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ANTROPOLOGIA E SOCIOLOGIA FILOSÓFICA APRESENTAÇÃO DAIANY CRIS SILVA • Mestre em Ciências Sociais – Universidade Estadual de Maringá (2020); • Licenciada em Ciências Sociais – Universidade Estadual de Maringá (2018); • Professora de Sociologia na rede de educação básica do estado do Mato Grosso/ SEDUC – MT (2021); • Professora de Sociologia e Antropologia Jurídica e Filosofia do Direito na Faculdade de Nova Mutum - MT/FAMUTUM (2021); • Professora conteudista da UNICESUMAR EAD – Disciplina de “Fundamentos sociológicos e antropológicos da educação” (2020); • Professora conteudista da VG EDUCACIONAL – Disciplinas de “Introdução a Sociologia” e “Projetos Sociais: conceitos, elaboração e operacionalização” (2020 – 2021); • Diretora de Juventude – Gabinete do Prefeito da Prefeitura Municipal de Maringá (2020); • Professora de Sociologia na rede de educação básica do estado do Paraná/ SEED – PR (2018-2020); • Link do Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/9836626816148868 Cientista Social e Professora de Sociologia. Possui licenciatura e mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Possui experiência no ensino de sociologia e antropologia para o nível superior, médio regular e de jovens e adultos. Desenvolve trabalhos como professora conteudista em diversas instituições na modalidade EAD. Atuou na gestão de políticas públicas para a juventude na Prefeitura Municipal de Maringá- PR. Os principais interesses de pesquisa são: geração, gênero, juventude e velhice. . http://lattes.cnpq.br/9836626816148868 http://lattes.cnpq.br/9836626816148868 APRESENTAÇÃO DA APOSTILA Olá, estudante! Na disciplina de Antropologia e Sociologia Filosófica iremos conhecer os diversos olhares sobre o entendimento do humano, como a ciência construiu metodologias e teorias que pensam em nós, como sociedade que produz significados, contradições e conhecimento. Você, estudante, terá como principal objetivo nesta disciplina se desprender de concepções pré-concebidas e refletir sobre a sociedade em que vive. Para alcançar esse objetivo você, estudante, terá que cumprir um caminho em quatro etapas, relacionadas nas diferentes unidades da disciplina e que propõe debates importantes para a consolidação da antropologia como ciência. Na unidade I, vamos conhecer o conceito de sociedade pela perspectiva da sociologia, teremos a dimensão de como esse campo científico se formou, o seu contexto histórico de formação e duas diferentes metodologia e teorias. Nesta unidade, perceberemos que a sociologia é muito importante para a compreensão do mundo que vivemos. Já na unidade II você saberá mais sobre o conceito de cultura e a sua relação com a consolidação da antropologia com um campo científico, conheceremos, ainda, os diferentes campos de estudos sobre cultura. Na sequência, na unidade III falaremos a respeito da filosofia e os campos de estudo dessa área do conhecimento. Ao conhecermos os estudos filosóficos, tomaremos contato com questões como: existência, natureza, liberdade, amor e moral. Em nossa unidade IV, vamos finalizar o conteúdo dessa disciplina discutindo sobre as diversidades culturais, diferenças religiosas e os desafios impostos pela era digital na sociedade moderna. Esperamos que esta disciplina possa contribuir significativamente para a sua formação profissional. Bons estudos! UNIDADE I A HUMANIDADE E A VIDA EM SOCIEDADE Professor Mestra Daiany Cris Silva Plano de Estudo: • Conceitos e Definições de sociedade; • Campos de estudo das ciências sociais; • Contextos históricos para o surgimento da sociologia; • A imaginação sociológica. Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar e contextualizar a definição de sociedade; • Compreender os estudos sociológicos como ferramenta de entendimento humano; • Estabelecer a importância da sociologia como ciência. INTRODUÇÃO Olá, estudante! Você já se perguntou o que é sociedade? O que caracteriza e faz possível a formação de uma sociedade? Ou, ainda, pensou se é possível fazer da sociedade um objeto de estudo? Nesta primeira unidade dos nossos estudos sobre antropologia e sociologia filosófica, buscaremos responder essas perguntas, principalmente, no que se refere à definição do conceito de sociedade. Para conseguirmos responder questões como as citadas acima, precisamos conhecer a ciência que se dedica a estudar as sociedades humanas, a sociologia. Portanto, discutiremos sobre os diferentes campos de estudo nas ciências sociais e traçaremos um breve histórico de surgimento dos estudos sobre a vida em sociedade, ou seja, conheceremos o contexto que possibilitou a consolidação da sociologia como uma ciência. Diante da apresentação de todos esses temas, perceberemos, estudante, que a sociologia é uma ciência que possibilita a compreensão da realidade social em que vivemos, suas problemáticas e possibilidades. Ao conhecermos os estudos sociológicos perceberemos as complexidades da vida em sociedade e, por meio desse conhecimento, teremos a possibilidade de refletir sobre as nossas possibilidades de ação no meio social. Espero que você, estudante, diante do material apresentado, tenha condições de compreender a importância da sociologia. Bons Estudos! 1 CONCEITOS E DEFINIÇÕES DE SOCIEDADE Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/crowd-people- walking-street-1379935829 Uma das grandes questões para quem desconhece a sociologia é: como seria possível estudar a vida em sociedade? E para responder a essa questão, precisamos, primeiramente, compreender o que é um objeto de estudo científico nessa área. Todo conhecimento científico precisa de algo para concentrar seus estudos, um objeto, aquilo que podemos manusear, provar e manipular para que novas descobertas sobre determinado assunto surjam. Na biologia, por exemplo, o objeto científico é a natureza, portanto, o estudo que os biólogos realizam buscam compreender todas as complexidades da natureza, para isso, utiliza-se laboratórios, microscópios e muitos outros instrumentos de manuseio desse objeto de estudo, que pode ser representado por células, vegetais, animais, dentre outros. Já na Sociologia, os Sociólogos e Cientistas Sociais, estudam a sociedade, ou seja, estudamos grupos de pessoas que se organizam e se relacionam coletivamente de uma determinada maneira, desse modo, o nosso ambiente de estudo é a vida humana em coletividade, as relações entre as pessoas, a família, a escola, os hábitos e gostos de diferentes lugares, a política e muitos outros temas que fazem parte da nossa vida cotidiana. Sabe o que isso tudo significa na prática? Significa que a Sociologia é a Ciência que se dedica a conhecer o mundo em que vivemos e possui como um dos seus principais objetivos mostrar por meio dos seus estudos quais são as características da nossa sociedade, quais são nossos maiores problemas e como podemos enfrentá-los. Portanto, quando nos perguntam se é possível tornar a vida em sociedade em um objeto de estudo científico, podemos responder com toda certeza que sim, pois, para a Sociologia, a Sociedade é um objeto de estudo científico com métodos e técnicas de análise próprias. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/crowd-people-walking-street-1379935829 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/crowd-people-walking-street-1379935829 SAIBA MAIS Segundo uma definição prática de sociedade de GIDDENS E SUTTON (2017), Sociedade é: “um conceito usado para descrever as instituições e relações sociais estabelecidas entre uma grande comunidade de pessoas que não pode ser reduzida a um mero acúmulo ou agregação de indivíduos” (GIDDENS e SUTTON, 2017, P.37). Isso quer dizer, estudante, que não basta um grupo maior de três pessoasética e a moral, conheceremos os conceitos desses dois termos tão essenciais para a humanidade. Esperamos que, nesta unidade, você, estudante, seja capaz de desenvolver uma leitura mais atenta e reflexiva sobre a realidade que vive. Bons estudos! 1 CONCEITOS E DEFINIÇÕES DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/socrates-ancient-greek- philosopher-1027476298 A compreensão da humanidade como ser é uma das grandes questões da filosofia, área do conhecimento a qual nos dedicaremos nesta unidade. Uma outra questão surge, ainda, para os estudantes que tomam contato com a filosofia pela primeira vez é: para quê serve a Filosofia? E vamos tentar responder isso. Existem muitas coisas em que acreditamos apenas porque sabemos desde sempre, porque acreditamos que é assim e ponto. Por exemplo, porque o céu é azul? Geralmente respondemos que é assim porque sempre o vimos dessa forma, sem mais considerações, não buscamos saber o porquê e o que realmente isso significa. Essa maneira de acreditar é silenciosa, pois nós acreditamos sem buscar saber mais, sem questionar. Da mesma forma, lidamos com as nossas relações na família, no trabalho, com os amigos, ou ainda, reproduzimos valores e pensamentos de cunho moral, político, religioso, artístico, aceitamos regras de conduta, finalidades de vida, assim como elas estão postas, sem nos perguntar para o quê elas servem. Nesse sentido, podemos dizer que o entendimento de todos esses porquês, seus significados e causalidades são objetos da Filosofia. Em contrapartida, o ato de acreditar sem indagar, sem refletir é algo característico do senso comum, portanto, não é objeto da Filosofia. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/socrates-ancient-greek-philosopher-1027476298 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/socrates-ancient-greek-philosopher-1027476298 O Senso Comum é formado por nossas convenções e crenças coletivas que são o principal elemento a ser questionado pela Filosofia. Expressões rotineiras como: “se sair na chuva você irá se molhar”, são ditas no cotidiano e apontam uma causa e um efeito, mas no dia a dia nós não nos questionamos sobre isso, nem sequer nos interrogamos sobre muitas outras expressões e conhecimentos de Senso Comum. A Filosofia se pergunta o que é a causa? O que é efeito? Questões que não são rotineiras e até mesmo causam estranhamento aos olhos de quem não se questiona sobre o mundo. Quando perguntamos: que horas são? Partimos do pressuposto que existe um tempo que contabiliza a nossa vida, mas alguém já se perguntou: o que é o tempo? Essa questão possui um cunho filosófico (CHAUÍ, 2008). Portanto, para fugir do senso comum a filósofa ou filósofo deve cultivar a atitude filosófica. Imagine situações em que no lugar de perguntarmos: “você sonhou?”, perguntássemos: “o que é o sonho?”. Essa é uma atitude filosófica (CHAUÍ, 2008) . Decidir ter uma atitude filosófica é se distanciar do senso comum, da maneira de pensar cotidiana e rotineira. Questionar a nossa existência, no que cremos e porque cremos, nossos valores e costumes, é uma atitude filosófica, ou seja, questionar no que cremos silenciosamente. A atitude filosófica nos leva a uma atitude crítica sobre as coisas que acontecem no nosso dia a dia. Primeiramente, existe uma postura negativa de dizer não para o que o senso comum determina, nossas pré-noções e preconceitos. Seguidamente, existe uma ação positiva em que interrogamos o quê e para quê das nossas atitudes, ações e dizeres, desenvolvemos a partir daqui um pensamento crítico (CHAUÍ, 2008). Segundo a autora: A Filosofia começa dizendo não às crenças e aos preconceitos do senso comum e, portanto, começa dizendo que não sabemos o que imaginávamos saber; por isso, o patrono da Filosofia, o grego Sócrates, afirmava que a primeira e fundamental verdade filosófica é dizer: “Sei que nada sei”. Para o discípulo de Sócrates, o filósofo grego Platão, a Filosofia começa com a admiração; já o discípulo de Platão, o filósofo Aristóteles, acreditava que a Filosofia começa com o espanto. “ (CHAUI, 2008, p.09) Compreendemos, portanto, que existem diferentes maneiras de exercer o pensamento crítico. No trecho acima percebemos que para o filósofo Platão, a atitude crítica vem da admiração, para Aristóteles do espanto, ambos sentimentos que podem causar estranhamento e questionamentos. Essa admiração e espanto significam que devemos tomar certa distância do nosso mundo, agir como se tivéssemos acabado de nascer, como se fosse a primeira vez que víssemos ou ouvimos algo. De modo a perguntar, o que somos e como somos. Nesse sentido, quando nos perguntamos para quê serve a filosofia podemos responder de um lado que para muitos filósofos existe preocupação em encontrar uma utilidade para a filosofia, principalmente, se essa utilidade surgir para dar valor econômico a esse conhecimento. Por outro lado, podemos dizer que as questões filosóficas formulam um acúmulo de saberes que permitem às ciências e as artes desenvolver teorias e práticas. Na Sociologia, por exemplo, utilizamos saberes filosóficos sobre a democracia e, então, por meio dos saberes filosóficos, conseguimos desenvolver métodos e técnicas, teorias e formulações sobre a democracia no nosso mundo. Em outros temas como: justiça social; liberdade; igualdade e poder. Dessa forma, é possível compreender que as formulações filosóficas servem para conceituar métodos e teorias. Quem não sabe sobre a importância da filosofia para todas as ciências pode pensar que filosofar é inútil. E a filosofia não é inútil porque é uma atitude de questionamento sobre o mundo necessária. Pois, desenvolve formulações que produzem conhecimento, utilizado pelas ciências e aplicado pela tecnologia. A filosofia não ensina moral apenas, não é uma religião, um modo sábio de ver a vida. Não possuímos filosofias de vida, apenas por apresentar posicionamentos coerentes sobre a vida e por quê? Podemos dizer que não existe filosofia de vida porque a atitude filosófica indaga por meio de um pensamento sistemático e lógico. Realizando perguntas como: O quê? Como? Por quê? SAIBA MAIS A sistemática do pensamento filosófico se solidifica por meio de três pilares: ANÁLISE, REFLEXÃO e CRÍTICA. Análise para avaliar o que é e como é algo, reflexão para descobrir possíveis significados e crítica para compreender. Fonte: a autora. #SAIBA MAIS# Tendo em vista as características principais da Filosofia, vamos discutir um pouco sobre o seu contexto de surgimento e seus campos de atuação. 