador de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, n. 12, p. 4751–4758, dez. 2014. Disponível em: https://doi. org/10.1590/1413-812320141912.15212013 . Acesso em: 20 jul 2022. POOLI, A.; MONTEIRO, J. Assédio moral no judiciário: Prevalência e repercussões na saúde dos trabalhadores. Revista Psicologia: Organizações e Trabalho, v. 18, n. 2, p. 346-353, 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2018.2.13516. Acesso em: 18 jul 2022. RABARDEL, P.; GOUÉDARD, C. Pouvoir d’agir et capacités d’agir: Une perspective méthodologique?. Pistes, v. 14, n. 2,p. 1-29, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.4000/ pistes.2808. Acesso em: 18 jul 2022. RENAULT, S. R. T. A reforma do Poder Judiciário sob a ótica do governo federal. Revista do Serviço Público, v. 56, n. 2, p. 127-136, 2005. Disponível em: https://doi.org/10.21874/rsp. v56i2.221. Acesso em: 20 jul 2022. SANTOS, M. Análise psicológica do trabalho : dos conceitos aos métodos. Laboreal, v. 2 n.1, p. 1-12, 2006. Disponível em: https://doi.org/10.4000/laboreal.13678. Acesso em: 20 jul 2022. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000300017.3 https://doi.org/10.1590/0103-656420130011 https://doi.org/10.4000/laboreal.1202 https://doi.org/10.1590/1413-812320141912.15212013 https://doi.org/10.1590/1413-812320141912.15212013 http://dx.doi.org/10.17652/rpot/2018.2.13516 https://doi.org/10.4000/pistes.2808 https://doi.org/10.4000/pistes.2808 https://doi.org/10.21874/rsp.v56i2.221 https://doi.org/10.21874/rsp.v56i2.221 https://doi.org/10.4000/laboreal.13678 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024110 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 111 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024112 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 113 ACÓRDÃOS Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024114 RECURSO ORDINÁRIO Nº. 0000047-98.2024.5.21.0041 DESEMBARGADORA RELATORA: MARIA DO PERPETUO SOCORRO WANDERLEY DE CASTRO RECORRENTE: EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH ADVOGADA: ZULÍVIA CONCEIÇÃO BRITTO MENEZES E OUTROS RECORRIDA: ROSIMERE JUSTINO DA SILVA ADVOGADO: VIVIANE DA SILVA LIMA HOLLANDA E OUTRO ORIGEM: 11ª VARA DO TRABALHO DE NATAL 1. Justiça do Trabalho. Competência. Pedido com fundamento, por analogia, em norma estatutária. A pretensão de licença para cuidados de familiar, formulada pelo servidor celetista em face de empresa pública, invocando por analogia normas da legislação estatutária, não envolve parcela tipicamente estatutária, sendo portanto competente em razão do regime funcional e do pedido, a Justiça do Trabalho. 2.EBSERH. Equiparação à Fazenda Pública. Prerrogativas processuais. Cabimento. A equiparação da reclamada EBSERH à Fazenda Pública decorre do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 473/CE, de Relatoria da Ministra Rosa Weber, publicado no DJ de 5/10/2020, que estende as prerrogativas processuais da Fazenda Pública à Sociedade de Economia Mista, por ser entidade que atua em regime não concorrencial e que tem por finalidade a prestação de serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade, inseridos integral e exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS , assim como a prestação, às instituições públicas federais de ensino ou instituições congêneres, de serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública, observada, nos termos do a autonomia universitária (art. 3º, caput , e § 1º, da Lei 12.550/2011), considerando mais que a EBSERH possui capital integralmente sob a propriedade da União, devendo seu lucro líquido ser reinvestido para atendimento do objeto social da empresa, excetuadas as parcelas decorrentes da reserva legal e da reserva para contingência, na forma do art. 8º, parágrafo único, da Lei 12.550/2011. 3.Justiça Gratuita. A simples declaração de hipossuficiência firmada pela reclamante é bastante à concessão dos benefícios da justiça gratuita, conforme o disposto no artigo 790, § 4°, da CLT, e os artigos 98 e 99 e §3°, do Código de Processo Civil. 4. Empregada pública. Cuidados com dependente. Redução da Jornada sem Redução do Salário. Aplicação de Lei Federal por analogia. A redução de jornada, sem redução de salário, prevista em Lei Federal para os servidores públicos federais é aplicável também, por extensão, aos empregados públicos, dado o alto sentido social que a embasa. Importa considerar, nesse sentido, decisões do Supremo Tribunal Federal, a partir do fundamento da decisão do Tema 1097- RG (RE 1237867, Relator Ministro Ricardo Lewandowski), e do entendimento positivo acerca do direito à redução da carga horária de servidor público que tenha filho ou dependente portador de deficiência. Assim, consideradas a absoluta prioridade do direito da criança à saúde, a disposição do art. 227 da Constituição da República e os fundamentos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) também na empresa pública, é devida, por analogia, a redução da carga horária da empregada pública que tenha filho ou dependente portador de deficiência para que possa lhe prestar a devida assistência e promover o desenvolvimento de sua capacidade. 5. Recurso ordinário a que se nega provimento. Vistos etc. Trata-se de recurso ordinário interposto pela EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH em face de sentença prolatada pelo d. Juiz Higor Marcelino Sanchez, Substituto na 11ª Vara do Trabalho de Natal (ID. cca4afe - fls. 315 e ss.), que julgou procedentes os pedidos formulados por Rosimere Justino da Silva, para determinar que a reclamada EBSERH reduza a jornada da autora sendo suprimido um plantão de 12 (doze) horas por semana, a partir da semana subsequente à Decisão, sob pena da imposição de multa diária correspondente a R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) por dia, ficando a jornada da reclamante reduzida para 24 (vinte e quatro) horas semanais que pode ser adequada pelas partes, por meio de acordo, com a distribuição do tempo em dias e horários diferentes e, em caso de não haver concordância de ambas as partes, correspondendo a dois plantões de 12 horas; autorizada, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 115 ainda, a mudança, pela reclamada EBSERH, do setor da reclamante para melhor adequação da prestação de serviço ao atendimento público. Condenou, ainda, a reclamada ao pagamento de honorários de sucumbência, no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais). Concedeu os benefícios da justiça gratuita à reclamante e, à reclamada, os benefícios legalmente concedidos à Fazenda Pública, sendo dispensado o recolhimento de custas do processo e o depósito recursal. Em suas razões de recurso (ID a4694fe - fls. 340 e ss.) a reclamada arguiu a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o feito, afirmando, com base no Tema 1143, de repercussão geral julgado pelo Supremo Tribunal Federal, que a pretensão da reclamante, contratada no regime da Consolidação das Leis do Trabalho, tem por base a legislação que rege o pessoal enquadrado no regime administrativo, de modo que a competência para julgar a matéria é da Justiça Comum. Mencionou a concessão dos benefícios da Fazenda Pública, seguindo a linha de julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior do Trabalho. Repetiu que a reclamante foi contratada por empresa pública no regime celetista, pelo qual não é prevista a redução de jornada, tendo a reclamante embasado seu pedido na Lei nº 8.036/90, aplicável aos servidores públicos, de modo que a redução de horário implica na redução salarial proporcional. Destacou a inexistência de norma coletiva que preveja a redução de jornada da reclamante para acompanhar tratamento de filho. Afirmou que no julgamento do caso deve ser observado o princípio da legalidade e na falta de lei específica a ser aplicada em benefício da reclamante, seu pedido deve ser julgado improcedente. Alegou que as sociedades de economia mista e as empresas públicas, entidades da administração indireta, têm regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive no que se refere aos direitos e às obrigações trabalhistas, consoanteprevisto no art. 173, §1º, II, da Constituição da República, obedecendo às regras insertas na Consolidação das Leis do Trabalho, não lhes sendo aplicada a Lei nº 8.112/90, que é destinada aos servidores públicos integrantes da administração pública federal direta. Ressaltou que deve ser dada prevalência ao interesse público sobre o particular, discorrendo sobre a inalterabilidade unilateral do contrato de trabalho e os limites de seu poder diretivo por influxo do regime de direito público, que impõe o respeito aos princípios administrativos legais e constitucionais e a observância do princípio da legalidade. Aduziu que somente poderia diminuir a jornada da reclamante se existente norma coletiva neste sentido, e se reportou ao art. 503, da Consolidação das Leis do Trabalho e à previsão de correspondente diminuição remuneratória. Disse que o regime especial constitucional de proteção à pessoa deficiente não tem o condão, por si só, de conferir benefício que não está previsto em lei, necessitando de efetiva ação dos órgãos competentes para que a ausência de norma jurídica não seja obstáculo ao atendimento de suas necessidades prioritárias e ponderou que a atividade desenvolvida é essencial e de relevância pública, consoante previsão constitucional. Referiu o princípio da separação dos poderes, afirmando que o Poder Judiciário não pode intervir em questões que constituam matéria sob reserva de governo ou que consubstanciem atos funcionalmente políticos, a exemplo da jornada de trabalho dos empregados públicos, por ser matéria que se insere na esfera de organização administrativa, vinculada à competência exclusiva para a condução do contrato de trabalho de seus empregados, decidindo-se as questões surgidas com base nos critérios de conveniência e oportunidade, dentre outros princípios administrativos. Alegou que a reclamante não comprovara preencher os requisitos do art. 790, §§ 3º e 4º, da CLT, não demonstrando auferir salário inferior a 40 % do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, nem insuficiência de recursos para suportar o encargo processual e disse que a reclamante possui dois vínculos públicos, sendo que o salário da Ebserh, conforme Fichas Financeiras juntadas, estão muito acima da média salarial do brasileiro comum, não cabendo a concessão do benefício da justiça gratuita formulado pela reclamante. A reclamante apresentou contrarrazões ao recurso ordinário interposto pela reclamada (ID aff21f4 - fls. 382 e ss.). Não houve encaminhamento do processo à Procuradoria Regional do Trabalho. É o relatório. VOTO: 1. Conhecimento 1.1. A reclamada EBSERH interpôs recurso ordinário tempestivamente em 10/04/2024 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024116 (ID a4694fe - fls. 340 e ss.), considerando que a ciência da Decisão se deu em 01/04/2024, consoante informação contida no sistema PJE-JT. O recurso ordinário foi subscrito por advogada habilitada através de procuração e substabelecimento insertos nos autos (ID 5ff0ed6 - fls. 333 a 337). Preparo inexigível ante a concessão das prerrogativas da Fazenda pública à reclamada (ID cca4afe - fls. 321). 