2 BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO DO CONHECIMENTO FILOSÓFICO Imagem do tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/santorini- greece-picturesq-view-traditional-cycladic-1040803156 A Filosofia é de fato grego. Pelo menos a Filosofia que conhecemos e que repercutiu no ocidente sim. A filosofia com sistemática, características próprias e formas de pensar e expressar pensamentos tipicamente grega. Isso não significa que outros povos não desenvolveram conhecimentos sobre si e o mundo mas, por outra lógica, que não a filosófica que buscamos compreender aqui. Para os gregos entende-se a filosofia como um ato de amor à sabedoria. A palavra filosofia, em sua origem do latim, significa: PHILO (amor fraterno/amizade) + SOPHIA (saber/ sabedoria quem ama a sabedoria). Para o filósofo Pitágoras, o filósofo é movido pelo desejo de observar a vida, as ações humanas, ele possui o desejo por saber. Segundo Pitágoras (séc. V a.c): “a sabedoria plena e completa pertence aos deuses, mas os homens podem desejá-la ou amá-la, tornando-se filósofos ” (CHAUI, 2008, p.19). Essa forma de construir e desenvolver o pensamento deixou um legado para o ocidente, nos dando as bases para a compreensãoatual de razão, racionalidade, ciência, ética, política, técnica, método e, até mesmo, a noção de arte. De acordo com a tradição grega, existem conhecimentos que são necessários e universais que podem e devem ser conhecidos pelo pensamento. Um exemplo é a lei da gravidade, independente de onde e como falamos sobre, a gravidade é um fato imutável e necessário da natureza e conhecê-lo é necessário. A partir dessa perspectiva, compreende-se que existem leis naturais que ordenam as nossas vidas e por meio da análise filosófica podemos distinguir o que é verdadeiro ou falso, desenvolvendo assim, a razão. A ideia de razoabilidade implica no ato de distinguir o que é imutável e universal da força de nossas ações e escolhas humanas. Ex: O fato da pedra cair é uma lei https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/santorini-greece-picturesq-view-traditional-cycladic-1040803156 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/santorini-greece-picturesq-view-traditional-cycladic-1040803156 necessária e natural (a gravidade) mas, se a pedra for jogada por alguém, de maneira intencional isso é resultado da ação humana, nesse caso conseguimos distinguir o que é necessário da situação ocasional ou eventual movida pela escolha humana. Portanto, para a Filosofia, tanto as leis da natureza, quanto a razão humana, podem ser conhecidas como um meio de nos conhecer e conhecer o mundo em que vivemos. A própria razão possui a possibilidade de conhecer a si mesma. A sabedoria é conquistada aqui pela razão, não por explicações naturais e divinas. REFLITA Compreende-se como razão como o que nos permite mobilizar conceitos, responder problemas e avaliar a nossa experiência, é uma qualidade intrinsecamente humana. Fonte: a autora. #REFLITA# Diante disso, considera-se que a Filosofia, em sua origem grega, possui uma série de contextos para o seu surgimento, acontecimentos esses que proporcionaram o desenvolvimento e valorização da razão humana como principal fonte de conhecimento. São eles: ● A ruptura da narrativa dos mitos para explicação da origem das coisas e do mundo; ● As viagens marítimas que provaram que nos lugares em que acreditavam haver monstros, heróis, titãs e deuses, haviam outros seres humanos; ● A invenção do calendário que permitiu a compreensão do tempo e das estações do ano como algo natural e não incompreensivelmente divino; ● A invenção da moeda, da vida urbana, da escrita alfabética e da política, como produtos de civilização humana que modificaram a lógica da experiência social, principalmente no que se refere à política, que proporcionou às pessoas a capacidade discursiva por meio da razão, a criação das leis, do espaço público e desenvolveu alternativas de comunicação e transmissão de ideias pelo pensamento. Assim como muitos outros campos científicos, a filosofia possui, além de seus contextos de formação, princípios norteadores em sua origem. São eles: ● A racionalidade como principal forma de explicação do mundo; ● Comprovação da verdade por meio da razão; ● Sistemática do pensamento, é preciso apresentar os fundamentos e justificativas para a comprovação da verdade; ● Recusa de predefinições; ● Generalização, buscar explicações universais para um mesmo pensamento. Para alcançar esses princípios existem duas ações básicas: síntese e análises. A síntese se refere à reunião de semelhanças, por meio da busca de um pensamento que se generaliza por meio da abstração, isto é, a operação e junção de traços semelhantes. No que se refere à análise, é o ato de diferenciar pelo pensamento situações diferentes que apresentam ser semelhantes. Separação das diferenças e evidenciá-las. 3 PERÍODOS DA FILOSOFIA GREGA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/pericles-funeral- oration-on-old-greece-1598220667 Os campos de atuação na filosofia podem ser melhor compreendidos diante dos diferentes períodos da filosofia grega. São eles: período pré – socrático ou cosmológico (final do século VII ao final do séc. V a.C.); período socrático ou antropológico (final do séc. V e todo o séc IV a.C); período sistemático (final do séc. IV ao final do séc. III a.C.) e período helenístico (durante o império greco-romano no final do séc. III a.C até VI d.C). Período pré – socrático ou cosmológico (final do século VII ao final do séc. V a.C.) Nesse período, a grande busca foi pela compreensão das origens da natureza e do mundo e suas transformações. Em oposição ao criacionismo, a cosmologia buscava conhecer a origem do mundo e da natureza por meio de uma sistemática racional, portanto, acreditava-se que: nada vem do nada e nada volta ao nada. Contrariando a cultura Judaico-Cristã. Dessa maneira, a natureza é entendida como infinita e eterna e existe a compreensão de que tudo o que existe transforma-se sem desaparecer. Isso tudo forma uma concepção de um mundo entendido em um movimento constante em que estamos submetidos ao devir, de modo a estarmos em constante passagem que é determinada pela natureza. Período socrático ou antropológico (final do séc. V e todo o séc IV a.C) Neste período, a busca se dava pelo entendimento das questões humanas como ética, política e a arte. Desse modo, o período é considerado como antropológico porque busca essencialmente o conhecimento sobre a humanidade e todas as transformações e criações que advém dela, como a vida urbana. A democracia da polis é um marco essencial nesse período, a experimentação de uma organização política que advém do povo condiciona muitas formulações desse período. Diante disso, compreende-se que a democracia grega afirmava igualdade de https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/pericles-funeral-oration-on-old-greece-1598220667 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/pericles-funeral-oration-on-old-greece-1598220667 todos os homens adultos perante as leis e garantia o direito de todos a participação do governo da cidade, a pólis. A partir daqui, surge a concepção de cidadão grego, uma figura política deve opinar e construir posicionamentos sobre a vida em sociedade. É importante destacar que o é cidadão apenas homens adultos, mulheres, idosos, crianças, escravos e estrangeiros seriam seus dependentes. Destacava-se como principal qualidade de um cidadão a persuasão e a oratória, momento em que surgem os sofistas, que foram os primeiros filósofos desse período, pessoas que ofereciam treinamentos de oratória e pregavam que independentemente da verdade, se o cidadão puder persuadir com bons argumentos nas assembleias, teria a vitória sobre seus posicionamentos. O principal filósofo desse período é Sócrates, que foi um severo crítico da prática dos sofistas e constituiu um entendimento que norteou a filosofia da época, de que é possível pela consciência racional diferenciar o que é verdadeiro ou falso e isso nos traria total compreensão das nossas questões. Sobre Sócrates, trataremos mais adiante. Período sistemático (final do séc. IV ao final do séc. III a.C.). Partindo do pressuposto de que tudo pode ser investigado desde que haja leis bem estabelecidas, nesse período tanto os conhecimentos cosmológicos quanto antropológicos foram investigados. O principal autor desse período é Aristóteles que fez uma verdadeira enciclopédia dos conhecimentos adquiridos pela Filosofia grega desde o seu surgimento. Nesse período, houve a imposição de hierarquizações entre conhecimentos mais complexos e superiores, de modo a constituir diferentes campos de conhecimento e os separou em suas diferentes ciências. Para Aristóteles havia um conjunto de campos científicos: 1) Ciências produtivas, que possuíam uma finalidade em si: arquitetura, economia, medicina, farmacologia, engenharias… 2) Ciências práticas, que produziram estudos sobre as práticas humanas: ciências sociais, psicologia… 3) Ciências teocráticas, desenvolvimentode teorias e complexos: física, química, matemática, biologia… 4) Ontologia: o estudo da metafísica e da teologia; e 5) Epistemologia: teorias sobre o conhecimento científico, sistematização de técnicas (CHAUI, 2008, p. 48). Período helenístico (durante o império greco-romano no final do séc. III a.C até VI d.C). Neste período, a formação de sacerdotes da igreja foi essencial pois, a religiosidade possuía um forte poder político e social. Dessa forma, as investigações se concentraram nos conhecimentos sobre a ética e as relações humanas com a natureza divina. É nesse período que temos a criação do Deus cristão. Há, ainda, que se considerar o predomínio do império romano sua aproximação dos conceitos orientais sobre as questões humanas, o que influenciou fortemente a construção filosófica do período. Como é possível observar até aqui, Sócrates é crucial para a formação da Filosofia grega, mas o filósofo não possui escritos, tudo o que sabemos sobre ele é o que seu discípulo, Platão, registrou, bem como os conhecimentos dos Sofistas, o que sabemos são as críticas de Sócrates sobre eles. Em discordância aos antigos filósofos e aos Sofistas, Sócrates propunha que, antes de querer conhecer a Natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. A expressão “conhece-te a ti mesmo” que estava gravada no pórtico do templo de Apolo, patrono grego da sabedoria, tornou-se a divisa de Sócrates (CHAUÍ, 2008, p. 43). A maneira com que Sócrates ensinava a desenvolver o pensamento mostra-nos a diferença entre opinião e conceito, pois admite na ignorância que não possuímos todo o conhecimento sobre o mundo e que nossas opiniões, avaliações não sistemáticas não podem ser consideradas como verdade absoluta. 4 QUESTÕES FILOSÓFICAS: A ÉTICA E A MORAL Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/ethical-moral-symbol- businessman-turns-wooden-1939402231 Diante da discussão que temos travado até aqui, percebe-se que compreender a racionalidade humana é de extrema importância para a filosofia, portanto, entender de que maneira a moral e a ética são desenvolvidas são questões que tocam diretamente a maneira como a razão humana se constrói nas suas relações sociais. Torna-se importante, portanto, diferenciar o que significam ética e moral para a filosofia. Para isso, precisamos conceituar esse dois termos: ● MORAL: reflexo de valores sociais como justiça, liberdade, integridade, verdade, dentre outros conceitos que carregam significados que são construídos coletivamente, de acordo com costumes e hábitos culturais. ● ÉTICA: postura que busca garantir a dignidade humana, é um modo de ser e agir que possui a característica de controlar nossos impulsos e paixões, como os que levam a violência, a injustiça ou a exploração. Nesse sentido, nem toda moral é ética, pois os construtos sociais que condicionam a moralidade de uma sociedade podem ser antiéticos no sentido de ferir a dignidade humana, principalmente, em sociedades tão violentas e desiguais como a que vivemos. Vamos desenvolver melhor esses conceitos, estudante? Vejamos as diferenças entre o senso moral e a consciência moral. No que se refere ao senso moral e à consciência moral caracterizam os nossos sentimentos de solidariedade, justiça, piedade e a famosa empatia, que está muito em voga na atualidade como significação do sentimento de se colocar no colocar no lugar https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/ethical-moral-symbol-businessman-turns-wooden-1939402231 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/ethical-moral-symbol-businessman-turns-wooden-1939402231 do outro ou de esperar que se coloquem no seu lugar para desenvolver atitudes mais fraternas. Pela adesão do senso moral, agimos em conformidade com a consciência moral que desperta sentimentos de moralidade. E sabe de onde surge essa moralidade, estudante? Das nossas construções culturais, costumes e hábitos cotidianos que significam os nossos conceitos de justiça, liberdade, integridade, dignidade, coragem, dentre muitas outras qualidades que podem ser consideradas virtuosas se forem positivas ou se forem negativas, falhas morais. Para o desenvolvimento dessas competências morais, criamos juízo de valor, que se difere do juízo de fato. O juízo de fato diz respeito a acontecimentos irrefutáveis, de força natural, por exemplo: “hoje choveu”, já o juízo de valor, expressa os valores que construímos coletivamente: “ hoje choveu de maneira bonita”, a beleza que se encontra na chuva é um valor. Essas duas expressões, o juízo de fato e o juízo de valor, revelam as diferenças que possuem a natureza e a cultura, pois, quando falamos da natureza, tratamos de fatos determinados biologicamente ou naturalmente como a chuva, mas quando tratamos da cultura, dos valores, tocamos em interpretações que a humanidade constrói sobre si mesma e sobre o mundo, diante da sua relação com a natureza, por isso a chuva passa a ser bela de acordo com os significados que a humanidade construiu para esse fenômeno que é natural. Diante disso, percebe-se que tanto a ética quanto a moral são construções histórico-culturais, desenvolvidas de acordo com a necessidade do meio em que estão inseridas. Para evitar conflitos violentos, no sentido da força de coerção física e psicológica em que obriga alguém a fazer algo contra a sua vontade, é que se institui padrões de conduta e de comportamentos sociais. A defesa da vida humana de maneira digna é portanto, uma grande preocupação de debates éticos, por isso, temas como: criminalidade, eutanásia, aborto, vício e drogadição, são discussões que nos impõem dilemas éticos. Um dos princípios fundamentais da ética considera que somos pessoas e não podemos ser tratados como coisas (CHAUÍ, 2008). A ética é normativa exatamente por isso, suas normas visam impor limites e controles ao risco da violência. São constituintes do campo ético: ● Não se pode empregar meios imorais para alcançar fins morais, para a ética isso é impossível; ● Apenas meios morais são justificáveis em uma ação que possui um fim moral; ● Só existe sujeito ético se: 1) houver consciência de si e dos outros, reconhecendo que o outro é tão sujeito quanto você, por isso é igual e merece o mesmo senso de igualdade; 2) ser dotado de controle por suas decisões, impulsos e desejos; 3) ser responsável e reconhecer suas próprias ações com capacidade de avaliar suas implicações sobre si e sobre os outros e; 4) ser livre e agente ativo na tomada de decisões e não estar submetido a poderes externos que impõe situações que são contra a sua vontade; ● A liberdade como poder de autodeterminar-se, dando a si regras e normas de conduta que controlam seus impulsos e proporcionam uma escolha clara e autônoma sobre suas atitudes. Diante desses pontos, se constitui o agente moral e os valores morais, no sentido de formar alguém que ao aderir valores morais também possui a capacidade de agir diante de suas decisões e controle sobre seus impulsos. A Ética é, portanto, uma expressão de como a cultura e a sociedade definem a si mesmas, o que é visto como violento, ou não, bom ou mal, bom ou ruim, verdadeiro ou falso. CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado (a), estudante! Nesta unidade, conhecemos algumas contribuições da filosofia para a compreensão da humanidade diante de diversas questões. Primeiramente, conceituamos e contextualizamos a filosofia como campo de conhecimento. A partir disso, compreendemos que a busca pela serventia da filosofia não deve ter como horizonte resultados práticos, pois, esta é uma área do conhecimento que não nos oferece nenhum milagre econômico ou lucros capitalista e, sim, um acúmulo de saberes que possibilita o desenvolvimento de todas as ciências. Seguidamente, tivemoso entendimento que a filosofia é um fato grego, pelo menos a filosofia que influenciou o pensamento ocidental sim. Fruto de uma série de acontecimentos históricos que proporcionaram a criação de cidades, da política e das navegações, a filosofia surgiu no ensejo de períodos que revelaram a humanidade que precisaríamos construir mais conhecimentos sobre nós mesmos. Diante disso, a unidade mostrou-nos que a filosofia é uma importante ferramenta de entendimento humano e a discussão sobre ética e moral nos abre os olhos para isso pois, por meio dessa discussão, compreendemos que, até mesmo, os valores que construímos para a resolução de conflitos ou para dar juízos de valor sobre nossas relações são construtos coletivos que precisam de reflexão. Ao término desta unidade desejamos a você, estudante, que esse seja um passo inicial para que você desenvolva uma postura crítica sobre a realidade. Bons estudos! LEITURA COMPLEMENTAR O MITO DA CAVERNA Imaginemos uma caverna subterrânea onde, desde a infância, geração após geração, os seres humanos estão aprisionados. Suas pernas e seus pescoços estão algemados de tal modo que são forçados a permanecer sempre no mesmo lugar e a olhar apenas para frente, não podendo girar a cabeça nem para trás nem para os lados. A entrada da caverna permite que alguma luz exterior ali penetre, de modo que se possa, na semi-obscuridade, enxergar o que se passa no interior. A luz que ali entra provém de uma imensa e alta fogueira externa. Entre ela e os prisioneiros - no exterior, portanto - há um caminho ascendente ao longo do qual foi erguida uma mureta, como se fosse a parte fronteira de um palco de marionetes. Ao longo dessa mureta-palco, homens transportam estatuetas de todo tipo, com figuras de seres humanos, animais e todas as coisas. Por causa da luz da fogueira e da posição ocupada por ela, os prisioneiros enxergam na parede do fundo da caverna as sombras das estatuetas transportadas, mas sem poderem ver as próprias estatuetas, nem os homens que as transportam. Como jamais viram outra coisa, os prisioneiros imaginam que as sombras vistas são as próprias coisas. Ou seja, não podem saber que são sombras, nem podem saber que são imagens (estatuetas de coisas), nem que existem outros seres humanos reais fora da caverna. Também não podem saber que enxergam porque há a fogueira e a luz no exterior e imaginam que toda luminosidade possível é a que reina na caverna. O que aconteceria, indaga Platão, se alguém libertasse os prisioneiros? Que faria um prisioneiro libertado? Em primeiro lugar, olharia toda a caverna, veria os outros seres humanos, a mureta, as estatuetas e a fogueira. Embora dolorido pelos anos de imobilidade, começaria a caminhar, dirigindo-se à entrada da caverna e, deparando com o caminho ascendente, nele adentraria. Num primeiro momento, ficaria completamente cego, pois a fogueira na verdade é a luz do sol e ele ficaria inteiramente ofuscado por ela. Depois, acostumando- se com a claridade, veria os homens que transportam as estatuetas e, prosseguindo no caminho, enxergaria as próprias coisas, descobrindo que, durante toda sua vida, não vira senão sombras de imagens (as sombras das estatuetas projetadas no fundo da caverna) e que somente agora está contemplando a própria realidade. Libertado e conhecedor do mundo, o prisioneiro regressaria à caverna, ficaria desnorteado pela escuridão, contaria aos outros o que viu e tentaria libertá-los. Que lhe aconteceria nesse retorno? Os demais prisioneiros zombariam dele, não acreditariam em suas palavras e, se não conseguissem silenciá-lo com suas caçoadas, tentariam fazê-lo espancando-o e, se mesmo assim, ele teimasse em afirmar o que viu e os convidasse a sair da caverna, certamente acabariam por matá-lo. Mas, quem sabe, alguns poderiam ouvi-lo e, contra a vontade dos demais, também decidiram sair da caverna rumo à realidade. O que é a caverna? O mundo em que vivemos. Que são as sombras das estatuetas? As coisas materiais e sensoriais que percebemos. Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo. O que é a luz exterior do sol? A luz da verdade. O que é o mundo exterior? O mundo das idéias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Qual o instrumento que liberta o filósofo e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A dialética. O que é a visão do mundo real iluminado? A Filosofia. Por que os prisioneiros zombam, espancam e matam o filósofo (Platão está se referindo à condenação de Sócrates à morte pela assembleia ateniense)? Porque imaginam que o mundo sensível é o mundo real e o único verdadeiro. Fonte: CHAUI, Marilena.Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2008. LIVRO • Título. O mundo de Sofia • Autor. Jostein Gaarder • Editora. Companhia das Letras • Sinopse. Prestes a completar 15 anos de idade, Sofia Amundsen, começa a receber bilhetes e cartões-postais bem esquisitos, com perguntas como: quem você é? De onde vem o mundo? A partir das perguntas que recebia, Sofia faz uma viagem pelo pensamento filosófico. FILME/VÍDEO • Título. Sociedade dos poetas mortos. • Ano. 1990. • Sinopse. O filme trata de um professor de literatura que demonstra para os alunos conceitos como finitude, incentivados pelo lema Carpe diem, que pode ser traduzido como “viva o dia”. As aulas desse professor incentivam uma série de reflexões filosóficas interessantes. REFERÊNCIAS CHAUI, Marilena.Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2008. PLATÃO. A República. Introdução, tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987. UNIDADE IV EU E O OUTRO: ALTERIDADE. Professora Mestra Daiany Cris Silva Plano de Estudo: • A alteridade e a compreensão do eu e o outro; • Diversidade cultural; • A religiosidade brasileira e suas múltiplas representatividades; • As tecnologias de informação e comunicação na sociedade moderna. Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar e contextualizar o tema das diversidades culturais; • Compreender a questão das diferenças com relação a religiosidade; • Estabelecer a importância das teorias das ciências humanas na era digital. INTRODUÇÃO Olá, estudante! Nesta unidade, iremos discutir as relações entre o eu e o outro diante do conceito de alteridade. Para isso, vamos discutir sobre as diversidades culturais, diferenças religiosas e os desafios impostos pela era digital na sociedade moderna. Primeiramente, trataremos sobre o conceito de alteridade e a compreensão das relações entre o eu e o outro. Compreendemos que por meio da alteridade é possível desenvolver um olhar atento às diferenças. Seguidamente, a diversidade cultural será o nosso debate principal em busca do entendimento das diferentes alteridades da sociedade brasileira que pode ser compreendida mediante a heterogeneidade ético- racial de formação do nosso país. Ainda no ensejo do debate sobre diversidades e diferenças, discutimos a religiosidade brasileira e suas múltiplas representatividades, de modo a compreender as raízes africanas das religiões brasileiras. Por fim, discutimos que ao considerar as transformações da sociedade contemporânea devemos compreender que além das questões sobre diversidade cultural e o respeito às diferenças temos um condicionante que pode facilitar o acesso a novas histórias, este condicionante é o espaço virtual. Portanto apresentamos um debate sobre as tecnologias de informação e comunicação na sociedade moderna. Desejamos que esta unidade contribua para que você, estudante, perceba as diversidades e as diferenças como algo que deve ser valorizado. Bons estudos! 1 A ALTERIDADEE A COMPREENSÃO DO EU E O OUTRO Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/positive-dark-skinned- young-woman-man-1673141401 Quando nos dedicamos a estudar a nossa vida em sociedade percebemos que praticamente todas as nossas ações possuem uma origem na convivência coletiva. Nossos gostos, hábitos e tradições são desenvolvidas em coletividade e transmitidas de geração em geração como herança social. Portanto, nenhuma ação humana em coletividade é estritamente natural, motivada pela biologia/natureza, mas é baseada em construções sociais, desenvolvidas de maneira coletiva pela sociedade em que vivemos. Dessa forma, para compreender o significado da cultura para a ciência é necessário conhecer o meio em que convivemos e prestar atenção nas nossas ações coletivas. Existe, ainda, uma confusão sobre o significado do termo cultura quando o relacionamos com erudição, elegância ou, até mesmo, como “educação”, como se existissem pessoas com mais ou menos cultura. Você caro, aluno, certamente já se deparou com ocasiões em que pessoas dissessem que alguém é “sem cultura” por não ouvir “boa música” com a música clássica instrumental e óperas, porém, se considerarmos o sentido de cultura diante da perspectiva social, perceberemos que todas as formas de arte, populares, ou não, são produto de cultura. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/positive-dark-skinned-young-woman-man-1673141401 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/positive-dark-skinned-young-woman-man-1673141401 Esse movimento de dizer que existem pessoas com mais ou menos cultura, acaba por classificar e distanciar diferentes grupos de pessoas. E a cultura não possui esse sentido diante do fazer científico. Devemos considerar como cultura, portanto, todas as nossas criações coletivas que possuem um sentido social, ou seja, ações e hábitos que são essenciais para a nossa sociedade e criados pelos indivíduos desse meio. São exemplos de cultura, as comidas típicas de cada região, sotaques, diferentes linguagens, modos de se vestir e se comportar e, até mesmo, a maneira com que as pessoas se cumprimentam. REFLITA Cultura é, em Antropologia Social e Sociologia, um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. (DAMATTA, 1981, p. 02). #REFLITA# Diante da compreensão do conceito antropológico de cultura temos o incentivo necessário para o reconhecimento de culturas no plural, considerando as diversidades que compreendem a vida coletiva. No entanto, não é sempre que lidamos muito bem com as diferenças. Por isso, esteriótipos e etnocentrismos estão tão presentes no nosso dia a dia, reafirmando preconceitos e o desconhecimento sobre o outro. Contudo, a antropologia criou um conceito que nos ajuda na compreensão do outro, a alteridade. O conceito pode ser lido como um sinônimo sociológico de “outro”. Este é um conceito utilizado para estudar a vida social e investigar como as interações sociais entre pessoas de origens e expressões culturais distintas são estabelecidas (JOHNSON, 1997). O olhar do outro, nesse sentido, proporciona uma perspectiva sobre nós mesmos diante de outra lente. Devemos admitir que a antropologia possui em sua gênese muitos equívocos, que persistem na atualidade. Esses equívocos tangem: “as relações de poder desigual entre pesquisadores e seus então “nativos” no início da disciplina, o suposto exotismo dos “primitivos”, a fabricação dos “especialistas” regionais (africanistas, americanistas, oceanistas etc), o financiamento politicamente direcionado”. (PEIRANO, 2004, p. 05). Sobretudo, é preciso reconhecer que existem muitas vantagens na perspectiva antropológica, também, principalmente, no que se refere ao reconhecimento da diversidade cultural: “e, mais importante, o resultado fundamental da pesquisa de campo: o despertar de realidades/agências desconhecidas no senso comum, especialmente no senso comum acadêmico”. (PEIRANO, 2004, p. 05). Os estudos antropológicos nos impele, desse modo, um despertar de novos olhares sobre o mundo, redefinindo nossa atenção sobre como percebemos o outro. Diante dessa perspectiva, o olhar do outro nos permite conhecer as diferenças de modo a vê-las como algo construtivo e não segregador. Ao desenvolvermos a alteridade, essa compreensão do olhar do outro, temos a possibilidade de construir pontes entre diversas culturas. Para isso, segundo Peirano (1999, p.02): “o Brasil é um caso etnográfico privilegiado” quando se trata de alteridade. Durante a década de 1950, quando a antropologia brasileira se concentrou em conhecer as diversas culturas indígenas no nosso país, desenvolvemos um tipo de alteridade radical, que se propôs a investigar comunidades totalmente desconhecidas. Posteriormente, a antropologia brasileira amenizou as alteridades e se deslocou para a investigação nos espaços rurais e urbanos, avaliando as relações das populações indígenas com os demais. Na década de 1980 a alteridade se torna mínima, no sentido de buscar compreender um outro que estava mais próximo, do perímetro urbano diante de suas temáticas específicas. Compreende-se, portanto, que o exercício da alteridade é contínuo e possui uma série de nuances. Na antropologia brasileira, por exemplo: “a alteridade deslizou territorial e ideologicamente, em um processo dominado pela incorporação de novas temáticas e ampliação do universo pesquisado” (PEIRANO, 1999, p. 03). Essas as diferentes formas em que os estudos antropológicos exerceram alteridade no Brasil colaborou para a construção de uma antropologia plural. O histórico de pesquisas da antropologia brasileira demonstra que a alteridade é um elemento essencial para nós, antropólogas e antropólogos, e colabora no debate sobre as diferenças no sentido de distanciar o debate que as define como um marcador de distâncias e exclusões, demonstrando que o fundamento do estudo das diferenças é conhecer o outro para que possamos reconhecer a nós mesmos e compreender as pluralidades de vivências existentes. Diante do exposto, é possível perceber que ao estabelecer relações de alteridade damos um passo importante para construir vínculos democráticos entre pessoas e grupos sociais de origens étnicas distintas, promovendo a inclusão e diversidade. Seguindo essa perspectiva a alteridade não é falar de exotismos, características curiosas sobre as diferentes culturas ou levantar costumes que aos nossos olhos externos parece absurdo, ao contrário, é promover a compreensão dos sentidos constituídos socialmente que dão racionalidade a todos os hábitos e costumes. 2 DIVERSIDADE CULTURAL Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/mosaic-happy-successful- people-on-bright-1477576958 A definição de alteridade mostra-nos que: “diferença ou o exotismo divergem: se todo exotismo é um tipo de diferença, nem toda diferença é exótica. Por outro lado, a ênfase na diferença tem como dimensão intrínseca a comparação; já a ênfase no exotismo dispensa contrastes” (PEIRANO, 1999, p. 05). Isso significa que quando percebemos o outro como diferente e não exótico temos a possibilidade de nos colocar em diálogo, comparando experiências e trocando vivências. O lugar exótico estabelece uma relação desigual de inferioridade ou de hierarquia que é questionada pelos estudos antropológicos na atualidade. Ao exercer a alteridade percebemos que não existem distâncias, segregações e exclusões sociais justificáveis em uma sociedade como a brasileira, por exemplo, o que existe é um desconhecimento sobre o outro pela simples inabilidade de construir uma convivência social plural e verdadeiramente atenta. Nesse sentido, segundo Peirano (1999, p. 02), “o Brasil é um caso etnográfico privilegiado” quando falamos de alteridade pois, quando asantropólogas e antropólogos do nosso país buscaram conhecer as comunidades indígenas, o que ocorreu até a década de 1950, criamos uma forma de alteridade que pode ser chamada de radical. Desenvolvida no estudo de povos indígenas totalmente desconhecidos. Posteriormente, “amenizamos” as alteridades quando nos deslocamos para espaços de pesquisas mais conhecidos, como o meio rural e urbano, avaliando as relações de indígenas com outros grupos sociais. Na década de 1980, alteridade se torna mínima na produção científica brasileira, já que nossos pesquisadores estavam preocupados em construir uma perspectiva de alteridade que: “deslizou territorial e ideologicamente, em um processo dominado pela incorporação de novas temáticas e ampliação do universo pesquisado” (PEIRANO, 1999, p. 03), o que fez a antropologia urbana. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/mosaic-happy-successful-people-on-bright-1477576958 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/mosaic-happy-successful-people-on-bright-1477576958 Diante dessa dinâmica de formação da antropologia brasileira, podemos perceber que diferentes formas de alteridade foram exercidas e discutidas, consolidando um campo antropológico muito plural no nosso país. Nesse contexto, muitos pesquisadores se destacaram, no entanto, quando falamos de diversidade cultural, principalmente, no Brasil, é imprescindível citar os estudos do antropólogo e político brasileiro, Darcy Ribeiro. Sua principal publicação é de 1995, intitulada “O Povo Brasileiro”. Resultado de 30 anos de estudo, nesta obra, o antropólogo retrata a diversidade étnica e cultural brasileira. Segundo o autor, toda a identidade brasileira tem em sua origem um processo cruel de colonização, com características repressivas e de geneocídio das populações indígenas e africanas. Em busca de compreender o processo de construção do povo brasileiro, Darcy Ribeiro (1995) realiza o esforço de analisar a multiplicidade étnica brasileira de modo a definir a diversidade cultural, regional e ecológica do nosso país. Compreende-se no estudo do antropólogo que todas as particularidades e complexidades do processo de formação da nação brasileira é o que nos torna singulares, bem como, é o que nos une como nação. Nas palavras do antropólogo: Mais que uma simples etnia, porém, o Brasil é uma etnia nacional, um povo‐nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado para nele viver seu destino. Ao contrário da Espanha, na Europa, ou da Guatemala, na América, por exemplo, que são sociedades multiétnicas regidas por Estados unitários e, por isso mesmo, dilaceradas por conflitos interétnicos, os brasileiros se integram em uma única etnia nacional, constituindo assim um só povo incorporado em uma nação unificada, num Estado uni‐étnico. A única exceção são as múltiplas micro etnias tribais, tão imponderáveis que sua existência não afeta o destino nacional. (RIBEIRO, 1995, p. 22). A obra de Darcy Ribeiro (1995) contribui para refletirmos como a diversidade é produto de muitas violências, mas, nem por isso, é menos valorativa. Sobretudo, mesmo compreendendo que existe uma uniformidade cultural, no sentido de formação da identidade brasileira, ainda devemos considerar a presença de um grande distanciamento social. Compreende-se, nesse sentido, que a sociedade brasileira é resultado da estratificação e segregação entre diferentes classes, etnias e raças, geradas pelo processo de colonização violenta em que a nossa nação foi submetida. Nesse sentido, a diversidade cultural surge principalmente pelo contato entre diferentes culturas que proporcionam um processo de assimilação, também conhecido como aculturação, que pode ocasionar uma imposição de uma cultura estrangeira sobre um grupo de determinado local. Esse processo de contato cultural é a base para a formação da diversidade cultural e do pluralismo, pois, é ele que possibilita a coexistência de origens culturais distintas em uma sociedade. JOHNSON (1997, p. 52). 3 A RELIGIOSIDADE BRASILEIRA E SUAS MÚLTIPLAS REPRESENTATIVIDADES Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/bahia-brazil-july-02-2017- civic-672786766 Entre alteridades e diversidades a sociedade brasileira pode ser vista diante de manifestaçẽos culturas ricas em significados e simbolismos. Uma das manifestações mais marcantes no Brasil é a religiosidade que é composta por múltiplas representatividades sobre o povo brasileiro. Embora a sociedade brasileira seja em grande maioria adepta a religiões cristãs, principalmente, o catolicismo, existem inúmeras religiões e muitas são de origem brasileira. Assim como discutimos anteriormente, sabe-se que o Brasil é formado por uma mistura cultural muito rica, portanto, aqui temos povos indígenas, imigrantes da europa e de todo mundo, especialmente, os imigrantes do continente africano. É essa mistura que faz possível o surgimento de tantas expressões religiosas. SAIBA MAIS Tal como todas as instituições sociais, religião é definida sociologicamente pelas funções que desempenha em sistemas sociais. De modo geral, é um arranjo social construído para prover uma maneira compartilhada, coletiva, de lidar com aspectos desconhecidos e incognoscíveis da vida humana, com os mistérios da vida, morte e existência, e com os dolorosos dilemas que surgem no processo de tomar decisões de natureza moral. Fonte: JOHNSON, 1997, p.196. #SAIBA MAIS# Compreende-se que a religião é uma instituição central para toda sociedade pois, é ela que em grande medida orienta os valores morais de seus grupos sociais de https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/bahia-brazil-july-02-2017-civic-672786766 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/bahia-brazil-july-02-2017-civic-672786766 origem. Pensando nisso, estudante, é que vamos conhecer um pouco sobre as religiões de origem brasileira, mais especificamente, as religiões de matrizes africanas. As religiões que possuem matrizes africanas são aquelas em que a base de sua doutrina, ou seja, o conjunto de princípios e valores que forma o seu sistema religioso possui influências de elementos da cultura africana. No Brasil a chamamos de religiões afro-brasileiras, destacam-se, nesse sentido: a Umbanda e o Candomblé. Uma das principais características dessas religiões é o sincretismo, o qual podemos ler como a mistura de elementos religiosos de diversas religiões formando uma terceira expressão religiosa. Essa mistura proporciona uma junção cultural de valores e símbolos, que em muitos casos são símbolos disfarçados para possibilitar a religiosidade de povos que seriam proibidos de praticar suas crenças e rituais. Nesse sentido, o sincretismo pode ser visto como uma forma de sobrevivência nacional e transnacional de povos africanos (ROMÃO, 2018) , já que esse não é um fenômeno exclusivo de religiões afro-brasileiras. No que se refere à Umbanda considera-se que esta seja a primeira religião que propõe um: “sincretismo nacional a partir de matrizes negras (macumba, candomblé) e ocidentais (catolicismo, kardecismo)” (NEGRÃO, 1994, p.113). A Umbanda é uma religião que surgiu na história recente do nosso país, em meados do século XX nos anos 1940. Portanto, é uma manifestação cultural que possui forte relação com os processos de modernização das cidades. As interpretações sociológicas sobre o nascimento da umbanda assentam-se, como não poderia deixar de ser, em sua tríplice condição de religião nacional, surgida e consolidada no momento da expansão do sistema urbano industrial do segundo quartel do século, justamente nos centros urbanos mais importantes das regiões mais desenvolvidas do país (NEGRÃO, 1994, p. 117). Já o Candomblé é uma religião que há mais tempo está presente no nosso país, datada ainda no século XIX, e possui em sua origem cultostradicionais dos povos africanos e entidades que representam as forças da natureza. A depender da origem cultural do Candomblé, suas entidades podem receber diferentes denominações, são elas: orixás, voduns ou inquices. Sobre isso, BASTIDE (2001) diz que: Os candomblés pertencem a "nações" diversas e perpetuam, portanto, tradições diferentes: Angola, Congo, Gêge (isto é, Ewe), Nagô (têrmo com que os franceses designavam todos os negros de fala yoruba, da Costa dos Escravos), Quê to ( ou Ketu), Ijêxa ( ou Ijesha). É possível distinguir estas "nações" umas das outras pela maneira de tocar o tambor ( seja com a mão, seja com varetas), pela música, pelo idioma dos cânticos, pelas vestes litúrgicas, algumas vêzes pelos nomes das divindades, e enfim por certos traços do ritual (BASTIDE, 2001, p.17). De acordo com BASTIDE (2001), o Candomblé é diverso, por isso o autor fala de candomblés no plural. 4 AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA SOCIEDADE MODERNA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/back-view-female- employee-speak-talk-1689338029 Ao considerar as transformações da sociedade contemporânea devemos compreender que além das questões sobre diversidade cultural e o respeito às diferenças, temos um condicionante que pode facilitar o acesso a novas histórias, este condicionante é o espaço virtual. É importante destacar que o ciberespaço deve ser considerado como um lugar (POLIVANOV, 2013). Contudo, devemos considerar que esse lugar não é habitável, pelo menos não concretamente, para todas as pessoas. Para iniciar essa discussão precisamos fazer a distinção entre imigrantes digitais e nativos digitais. Os imigrantes digitais são pessoas nascidas antes do advento das tecnologias de informação e comunicação (TIC’S), que se viram obrigadas a utilizá-las, geralmente, no campo laboral e mantém comportamentos e atitudes que revelam sua relação artificial com as tecnologias (STENGEL; DOURADO; DIAS; SOARES; FRICHE; FRAGA; LOCATELLI e SANTOS, 2018). A relação dos imigrantes digitais com as tecnologias, é utilitária. Diferentemente, os nativos digitais já nasceram imersos nas facilidades proporcionadas pelas TIC’S e demonstram uma maior intimidade no manuseio de suas ferramentas. Nesse sentido, percebemos que a relação com o ambiente virtual é distinta para diferentes gerações, o que não exclui o fato da internet ser considerada uma cultura ou artefato cultural, como aponta POLIVANOV (2013), ou seja, a internet vista como um espaço em que a cultura é constituída e reconstituída (HINE, 2000, p. 9 apud POLIVANOV, 2013, p. 03). Nesse sentido, seria possível perceber que há uma grande diferença entre a vida on-line e a vida off-line, por outro lado, a perspectiva que considera a internet como um artefato cultural, a coloca como um produto da cultura, uma tecnologia que media https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/back-view-female-employee-speak-talk-1689338029 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/back-view-female-employee-speak-talk-1689338029 relações, em que tem seu significado e a própria necessidade de manuseio produzida por pessoas, com objetivos específicos da cultura em que vivemos (POLIVANOV, 2013). Para os imigrantes digitais a relação com a internet se aproxima de uma perspectiva que vê seu uso como um artefato cultural, pois essas pessoas precisam se obrigar a aderir às tecnologias para fazer possível viver na sociedade moderna, mas isso não significa que isso seja orgânico, levando uma vida on-line despretensiosa como fazem o nativos digitais. Nesse sentido, há de se considerar a relação que estabelecem com as TIC’S, ou seja, se passaram ou não pela adaptação digital, mantendo uma familiaridade com elas (STENGEL; DOURADO; DIAS; SOARES; FRICHE; FRAGA; LOCATELLI e SANTOS, 2018) Diante dessa realidade atual, em que todos temos que nos relacionar, de alguma maneira, com o ambiente virtual, os estudos antropológicos tiveram que se adaptar e possibilitar seus estudos nesse ambiente. Para isso criamos a etnografia virtual. Segundo DIAS (2007): Etnografar no virtual é observar uma densa interconexão simbólica, e para tanto é preciso problematizar a tradição etnográfica fundamentada no trabalho de campo que se ergue fundamentada sobre o vínculo entre povo e lugar, nos moldes do funcionalismo malinowskiano: o desafio dos sites explicita, ainda, a necessidade de observar conexões, paralelismos e contrastes aparente incomensuráveis. (DIAS, 2007, p. 68). Segundo BRAGA (2013), o processo de etnografia virtual funciona da seguinte maneira: A abordagem mais tradicional da etnografia costuma envolver uma fase muito mais longa, mais intensiva e mais crítica destinada a descobrir a que perguntas o/a pesquisador/a vai responder. Assim, o primeiro aspecto da etnografia tradicional que acho muito útil para a etnografia em meios digitais é dedicar bastante tempo ao processo de familiarização, a olhar em torno e explorar o fenômeno sob todos os ângulos, tentando entender o que ele é, para quem existe e como é vivenciado. Considero este processo muito importante para desenvolver uma ideia das perguntas apropriadas a serem feitas e para alinhar as perguntas que fazemos com nossa noção de o que é esse fenômeno que estamos explorando. Começar diretamente a, por exemplo, fazer uma etnografia de um grupo de discussão online específico corre o risco de saltar esta importante fase de desenvolvimento de uma pergunta apropriada para a qual essa etnografia possa ser a resposta (e de pensar se de fato é prioridade para alguém obter resposta a essa pergunta, em termos práticos ou como parte do desenvolvimento de determinadas orientações teóricas). O segundo aspecto fundamental da etnografia de que não abro mão é a reflexividade. Os fenômenos digitais são muito complexos. Existem em múltiplos espaços, são fragmentados e costumam ser temporalmente complexos. Não podemos esperar ter uma vivência de um fenômeno assim apenas “estando presentes ali”, porque não sabemos automaticamente onde é “ali”, nem como “estar presentes”. Mas podemos ajudar a entender os fenômenos digitais tentando adquirir nossa própria experiência autêntica desses fenômenos como etnógrafos inseridos, incorporados, e refletindo constantemente sobre o que sabemos e como o sabemos. Penso que este aspecto da reflexividade – refletir sobre como sabemos o que sabemos sobre uma situação - provavelmente seja a parte mais significativa da etnografia em ambientes digitais. É importante refletir continuamente sobre a maneira como nosso entendimento é plasmado por determinadas abordagens metodológicas, pelo subconjunto de participantes com quem acontece de estarmos interagindo e pelos meios que escolhemos para essas interações. (BRAGA, 2013, p. 08). Diante do exposto, compreendemos que assim como na vida cotidiana, em que construímos cultura e somos construídos por ela, o espaço virtual colabora de maneira significativa nesse processo. Dessa forma, o estudo cultural se faz possível também nesse ambiente por meio da etnografia virtual. CONSIDERAÇÕES FINAIS Olá, estudante! Nesta unidade, discutimos sobre as relações entre o eu e o outro na antropologia, para tanto foi necessário o entendimento do conceito de alteridade. A alteridade é, em antropologia, uma categoria essencial para a compreensão da multiplicidade de vivências que existem quando nos dedicamos a estudar cultura. Por isso, o exercício da alteridade é tão importante, principalmente, no sentido de compreendermos que cultura não classifica e hierarquiza as relações, mas, sim, representa os construtos coletivos de uma dada sociedade. Diante do entendimento do conceito de alteridade, nos dedicamos a discutir sobre as diversidade culturais, mais especificamente, no que se refere à sociedade brasileira. De acordo como desenvolvimento da antropologia no Brasil, percebemos que existem muitas alteridades a serem conhecidas e estudadas no nosso país e pensando nisso o antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro se dedicou a nos mostrar como se deu a gestação dessa sociedade tão plural que constitui o povo brasileiro. Seguidamente, como característica marcante da nossa diversidade, estudamos as manifestações religiosas como representante de todo o pluralismo cultural brasileiro. E, por fim, compreendemos que a cultura se constrói nos mais diversos espaços e a tecnologia não fica fora disso. Vimos, portanto, que assim como na vida cotidiana, em que construímos cultura e somos construídos por ela, o espaço virtual colabora de maneira significativa nesse processo. Dessa forma, o estudo cultural se faz possível também nesse ambiente por meio da etnografia virtual. Esperamos que ao conhecer as diversidades culturais e todas as possibilidades que os estudos antropológicos podem trazer para a compreensão da realidade, você, estudante, possa fazer desse material um ponto de partida para abrir ainda mais seus horizontes sobre o estudo da cultura. Bons estudos! LEITURA COMPLEMENTAR A quem interessa a onda de intolerância religiosa que sacode o Brasil? O Brasil está destruindo um dos seus maiores valores, sua proverbial tolerância religiosa e a coexistência pacífica entre as diferentes confissões. A quem interessa essa onda iconoclasta que - como este jornal publicou - cresceu 4.960% em apenas cinco anos, que registra uma denuncia de hostilidade ou profanação de locais de culto e pessoas que os dirigem a cada 15 horas? Os mais perseguidos são os locais de culto das religiões de matriz africana, mas também atinge templos católicos e protestantes, igrejas evangélicas, centros espíritas e sinagogas judaicas. Imagens de orixás são queimadas, uma imagem de Nossa Senhora Aparecida é destruída a golpes de martelo, os sacrários das igrejas católicas são violados e as hóstias consagradas são jogadas no chão e nem os cemitérios são respeitados. Estamos diante de um fato novo e é urgente descobrir o que se esconde por trás dessa nova guerra contra o sagrado. Que a um Brasil atravessado por uma perigosa corrente de ódio político e social se queira acrescentar a intolerância e a agressão física aos símbolos e pessoas religiosas poderia ser a última etapa da barbárie. A tolerância e a riqueza de entidades religiosas convivendo em paz neste país foi resultado da feliz conjunção histórica do encontro de três crenças trazidas pelos três povos que engendraram o Brasil: a indígena, a cristã - contribuição dos europeus -, e a africana, dos quatro milhões de escravos. O longo e perigoso trabalho realizado pelas diferentes crenças religiosas para defender seus deuses produziu o milagre do sincretismo pacífico. Não foi realizado sem dor, mas o Brasil conseguiu manter a essência das três raízes espirituais caminhando juntas e até misturadas, dando vida a uma riqueza religiosa e cultural, talvez única no mundo. Isso fez com que o Brasil fosse um dos países mais permeados pelo sagrado e, de acordo com muitos estudiosos das religiões, com uma diferença significativa, pois colocou o sagrado no coração da vida para libertá-la dos medos das religiões monoteístas injetando doses de felicidade e amor pela Terra e pela vida, a de carne e osso. Foram as crenças africanas que ajudaram os brasileiros a ver, por exemplo, com novos olhos, não só a vida, mas também o seu fim, pois nelas os mortos, como escreveu o poeta senegalês Birago Diop, “não estão sob a terra, eles estão na árvore que geme”. Eles continuam vivos e ao nosso lado para nos proteger. Triste paradoxo o de que um Brasil fazendo terrorismo com as crenças religiosas de origem africana quando elas começam a ser importadas pelo Ocidente racionalista. A mãe de santo alemã Gabriela Highest confessou, por exemplo, à minha colega Carla Jiménez, que os brasileiros “são espiritualmente mais desenvolvidos do que os alemães”. Hoje é possível ser crente, agnóstico ou ateu, mas queiramos, ou não, é impossível evitar a pergunta de por que se morre, que segundo os especialistas foi a origem de todas as religiões. O Nobel de Literatura, o ateu José Saramago, disse que se os homens deixassem de morrer, as religiões acabariam. Mas continuamos morrendo, e as crenças, todas elas, com suas luzes e sombras, com seus símbolos sagrados e credos diferentes, nos lembram que a vida continuará atravessada pela dúvida, já que ninguém ainda resolveu o enigma do além. Existem símbolos e arquétipos como os da vida e da morte, da mãe terra ou do sagrado, que, se não forem respeitados, deslizaremos para uma nova barbárie tão perigosa, se cabe a expressão, quanto à política ou à social. Somente os animais não têm cemitérios nem rendem cultos a seus mortos, embora pareça que os elefantes se afastem para morrer em um lugar especial para isso. Perseguir ou desprezar qualquer tipo de busca espiritual é querer apagar com violência a curiosidade e, talvez, a necessidade, que o homem continua tendo pelo mistério. Fonte: ARIAS, Juan. A quem interessa a onda de intolerância religiosa que sacode o Brasil?. PORTAL EL PAÍS BRASIL. Novembro de 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/14/opinion/1510697413_063183.html, acesso em: 31 ago 2021. LIVRO • Título. Festas Populares no Brasil • Autor. Lélia Gonzalez. • Editora. Index. • Sinopse. Publicado em 1987, a obra possui o registro de festas populares ao redor de todas as regiões do Brasil, demonstrando a diversidade cultural do nosso país. FILME/VÍDEO • Título. Gente de Toda Fé • Ano. 2019. • Sinopse. Gente de Toda Fé é um filme sobre pessoas reais que encontram na fé um sentido para suas vidas, coragem para passar pelas dificuldades e consolo para seus sofrimentos. Concepções de vida e morte são trazidas do ponto de vista de praticantes de várias religiões, que adotam seus preceitos e os integram aos seus modos de pensar, sentir e de estar no mundo. • Link: https://www.youtube.com/watch?v=hC6gGE91mAE&t=2s REFERÊNCIAS ARIAS, Juan. A quem interessa a onda de intolerância religiosa que sacode o Brasil?. PORTAL EL PAÍS BRASIL. Novembro de 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/11/14/opinion/1510697413_063183.html, acesso em:dia 31 ago 2021. BASTIDE, R. O candomblé da Bahia Trad. Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. 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Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 24, n. 2, p. 424- 441, ago. 2018 CONCLUSÃO GERAL Olá, estudante! Na disciplina de Antropologia e sociologia filosófica passamos por diversas discussões importantes para as ciências humanas e suas construções teóricas. Na unidade I discutimos o surgimento da sociologia como conhecimento científico diante da compreensão do sistema capitalista com relação às suas influências sobre a vida cotidiana das pessoas, possibilitando, assim, a tomada de consciência sobre a realidade social de cada indivíduo. Na unidade II apresentamos os estudos culturalistas e funcionalistas de modo a perceber que a antropologia é uma disciplina que se consolida se posicionando criticamente a teorias que tornam as diferenças culturais em exotismo, como em uma coleção de curiosidades. Nesta unidade III conhecemos algumas contribuições da filosofia para a compreensão da humanidade diante de diversas questões. Nesse sentido, buscamos mostrar que a filosofia é uma importante ferramenta de entendimento humano. Na unidade IV encerramos a disciplina discutindo as relações entre o eu e o outro diante do conceito de alteridade. Para isso, vamos discutir sobre as diversidades culturais, diferenças religiosas e os desafios impostos pela era digital na sociedade moderna. Esperamos que depois de conhecer todas essas discussões tão importantes para nós, profissionais das humanidades, você, estudante, tenha referencial teórico suficiente para refletir sobre a realidade em que vive e perceber como as estruturas sociais nos constrói como humanidade. Bons estudos!para haver sociedade, o que constitui uma sociedade são um conjunto de regras comuns, costumes, hábitos e um modo de organização social, bem como, pode haver mais de uma sociedade dentro de um grupo maior, como podemos perceber aqui no Brasil. Embora haja uma grande sociedade brasileira, sabemos da existẽncia de diversos grupos sociais, principalmente, de populações indígenas, que possuem uma forma de organização distinta do restante da sociedade brasileira, isso não as exclui da sociedade brasileira, mas significa que existem diversas sociedades que compõem o nosso país. Fonte: a autora. SAIBA MAIS Desse modo, considerando a diversidade existente na vida em sociedade, assim como qualquer outra ciência, existe na Sociologia, diferentes especialidades. Sobre esse tema que discutiremos a seguir. 2 CAMPOS DE ESTUDO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/businessman-studying- crowd-people-magnifying-glass-1626913051 Esta ciência que se dedica a estudar a sociedade, a sociologia, faz parte de um campo científico mais amplo que se chama ciências sociais. Além da Sociologia temos a Antropologia e a Ciência Política como integrantes desse campo científico e agora vamos conhecer quais são as especificidades de cada uma dessas áreas de conhecimento. Vamos começar pela Sociologia, que é: “o estudo da vida e do comportamento social, sobretudo em relação a sistemas sociais, como eles funcionam, como mudam, as consequências que produzem e sua relação complexa com a vida” (JOHNSON, 1997, p. 217). A Sociologia é uma ciência que analisa nossas relações interpessoais: a família, relacionamentos, grupos sociais, e nossas relações com a vida pública: escola, trabalho, religião, estado, justiça, dentre outros meios sociais que convivemos diariamente. Já a Antropologia, definida, essencialmente, como o estudo da humanidade, se concentrou, inicialmente, em investigar sociedades primitivas, com organização simples, restritas a ilhas e localizações distantes, que tiveram pouco contato com sociedades ocidentais, e que por serem: “qualificadas como "simples"; em consequência, elas irão permitir a compreensão, como numa situação de laboratório, da organização "complexa" de nossas próprias sociedades” (LAPLANTINE, 2003, p. 8). Desse modo, o estudo antropológico concentra-se no entendimento da racionalidade humana em sua coletividade, como a humanidade produz significados e simbolismos, ou seja, o que é cultura e como ela se constrói. O olhar antropológico mostra-nos que, ao conhecermos o outro, sociedades distintas da nossa, é que conhecemos a nossa própria realidade. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/businessman-studying-crowd-people-magnifying-glass-1626913051 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/businessman-studying-crowd-people-magnifying-glass-1626913051 No que se refere à Ciência Política podemos compreendê-la mais amplamente como o conjunto de “estudos sobre os fenômenos e as estruturas políticas, conduzido sistematicamente e com rigor, apoiado num amplo e cuidadoso exame dos fatos expostos com argumentos racionais” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998, p. 164). O que isso significa? Estudar os fenômenos e estruturas políticas é verificar tendências de comportamento político, ou seja, compreender como determinados grupos tendem a se identificar com quais posições políticas? Realizar uma leitura orientada sobre dados eleitorais, fazer pesquisas de intenção de votos, mapear as ações do estado ou avaliar políticas públicas. Esse é o âmbito das Ciências Sociais que investiga nossas ações com relação às instâncias de poder, as estruturas políticas do estado e suas instituições. Com esta breve definição sobre as diferentes áreas das Ciências Sociais o que é possível diagnosticar é que não há uma divisão bem clara entre uma área e outra, todos os temas se entrelaçam. Isso é muito construtivo para a consolidação das Ciências Sociais como campo de estudos, pois possibilita a produção de um conhecimento científico comprometido com a realidade social que, por sua vez, é diversa e dinâmica e, por isso, não pode ser lida por meio de uma única perspectiva. Considerando, portanto, que as ciências sociais compõem um campo científico muito plural, devemos compreender, ainda, que existem diferentes perspectivas e métodos de pesquisa para compreender este amplo objeto de estudo que é a vida em sociedade. Dessa maneira, precisamos conhecer as metodologias mais utilizadas na Sociologia e suas possibilidades. São elas: as pesquisas qualitativas, quantitativas e a etnografia. As pesquisas qualitativas consideram metodologias que buscam um maior contato com o objeto de estudo, no caso da Sociologia pode ser algum grupo social. São características desse modelo de pesquisa, as entrevistas de trajetórias de vida e grupos focais, grupos de discussão em que, pelo menos, seis pessoas se encontram para opinar sobre o assunto estudado. As pesquisas quantitativas fazem amostras de grupos sociais por meio de estatísticas, é um tipo de pesquisa que considera dados numéricos. As pesquisas quantitativas são feitas por meio de questionários fechados com questões de múltipla escolha para compreender as opiniões e tendências de comportamento da sociedade. Como parte dos estudos antropológicos, sobre as culturas humanas, a etnografia dedica- se a estudar o comportamentos dos grupos sociais no seu dia a dia, para isso, a pesquisadora ou pesquisador vão até o grupo estudado e convivem com eles até compreender as relações sociais dessa população. Esses diferentes métodos de se estudar a vida em sociedade compreendem as diversas complexidades a que os cientistas sociais, sociólogos, antropólogos e cientistas políticos precisam enfrentar no cotidiano de pesquisa, desse modo, temos como possibilidade técnicas de pesquisa que se adaptam as mais diversas questões de investigação. 3 CONTEXTOS HISTÓRICOS PARA O SURGIMENTO DA SOCIOLOGIA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/vector-illustration- production-line-workers-automation-1170064279 A formação de um campo de pesquisa tão amplo quanto as ciências sociais se deve, especialmente, ao surgimento da sociologia, foi essa ciência que deu início aos principais pressupostos teóricos e fundamentos metodológicos que repercutem até a atualidade. Portanto, faz-se necessário o entendimento do contexto de formação da sociologia como ciência. O surgimento da Sociologia ocorreu no século XIX, a princípio, por influência da teoria positivista de Auguste Comte (1972), porém, muitos acontecimentos anteriores e concomitantes ao surgimento dessa nova ciência humana contribuíram para a sua formação. Podemos retomar os primeiros indícios de transformação da sociedade europeia que influenciaram a Sociologia ainda no Renascimento, sendo possível a inclusão de marcos históricos como as revoluções francesa e industrial e a revolução científica incentivada pelo Iluminismo. Todos esses acontecimentos colaboraram para transformações profundas na organização social da sociedade ocidental, principalmente, a europeia, o que reconfigurou a vida urbana, política e econômica. Com o período renascentista, a burguesia passa a crescer e aquela concepção de sociedade estamental medieval passa a ser alterada, visto que os burgueses não eram nobres, mas tinham tanto ou mais dinheiro quanto os nobres. A reivindicação da classe burguesa por seus direitos políticos ocorreu gradativamente de acordo com o crescimento dessa classe. Essas alterações, na configuração social europeia causaram uma alteração tão grande na ordem política e social do continente que, em partes, contribuem até para a Revolução Francesa e para os ideais de igualdade e liberdade propostos pelo Iluminismo. A revolução industrial que começou na Inglaterra no séculoXVIII impôs muitas mudanças na sociedade europeia. O modo de produção industrial por meio das máquinas a vapor transformou as relações econômicas e sociais da população como um todo por meio do seu https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/vector-illustration-production-line-workers-automation-1170064279 https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/vector-illustration-production-line-workers-automation-1170064279 modelo de produção em série e do trabalho assalariado. No entanto, junto da revolução industrial ocorreu uma série de problemas sociais como o desemprego e o aprofundamento das desigualdades sociais. Anos mais tarde, percebendo todas as transformações sociais ocorridas em razão das revoluções francesa e industrial, o filósofo francês Auguste Comte (1972) buscou formular um conhecimento científico que pudesse explicar todas essas transformações. E com ele temos as primeiras formulações sobre o que se tornaria a sociologia. Auguste Comte (1972) foi um filósofo francês que viveu entre 1798 e 1857. O autor desenvolveu a teoria positivista, corrente filosófica que considera a ciência como principal meio de conhecimento humano. O autor criou um conceito que se chama física social (conhecida na atualidade como sociologia), a física social seria um conhecimento científico que buscaria leis universais sobre a vida em sociedade. Segundo Comte(1972): Entendo por física social a ciência que tem por objeto próprio o estudo dos fenômenos sociais, segundo o mesmo espírito com que são considerados os fenômenos astronômicos, físicos, químicos e fisiológicos, isto é, submetidos a leis invariáveis, cuja descoberta é o objetivo de suas pesquisas. Assim, ela se propõe diretamente a explicar, com a maior precisão possível, o grande fenômeno do desenvolvimento da espécie humana, visto em todas as suas partes essenciais (COMTE, 1972, p. 86). Compreende-se, portanto, que a física social seria uma reprodução de métodos e técnicas das ciências naturais para a compreensão e estudo da sociedade. A teoria positivista de Comte (1972) defendia que a ordem e a disciplina eram elementos essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade. Para o autor, apenas por meio da compreensão da ordem presente em uma sociedade é que poderíamos alcançar o progresso social. Auguste Comte (1972) definiu ainda a lei dos três estados que constituía três diferentes fases de formulação do conhecimento humano, são elas: teológica, metafísica e positiva. O estado teológico considera que as explicações sobre os fenômenos sociais e naturais são buscadas no sobrenatural, pela divindade de deuses, ou seja, seriam explicações distantes do uso da razão. O estado metafísico se configura pela tentativa de superação do estado teológico em busca do próximo estágio, o positivo, nesse estado, as explicações dos fenômenos sociais se constitui pelo entendimento das forças da natureza. E, por fim, estaria o estágio de conhecimento humano mais evoluído, o estado positivo, ou o estado científico, em que a explicação dos fenômenos segue a lógica da ciẽncia, por meio da experiência e comprovação metodológica. Embora Comte (1972) tenha um papel essencial para a formação da sociologia, a sua consolidação como conhecimento científico ocorreu com o trabalho de Émile Durkheim (1971), que formulou o primeiro método preciso e específico da sociologia. Para o sociólogo francês, Émile Durkheim (1971), a sociedade orienta boa parte da nossa vida, nos faz agir, pensar e se comportar de uma maneira determinada pelo meio social. Portanto, a Sociedade se impõe sobre o indivíduo, ou seja, faz com que nós sigamos suas normas. A perspectiva de Durkheim (1971) sobre a sociedade considera que existem regras de conduta que nos alinham socialmente, nos colocam em pleno funcionamento. Nesse sentido, para que a sociedade funcione bem é preciso, para Durkheim (1971), haver coesão social, ou seja, as regras e normas sociais precisam estar bem estabelecidas e serem cumpridas pelos membros dessa sociedade, caso contrário nos encontraremos em estado de anomia social, em estado de total desequilíbrio das normas sociais. Para compreender o funcionamento da sociedade, Durkheim (1971)desenvolve um método científico que é o fato social que, para Durkheim (1971): “é fato social toda maneira de agir fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou então ainda, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter.” (DURKHEIM, 1971, p. 11). Portanto, o Fato Social possui três características: a coercitividade, a exterioridade e a generalidade. Durkheim (1971) buscava construir um método que reproduziria as técnicas e metodologias das ciências naturais mas, destacando que a questão social