1.2 A reclamante, nas contrarrazões, assevera que não cabe a extensão das prerrogativas da Fazenda Pública à reclamada. O Tribunal Superior do Trabalho já firmou entendimento no sentido da equiparação da EBSERH à Fazenda Pública proferindo julgados neste sentido, consoante ementas abaixo transcritas: “AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. EBSERH. NATUREZA JURÍDICA. PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA. EXTENSÃO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA . O Tribunal Pleno desta Corte, ao examinar o Processo E-RR-252-19.2017.5.13.0002, no dia 20/3/2023, firmou tese no sentido de que a EBSERH, por ter como finalidade a prestação de serviços públicos essenciais, ligados à saúde e à educação, além de não atuar em regime de concorrência e não reverte lucros à União, faz jus aos privilégios próprios da Fazenda Pública referentes à isenção de recolhimento de custas e depósitos recursais. Decisão regional em desarmonia com esse entendimento. Dessa forma, correta a decisão monocrática que conheceu do recurso de revista e afastou a deserção do recurso ordinário da parte reclamada. Agravo não provido” (Ag-RRAg-10089-74.2021.5.03.0184, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 16/06/2023). “A) AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017 . PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA. EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH. SERVIÇO PÚBLICO. EMPRESA PÚBLICA FEDERAL VINCULADA AO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS GRATUITOS NA ÁREA DE SAÚDE NO ÂMBITO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS E SERVIÇOS DE APOIO AO ENSINO EM HOSPITAIS PÚBLICOS FEDERAIS EM REGIME NÃO CONCORRENCIAL. EQUIPARAÇÃO À FAZENDA PÚBLICA. ADPF 437/STF APLICADA POR ANALOGIA. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal. Agravo de instrumento provido. B) RECURSO DE REVISTA. PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA. EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES - EBSERH. SERVIÇO PÚBLICO. EMPRESA PÚBLICA FEDERAL VINCULADA AO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS GRATUITOS NA ÁREA DE SAÚDE NO ÂMBITO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS E SERVIÇOS DE APOIO AO ENSINO EM HOSPITAIS PÚBLICOS FEDERAIS EM REGIME NÃO CONCORRENCIAL. EQUIPARAÇÃO À FAZENDA PÚBLICA. ADPF 437/ STF APLICADA POR ANALOGIA . A jurisprudência desta Corte era no sentido de que as empresas públicas e sociedades de economia mista, pessoas de direito público privado, ainda que desenvolvam atividade relevante e de caráter social, não se enquadravam no conceito constitucional e legal de Fazenda Pública, não se beneficiando das prerrogativas previstas no Decreto-lei nº 779/69 ou da Lei 9.494/97, nos termos da Súmula 170/TST e do art. 173, parágrafos 1º, II, e 2º, da CF. Contudo , a partir do julgamento da ADPF 473/CE/STF, de Relatoria da Ministra Rosa Weber, publicado no DJ de 5.10.2020, em que se reconheceu que a Empresa de Assistência Técnica e Extensão do Ceará - EMATERCE, entidade estatal prestadora de serviço público, sem fins lucrativos, possui as prerrogativas processuais da Fazenda Pública, a matéria deve ser analisada não apenas sob o enfoque da natureza jurídica da entidade, mas também sob o prisma do caráter da atividade realizada . No caso concreto, a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH é uma entidade que atua em regime não concorrencial e que possui por finalidade a prestação de serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico à comunidade, inseridos integral e exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS , assim como a prestação, às instituições públicas federais de ensino ou instituições congêneres, de serviços de apoio ao ensino, à pesquisa e à extensão, ao ensino-aprendizagem e à formação de pessoas no campo da saúde pública, observada, nos termos do a autonomia universitária (art. 3º, caput , e § 1º, da Lei 12.550/2011). Além disso, a EBSERH possui capital integralmente sob a propriedade da União, devendo seu lucro líquido ser reinvestido para atendimento do objeto social Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 117 da empresa, excetuadas as parcelas decorrentes da reserva legal e da reserva para contingência, na forma do art. 8º, parágrafo único, da Lei 12.550/2011. Assim, tendo em vista que a EBSERH tem por finalidade a prestação de serviço públicoessencial, em regime não concorrencial, sendo constituída por capital integralmente sob a propriedade da União, a Recorrente faz jus à aplicação das prerrogativas processuais concedidas à Fazenda Pública . Julgados desta Corte. Logicamente que o referido entendimento não altera a natureza jurídica da Reclamada - que preserva, para os demais fins, sua condição de empresa pública federal, submetida ao regime jurídico próprio das empresas privadas, nos termos do art. 173, § 1º, II, da CF. Tampouco lhe confere prerrogativas exacerbadas da Fazenda Pública, tais como o prazo em dobro ou em quádruplo para as suas manifestações processuais. Assim, as prerrogativas da Fazenda Pública aplicáveis à Recorrente consistem na isenção das custas processuais, na inexigibilidade do depósito recursal e na execução por meio de precatório . Recurso de revista conhecido e provido” (RR-11174-34.2020.5.18.0016, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 02/06/2023). Assim, não é exigível o preparo do recurso ordinário. 1.3 Conheço do recurso ordinário interposto pela reclamada EBSERH. 2. Mérito 2.1. A reclamada suscita a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar o feito com vistas ao entendimento do Supremo Tribunal Federal expresso no Tema 1143, de repercussão geral, alegando que a pretensão da reclamante, contratada no regime da Consolidação das Leis do Trabalho, tem por base a legislação que rege o pessoal enquadrado no regime administrativo, de modo que a competência para julgar a matéria é da Justiça Comum. A matéria surgiu apenas nas razões de recurso, todavia em face do disposto no art. 64, § 1º, do Código de Processo Civil, ora utilizado de forma supletiva, não há supressão de instância ou inovação recursal. No Tema 1143, o STF analisou a competência para julgar ação ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público, quando é pleiteada prestação de natureza administrativa, firmando a seguinte tese: A Justiça Comum é competente para julgar ação ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público, em que se pleiteia parcela de natureza administrativa . A ementa do acórdão, proferido no RE1288440/SP, é a seguinte: Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E DO TRABALHO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DEMANDA PROPOSTA POR EMPREGADO PÚBLICO CELETISTA CONTRA O PODER PÚBLICO. PRESTAÇÃO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA . 1. Recurso extraordinário, com repercussão geral reconhecida, em que se discute a competência da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum para julgar ação proposta por servidor celetista contra o Poder Público, na qual se pleiteia prestação de natureza administrativa. 2. Tratando-se de parcela de natureza administrativa, a Justiça Comum é o ramo do Poder Judiciário que tem expertise para apreciar a questão. Nesses casos, embora o vínculo com o Poder Público seja de natureza celetista, a causa de pedir e o pedido da ação não se fundamentam na legislação trabalhista, mas em norma estatutária, cuja apreciação - consoante já decidido por esta Corte ao interpretar o art. 114, I, da Constituição - não compõe a esfera de competência da Justiça do Trabalho. 3. Recurso extraordinário a que se nega provimento, com a fixação da seguinte tese: A Justiça Comum é competente para julgar ação ajuizada por servidor celetista contra o Poder Público, em que se pleiteia parcela de natureza administrativa . 4. Modulação dos efeitos da decisão para manter na Justiça do Trabalho, até o trânsito em julgado e correspondente execução, os processos em que houver sido proferida sentença de mérito até a data de publicação da presente ata de julgamento. No leading case, as autoras, servidoras do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, regidas pelo regime celetista, pleiteavam o recálculo de quinquênios sobre os vencimentos integrais, com base em normas de direito administrativo, quais sejam, a Lei nº 10.261/1968, do Estado de São Paulo, que institui o regime jurídico dos funcionários públicos civis daquele ente federativo, e o art.129 da Constituição Estadual. O entendimento adotado decorreu que a causa de pedir e o pedido da ação se fundamentam em norma estatutária. No caso em análise, o pedido é “a redução da sua carga horária em 50% Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024118 (cinquenta por cento), sem redução de salário” sendo citadas nos fundamentos, disposições da Lei 8.112. Todavia, não se trata de típico pedido estatutário, mas apenas com fundamento analógico nas normas do regime estatutário. Assim, não há aderência ao entendimento do Supremo Tribunal Federal ao caso, sendo, por conseguinte, da competência da Justiça do Trabalho. 2.2. A reclamada discute a concessão dos benefícios da justiça gratuita à reclamante, asseverando que ela tem rendimentos superiores ao dobro do mínimo legal, de modo que não se enquadra nos requisitos estabelecidos pelo art. 790, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho e pode pagar as custas do processo. O d. Julgador de primeiro grau consignou, sobre a matéria, os seguintes fundamentos (ID cca4afe - fls. 319 e 320): “A.2. BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA Pela nova sistemática imposta pela Reforma Trabalhista, para a concessão dos benefícios da justiça gratuita a parte requerente deverá possuir salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do teto do Regime Geral de Previdência Social, ou ainda, o referido benefício poderá ser deferido à parte que, mesmo auferindo remuneração superior aos limites anteriormente citados, comprove a insuficiência de recursos. Nesse passo, verifico que os contracheques apresentados pela reclamante demonstram uma remuneração mensal superior ao limite de 40% (quarenta por cento) do teto do Regime Geral de Previdência Social. Ocorre que os gastos por ela narrados com assistência médica e de profissionais da saúde para os cuidados com seus filhos certamente fazem com que a reclamante não tenha condições de arcar com os custos desta demanda judicial. Assim, tenho que a autora comprovou que necessita da assistência judiciária. Dessa forma, defiro o pedido de benefício da justiça gratuita, formulado pelo reclamante, já que preenchidos os requisitos contidos no art. 790, §3º, da CLT.” O direito aos benefícios da justiça gratuita pode ser requerido e analisado em qualquer instância (art. 790, § 3º, CLT). Na petição inicial, a reclamante afirmou o cabimento da assistência judiciária em seu favor (ID 2cf62d9 - fls. 3 e ss.), alegando que toda renda que auferia estava comprometida com despesas fixas e variáveis em favor de sua família, asseverando ser pessoa física e não ter condições de arcar com os custos processuais sem prejuízo de seu sustento e de sua família. Nos termos do artigo 790, § 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho, o benefício da justiça gratuita também deve ser concedido “à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo”, regra que está em sintonia com o que estabelece o Código de Processo Civil sobre a matéria, em seus artigos 98 e 99, presumindo-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida pela pessoa natural, nos termos do § 3º, artigo 99, também do Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária ao processo do trabalho. Ademais, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho é de que mesmo após a vigência da Lei nº 13.467/2017, que modificou a redação do § 3º, e incluiu o § 4º ao artigo 790, da Consolidação das Leis do Trabalho, a simples declaração de hipossuficiência é bastante para a concessão do benefício da Justiça Gratuita. Nesse sentido o seguinte julgado: AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.467/2017. BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. COMPROVAÇÃO. AÇÃO AJUIZADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. DECLARAÇÃO PROFERIDA POR PESSOA NATURAL. Não mereceprovimento o agravo que não desconstitui os fundamentos da decisão monocrática que deu provimento ao recurso de revista interposto pelo reclamante para deferir-lhe os benefícios da gratuidade de justiça. Com efeito, o entendimento sedimentado neste Tribunal Superior é no sentido de que a comprovação a que alude o § 4º do artigo 790 da CLT pode ser feita mediante declaração de miserabilidade da parte. Nesse contexto, a simples afirmação do reclamante de que não tem condições financeiras de arcar com as despesas do processo autoriza a concessão da Justiça gratuita à pessoa natural. Agravo desprovido. (Ag-RR-2057-06.2017.5.20.0004, 2ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 06/05/2022). Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 119 Assiste, pois, à reclamante o direito à gratuidade de justiça, ficando ela dispensada do pagamento das custas processuais. Ressalta-se que, além da suficiência de declaração, constata- se pelo o exame da tabela de gastos apresentada pela reclamante, corroborada pela documentação que trouxe aos autos, junto à petição inicial, o dispêndio de consideráveis quantias com planos de saúde e com o pagamento de terapias necessária ao tratamento de seu filho, de modo que não lhe sobram largos recursos para atender despesas cotidianas e despesas processuais, principalmente se considerarmos os gastos com o tratamento médico de seu dependente, o qual foi comprovado nos autos. Cabe acrescentar que eventual prova em contrário cabe à empresa reclamada, sendo descabida a pretensão mesmo que afirmada a existência de dois vínculos funcionais da reclamante. 2.3. A reclamada alega que não cabe a redução da jornada de trabalho da reclamante pois as sociedades de economia mista e as empresas públicas, entidades da administração indireta, têm regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive no que se refere aos direitos e às obrigações trabalhistas, o que exclui a incidência das disposições da Lei nº 8.112/90. Discorre sobre a inalterabilidade unilateral do contrato de trabalho, a necessária observância dos princípios administrativos legais e constitucionais, e a ausência de norma jurídica que estabeleça o benefício para a pessoa deficiente, não cabendo assim a flexibilização do horário de trabalho para a reclamante. O d. Julgador de primeiro grau proferiu a sentença com os seguintes fundamentos (ID cca4afe - fls. 315 e ss.): “A. MÉRITO A.1. ADEQUAÇÃO DA CARGA HORÁRIA DA RECLAMANTE A arte autora informa que é empregada pública federal e que possui um filho portador de Transtorno do Espectro Autista (CID10: F84 e CID11: 6A02) e (CID 10: F71)). Sustenta que a criança necessita de tratamento terapêutico ocupacional, com envolvimento da genitora e de todo o contexto social e familiar, bem como acompanhamento por diversos profissionais da área de saúde. Conclui dizendo que é preciso um acompanhamento multidisciplinar no cuidado com o menor. Em razão desse contexto, requer a redução da sua carga horária em 50% (cinquenta por cento), sem redução de salário. Analiso. Inicialmente, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência aprovada por meio do Decreto n. 186/2008, com força de Emenda Constitucional, estabelece, como princípio geral, o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência, além de prever que o portador de deficiência tem o direito de gozar do estado de saúde mais elevado possível e de melhoria contínua de suas condições de vida. Cito o art. 3 da Convenção: “Artigo 3 Princípios gerais Os princípios da presente Convenção são: a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas. b) A não-discriminação; c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e) A igualdade de oportunidades; f) A acessibilidade; g) A igualdade entre o homem e a mulher; h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade. Já no preâmbulo da Convenção há a citação de que “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito de receber a proteção da sociedade e do Estado e de que as pessoas com deficiência e seus familiares devem receber a proteção e a assistência necessárias para tornar as famílias capazes de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência”. Nesse sentido, fica claro que o Estado Brasileiro, ao aprovar, nos termos do §3º do art. 5º da Constituição Federal, o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, obrigou-se a cumprir os termos ali expostos, inclusive com força de emenda constitucional. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024120 Além disso, no texto infraconstitucional, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) estabelece ser dever da família e do poder público assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos à dignidade e convivência familiar da criança (art.4º), com especial proteção à criança com deficiência (art. 70-A, parágrafo único), sob pena de responder por sua negligência. Tais dispositivos garantem a adoção de medida destinada à proteção da criança com deficiência que necessita especial atenção da mãe trabalhadora, justificando a aplicação analógica ao caso da §3º do art. 98 da Lei n. 8112/90: Art. 98. Será concedido horário especial ao servidor estudante, quando comprovada a incompatibilidade entre o horário escolar e o da repartição, sem prejuízo do exercício do cargo. §1º Para efeito do disposto neste artigo, será exigida a compensação de horário no órgão ou entidade que tiver exercício, respeitada a duração semanal do trabalho. §2º Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário. §3º As disposições constantes do § 2º são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência. Logo, a lei 13.370/16 alterou a lei 8.112/90 para estender ao servidor, que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência, o direito à redução da jornada de trabalho, sem necessidade de compensação de horário. No presente caso, o que vejo é uma situação de extrema necessidade, já que a autora possui um filho com Transtorno do Espectro Autista, que requer atenção redobrada na condução dos tratamentos terapêuticos. No presente caso, este magistrado tem que adequar os preceitos legais que determinam ao Estado brasileiro uma atenção especial às pessoas com deficiência, inclusive aos entes privados, com extensão horizontal dos direitos fundamentais, ao atendimento público, propiciando a continuidade dos serviços e a eficiência deles. Nesse sentido, não há se falar em princípio da legalidade e ausência de norma que dê subsídio ao requerimento da autora, uma vez que existe preceito com força de norma constitucional que ampara o desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e garante esse direito à família que o acompanha, como medida de saúde para o efetivo desenvolvimento. Enfim, entendo que o Estado Brasileiro trouxe uma proteção maior às pessoas com deficiência, elencando, como política pública, tanto a proteção, como o cuidado que se exige a esses cidadãos, assegurando a máxima efetividade ao princípio da dignidade humana. Assim, entendo que não se trata de uma questão individual apenas da reclamante, mas simde uma medida de saúde pública, aplicada também ao regime privado, conforme a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Por todo o exposto, tenho que a reclamante tem o direito à adequação de sua jornada, para garantir uma real assistência ao seu filho deficiente, tudo com fulcro no art. 8º da CLT, no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e nas normas que garantem especial proteção à criança com deficiência. Enfim, aplico analogicamente ao caso o §3º do art. 98 da Lei n. 8112/90 para confirmar a tutela anteriormente deferida e julgar procedente o pedido. Dessa forma, levando em consideração o depoimento das partes, entendo ser possível a adequação do horário da reclamante, de forma que julgo procedente o pedido, para ratificar a tutela anteriormente deferida e determinar que a EBSERH proceda com a redução da jornada da autora da seguinte forma: a autora deverá ter reduzido um plantão de 12 horas por semana, iniciando-se a partir da próxima semana, tudo sob pena de incidência de multa diária de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) por dia. Dessa forma, reduzo a jornada da reclamante de 36 horas para 24 horas semanais. As partes podem, em comum acordo, adequar a jornada de 24 horas acima fixada, distribuindo em dias e horários diferentes, desde que ambas Caso não haja concordância de ambas as partes, concordem. deverão observar a jornada fixada por este magistrado, qual seja, dois plantões de 12 horas por semana. Poderá a reclamada EBSERH adotar a mudança de setor da reclamante para melhor adequação da prestação de serviço ao atendimento público.” O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1097 - RG, firmou entendimento positivo acerca do direito à redução da carga horária de servidor público que tenha filho ou dependente portador de deficiência, com fixação da tese de repercussão geral (RE 1237867, segredo de justiça, Relator Ministro Ricardo Lewandowski). No acórdão da Suprema Corte, ostenta os fundamentos: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 121 RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. TRATADO EQUIVALENTE À EMENDA CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORITÁRIA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE. LEI 12.764/2012. POLÍTICA NACIONAL DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA PESSOA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA DA FAMÍLIA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM ALTERAÇÃO NOS VENCIMENTOS. SERVIDORA ESTADUAL CUIDADORA DE FILHO AUTISTA. INEXISTÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESTADUAL. ANALOGIA AO ART. 98, § 3°, DA LEI 8.112/1990. LEGITIMIDADE DA APLICAÇÃO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL QUANDO A OMISSÃO ESTADUAL OU MUNICIPAL OFENDE DETERMINAÇÃO CONSTITUCIONAL AUTOAPLICÁVEL QUE NÃO ACARRETE AUMENTO DE GASTOS AO ERÁRIO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE SUBSTANCIAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. FIXAÇÃO DE TESE DE REPERCUSSÃO GERAL. I - A Carta Política de 1988 fixou a proteção integral e prioritária à criança e ao adolescente, cujas garantias têm sido reiteradamente positivadas em nossa legislação, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/1990) e da