seria um elemento a ser considerado pela ciência, pensando nisso, o autor se dedicou a estudar o suicídio, em uma obra de mesmo nome publicada em 1897. Nesta obra, Durkheim (1966) demonstra que existem condições sociais em um fenômeno que inicialmente parece ser de origem patológica e natural. O sociólogo francês elenca 3 tipos de suicídios que possuem como motivações causas sociais que são exteriores aos indivíduos. ● Suicídio Egoísta: possui motivações pessoais, a pessoa se encontra tão desajustada socialmente que não faz mais questão da própria vida. A eutanásia pode ser considerado um tipo de suicídio dessa classe; ● Suicídio Altruísta: suas motivações são em razão de costumes, valores morais e hábitos culturais. Um exemplo são os kamikazes japoneses ou os homens-bomba do oriente médio, pessoas que acreditam tanto em suas crenças culturais que dão suas vidas por causa de sua sociedade; ● Suicídio Anômico: em momentos de crise social, como a crise econômica de 1929, existem pessoas que se sentem inconsoláveis pelo mal funcionamento social, se sentem frustradas por não seguirem um ideal de sucesso, por exemplo, que não veem mais razão para viver. Esse tipo de suicídio costuma acontecer em sociedades que se encontram em estado de anomia social, ou seja, suas regras de conduta não estão mais em pleno funcionamento. Contudo, a Sociologia é uma ciência plural em perspectivas e métodos, assim como o seu objeto de estudo, a vida em sociedade. Dessa maneira, diante das diversas transformações sociais responsáveis pelo desenvolvimento da nossa sociedade moderna, muitos autores se ocuparam de pensar o novo sistema que se originava, o capitalismo. Desse modo, além de Comte (1972) e Durkheim (1971) consideramos como fundadores da sociologia os sociólogos Karl Marx (2004) e Max Weber (2008). No que se refere a Karl Marx (2004), que analisou os modos de produção da sociedade capitalista e revelou as estruturas sociais provenientes dela, bem como os problemas sociais característicos da divisão social entre os trabalhadores e os donos do poder econômico. Segundo o sociólogo alemão (2004), conjuntamente ao surgimento capitalista originou- se a luta de classes, que significa os problemas e contradições vivenciados pela classe de trabalhadores por causa de sua condição de exploração no trabalho que vendem aos empresários, donos de fábricas e grupos da elite econômica. De acordo com Marx (2004) os trabalhadores (proletariado) são explorados pelos donos dos meios de produção (burguesia). São considerados meios de produção as fábricas, maquinários para a produção de mercadorias, propriedade de terras e imóveis e grandes empresas. Karl Marx (2004), mais conhecido como autor da proposta de uma sociedade comunista, é uma grande referência sobre os estudos das relações de produção no sistema capitalista e foi esse seu objeto de estudo em sua obra chamada “O Capital”, publicada entre 1867 e 1883. Em “O Capital”, Marx (2004) desenvolve seu método científico, o Materialismo Histórico Dialético,que é a concepção de que a sociedade transforma as nossas relações sociais, portanto, molda as nossas maneiras de pensar, agir e se comportar, mas, nós como indivíduos, também, temos o poder de transformar a sociedade que vivemos. Nessa perspectiva, a ciência, a Sociologia, mais especificamente, deve buscar compreender os contextos históricos que promovem mudanças nas relações sociais dos indivíduos, buscando compreender como materialmente isso se coloca na vida em sociedade, além de compreender quais são os movimentos coletivos que os indivíduos desenvolvem para transformar a sociedade que vivem. Marx (2001), entendia que as pessoas tinham o poder de se organizar e mudar a sua realidade social, por isso ele propôs o Comunismo, pois, nas suas palavras: “Os trabalhadores não têm nada a perder em uma revolução comunista, a não ser suas correntes.” O que isso significa? É a possibilidade de revolta popular que questiona o poder dos grandes proprietários, os donos dos meios de produção, e busca acabar com a exploração do trabalho humano que constitui o capitalismo. A revolução comunista seria os trabalhadores, tomando o poder da burguesia e construindo um novo sistema social. Em contrapartida, Max Weber (2008), outro sociólogo alemão essencial para o surgimento da sociologia, propôs uma forma de investigação que buscou interpretar as ações individuais de cada pessoa na sociedade, a Sociologia Compreensiva, buscou definir as relações sociais por meio da ação social. Diferentemente de Durkheim (1971), Weber (2008) não defende que existem leis gerais ou exteriores que se impõem sobre os seres humanos, pelo contrário, para Weber (2008), todo fenômeno social tem uma causa, um comportamento individual que o precede. Portanto, leis universais que influenciam o comportamento humano e o desenvolvimento histórico são inexistentes, o que mantém o construto coletivo dado pelas relações sociais estabelecidas no cotidiano. A análise sociológica proposta por Weber (2008), diante da ação social como seu objeto de estudo, presume um método que busca compreender as motivações individuais que impulsionam determinadas ações sociais. A ação social, como toda ação, pode ser: 1. racional com relação a fins: determinada por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo exterior como de outros homens, e utilizando essas expectativas como “condições” ou “meios” para o alcance de fins próprios racionalmente avaliados e perseguidos; 2. racional com relação a valores: determinada pela crença consciente no valor interpretável como ético, estético, religioso ou de qualquer outra forma - próprio e absoluto de uma determinada conduta, considerada de per si e independente de êxito; 3. afetiva: especialmente emotiva, determinada por afetos e estados sentimentais atuais; 4. tradicional: determinada por um costume arraigado. (WEBER, 2008, p. 118, grifo do autor). Diante dessa perspectiva de Weber (2008), as interações dos indivíduos formam a sociedade em que vivemos, e dentre as nossas diversas maneiras de nos relacionar existe a dominação, forma de submissão e obediência entre os indivíduos. Existem três principais formas de dominação: 1. Dominação Legal: depende dos interesses, vantagens e utilidades codificadas pelas regras, leis e técnicas legais; 2. Dominação Tradicional: depende dos costumes, hábitos e valores morais; 3. Dominação Carismática: tem origem nos afetos, gostos e crenças pessoais de seus comandados. As diferentes formas de dominação formam lideranças políticas pois, na perspectiva de Weber (1986), é o Estado que representa esse poder de submeter os indivíduos a um mandatário. São líderes de dominação legal os tecnicistas, que usam nas normas, regras de conduta e leis para exercer o seu poder. Os líderes de dominação tradicional, usam da moral e dos costumes para prevalecer a sua autoridade. Já a liderança de dominação carismática utiliza os afetos e sentimentos para conquistar seguidores, seja ódio, amor ou solidariedade. 4 A IMAGINAÇÃO SOCIOLÓGICA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/great-idea-concept-young- funny-african-1814497817 Considerando as diferentes abordagens no campo sociológico, devemos discutir agora sobre o papel social da Sociologia como ciência. Para isso, vamos utilizar as reflexões do sociólogo Wright Mills (1969). Esse autor nos incentiva a refletir sobre como a sociologia proporciona um processo de conscientização sobre a nossa atuação na sociedade em que vivemos. Segundo o sociólogo, o passo inicial para uma compreensão plena da realidade é estabelecer o entendimento sobre a própria experiência neste mundo. Nas palavras de Mills: O indivíduo só pode compreender sua própria experiência e avaliar o seu próprio destino localizando-se dentro de seu período; só pode conhecer suas possibilidades na vida tornando-se cônscio das possibilidades de todas as pessoas, nas mesmas circunstâncias que ele. Sob muitos aspectos, é uma missão terrível, sob muitos outros, magnífica (WRIGHT MILLS, 1969, p. 12). Quando Mills (1969) nos diz que é preciso nos tornar cônscio de nossas possibilidades, o autor nos incentiva a ter lucidez e consciência sobre o lugar que ocupamos socialmente, principalmente, com relação às outras pessoas e grupos sociais. De certa forma, o sociólogo apresenta a sociologia como uma forma de compreensão do mundo que nos desperta para tudo que está ao nosso redor. Nesse sentido, a compreensão de que existem condições pré-estabelecidas para a nossa vivência social nos coloca o desafio de percebermos que existem muitas explicações para além do que já nos acostumamos a acreditar. Diante disso, ao se tornar cônscio da sua realidade, você, estudante, eu e todas as pessoas que se propõem a realizar o exercício proposto por Mills, nos construímos como seres sociais com capacidade de atuação social ativa. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/great-idea-concept-young-funny-african-1814497817 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/great-idea-concept-young-funny-african-1814497817 REFLITA Vamos pensar na seguinte situação, estudante, como seria a nossa sociedade se as pessoas deixassem de se conformar com o que está pré-estabelecido e começassem a produzir reflexões e posicionamentos próprios sobre a realidade? Será que teríamos, então, a possibilidade de construir uma sociedade melhor? Fonte: autora. #REFLITA# O exercício proposto pelo sociólogo Wright Mills (1969) é o que o autor chama de imaginação sociológica, que consiste nessa postura de observar a realidade em que vivemos para compreender como ela nos condiciona e influencia as nossas vidas. A imaginação sociológica, segundo Mills, não é exclusiva para sociólogos, mas, sim, possível para o entendimento de toda e qualquer pessoa que tenha contato com o conhecimento sociológico. A imaginação sociológica é uma possibilidade de desenvolvermos a razão, a fim de perceber, com lucidez, o que está ocorrendo no mundo e o que pode estar acontecendo dentro de si mesmo (MILLS, 1969). A proposta de Wright Mills (1969) é demonstrar como a sociologia é um conhecimento científico importante para a nossa sociedade é, justamente, por isso que esta discussão está presente aqui, pois temos como intuito que você, estudante, compreenda as possibilidades desse campo científico para sua concepção de mundo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado (a), estudante, Nesta unidade, aprendemos o conceito de sociedade e contexto de formação da ciência que se dedica a estudar esse tema: a sociologia. Apresentamos, ainda, que as revoluções industrial e francesa foram marcos históricos que transformaram significativamente a vida em sociedade, o que inaugurou a sociedade moderna tal como conhecemos na atualidade. Esses acontecimentos proporcionaram o surgimento da sociologia que,por sua vez, originou-se para construir algumas explicações sobre todas as transformações provenientes do sistema capitalista. A sociologia buscou, ainda, dedicar esforços na compreensão do sistema capitalista com relação às suas influências sobre a vida cotidiana das pessoas, possibilitando, assim, a tomada de consciência sobre a realidade social de cada indivíduo. Desse modo, podemos compreender a importância da sociologia para a construção de seres sociais cada vez mais conscientes do seu lugar em sociedade e das suas possibilidades. Essa postura pode ser construída por meio da compreensão da realidade que torna possível um posicionamento mais crítico diante das desigualdades sociais e problemáticas presentes em nossa sociedade. Para conhecermos cada vez mais sobre as possibilidades da humanidade em sua ação na sociedade, aguardo você, estudante, na próxima unidade. Bons estudos! LEITURA COMPLEMENTAR Sociologia e liberdade Zygmunt Bauman e Tim May A sociologia produz um sentido de entendimento que podemos chamar de relacional-interpretativo. Ela não se satisfaz em ver as coisas de modo isolado, porque a vida social não é assim. Por isso, ela não se encaixa bem nas reivindicações de “encerramento das atividades” daquilo que não é nem poderia ser hermeticamente selado como proteção contra influências externas. A sociologia é um comentário permanente das experiências surgidas em relações sociais e uma interpretação dessas experiências com referência aos outros e às circunstâncias sociais em que as pessoas se encontram. Isso não significa sugerir que ela detenha o monopólio da sabedoria no que diz respeito àquelas experiências – muito embora sem dúvida as enriqueça nos ajudando a compreender melhor com os outros e por meio dos outros. Na verdade, aprender a pensar sociologicamente amplia nossos horizontes de compreensão porque essa ação não se contenta com a exclusividade e a necessidade de ser definitiva – qualidades exigidas de qualquer interpretação. Ela também enfatiza, antes de mais nada, o custo das tentativas de acarretar essa situação. Isso está longe de sugerir que a sociologia não seja “prática”. Ao ampliar o horizonte de nosso entendimento, ela é capaz de lançar luz sobre o que de outra maneira poderia passar despercebido no curso normal dos eventos. Isso inclui uma pluralidade de experiências e formas de vida, além do modo como cada uma exibe e disponibiliza suas formas de entendimento, ao demonstrar também como é impossível cada qual ser uma unidade independente e autossuficiente. Muito simplesmente, todos somos vinculados uns aos outros, embora de maneiras diferentes. Esse é o desafio de se pensar sociologicamente, porque esse pensamento não refreia, mas facilita o fluxo e a troca de experiências. Para alguns, isso significa que a sociologia se pode somar à ambivalência porque não se juntará àqueles que procuram “congelar o fluxo” na busca de objetivos delimitados. Abordada dessa maneira, ela pode ser considerada parte do problema, e não a solução. Entretanto, se uma sociedade é séria em seu desejo de aprender, autorizará a forma de entendimento que melhor nos equipa para enfrentar o futuro. O grande serviço que a sociologia está preparada para oferecer à vida humana e à coabitação dos homens é a promoção do entendimento mútuo e da tolerância como condição suprema da liberdade compartilhada. Graças à forma de entendimento que disponibiliza, o pensamento sociológico promove, necessariamente, o entendimento produtor de tolerância e a tolerância que viabiliza o entendimento. Como sugerimos [...], a maneira como enxergamos os problemas influenciará o que é considerado a solução apropriada. Entre nossas expectativas para o futuro e as experiências obtidas do passado e do presente jaz um espaço que o pensar sociologicamente ilumina e a partir do qual podemos aprender mais sobre nós mesmos, os outros e as relações entre nossas aspirações, ações e as condições sociais que criamos e nas quais vivemos. A sociologia é, assim, central para qualquer tentativa de nos compreender melhor. Fonte: BAUMAN, Zygmunt, MAY, Tim. Aprendendo a pensar com a sociologia. Editora, Zahar. Ano de Edição, 2010. LIVRO • Título. Aprendendo a pensar com a sociologia • Autor. Zygmunt Bauman e Tim May. • Editora. Zahar. • Sinopse. Por meio de uma escrita leve e contextualizada diante de temas cotidianos, Bauman e May refletem nesse livro sobre as possibilidades que a sociologia pode oferecer para a compreensão do mundo e das vivências que cada um possui no dia a dia ao se relacionar em sociedade. FILME/VÍDEO • Título. Tempos Modernos. • Ano. 1936 • Sinopse. Neste filme Charles Chaplin interpreta um operário em uma linha de produção que está descobrindo os desafios do novo modelo de produção capitalista. O filme é um clássico das aulas de introdução à Sociologia e nos ajuda a compreender como a revolução industrial foi um marco para o surgimento da sociedade moderna. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt, MAY, Tim. Aprendendo a pensar com a sociologia. Editora, Zahar. Ano de Edição, 2010. BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de política. Brasília: Editora UnB, 1998. COMTE, A. “Cours de philosophie positive”. In: La science sociale. France: Gallimard, 1972. DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. São Paulo: Editora Nacional, 1971. DURKHEIM, É. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Nacional; 1966. GIDDENS, Anthony e SUTTON, Philip W. Conceitos essenciais da Sociologia. São Paulo, Editora Unesp, 2017. JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia. Zahar: Rio de Janeiro, 1997. LAPLANTINE, François. Introdução: o campo e a abordagem antropológicos. In: Aprender Antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2003.MILLS, Wright C. A imaginação sociológica. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969. MARX, K. O capital: crítica da economia política. Tradução de Reginaldo Sant'anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004. MARX, K.; ENGELS, F. O manifesto comunista. Porto Alegre: L&PM, 2001. MILLS, Wright C. A imaginação sociológica. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1969. SILVA, D. C.; BELANÇON, Milena Cristina.. Fundamentos Sociológicos e Antropológicos da Educação.1°. ed. Maringá: UniCesumar,, 2020. v. 1. 184p. WEBER, M. “Ação social e relação social”. In: FORACCHI, M. M; MARTINS, J. de S. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos – LTC, 2008. p. 117-121. WEBER, Max. “Os três tipos puros de dominação llegítima”. In: COHN, Gabriel (org.). Max Weber: Sociologia. 3a ed. São Paulo: Ática, 1986. UNIDADE II ANTROPOLOGIA OU ANTROPOLOGIAS? Professor Mestra Daiany Cris Silva Plano de Estudo: • Histórico de formação da antropologia como ciência; • Antropologia Filosófica; • Antropologia Social; • Antropologia Cultural. Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar e contextualizar o surgimento da antropologia como ciência; • Compreender os campos de estudos da antropologia; • Estabelecer a importância da antropologia como conhecimento científico. INTRODUÇÃO Olá, estudante! As ciências das humanidades é formada por muitas teorias e perspectivas sobre o que é ser humano, portanto, uma das grandes questões é compreender como a humanidade se constrói coletivamente. A antropologia busca lançar luz a esta questão diante dos estudos culturais e é sobre isso que iremos aprender nesta unidade. Para conhecermos o campo dos estudos antropológicos percorreremos um caminho em quatro etapas que irão apresentar diferentes correntes teóricas da antropologia. Primeiramente apresentaremos a formação da antropologia como ciência, nesse momento, tomaremos contato com as primeirasformulações da antropologia, representada pelo evolucionismo social. Em seguida, conheceremos antropologia filosófica, esta corrente teórica é a que se dedica à compreensão do que nos faz humanos, considerando as nossas construções simbólicas, a linguagem e a nossa cultura como formadora de significados. Apresentaremos, também, a antropologia social, representada pelo funcionalismo de Bronislaw Malinowski, autor que inaugurou a metodologia moderna da antropologia, a etnografia, por isso, conheceremos, neste tópico, o que é e como se faz etnografia. E, por fim, apresentamos a antropologia cultural e suas críticas sobre o evolucionismo social, percebemos que, nesta corrente, teórica a relativização e o conhecer o outro diante do próprio olhar é essencial. Espero que você, estudante, diante do material apresentado, tenha condições de compreender a importância da antropologia. Bons Estudos! 1 HISTÓRICO DE FORMAÇÃO DA ANTROPOLOGIA COMO CIÊNCIA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/human-evolution-natural- selection-monkeys-modern-1715994928 A Antropologia é uma das grandes responsáveis nas Ciências Sociais pelos estudos culturais, desenvolvendo metodologias e teorias próprias para isso. A antropologia busca, especialmente, compreender a racionalidade humana com relação à coletividade, ou seja, as antropólogas e os antropólogos buscam compreender como as pessoas produzem significados e simbolismos sobre o mundo. A antropologia estuda, portanto, o que é cultura e como ela se constrói. É isso mesmo, estudar como a humanidade constrói significados para suas relações coletivas é estudar cultura, dessa forma, a antropologia demonstra que toda e qualquer pessoa possui cultura, Independentemente, da “sofisticação” individual, ou de um determinado grupo social, diante de seus hábitos e costumes cotidianos. Nesse campo de estudos, entende-se que a humanidade em geral é agente e produtora de cultura, porque nós construímos simbolismos sobre a vida o tempo todo, seja por meio da maneira como nos expressamos ou quando definimos o que é feio ou bonito, o que é ou o que não são bons modos, dentre muitas outras práticas cotidianas. Os primeiros estudos antropológicos datam em meados do século XIX e firmam- se no debate de teóricos afetos ao evolucionismo social. Incentivados pelos estudos sobre a evolução das espécies desenvolvido por Charles Darwin, autores como Lewis Henry Morgan (1818-1881), Edward Burnett Tylor (1832-1917) e James George Frazer (1854 – 1941), investigaram as, até então, chamadas sociedades primitivas em uma perspectiva comparativa entre diferentes sociedades para mapear um caminho evolutivo da humanidade. Assim como afirma CASTRO (2016): Como decorrẽncia da visão de um único caminho evolutivo humano, os povos “não ocidentais”, “selvagens” ou “tradicionais” existentes no mundo contemporâneo eram vistos como uma espécie de “museu vivo” da história humana – representantes de etapas anteriores da trajetória universal de homem rumo à condição dos povos mais “avançados”; como exemplos vivos https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/human-evolution-natural-selection-monkeys-modern-1715994928 https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/human-evolution-natural-selection-monkeys-modern-1715994928 daquilo “que já fomos um dia”. Para preencher as “lacunas” do longo período “primitivo” de evolução cultural humana a antropologia deveria utilizar o método comparativo, aplicando-o ao grande número de sociedades “selvagens” existentes contemporaneamente. (CASTRO, 2016, p. 11). Nesse sentido, o principal objetivo dos autores do evolucionismo social, considerados como os precursores da antropologia, era compreender o processo histórico e cultural de desenvolvimento da humanidade por meio de determinações biológicas, ou seja, a natureza era um elemento definidor para as teorias dessa corrente intelectual. Nesse momento, havia a compreensão de que “ao estudar as condições de tribos e nações nesses diversos períodos étnicos, estaríamos lidando, substancialmente, com a história antiga e com as antigas condições de nossos próprios remotos ancestrais” (CASTRO, 2016, p. 24). As teorias evolucionistas deram o passo inicial para a construção da antropologia como uma disciplina científica. No entanto, nessa fase, o olhar antropológico estava focado em relacionar os construtos coletivos e culturais a condições da natureza humana. Diante disso, podemos chamar, também, o campo de estudos inaugurado pelos teóricos evolucionistas de Antropologia Biológica ou Física, pois, existe o estabelecimento de classificações da humanidade baseadas na biologia. Roberto DaMatta (1987), define Antropologia Biológica ou Física da seguinte maneira: O estudo da Antropologia Biológica, situa a questão de uma consciência física do estudo do Homem. Ela remete aos parâmetros biológicos de nossa existência, revelando como estamos ligados ao mundo animal e aos mecanismos básicos da vida no planeta (DAMATTA, 1987, p. 35). Compreende-se, portanto, que em seus primeiros estudos a Antropologia buscou investigar as relações da humanidade com a sua natureza, tema que é recorrente nos estudos antropológicos até a atualidade que se pergunta: quais são os limites entre o que é cultural e natural? Para compreender melhor as classificações dos teóricos evolucionistas, observe o quadro abaixo que descreve a escala de evolução das sociedades humanas de acordo com os estudos de Lewis Henry Morgan, presente em sua obra “A sociedade antiga” publicada em 1877. Quadro 1: evolução da sociedade humana, segundo Morgan Períodos Condições I. Período inicial da selvageria Da infância da raça humana até o começo do próximo período. II. Período intermediário de selvageria. Da aquisição de uma dieta de subsistência à base de peixes e de um conhecimento do uso do fogo até etc. III. Período final de selvageria. Da invenção do arco e flecha até etc. IV. Período inicial de barbárie. Da invenção do fogo da arte da cerâmica até etc. V. Período intermediário de barbárie. Da dominação de animais no hemisfério oriental e, o ocidental, do cultivo irrigado de milho e plantas, com o uso de tijolos de adobe1e pedras, até etc. VI. Período final de barbárie. Da invenção do processo de fundir minério de ferro, como o uso de ferramentas de ferro até etc. 1 O adobe é o antecessor histórico dos tijolos de barro, são feitos artesanalmente de terra, fibras naturais e água. VII. Status de civilização. Da invenção do alfabeto fonético, com o uso da escrita, até o tempo presente. Fonte: CASTRO, 2016, P. 21-22. Adaptado pela autora. No quadro acima é possível visualizar uma classificação de evolução social de acordo com o desenvolvimento da inteligência humana por meio de suas invenções e descobertas no decorrer da história. Essa perspectiva possui como regulador um ideal de sociedade “civilizada” e "evoluída" que culmina nas sociedades ocidentais. O que significa que os antropólogos que realizaram estudos evolucionistas tinham como referência que haveria culturas mais civilizadas do que outras, ou seja, definiram parâmetros de complexidade e desenvolvimento baseados em uma sociedade em específico para classificar e compreender sociedades distintas, com formações culturais e condições históricas distintas. Você, estudante, se lembra daquela concepção inicial que discutimos no início desta unidade? Que prega que existem pessoas com mais ou menos cultura? Pois é, esse discurso não é exclusivo do senso comum, mas, se perpetuou durante algumas décadas no desenvolvimento científico da antropologia, principalmente, no seu início. Agora vamos nos questionar sobreas problemáticas da perspetiva evolucionista para se pensar as diferentes culturas pelo mundo. A grande questão para os críticos do evolucionismo social que consolidaram uma vertente muito importante na antropologia, inclusive, que se chama culturalismo ou relativismo cultural, o qual estudaremos na unidade seguinte - é que não seria possível estabelecer um único parâmetro de evolução para diferentes culturas humanas, pois, cada sociedade possui um processo histórico específico e características culturais próprias. Portanto, o culturalismo, a corrente intelectual fundada pelas discussões do antropólogo estadunidense Franz Boas, mostra-nos que não haveria como comparar de maneira adequada culturas que possuem origens e desenvolvimentos diferentes por meio de parâmetros universais. Além disso, pensemos juntos, estudante, seria possível classificar diferentes sociedades, com símbolos, tradições e costumes diversos de modo comparativo? Se considerarmos que cada formação cultural possui um processo próprio de desenvolvimento, a resposta para essa pergunta é: não. Dessa maneira, nenhum hábito, costume ou tradição cultural pode ser considerada primitiva ou simples. Essa lógica classificatória das culturas abriu espaço para uma série de discursos racistas no curso da história. Diante da centralidade da perspectiva europeia como ideal de civilização, as culturas não ocidentais e seus descendentes foram considerados como não “evoluídos”, portanto, inferiores, ocasionando episódios trágicos como a escravização de povos africanos e a colonização violenta das américas. O evolucionismo social é responsável pela inauguração da antropologia como ciência, no entanto, a seguir, veremos como a antropologia se constituiu de forma cada vez mais plural durante o seu desenvolvimento. 2 ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/satukunda-rock-paintings- just-24-km-1776856127 Como uma das principais questões para antropologia é o entendimento do que nos faz humanos e dos simbolismos e significados que construímos pela cultura, a antropologia filosófica surge como um campo científico que busca investigar atentamente essas questões, principalmente, no que se refere à noção de pessoa, ou seja, o que nos faz humanos? A antropologia filosófica se preocupa em conceituar o que é essencialmente humano. Para isso busca discutir questões como civilização e diferenças entre o natural e o cultural. #REFLITA# O que seria de nós sem nenhuma forma de linguagem? Seja por símbolos, sinais ou a fala? A antropologia filosófica nos ensina que são os simbolismos que fazem de nós humanos, ou seja, que possibilita a concretização de conceitos abstratos. Fonte: a autora. #REFLITA# Um dos seus principais autores é Max Scheler, que possui como obra referencial “A posição do homem no espaço”, publicada no século XX. A obra retrata a formação da antropologia filosófica e discute Nele, ele enfatizou, a necessidade da formação da antropologia filosófica diante da reflexão da essência do espírito humano. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/satukunda-rock-paintings-just-24-km-1776856127 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/satukunda-rock-paintings-just-24-km-1776856127 A antropologia filosófica demonstra, ainda, que a humanidade desenvolve um sistema simbólico, ou seja, por meio da linguagem nós nos expressamos e concretizamos nossos pensamentos, hábitos e costumes. Sem o simbolismo, a vida do homem seria como a dos prisioneiros na caverna do famoso símile de Platão. A vida do homem ficaria confinada aos limites de suas necessidades biológicas e seus interesses práticos; não teria acesso ao “mundo ideal” que lhe é aberto em diferentes aspectos pela religião, pela arte, pela filosofia e pela ciência. (CASSIRER, 1994, p. 10) Desse modo, não são as coisas que fazem as pessoas humanas, mas opiniões, maneiras de ser, pensar e agir. 3 ANTROPOLOGIA SOCIAL Imagem do Tópico: https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/yang-sportive-indigenous- tribal-boy-paddle-1172363122 A antropologia é uma ciência que possui muitas correntes teóricas que pensam as culturas de maneiras distintas. Nesse momento, concentramos em conhecer a antropologia social, melhor representada pela corrente funcionalista. A seguir teremos a dimensão de que, para além de um campo científico que possui suas particularidades, a antropologia diferencia-se fortemente pela sua metodologia também. O funcionalismo na antropologia destaca-se por possuir influência das teorias de um dos fundadores da sociologia, o sociólogo Émile Durkheim. Embora Durkheim nunca tenha se apresentado como um antropólogo (CASTRO, 2016), ele foi o responsável por um importante estudo sobre povos “primitivos” intitulado “As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália” de 1912. Em parceria com seu sobrinho Marcel Mauss, Durkheim ofereceu a antropologia importantes descobertas no que se refere a pensar teorias que buscam uma análise geral de toda a humanidade (CASTRO, 2016). Marcel Mauss, por sua vez, considerado uma das principais referências da antropologia, consolidou em “Ensaio sobre a dádiva”, publicação de 1925, a perspetiva funcionalista ao buscar comprovar um lei geral que fundamenta toda as relações humanas, defendendo que existem determinadas lógicas nas instituições sociais, representadas por costumes e tradições específicas que são gerais em qualquer sociedade. Nesse caso, o autor defendia que a vida social seria um constante “dar e receber, fundamento de toda sociabilidade humana” (CASTRO, 2016, p. 82), fazendo uma alusão a lógica de trocas de presentes recorrentes em rituais do noroeste americano chamado potlach. A obra escrita por Malinowski em 1922, além de inaugurar a etnografia moderna, representa uma das correntes teóricas mais importantes da antropologia, o https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/yang-sportive-indigenous-tribal-boy-paddle-1172363122 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/yang-sportive-indigenous-tribal-boy-paddle-1172363122 funcionalismo. Ao analisar o kula, sistema de trocas intertribais da comunidade Trobriandesa, localizada nas ilhas de Nova Guiné, e “Os Argonautas do Pacífico Ocidental”, o autor mapeia como as instituições sociais são determinantes para se estabelecer relações sociais, principalmente, no que se refere ao funcionamento da própria sociedade como um todo. Primeiramente, vamos entender o que é o Kula. O Kula é um sistema de trocas de colares e braceletes entre tribos possibilitada por um ritual de navegação realizado por cada comunidade. Malinowski documentou essa tradição da sociedade trobriandesa entre os anos de 1914 e 1918. O Kula funcionava em dois sentidos, no sentido horário, presenteava-se as comunidades com colares de conchas vermelhas chamados soulava, já no sentido anti-horário, circulavam os braceletes feitos de conchas brancas, chamados mwali. Em um dado momento, aquele que recebia um colar soulava, estava obrigado a corresponder com um bracelete mwalli e vice-versa. As trocas de colares realizadas por meio do ritual do kula estabelece alianças que possibilitam relações de reciprocidade entre tribos, gerando hospitalidade, proteção e ajuda mútua. Sobre a contribuição de Malinowski para a constituição da etnografia moderna devemos destacar as principais características apresentadas pelo autor para uma boa etnografia. A etnografia: “é uma explicação descritiva da vida social e da cultura de um dado sistema social, baseado na observação detalhada do que as pessoas de fato fazem” (JOHNSON, 1997, p.101). Essa metodologia foi desenvolvida por antropólogos para investigar sociedades não ocidentais, de modo a descrever detalhadamente essas culturas e possibilitando uma análise profundasobre a organização e funcionamento das mais variadas sociedades. A etnografia possui pelo menos duas características principais: a observação e a descrição. No que se refere à observação, ela não deve ser distanciada, como em uma situação de laboratório. Não se pode colocar grupos de pessoas em uma sala fechada e acreditar que elas agiriam da maneira com que agem no seu cotidiano. Por isso, a observação na antropologia deve ser participante. A antropóloga ou antropólogo que se dedica a estudar algum tema ou cultura, deve se deslocar até o local do grupo pesquisado, participar e observar de perto tudo o que acontece no cotidiano daquelas pessoas. A observação participante proporciona uma aproximação do antropólogo ao grupo pesquisado que não pode ser conquistado a distância. Alguns antropólogos acreditam que seria possível, inclusive, que ao participar de uma outra cultura de maneira aprofundada e contínua o pesquisador se tornaria parte daquela cultura, logo a compreensão dos simbolismos e significados construídos ali seria mais completa. A observação participante também é chamada de trabalho de campo. Ir a campo é o mesmo que ir até o grupo pesquisado. Contudo, para haver o registro científico dessa experiência, é necessário descrever e detalhar tudo que se vivencia durante a observação participante. Esse registro é chamado de diário de campo do pesquisador. O diário de campo é o registro de todos os acontecimentos da observação participante, uma descrição detalhada de todos os fatos relevantes. Registra-se, ainda, impressões dos acontecimentos, pensamentos e reflexões que ocorrem ao pesquisador durante o trabalho de campo. As descrições que constituem o diário de campo são parte dos registros do processo científico da investigação antropológica. Esse material compõe a etnografia em um produto final de escrita acadêmica, que possui o modelo de uma monografia. O diário de campo é a principal fonte de descobertas científicas na antropologia e junto a revisões bibliográficas e análises teóricas, se transforma em uma pesquisa científica detalhada que descreve uma determinada cultura por meio de um processo de imersão do pesquisador. Assim com o culturalismo, o funcionalismo na antropologia foi um dos marcos de: “ruptura com a tradição evolucionista, tanto em seus aspectos teóricos quanto práticos, foram as obras de Franz Boas (1858-1942) e de Bronislaw Malinowski (1884- 1942) (CASTRO, 2005, p. 14). Isso se deve à perspectiva de pesquisa que considera a sociedade e a cultura como construtos coletivos que são constitutivos do comportamento social. 4 ANTROPOLOGIA CULTURAL Imagem do Tópico:https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/indian-tribe-feather- headdress-elderly-brazilian-1940396416 Outra corrente teórica na antropologia que é considerada um marco de ruptura ao evolucionismo social e, essencialmente, o mais importante nesse sentido, é o culturalismo que constitui a antropologia cultural. Originado pelos estudos do antropólogo estadunidense Franz Boas, o relativismo cultural contrapõe o evolucionismo social. Para Castro (2016): [...] antes de supor que fenômenos aparentemente semelhantes pudessem ser atribuídos às mesmas causas, como faziam os evolucionistas, era preciso perguntar, para cada caso, se eles não teriam se desenvolvido independentemente, ou se não teriam sido transmitidos de um povo ao outro” (CASTRO, 2016, p. 32). Franz Boas criou um novo método para o estudo antropológico, o “método histórico” que contrapunha o método comparativo desenvolvido pelos teóricos evolucionistas. Sua metodologia prevê que precisamos estudar cada sociedade de maneira independente, analisar caso a caso e compreender quais são os contextos e características específicas de cada grupo social, portanto, como cada cultura possui um processo de formação próprio. Boas é considerado um dos fundadores da antropologia moderna, principalmente, pela sua perspectiva plural sobre cultura, o autor deixou de usar o conceito no singular e estudou as culturas humanas de maneira contextualizada (CASTRO, 2016), considerando as especificidades históricas de cada grupo social e relevando que não há universalismos quando tratamos de manifestações culturais. As antropólogas e antropólogos que se tornaram discipulos de Frans Boas incentivaram muitos outros debates na antropologia, como as relações de gênero em seu caráter de construto cultural, representado pela obra “Sexo e temperamento” de https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/indian-tribe-feather-headdress-elderly-brazilian-1940396416 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/indian-tribe-feather-headdress-elderly-brazilian-1940396416 Margareth Mead (1935), e a definição de padrões de cultura da antropóloga Ruth Benedict (1983) que nos mostra que os costumes característicos de cada sociedade moldam a conduta dos indivíduos e só podemos compreender esse fenômeno se o analisarmos em sua totalidade (BENEDICT, 1983). Vejamos o que pensa Ruth Benedict (1983) sobre o papel da antropologia: A antropologia ocupa-se dos seres humanos como produtos da vida em sociedade. Fixa a sua atenção nas características físicas e nas técnicas industriais, nas convenções e valores que distinguem uma comunidade de todas as outras que pertencem a uma tradição diferente. (BENEDICT, 1983, p. 13). Nesse sentido, entende-se que para os antropólogos do relativismo cultural todo o comportamento humano é produto da coletividade, no entanto, para que se possa ler os comportamentos em distintas sociedades seria preciso olhar diante das lentes de seus próprios componentes, ou seja, olhar a vida por meio do olhar do outro. #SAIBA MAIS# A relativização é essencial para os estudos antropológicos pois, é por meio da relativização que conhecemos o outro diante do seu próprio olhar. Relativizar em antropologia é manter a atenção às diversidades e peculiaridades que cada cultura possui, quem relativiza consegue evitar pensamentos preconceituosos sobre as diferentes culturas. Fonte: a autora. #SAIBA MAIS# Os estudos culturalistas mostram-nos que existem padrões de cultura em cada sociedade, porém, só conseguimos compreendê-los se nos propomos a visualizar o outro em perspectiva própria. Portanto, relativizar é uma palavra muito importante para a antropologia. Relativizar é o principal objetivo desses antropólogos culturalistas, pois se caracteriza pela atitude, nos estudos antropológicos, de considerar os contextos em que determinada cultura se constrói. O movimento antropológico que incentiva a relativização é crucial para que haja uma valorização genuína das mais diversas expressões culturais de acordo com as suas especificidades. Desse modo, relativizar em antropologia é se atentar às diferenças e às diversidades que cada cultura possui, o olhar antropológico da relativização impede a existência de uma uniformização etnocêntrica de características culturais nas relações humanas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado (a) estudante, Nesta unidade, aprendemos que existem muitas controvérsias dentre as diferentes correntes teóricas na antropologia, principalmente, no que se refere aos equívocos do evolucionismo social. Com o surgimento dos estudos culturalistas e funcionalistas, percebemos que a antropologia é uma disciplina que se consolida posicionando-se criticamente a teorias que tornam as diferentes culturas exóticas, como em uma coleção de curiosidades. Aprendemos, ainda, que a antropologia proporciona um olhar atento às diversidades culturais de diferentes culturas. Nesse sentido, diante dos conhecimentos adquiridos sobre a antropologia, torna-se possível perceber que existem hierarquizações que nos classificam, sim, mas que não precisam ser mais reproduzidas. Para conhecermos cada vez mais sobre como as ciências dashumanidades nos ajudam a compreender a nós mesmos e a nossa ação em sociedade, aguardo você, estudante, na próxima unidade. Bons estudos! LEITURA COMPLEMENTAR Antropologia Educacional: novo olhar sobre a prática educativa Diante do atual debate a respeito das transformações sociais e da percepção da crescente ênfase na centralidade da cultura como base para a análise deste momento histórico, a antropologia adquire uma importância fundamental, devido à sua contribuição na discussão sobre a contradição entre a função social da escola na sociedade contemporânea, como formadora para a inserção em um mercado de trabalho marcado pela preocupação com o imediatismo das respostas às demandas provindas de diversos setores e obcecado pelo acúmulo de capital, e a formação dos cidadãos voltada para uma inserção crítica na vida pública, de forma a contribuir com a transformação das desigualdades que habitam esta sociedade democrática. As atuais desigualdades caminham em direção a algo drástico: os seres humanos estão cada vez menos semelhantes, não por conta da riqueza da sua multiplicidade cultural, mas, sim, pela diferença no acesso aos bens e serviços engendrados na modernidade. Essas questões se ampliam quando se focaliza a formação de nossas crianças, adolescentes e jovens. Sendo a escola um espaço de longa jornada de convivência, que busca melhor compreender a realidade, formar para o presente e o futuro, questiona- se qual contribuição vem auferindo para a caminhada histórica da humanidade. Os diversos grupos culturais que até recentemente se encontravam alheados da escola, ou não, eram nela reconhecidos, nela adentraram-se. Contribui, sobremaneira, para ressignificar a educação e a escola, o reconhecimento da presença escolar de outros grupos identitários historicamente sem poder, tais como: as mulheres (meninas), as diversas sexualidades e diversidades de gênero, as minorias étnicas (negros e indígenas) e religiosas (as religiões afro-brasileiras), os desfavorecidos economicamente, sem falar nas subculturas que caracterizam a juventude (o movimento hip-hop, por exemplo). As diferenças culturais manifestam-se intensamente no interior da escola. Neste contexto, a antropologia tem um papel inquestionável no processo de mudança paradigmática, ganhando importância para os fundamentos da educação, ampliando o campo a ser investigado, notadamente no diálogo entre cultura e educação. O que objetivamos não é a realização de estudos etnográficos sobre a escola, simplesmente, mas de uma mudança de olhar sobre ela, privilegiando os saberes locais, a diversidade étnico-cultural, as complexidades e as subjetividades do cotidiano social, portanto, trata-se de um novo olhar sobre a prática educativa. Sendo a cultura este trajeto entre um “núcleo duro” e os diversos polos que borbulham, este circuito dialético entre a repetição/diferença e o desejo/horizonte histórico, as “histórias” (de cada pessoa, de cada escola) não serão as mesmas, tampouco as reações ou entendimentos advindos do seu contexto não serão semelhantes para os diferentes sujeitos. Mas, nem sempre foi assim, nem sempre foi este o entendimento sobre cultura. Por isso, destaco a importância de se conhecer as principais escolas da antropologia, com seus principais pensadores e as interpretações dadas por eles à questão da diversidade humana, nos aspectos biológico (diferenças genéticas) e social (as organizações de parentesco, as instituições sociais e políticas, os sistemas simbólicos, religiosos e de comportamento), o que nos possibilitará desenvolver uma educação com respeito às diferenças étnicas e culturais e que promova a eliminação das diferenças econômico-sociais e, com isso, possibilitar que nos tornemos, mais, humanos. Fonte: OLIVEIRA, Julvan Moreira de. Antropologia Educacional: novo olhar sobre a prática educativa. Portal Geledés, publicado em 16/01/2017. Disponível em: https://www.geledes.org.br/antropologia- educacional-novo-olhar-sobre-pratica-educativa/. Acesso em: 16 ago. 2021. LIVRO • Título. Cultura: um conceito antropológico • Autor. Roque De Barros Laraia. • Editora. Zahar. • Sinopse. Neste livro o antropólogo brasileiro nos apresenta o conceito antropológico de cultura de uma maneira didática e objetiva, compreensível para todas as pessoas, sejam elas antropólogas, ou não. https://www.amazon.com.br/s/ref=dp_byline_sr_book_1?ie=UTF8&field-author=Roque+De+Barros+Laraia&text=Roque+De+Barros+Laraia&sort=relevancerank&search-alias=stripbooks FILME/VÍDEO • Título: O JARRO • Ano: 1992. • Sinopse. O Jarro é um filme iraniano que tem como trama principal o conserto do único jarro de água de uma escola, neste filme, o professor estimula os alunos a encontrar uma solução para o problema do jarro quebrado coletivamente. É um bom filme para refletir sobre o trabalho educacional e ter contato com uma cultura diferente da nossa, a de pessoas de uma vila isolada no deserto iraniano. • Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=LC-S0fTMY-M https://www.youtube.com/watch?v=LC-S0fTMY-M REFERÊNCIAS CASSIRER, Ernst. Ensaio Sobre o Homem. Uma Introdução a uma Filosofia da Cultura Humana. Ed: Martins Fontes, São Paulo. 1994. BENEDICT, R. Padrões de Cultura. São Paulo: Ed. Livros do Brasil, 1983. CASTRO, C. (org.). Evolucionismo Cultural/textos de Morgan, Taylor e Frazer. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005. CASTRO, C. (org.). Textos básicos de antropologia. Cem anos de tradição: Boas, Malinowski, Lévi- Strauss e outros. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2016. DAMATTA, R. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro, Rocco, 1987. JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia. Zahar: Rio de Janeiro, 1997 MALINOWSKI, B. “Argonautas do Pacífico Ocidental”. Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural, 1998.JOHNSON, Allan G. Dicionário de Sociologia. Zahar: Rio de Janeiro, 1997 OLIVEIRA, Julvan Moreira de. Antropologia Educacional: novo olhar sobre a prática educativa. Portal Geledés, publicado em 16/01/2017. Disponível em: https://www.geledes.org.br/antropologia-educacional-novo-olhar-sobre-pratica- educativa/. Acesso em: 16 ago. 2021. UNIDADE III O SER HUMANO NA FILOSOFIA. Professor Mestra Daiany Cris Silva Plano de Estudo: • Conceitos e Definições do conhecimento filosófico; • Breve histórico da formação do conhecimento filosófico; • Períodos da filosofia grega; • Questões filosóficas: a ética e a moral. Objetivos de Aprendizagem: • Conceituar e contextualizar a filosofia como campo de conhecimento; • Compreender a formação histórica da filosofia; • Estabelecer a importância da filosofia como ferramenta de entendimento humano. INTRODUÇÃO Olá, estudante! Nesta unidade, conheceremos as discussões sobre o ser humano na filosofia, para isso teremos quatro tópicos para aprendermos o tema. No tópico: conceitos e definições do conhecimento filosófico, discutiremos para quê serve a filosofia? É isso mesmo, iniciaremos compreendendo a definição da filosofia, essa área do conhecimento que é constituída pelo amor ao conhecimento sobre a humanidade. No tópico: breve histórico da formação do conhecimento filosófico, tomaremos contato com as condições históricas que fizeram possível o surgimento da filosofia. Será possível nesse momento reconhecer que a filosofia só foi possível, pois a humanidade pôde desbravar o mundo em navegações que a mostrou que o mundo era muito maior do que os mitos contavam. No tópico a seguir: períodos da filosofia grega, reafirmamos a filosofia como um fato grego e sistematizamos as principais características dos principais períodos dessa área do conhecimento em seu início. E, para finalizar, no tópico: questões filosóficas: a