promulgação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (Decreto 99.170/1990). II - A Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, no § 2° do art. 1° da Lei 12.764/2012, estipulou que eles são considerados pessoas com deficiência, para todos os efeitos legais. Assim, é incontestável que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência aplicam-se também a eles. III - A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) foi assinada pelo Brasil e, por ter sido aprovada de acordo com os ritos previstos no art. 5°, § 3° da Constituição Federal de 1988, suas regras são equivalentes a emendas constitucionais, o que reforça o compromisso internacional assumido pelo País na defesa dos direitos e garantias das pessoas com deficiência. IV - A CDPD tem como princípio geral o “respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade” (art. 3°, h) e determina que, nas ações relativas àquelas com deficiência, o superior interesse dela receberá consideração primordial (art. 7°, 2). V - No Preâmbulo (item X), o Tratado é claro ao estabelecer que a família, núcleo natural e fundamental da sociedade, tem o direito de receber não apenas a proteção de todos, mas também a assistência necessária para torná-la capaz de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência. VI - Os Estados signatários obrigam-se a “adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção” (art. 4°, a). VII - A omissão do Poder Público, portanto, não pode justificar afronta às diretrizes e garantias constitucionais. Assim, a inexistência de lei estadual específica que preveja a redução da jornada de servidores públicos que tenham filhos com deficiência, sem redução de vencimentos, não serve de escusa para impedir que seja reconhecido a elas e aos seus genitores o direito à dignidade da pessoa humana e o direito à saúde. VIII - A convivência e acompanhamento familiar para o desenvolvimento e a inclusão das pessoas com deficiência são garantidos pelas normas constitucionais, internacionais e infraconstitucionais, portanto, deve-se aplicar o melhor direito em favor da pessoa com deficiência e de seus cuidadores. IX - O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu que é legítima a aplicação da Lei 8.112/1990 nos casos em que a legislação estatal e municipal for omissa em relação à determinação constitucional autoaplicável que não gere aumento ao erário. Precedentes. X - Tendo em vista o princípio da igualdade substancial, previsto tanto em nossa Carta Constitucional quanto na Convenção Internacional sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, se os servidores públicos federais, pais ou cuidadores legais de pessoas com deficiência têm o direito a horário especial, sem a necessidade de compensação de horário e sem redução de vencimentos, os servidores públicos estaduais e municipais em situações análogas também devem ter a mesma prerrogativa. XI - Recurso extraordinário a que se dá provimento.Fixação de tese: “Aos servidores públicos estaduais e municipais é aplicado, para todos os efeitos, o art. 98, § 2° e § 3°, da Lei 8.112/1990”. Diante disso, considerada a garantia à criança, com absoluta prioridade, do direito à vida e à saúde, como dever da família, da sociedade e do Estado, enunciada no art. 227 da CRFB; e os fundamentos expressos pelo STF, em que avulta a Convenção Internacional sobre Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024122 os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) na qual há como princípio geral o “respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade” (art. 3°, h) e determina que, nas ações relativas àquelas com deficiência, o superior interesse dela receberá consideração primordial (art. 7°, 2) e a disposição de que a família, núcleo natural e fundamental da sociedade, tem o direito de receber não apenas a proteção de todos, mas também a assistência necessária para torná-la capaz de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência, cabe a redução da carga horária da reclamante. É preciso destacar que a Suprema Corte evidenciou que a omissão do Poder Público, na edição de lei queassegure a redução da jornada para servidores que tenham filhos com deficiência, não pode redundar em negativa do direito a eles, em virtude do princípio da igualdade substancial. Neste sentido, a igualdade significa que - “todos, indistintamente, têm o direito de ser, igualmente, governados pelas mesmas leis” (Edgard Lincoln de Proença Rosa, Revista de Informação Legislativa, jul/set. 1981). Por lógico, a todos os servidores federais pode ser aplicada a disposição regente do serviço público federal, alcançando os celetistas, por meio da analogia, para assegurar a igualdade. O Tribunal Superior do Trabalho, na mesma linha, estabeleceu o reconhecimento do direito, para o caso de empregada pública, a exemplo das decisões a seguir transcritas: “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. REGÊNCIA DAS LEIS NOS 13015/2014 E 13467/2017. RITO SUMARÍSSIMO. EMPREGADA PÚBLICA. REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA PARA ACOMPANHAMENTO DE FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA). PROVA DA NECESSIDADE DE REDUÇÃO DA JORNADA. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. A aplicação analógica do art. 98 da Lei nº 8112/1990 a empregados públicos, nas hipóteses em que se faz imprescindível a necessidade de redução da jornada de trabalho do empregado para acompanhamento de filho portador de necessidade especial, tem sido admitida nesta Corte por força dos arts. 4º e 5º, da LINDB, por se tratar método de integração do direito (analogia legis). In casu, as premissas fáticas e probatórias trazidas pelo Regional, insuscetíveis de reapreciação nessa instância extraordinária (Súmula nº 126 do TST), denunciam a extrema necessidade de redução da jornada de trabalho da empregada, sem redução da remuneração e sem compensação de horário, para acompanhamento da filha menor, que foi diagnosticada com grau severo de transtorno do espectro autista, a necessitar de acompanhamento especializado multidisciplinar cinco vezes na semana (vinte horas semanais), por prazo indeterminado. Assim, a decisão regional, da forma como posta, não implica violação dos arts. 5º, II, 7º XXVI, 37, caput, II, 227, §1º, II, da Constituição da República. Agravo de instrumento conhecido e não provido” (AIRR- 128-54.2020.5.19.0005, 8ª Turma, Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 02/05/2023). “AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. RITO SUMARÍSSIMO. JORNADA DE TRABALHO. REDUÇÃO PARA CUIDADO DE FILHO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA (AUTISMO). EMPREGADO PÚBLICO. ANALOGIA. ART. 98, §§ 2 º e 3 º, DA LEI 8.112/90. 1. O Tribunal Regional deferiu ao reclamante, empregado público, redução de jornada (50%), sem diminuição salarial para que o autor acompanhe sua filha, com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista, nas atividades relacionadas com o respectivo tratamento, por aplicação analógica do art. 98, §§2 º e 3 º, da Lei 8.112/90, com redação da Lei 13.370/2016. 2. No contexto do processo de constitucionalização do Direito Administrativo, a utilização da analogia a fim de realizar a integração da lacuna normativa do regime jurídico aplicável ao reclamante encontra amparo na leitura contemporânea do princípio da legalidade administrativa, à luz do primado da juridicidade, de modo a não vincular o administrador público exclusivamente às diretrizes oriundas do Poder Legislativo, mas também para balizar sua atividade pelos valores e princípios constitucionais. 3. O caso dos autos abrange a tutela de bens jurídicos destacados na ordem constitucional de 1988, notadamente, o direito da pessoa com deficiência, alçado à categoria de direito fundamental, sobretudo em face da internalização, com status de emenda constitucional (art. 5 º, § 3 º, da CF), da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência pelo Decreto 6.949/2009. 4. Desse modo, a aplicação analógica do art. 98, §§ 2 º e 3 º, da Lei 8.112/90 à situação dos autos, envolvendo empregado público, decorre da incidência de princípios oriundos dos arts. 1º, Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 123 III, 5 º, 6 º, 7 º, 227 da CF e 3 º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), além da destacada Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, não se vislumbrando qualquer ofensa ao primado da legalidade ou aos demais princípios que regem a Administração Pública. Precedentes. Agravo não provido “ (Ag-AIRR-585-48.2021.5.12.0037, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 27/03/2023). “AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA . LEI Nº 13.467/2017. HORAS NOTURNAS. NORMA COLETIVA. INEXISTÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 297 DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA . Não se constata a transcendência da causa, no aspecto econômico, político, jurídico ou social. Agravo interno conhecido e não provido, por ausência de transcendência da causa . Agravo conhecido e não provido. EMPREGADA PÚBLICA. FILHO PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) DE BAIXO FUNCIONAMENTO. DIREITO À REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. PRINCÍPIOS DA IGUALDADE MATERIAL E DA DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 98, §3º, DA LEI Nº 8.112/90. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA . A discussão cinge-se em definir se há, ou não, direito de redução da jornada de trabalho da empregada pública para o melhor acompanhamento de filho com deficiência, sem necessidade de compensação ou redução de salários, por aplicação analógica do artigo 98, §3º, da Lei nº 8.112/90. A Constituição Federal, em seu capítulo VII, garante especial proteção à família, conceituando-a como instituição fundamental e base da sociedade, responsável pelo pleno desenvolvimento e proteção dos indivíduos que a compõem . Com isso, estabelece que, além de toda sociedade e do Estado, é dever da família “ assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão “ (art. 227, caput , da CF/88). Notabiliza-se, portanto, a importância da entidade familiar na formação das crianças, adolescentes ou jovens submetidos aos seus cuidados, principalmente em situações de vulnerabilidade , como em alguns casos de pessoas com deficiência. Há, ainda, obrigação expressa, direcionada ao Estado, no sentido da necessidade de “ criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação “ (art. 227, §1º, II, da CF/88). Sobre esse aspecto, com o advento da denominada “Convenção de Nova York” - a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência - e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007, vigente no Brasil desde 25 de agosto de 2009, após ratificação, pelo Congresso Nacional, com equivalência a emenda constitucional, em virtude de haver sido observado o procedimento previsto no § 3º do artigo 5º da Constituição (Decreto nº 6.949), inaugurou-se um novo cenário normativo voltado à inclusão e proteção das pessoas com deficiência . Tais normas, complementadas pelano resultado da organização através da exploração das pessoas como meios de produção, inclusive sob a perspectiva emocional, que prevalece inclusive no Judiciário brasileiro. Essas conclusões, no entanto, ainda demandam maior aprofundamento. A literatura científica elenca alguns instrumentos para medir o trabalho emocional, a exemplo do Escala de Trabalho Emocional (Brotheridge; Lee, 2003), Inventário de Trabalho Emocional (Mann, 1999 apud Silva, 2016) e a Escala de Trabalho Emocional Frankfurt (Zapf; Vogt; Seifert; Mertini; Isic, 1999 apud Silva, 2016). Porém, esses artefatos objetivam apenas o diagnóstico institucional, não indicando os meios e estratégias mais adequados para abordar as circunstâncias determinantes para o contexto verificado em cada caso concreto, o que pode justificar porque esses instrumentos ainda são pouco utilizados pelos gestores nas organizações. As pesquisas desenvolvidas a partir dos estudos de Brotheridge e Lee (2003) mapearam os impactos pessoais e organizacionais dos indivíduos no exercício do trabalho emocional. A frequência das interações pessoais afeta negativamente a satisfação no trabalho, diminuindo a capacidade de regulação emocional superficial e aumentando a sensação de exaustão do trabalhador (Chou; Hecker; Martin, 2012 apud Silva, 2016). A necessidade de aparentar emoções não sentidas também impacta negativamente a satisfação e o engajamento no trabalho, enquanto que a capacidade de modular os sentimentos à necessidade de expressão emocional promovem maior satisfação, engajamento no trabalho e sensação de suporte organizacional (Chou; Hecker; Martin, 2012 apud Silva, 2016). O desgaste inerente à necessidade de fingir o que não sente e/ou neutralizar emoções em resposta a demandas organizacionais provoca prejuízos ao bem-estar do trabalhador, além de afetar a autenticidade, contribuindo para a alienação de sentimentos pessoais e o adoecimento psicológico (Brotheridge; Lee, 2003; Grandey, 2000; Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 19 Hochschild, 1983). Por outro lado, a produção científica se volta primordialmente para a medição do trabalho emocional, não o confrontando com os cenários organizacionais ou com outros dados relevantes para a gestão organizacional, a exemplo de índices e marcadores relacionados à gestão de pessoas e ao desempenho das organizações, tampouco introduzem possíveis soluções interventivas para as organizações que possam efetivamente amenizar os malefícios desse contexto laboral para os seus colaboradores, o que denota a relevância de uma abordagem mais prática da questão. 3. DIAGNÓSTICO DO TRABALHO EMOCIONAL NO TRT21 3.1 Escopo da pesquisa A pesquisa foi realizada mediante coleta de dados, via questionário eletrônico, junto aos magistrados e servidores do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT21), órgão do Poder Judiciário Federal pertencente à Justiça Especializada do Trabalho instalado no Estado do Rio Grande do Norte (RN). A correlação da atuação como analista judiciária do TRT21 com a revisão bibliográfica evidenciou os principais aspectos e papéis institucionais a serem analisados como representativos das possibilidades interventivas do trabalho emocional no TRT21. Na ambiência de um tribunal do Judiciário, a maior ou menor imposição de inibição emocional deriva da exposição do indivíduo a dois fatores estressores, que serão adotados como principais variáveis na análise dos dados coletados: a maior ou menor proximidade da autoridade política, exercida nos tribunais pelos magistrados; e o atendimento direto aos usuários externos e internos (advogados, jurisdicionados e outros servidores e magistrados). Partindo dessas premissas, a coleta de dados foi centrada em servidores e magistrados que atuam em atividades organizacionais diversas: administrativas e finalísticas (na área judiciária, em primeiro e segundo graus de jurisdição), que trabalhem ou não no atendimento direto aos usuários, e o nível de autonomia ou ingerência da autoridade política (magistrado) sobre o desenvolvimento das atividades laborais. Ao todo, o TRT21, instituição alvo da intervenção, conta com 52 magistrados e 724 servidores - sendo 634 servidores efetivos, 75 servidores que ingressaram por cessão ou requisição, e 15 servidores sem vínculo. Não foram alvo deste estudo outros grupos da comunidade de trabalhadores do TRT21, como advogados, estagiários e prestadores de serviços, porque não possuem acesso identificado ao sistema interno, condição imposta aos respondentes do questionário de autorrelato, e, ainda, por não manterem vínculo permanente com a instituição, logo, interferem, mas não representam a cultura e clima organizacionais do tribunal. 3.2 Instrumento: Questionário eletrônico O instrumento de coleta de dados foi um questionário eletrônico desenvolvido a partir Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202420 da Emotional Labour Scale (ELS) construída por Brotheridge e Lee (2003), adaptada para o Brasil por Silva e Gondim (2019), sob o título de Escala de Trabalho Emocional (ETE-Br). A escolha da ETE-Br como base para o instrumento de coleta de dados decorre justamente do trabalho primoroso de Silva e Gondim (2019) na validação científica da versão adaptação para o português brasileiro. Partindo da ETE-Br, o questionário eletrônico autoaplicável, colecionado pelo Anexo 1 deste estudo, foi composto por quatro seções principais. Introdutoriamente, na sessão intitulada “PERFIL DO RESPONDENTE”, foram coletados dados relativos a variáveis sociodemográficas (gênero, idade, escolaridade, estado civil, cor/raça/etnia e filhos) e laborais (cargo, área de trabalho, tempo de serviço no tribunal, se trabalha diretamente com magistrado, se trabalha diretamente com atendimento ao público externo, se trabalha diretamente com público interno e regime de trabalho). Em seguida, foram submetidos aos respondentes os nove itens da Escala de Trabalho Emocional, devidamente adaptados, estruturados em múltipla escolha na escala de resposta tipo likert de cinco pontos — de 1 (nunca) a 5 (sempre) (Flick, 2013). As afirmações serão precedidas de “em um dia normal de trabalho, eu…”. Os itens originários da ETE-Br foram adaptados à realidade dos profissionais do Poder Judiciário. Enquanto a ETE-Br foi construída para mensurar o trabalho emocional em artistas circenses, que, por sua ocupação, são demandados a expressar emoções intensas e claramente perceptíveis para o público dos espetáculos, mesmo sem sentir o que estão expressando, os profissionais do Judiciário são demandados a inibir sua expressão emocional, mesmo em situações que lhe gerem sentimentos fortes, de modo a se adequarem à neutralidade e à sobriedade do ambiente do Judiciário. Os itens da Escala de Trabalho Emocional foram assim apresentados aos respondentes que aceitaram participar da pesquisa: Tabela 1 – Adaptação dos 9 itens da ETE-Br ao trabalho no Poder Judiciário Itens do instrumento de coleta de dados (Precedidos da expressão “Em um dia normal de trabalho, eu…”) 1. não posso expressar emoções intensas no meu trabalho, mesmo em situações que gerem sentimentos intensos. 2. preciso expressar emoções específicas (por exemplo: calma ou alegria). 3. preciso expressar emoções diferentes e que não condizem com meus sentimentos verdadeiros ao longo do dia. 4. escondo os meus sentimentos verdadeiros. 5. hesito em expressar meus sentimentos verdadeiros. 6. finjo ter emoções que, de fato, não tenho. 7. tento realmente vivenciar as emoções que devo demonstrar. 8. faço um esforço para, de fato, sentir as emoções que necessito exibir para o público. 9. tento verdadeiramente sentir as emoções que preciso demonstrar como parte do meu trabalho. Fonte: ElaboradoLei nº 13.146/2015 - a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) - , formam o que a doutrina denomina de “Bloco de Constitucionalidade” (URIARTE, Oscar Ermida - Aplicação judicial das normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos trabalhistas. Revista TST, Brasília, v. 77, n.º 2, (abr./jun. 2011), p. 137), passam a reger os referidos temas e afastam qualquer possibilidade de interpretação que conflite com os princípios e as regras nelas inseridos . Já no artigo 1º, a mencionada convenção traz como seu principal propósito “ promover, proteger e assegurar o exercício pleno e eqüitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente “. No artigo 23 (item 5), foi prevista a seguinte obrigação: “ Os Estados Partes, no caso em que a família imediata de uma criança com deficiência não tenha condições de cuidar da criança , farão todo esforço para que cuidados alternativos sejam oferecidos por outros parentes e, se isso não for possível, dentro de ambiente familiar, na comunidade .” (grifo nosso). Por sua vez, a Lei nº 13.146/2015, em preceito similar ao contido na Carta Magna, dispõe que: “ Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024124 cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito , à liberdade, à convivência familiar e comunitária , entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico .” (grifo nosso). Diante desse arcabouço normativo, torna-se inconfundível o papel que a família, como entidade de apoio, exerce na habilitação e assistência necessárias ao gozo, pela pessoa com deficiência, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais a ela garantidos, sendo a intenção do legislador, portanto, a facilitação de condições efetivas para tanto . Foi justamente nessa toada que foi editado o artigo 98, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.112/90 - aplicável aos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais -, cujo teor segue transcrito: “ Art. 98. (...) § 2º - Também será concedido horário especial ao servidor portador de deficiência, quando comprovada a necessidade por junta médica oficial, independentemente de compensação de horário; § 3º - As disposições constantes do § 2º são extensivas ao servidor que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência .” (grifo nosso). Garante-se, assim, a redução da jornada de trabalho do servidor público federal com deficiência, assim como daquele que tenha cônjuge, filho ou dependente em tal situação, sem a necessidade de compensação de horário ou redução salarial. Embora inexista tal previsão na CLT, esta Corte Superior, mediante exercício integrativo (art. 8º da CLT), vem entendendo ser possível a sua aplicação analógica aos contratos de trabalho, pela promoção da igualdade material e observância do princípio da dignidade da pessoa humana, que permeiam, por óbvio, a relação em análise (eficácia horizontal dos direitos fundamentais). Na hipótese concreta , o TRT registrou que a autora possui filho portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA), de baixo funcionamento, com necessidade de acompanhamento para realização de atividades simples do dia a dia, como alimentação, higiene e segurança. Constou que o dependente da reclamante “ não apresenta noções de perigo, sendo evidente sua vulnerabilidade extrema para os atos da vida comum, com dependência de um adulto “. O quadro fático delineado no acórdão regional revela, ainda, que o seu tratamento depende da realização de consultas diárias, em variados campos, como psiquiatria e demais atividades terapêuticas indicadas pelos profissionais. É de salientar, também, que todos esses cuidados são realizados pela autora, sem a ajuda do pai biológico . A Lei nº 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, define que “ a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais “. Ainda, segundo literatura da área, reitera-se ser fundamental a participação direta de pessoa da família no tratamento para evolução e melhora do dependente, em especial da mãe, que, para tanto, necessitará de tempo não só para a realização de tais ocupações, mas também para manutenção de sua saúde física e mental, através da prática do autocuidado. Pelo exposto, não merece reparo a decisão regional que, por aplicação analógica do artigo 98, §3º, da CLT, deferiu a redução da jornada. Agravo conhecido e não provido” (Ag- AIRR-10144-56.2019.5.15.0153, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandão, DEJT 25/11/2022). Assim, a reclamante, empregada pública que tem filho com deficiência, como está comprovado nos autos, tem direito à redução de sua carga horária sem redução de sua remuneração, para assim prover aos cuidados necessários ao seu dependente. Ante o exposto, conheço do recurso ordinário interposto pela reclamada e lhe nego provimento. Isto posto, em Sessão Ordinária de Julgamento realizada nesta data, sob a Presidência da Excelentíssima Senhora Desembargadora Maria Auxiliadora Barros de Medeiros Rodrigues, com a presença das Excelentíssimas Senhoras Desembargadoras Maria do Perpétuo Socorro Wanderley de Castro (Relatora) e Isaura Maria Barbalho Simonetti, do Excelentíssimo Senhor Juiz Convocado Décio Teixeira de Carvalho Júnior e do(a) Representante da Procuradoria Regional do Trabalho da 21ª Região, Dr. José Diniz de Moraes, ACORDAM as Excelentíssimas Senhoras Desembargadoras Federais e o Juiz Convocado da Primeira Turma de Julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da Vigésima Primeira Região, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário interposto pela reclamada. Mérito: por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário. Obs.: Ausente, justificadamente, o Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo Luís Espíndola Borges, por se encontrar em gozo de férias regulamentares. Convocado o Excelentíssimo Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 125 Senhor Juiz Décio Teixeira de Carvalho Júnior (RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA Nº 012/2024). Natal/RN, 21 de maio de 2024. MARIA DO PERPETUO SOCORRO WANDERLEY DE CASTRO Desembargadora Relatora Acórdão divulgado em 22/05/2024 (quarta-feira), na edição nº 3976/2024, no caderno do TRT 21ª Região - Jurídico, do Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho e sendo considerado publicado, de acordo com a Resolução Administrativa nº 0056/2015, em 23/05/2024 (quinta- feira), conforme disciplina o art. 6º do Ato Conjunto TST. CSJT Nº 15/2008. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024126 AGRAVO DE PETIÇÃO Nº 0021000-98.2009.5.21.0012 DESEMBARGADOR RELATOR: ERIDSON JOÃO FERNANDES MEDEIROS AGRAVANTE: FRANCISCO CARLOS AMORIM JÚNIOR ADVOGADO: ARYANNA FERNANDES DE AMORIM SALDANHA AGRAVADO: KAIO CESAR DE SOUSA REBOUÇAS ADVOGADO:KALLIO LUIZ DUARTE GAMELEIRA ORIGEM: 2ª VARA DO TRABALHO DE MOSSORÓ/RN EXECUÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EMPRESA COM FALÊNCIA DECRETADA. INCIDENTEpela autora (2023). Em um terceiro trecho, foram apresentados dois quesitos, com opção de resposta “sim” Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 21 ou “não”, para aferir a satisfação dos respondentes com o seu trabalho: a) “você conta os dias para se aposentar do trabalho no TRT21?” e b) “se pudesse, você se aposentaria amanhã do trabalho no TRT21, mesmo que implicasse em perda salarial?”. Por fim, cada respondente teve a oportunidade de trazer sua percepção pessoal sobre a temática, propor melhorias que pudessem contribuir para o bem-estar emocional no trabalho para o TRT21 e registrar opiniões, comentários e depoimentos pessoais. O questionário eletrônico foi submetido a um pré-teste, por três juízes da comunidade de trabalhadores do TRT21, para validação. O tempo médio de resposta ao questionário foi de 4 minutos e as adaptações por eles sugeridas foram acolhidas e incorporadas aos quesitos propostos pela autora. O modelo aprovado e aplicado consta do Anexo 1 desta dissertação. A versão final do questionário foi submetida à análise e aprovação da Escola Judicial do TRT21 (EJUD21) (Anexos 2 e 3) e por ela encaminhado aos e-mails institucionais de magistrados, servidores e setores (Anexo 4). As respostas foram armazenadas sem identificação dos respondentes, sendo preservada a confidencialidade individual das respostas obtidas, de modo a assegurar a livre manifestação do público-alvo da pesquisa e, ainda, observar os cuidados éticos que devem nortear as pesquisas em organizações. 3.3 Procedimentos de análise de dados O questionário coletou respostas de servidores e magistrados de áreas meio (administrativa) e fim (judicial) que estavam ou não submetidos aos dois fatores que nortearam a análise dos resultados desta pesquisa: a maior ou menor proximidade da autoridade política, exercida nos tribunais pelos magistrados; e o atendimento direto aos usuários externos e internos (advogados, jurisdicionados e outros servidores e magistrados). Os dados foram compilados e estruturados em gráficos e tabelas de acordo com as principais variáveis a serem analisadas nesta pesquisa. Tabela 2: Estratificação dos dados a serem analisados Cargos Área de atuação Atividades em foco Magistrado Servidor Administrativa Judiciária Trabalho direto com magistrado Atendimento direto ao público externo Atendimento direto ao público interno Fonte: Elaborado pela autora (2023). O público alvo foi composto por magistrados e servidores ativos, efetivos ou não, do quadro funcional do TRT21. Ao todo, a instituição conta com 52 magistrados e 724 servidores - sendo 634 servidores efetivos, 75 servidores que ingressaram por cessão ou requisição, e 15 servidores sem vínculo -, dos quais 112 respondentes aceitaram participar da pesquisa, sendo 3 magistrados, 97 servidores efetivos e 12 servidores não efetivos, o que representa uma amostra de 14,43% do público alvo. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202422 As respostas ao segundo trecho do questionário eletrônico, relativas à Escala de Trabalho Emocional adaptada ao Poder Judiciário, foram estruturadas sob duas facetas: demandas emocionais de trabalho e estratégias pessoais de regulação emocional. As demandas emocionais inerentes à ocupação, sob o enfoque de frequência, intensidade e variedade da exibição emocional durante as interações sociais. As estratégias pessoais de regulação emocional serão compiladas em duas dimensões: ação profunda, que afere a capacidade do indivíduo de modificar a emoção sentida para que convirja com a emoção expressada; e ação superficial, que mede a expressão de uma emoção dissonante daquela verdadeiramente sentida. Segundo Brotheridge e Lee (2003), o trabalho emocional apresenta duas facetas, a primeira focada nas demandas emocionais da ocupação ou profissão (job-focused emotional labor), a segunda focada nas estratégias de regulação emocional do trabalhador (employee- focused emotional labor). A primeira faceta, com foco no trabalho, analisa quanto a atividade profissional demanda de interações humanas e variedade de expressões emocionais. A segunda faceta analisa as estratégias individuais do trabalhador para demonstrar emoção distinta da sentida (ação superficial - regulação emocional “com foco na aparência”) e modificar a emoção sentida para fazê-la convergir com a emoção expressada (ação profunda - regulação emocional “de dentro para fora”). Portanto, ao pensar em possibilidades interventivas, precisamos refletir sobre a necessidade de adequação das demandas emocionais da ocupação profissional e na capacitação dos trabalhadores para a autorregulação emocional. Na compilação dos dados coletados, as respostas foram organizadas de acordo com as duas facetas e três dimensões pertinentes à avaliação do trabalho emocional nas organizações, para fins de análise qualitativa e quantitativa: Tabela 3 – Distribuição dos 9 itens da ETE-Br Facetas Dimensões Itens do instrumento de coleta de dados (Precedidos da expressão “Em um dia normal de trabalho, eu…”) Demandas emocionais de trabalho Demandas emocionais de trabalho 1. sou demandado a não expressar emoções intensas no meu trabalho. 2. sou demandado a expressar emoções específicas (por exemplo: calma ou alegria). 3. sou demandado a expressar emoções diferentes ao longo do dia de trabalho. Ação superficial 4. escondo os meus sentimentos verdadeiros. 5. hesito em expressar meus sentimentos verdadeiros. Estratégias de 6. finjo ter emoções que, de fato, não tenho. regulação emocional Ação profunda 7. tento realmente vivenciar as emoções que devo demonstrar. 8. faço um esforço para, de fato, sentir as emoções que necessito exibir para o público. 9. tento verdadeiramente sentir as emoções que preciso demonstrar como parte do meu trabalho. Fonte: Elaborado pela autora (2023). Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 23 Os dados coletados foram submetidos a uma avaliação estatística, com a identificação dos itens com maior incidência de resposta, e confrontados com as respostas aos quesitos complementares propostos nas seções “PERFIL DO RESPONDENTE”, “SUA PERCEPÇÃO SOBRE TRABALHO EMOCIONAL”, “NÍVEL DE SATISFAÇÃO PESSOAL COM O TRABALHO NO TRT21” e “PARTICIPE COM SUGESTÕES”. 3.3 Resultados Para fins de análise qualitativa e quantitativa, os dados coletados sobre a percepção pessoal dos participantes sobre o trabalho emocional (seção “SUA PERCEPÇÃO SOBRE TRABALHO EMOCIONAL”) foram estratificados em demandas emocionais de trabalho (DET) e estratégias de regulação emocional, nas dimensões de ação superficial (EAS) e ação profunda (EAP) (Brotheridge; Lee, 2003). Considerando a participação ínfima dos magistrados (3 magistrados dos 112 respondentes), a amostra não é significativa e suficiente para tecer conclusões sobre o trabalho emocional desse grupo de trabalhadores. Portanto, a análise considerará os dados como conclusivos em relação apenas aos servidores, especialmente os efetivos, que representam 86,6% dos respondentes. Os resultados da pesquisa revelam que, entre os servidores do TRT21, há prevalência de esforço despendidos nas demandas emocionais inerentes à ocupação profissional (DET) e a adoção de estratégias individuais, pelos trabalhadores, para convergir as emoções sentidas com as que precisam ser expressadas (ação profunda - EAP), com tendência geral à baixa utilização da ação superficial como estratégia de regulação emocional. Esses resultados confirmam uma das hipótese levantadas inicialmente na pesquisa: em razão da intensidade e variedade de interações sociais inerentes às atividades profissionais, o trabalho no Poder Judiciário exige dos seus servidores esforço para regular sua expressão emocional, de modo a adequá-la às normasde conduta neutra e sóbria inerentes ao ambiente laboral do Judiciário. Para tanto, esses profissionais buscam modular suas emoções verdadeiras para adequá-las às emoções que precisam expressar regularmente (ação profunda). Porém, ao contrário do que se esperava, segundo a amostra deste estudo, os servidores, em geral, não se utilizam de estratégias individuais de regulação emocional que permitam demonstrar emoções adequadas para seus interlocutores (ação superficial). A correlação dos dados obtidos a partir da aplicação do questionário inspirado na ELS (Emotional Labor Scale) com variáveis pessoais, profissionais e organizacionais apresentou resultados relevantes para uma melhor abordagem do trabalho emocional no Poder Judiciário e, especificamente, no TRT21. A pesquisa demonstra maior resiliência emocional pelas mulheres, e uma maior capacidade de adaptação emocional dos homens. Não foi possível identificar as origens dessa distinção de desempenho entre homens e mulheres, o que demonstra uma oportunidade para futura pesquisa científica. Apesar de estarem diretamente relacionados com a maior ou menor adesão à cultura organizacional, o tempo de serviço no TRT21 e a natureza do vínculo com a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202424 instituição (efetivo ou não efetivo) não impactam na percepção individual dos servidores sobre trabalho emocional. A área de atuação do servidor no TRT21 afeta substancialmente o esforço inerente ao trabalho emocional. Os servidores da área administrativa percebem menos esforço para o trabalho emocional do que os servidores da área judiciária, especialmente na adoção de estratégias de regulação emocional de ação superficial (EAS), relacionadas à necessidade de modular a expressão emocional em dissonância com os sentimentos vivenciados. Esse resultado converge com a maior intensidade dos contatos com o público externo, em atendimento, e com os magistrados na área judiciária, confirmando uma das hipóteses iniciais desta pesquisa. Na mesma linha, o contato direto e contínuo com magistrados é um dos fatores que intensifica o esforço de regulação emocional dos servidores. Enquanto os servidores que não trabalham em contato com magistrados não percebem ou sentem menos intensamente o esforço de regulação emocional, aqueles que trabalham com magistrados apresentam grande incidência de resposta positiva para o trabalho emocional. Por fim, o atendimento ao público, especialmente o externo, é fator estressor, no contexto do trabalho emocional, com maior utilização de estratégias de regulação emocional de ação superficial (EAS) entre os servidores que trabalham com atendimento ao público externo. Essas constatações se alinham com a literatura científica. A adoção de estratégias superficiais de regulação emocional (EAS) (para aparentar emoções verdadeiramente não sentidas) é mais penosa para os indivíduos, exigindo maior recurso pessoal e com potencial para provocar mais mal-estar do que o uso de estratégias de ação profunda, mais acionada de forma geral pelos participantes da pesquisa. A desgastante tarefa de fingir o que não sente ou neutralizar emoções em resposta a demandas organizacionais, o que caracteriza a estratégia de ação superficial, provoca prejuízos ao bem-estar do trabalhador; além disso, afeta a autenticidade, contribuindo para a alienação de sentimentos pessoais e o adoecimento psicológico (Brotheridge & Lee, 2002; Grandey, 2000; Hochschild, 1983 apud Silva, 2016). Por outro aspecto, como Boyle (2005) destaca, quanto mais informal o relacionamento com o interlocutor, menor o esforço de regulação emocional. As interações sociais onstage, na atuação profissional entre servidor e público externo, são caracterizadas pela neutralidade, formalismo, sobriedade e impessoalidade, de modo a assegurar homogeneidade de tratamento entre aqueles que buscam o Judiciário para atendimento. O esforço de regulação emocional diminui significativamente nas interações backstage (“de bastidores”) e offstage (“fora do ambiente laboral”), conforme esperado. Conclui-se, portanto, que o trabalho em contato direto com magistrados e usuários, especialmente os externos, são os dois principais fatores estressores que impactam negativamente o trabalho emocional no TRT21. Isso decorre das interações sociais mais frequentes e intensas desses servidores com pessoas com as quais não mantêm relação afetiva: quanto menor a interação com pessoas estranhas à organização e figuras de autoridade, menor o esforço inerente ao trabalho emocional dos servidores. Essa conclusão, derivada da análise qualitativa e quantitativa dos dados coletados, corrobora os resultados das pesquisas realizadas pelo CNJ, em especial o Diagnóstico sobre a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 25 saúde mental de magistrados e servidores no contexto da pandemia de COVID-19 (2022), que indica agravamento acentuado na saúde física, mental e emocional de servidores e magistrados do judiciário entre o período prévio à pandemia, sua fase inicial e a retomada das atividades presenciais. Segundo esses estudos, o trabalho remoto durante a pandemia de COVID-19 gerou uma consequência inesperada: a preferência dos servidores e magistrados pelo trabalho não presencial (virtual ou híbrido), em especial na Justiça do Trabalho, na qual as atividades jurisdicionais podem ser quase integralmente desenvolvidas de forma remota. Essa é a causa direta da piora constatada entre os períodos pré e pós-pandêmicos: a transição do trabalho remoto da pandemia, em que o contato com pessoas estranhas ao círculo familiar foi reduzido, e o retorno às atividades presenciais nos tribunais. Os dados coletados entre servidores que trabalham em regime presencial e em teletrabalho integral e parcial confirmam a tendência verificada nas pesquisas do CNJ. Nos regimes de teletrabalho integral e parcial (híbrido), os trabalhadores tendem a apresentar resposta mais neutra ao trabalho emocional - chegando a ser 27,55% superior à média geral em DET e 21,18% superior em EAS -, e menor incidência de resposta positiva (-14,82% em DET no teletrabalho integral e -5,95% em EAP no teletrabalho parcial). A tendência se inverte no regime de trabalho presencial: redução da percepção neutra e incremento nas respostas positivas ao trabalho emocional. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT21) satisfaz os seus servidores em vários aspectos, mas apresenta singularidades organizacionais prejudiciais ao bem-estar dos seus servidores, possibilitando identificar os principais aspectos que impactam o bem-estar dos trabalhadores (servidores, em especial) do TRT21 e, extensivamente, do Poder Judiciário brasileiro. O diagnóstico realizado identificou a presença do construto trabalho emocional, em todas as suas facetas e dimensões, como esperado. Através da investigação da sua correlação com variáveis pessoais e organizacionais que, por hipótese, impactam o bem-estar dos trabalhadores do Poder Judiciário brasileiro, foi possível concluir que o esforço inerente ao trabalho emocional impacta e é impactado diretamente pela saúde mental e emocional dos seus servidores, em especial daqueles que atuam na área judiciária, com atendimento ao público externo e em contato direto com autoridades. Esse resultado confirma as pesquisas do CNJ que apontam piora acentuada no estado geral de saúde de servidores e magistrados do Judiciário em razão do retorno às atividades presenciais após a pandemia de COVID-19, quando as interações sociais no trabalho foram intensificadas pela retomada do regime presencial de trabalho. As conclusões desta pesquisa convergem com a mudança que o mercado de trabalhovem apresentando após a pandemia de COVID-19. O trabalhador não quer o trabalho como centro da vida, essa é a tendência mundial. Ao ordenar o retorno ao modelo tradicional de trabalho presencial, sem flexibilidade e autonomia, o Poder Judiciário brasileiro impôs estresse emocional aos seus servidores e magistrados, o que repercutiu diretamente nos indicadores de Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202426 saúde e bem-estar aferidos pelo CNJ. Esse cenário, associado aos relatos de sobrecarga de trabalho, não reconhecimento, falta de autonomia e opressão, com sentimentos de desvalorização e desesperança, impactam no adoecimento psicossomático, invadindo, inclusive, a seara da vida privada dessas pessoas. A reação, em geral, é de fuga dos aspectos danosos do trabalho no TRT21, seja pelo busca pelo regime híbrido ou de teletrabalho, seja pela busca de novas oportunidades ocupacionais dentro e fora do Judiciário, na esperança de se distanciar emocionalmente do trabalho e das figuras de autoridade que os oprimem. Porém, na realidade, a solução se encontra na integração e aproximação entre os grupos de trabalhadores (magistrados e servidores, da área administrativa e judiciária) em propósito, reconhecimento, remuneração e condições de trabalho. O quadro se agravou significativamente a partir da instituição da política de metas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quando o foco do Poder Judiciário voltou-se para as estatísticas e indicadores (aspectos quantitativos), em detrimento do bem-estar das pessoas e da qualidade na prestação de serviços à sociedade (aspectos qualitativos, não mensurados pelas metas). Não obstante, embora seja de conhecimento dos dirigentes o mal-estar emocional dos servidores, ainda não há movimento de mudança cultural no Poder Judiciário brasileiro. A adoção das intervenções sugeridas neste estudo auxiliará o TRT21 a cumprir a Meta Específica da Justiça do Trabalho, mediante a redução das cinco doenças mais frequentes e das cinco maiores causas de absenteísmo (CSJT, 2023), além de atender aos valores institucionais da ética, da impessoalidade, da inovação, da qualidade e da valorização das pessoas, bem como aos objetivos institucionais de fortalecer a governança e a gestão estratégica, promover o trabalho decente e incrementar o modelo de gestão de pessoas, contribuindo para os seguintes projetos do Plano Tático 2024-2025 (TRT21): 1. Programa de formação de líderes; 2. Realizar capacitação sobre gestão da mudança; 3. Dimensionar e alocar adequadamente a capacidade de execução das equipes de trabalho de cada unidade/setor; 4. Implantar a Gestão de Pessoas por competências; 5. Implantar o Programa de Gerenciamento de estresse no ambiente de trabalho; 6. Implantar o Projeto Novos Líderes; 7. Planejar e monitorar a força de trabalho, mediante métricas para definição de quadro de pessoal em áreas não definidas por normativos do CSJT e CNJ; 8. Implantar seleção por competências para lotação em unidades administrativas e judiciárias; 9. Elaborar e implementar programa de reconhecimento de pessoas e equipes; 10. Implantar o Projeto Desenvolvendo Atitudes; 11. Implementar programa de socialização; 12. Contratar ou designar equipe de servidores ocupantes de cargos e especialidades atinentes à área de segurança ocupacional, para prestarem serviços que promovam a Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 27 segurança ocupacional de forma preventiva e corretiva; 13. Instituir equipe multidisciplinar para opinativo e orientação de remoção por questões de saúde emocional; 14. Implantar portfólio de demandas de capacitação (gaps de competências, capacitações obrigatórias e relação com projetos estratégicos ou táticos); 15. Aprimorar a implantação do banco de talentos do TRT21; 16. Revisar as matrizes de competência em função no novo Regulamento Geral; 17. Implementar o Programa de Qualidade de Vida e de melhoria do clima organizacional; e 18. Conceber o Programa de Desenvolvimento de Equipes. REFERÊNCIAS BONFIM, M. GONDIM, S. Trabalho emocional: demandas afetivas no exercício profissional. Salvador: EDUFBA, 2010. BOYLE, M. V. “You wait until you get home”: emotional regions, emotional process work, and the role of onstage and offstage support. In: HARTEL, C.; ZERBE, W. J, ASHKANASY, N. M. (Ed.). Emotions in organizational behavior. Nova Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 2005. p. 45-65. BROTHERIDGE, C. M.; LEE, R. T. Development and validation of the emotional labor scale. Journal of occupational and Organizational Psychology, Londres, v. 76, n. 3, p. 365- 379, 2003. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Diagnóstico sobre a saúde mental de magistrados e servidores no contexto da pandemia de COVID-19. Brasília: CNJ, 2022. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/11/pesquisa-saude-mental- 2022-v2-24052022-1.pdf. Acesso em 09 jan. 2024. FINEMAN, S. Emotions and organizational control. In: PAYNE, R.; COOPER, C. L. Emotions at work: Theory, research and applications in management, p. 219-237, 2001. FINEMAN, S. Emotion in organizations. London: Sage, 1993. FLICK, U. Introdução à Metodologia de Pesquisa: um guia para iniciantes. Porto Alegre: Penso, 2013. GOLEMAN, D. Trabalhando com a inteligência emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. GONZÁLEZ DE GOMEZ, M. N. A globalização e os novos espaços. Rio de Janeiro: Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202428 Informare, v. 3, n. 2-3, jan. 1997. GRANDEY, A. A. Emotional regulation in the workplace: A new way to conceptualize emotional labor. Journal of occupational health psychology, Ontario, v. 5, n. 1, p. 95, 2000. GROSS, J. J. Emotion regulation: taking stock and moving forward. Emotion, Washington, v. 13, n. 3, p. 359, 2013. GROSS, J. J.; LEVENSON, R. Hiding feelings: the acute effects of inhibiting negative and positive emotion. Journal of abnormal psychology, Boston, v. 106, n. 1, p. 95, 1997. HOCHSCHILD, A. R. Emotion work, feeling rules, and social structure. American Journal of Sociology, Chicago, n. 85, p. 551-575, 1979. HOCHSCHILD, A. R. The managed heart: commercialization of human feeling. Los Angeles: University of California Press, 1983. KOTSOU, I. Inteligência emocional e gestão: compreender e utilizar a força das emoções. Lisboa: Piaget, 2012. ONU. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt- br/sdgs. Acesso em: 22 fev. 2023. RAFAELI, A.; SUTTON, R. I. Emotional contrast strategies as means of social influence: lessons from criminal interrogators and bill collectors. Academy of management journal, Nova Iorque, n. 34, p. 749-775, 1991. SILVA, L. B.; GONDIM, S. M. G. Escala de trabalho emocional: adaptação e evidências de validade. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 36. 2019. Disponível em: https://doi. org/10.1590/1982-0275201936e170065. Acesso em: 22 jul. 2023. SILVA, L. B. Trabalho emocional, engajamento no trabalho e bem-estar no trabalho de artistas de espetáculo. Dissertação (Mestrado) Programa de Pós Graduação em Psicologia, Universidade Federal da Bahia. UFBA, Salvador: 2016. TOTTERDELL, P.; HOLMAN, D. Emotion regulation in customer service roles: testing a model of emotional labor. Journal of Occupational Health Psychology,Worcester, n. 8, p. 55-73, 2003. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO (TRT21). Plano tático 2024- 2025. Disponível em: https://www.trt21.jus.br/institucional/areas-administrativas/governanca- e-estrategia-organizacional/gestao-estrategica. Acesso em: 26 mar. de 2024. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 29 A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE E SEUS REFLEXOS SOBRE A GARANTIA DE ACESSO NA JUSTIÇA DO TRABALHO: DESEMPENHO, EFICIÊNCIA E EFETIVIDADE EM ORGANIZAÇÕES DA JUSTIÇA THE INTERIM STATUTE OF LIMITATIONS AND ITS EFFECTS ON THE GUA- RANTEE OF ACCESSTO JUSTICE IN THE LABOR COURT: PERFORMANCE, EFFICIENCY AND EFFECTIVENESS IN JUSTICE ORGANIZATIONS Cláudio Delgado Freitas1 Luciano Athayde Chaves2 RESUMO O presente artigo aborda a prescrição intercorrente e seus reflexos sobre a garantia constitucional de acesso na justiça do trabalho e objetiva contextualizar o uso dessa modalidade de prescrição processual, bem como analisar a sua utilização na justiça do trabalho, em especial após o início da coleta da informação inerente à sua pronúncia pelo magistrado no Processo Judicial Eletrônico (PJe). A hipótese a ser comprovada é que há uma crescente utilização desta espécie de prescrição nos Tribunais Trabalhistas. Utilizando a pesquisa documental e bibliográfica, e de pesquisa empírica quantitativa, ancorada em métodos da estatística descritiva, o estudo permitiu aferir a utilização desta forma peculiar de prescrição e seus impactos no acesso à justiça e na efetividade da prestação jurisdicional, bem como possibilitou concluir que é crescente a utilização dessa forma de extinção da execução na justiça trabalhista. Para fins de pesquisa, foram comparados todos os TRTs, entretanto, a fim de reduzir o número de varas do trabalho a serem comparadas, o escopo da análise comparativa foi reduzido para as varas trabalhistas do TRT21, local de exercício profissional dos pesquisadores. Palavras-Chave: poder judiciário; justiça do trabalho; prescrição intercorrente; acesso à justiça; efetividade. ABSTRACT This article addresses the issue of the interim statute of limitations and its impacts on the constitutional guarantee of access to justice in Labor Courts. It aims to contextualize the use of this type of procedural statute of limitations and to analyze its utilization in Labor Courts, especially after the beginning of the collection of information inherent to its pronouncement by the judge in the Electronic Judicial Process (PJe). The hypothesis to be tested is that there is a growing use of this type of statute of limitations in Labor Courts. Using documentary and bibliographic research, as well as quantitative empirical research anchored in descriptive statistical methods, the study allowed us to assess the use of this peculiar form of statute of limitations and its impacts on access to justice and the effectiveness of the provision of justice, as well as to conclude that there is a growing use of this form of extinction of execution in Labor Courts. For research purposes, all TRTs were compared, however, in order to reduce the number of Labor Courts to be compared, the scope of the comparative analysis was reduced to the TRT21 Labor Courts, the place of professional practice of the researchers. Keywords: judiciary; Labor Justice; interim statute of limitations; access to justice; 1 Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região. E-mail: delgado@trt21.jus.br 2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: luciano.athayde@ufrn.br Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 202430 effectiveness. 1. INTRODUÇÃO A prescrição intercorrente é um tema importante quando relacionado ao acesso à Justiça e à efetividade, principalmente no segmento da Justiça do Trabalho. Importante ressaltar que há outras formas de prescrição no ordenamento jurídico brasileiro, nas quais o fator prazo e/ou tempo também é um limitador para que uma pessoa exerça o direito de ação, tempo esse que, segundo conceito de Santo Agostinho, não tem realidade em si, mas é fruto de uma invenção do homem, constituído por três nadas: o passado, que não existe mais; o futuro, que ainda não existe; e o presente, tão fugaz que é uma mistura de passado e futuro. Por sua vez, OST (1999, p. 14), articulando o direito e o tempo, afirma: “o direito afeta diretamente a temporalização do tempo, o passo que, em compensação, o tempo determina a força instituinte do direito”. A base jurídica da prescrição está inserida tanto na Constituição federal (CF) como na consolidação das leis do trabalho (CLT). Com efeito, no art. 7º, inciso XXIV, da CF, afirma-se ser direito dos trabalhadores, dentre outros, a “ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho”. A CLT, seu art. 11 estabelece: “a pretensão quanto a créditos resultantes das relações de trabalho prescreve em cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho. (Brasil, 2017). Já quanto à prescrição intercorrente, esta se encontra prevista no artigo 11-A da CLT, com o seguinte teor: “Art. 11-A Ocorre a prescrição intercorrente no processo do trabalho no prazo de dois anos. § 1º A fluência do prazo prescricional intercorrente inicia- se quando o exequente deixa de cumprir determinação judicial no curso da execução. § 2º A declaração da prescrição intercorrente pode ser requerida ou declarada de ofício em qualquer grau de jurisdição”. O problema que motiva a presente pesquisa consiste em verificar se, com as alterações da Lei conhecida como Reforma Trabalhista (Brasil, 2017), houve um aumento da aplicação da prescrição intercorrente pelos magistrados da Justiça do Trabalho. Como hipótese de estudo almejou-se comprovar se, em que pese as diferenças de entendimento jurisprudenciais e de opiniões, anteriores à alteração legislativa, há um crescente aumento da utilização da prescrição intercorrente na execução no ramo Trabalhista. Utilizando de pesquisa bibliográfica e documental e bibliográfica, bem como da pesquisa empírica quantitativa, ancorada em métodos da estatística descritiva, foram coletados dados das utilizações desta forma peculiar de prescrição especificamente na Justiça Trabalhista analisando e concluindo que há realmente um acréscimo significativo ano a ano. O texto está dividido em três partes. Na primeira, explora-se os conceitos de prescrição e os seu relacionamento com o acesso à justiça e o aparente conflito entre princípios constitucionais de duração razoável do processo e do acesso à justiça. A seção seguinte discute, em perspectiva histórica, as diferenças de opiniões dos juristas e posições dos tribunais sobre a prescrição intercorrente antes da Lei da Reforma Trabalhista de 2017. Por fim, na última seção, descreve-se as mudanças ocorridas com a referida Lei e, em seguida, apresenta-se o resultado e a análise da Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região, v. 23, n. 1, 2024 31 coleta de dados, relacionados a essa forma de prescrição, no panorama da Justiça do Trabalho, comparando os TRTs entre si. Ressalta-se que a fim de reduzir o escopo da quantidade de unidades judiciárias a serem comparadas, foi reduzido o escopo da comparação para somente as unidades judiciárias do TRT21, local de exercício profissional dos pesquisadores. Outra redução de escopo necessária foi a redução temporal, diante da impossibilidade de acesso a dados anteriores a 2020, ano de início da coleta da informação classificada da forma de sentença de extinção inerente à pronúncia pelo magistrado no Processo Judicial Eletrônico (PJe). 2. CONCEITOS, CONFLITOS CONSTITUCIONAIS E RELAÇÃO COM O ACESSO À JUSTIÇA A prescrição nem sempre ocupou um lugar na ordem jurídica ocidental. Segundo Venosa (2021, p. 503), o instituto da prescrição era desconhecido do direito romano, onde vigorava a ideia de perpetuidade das ações. Citando Antônio Luís Câmara Leal, Venosa explica que, posteriormente, os pretores foram investidos pela lei Aebutia do poder de criar ações não previstas no direito honorário, pelo que puderam fixar um prazo para a duração das mesmas, originando, assim, as ações temporárias, diferentes das demais ações de direito quiritário, que eram perpétuas. Conforme