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Ano 31 | # 660 | Out/Nov 2019www.editorabonijuris.com.br 9 7 7 1 8 0 9 3 2 5 0 0 7 > 0 6 6 0 0 I S S N 1 8 0 9 - 3 2 5 6 NACIONAL A INFLUÊNCIA DA MÍDIA COMPROMETE A IMPARCIALIDADE DO JÚRI? Claudio Bidino analisa os crimes de grande repercussão nos EUA e os efeitos da imprensa sobre a administração da justiça EM ENTREVISTA, PRESIDENTE DA OAB-PR DEFENDE SUSPENSÃO DE NOVOS CURSOS DE DIREITO De acordo com Cassio Lisandro Telles, as 1.670 faculdades existentes no país já atenderiam as necessidades do mercado A idade mínima para a aposentadoria é o grande trunfo da reforma aprovada pelo Congresso Nacional. Agora, aguardam-se os embates jurídicos A HERMENÊUTICA, NÃO A HERMÉTICA A Bonijuris nasceu em 1989 como um bole- tim periódico destinado a contribuir com informações, serviços e artigos jurídicos relevantes aos operadores do direito. A evolução foi natural. No devido tempo, o boletim tornou-se uma revista mensal, que incorporava, além da doutrina, acórdãos em destaque, ementários titulados e as súmulas recentes dos tribunais superiores. Ao chegar ao seu ano 30, em 2018, a Revista Bonijuris tomou um rumo ambicioso: estreou um novo projeto gráfico e editorial, 260 páginas, edição bimestral, roupagem jornalística, distri- buição nacional e circulação impressa de 4 mil exemplares. Sem, entretanto, abandonar o ob- jetivo principal: servir como ferramenta de re- ferência, consulta e informação especializadas. A recepção da revista é auspiciosa. Desde que lançou sua nova fase, a publicação vem conquistando a simpatia da comunidade acadêmica, dos escritórios de advocacia, dos tribunais nas suas mais diversas alçadas, das procuradorias da justiça e dos demais opera- dores de direito enfim. Em seu rigor crítico e técnico, em sua revisão apurada, em sua divulgação de artigos criterio- samente selecionados, a Bonijuris orgulha-se em fincar raízes na iniciativa privada para tornar-se a maior e melhor revista jurídica do país. Im- pressa, abrangente, significativa, enriquecedora, plural, consistente e regular. Não uma aventura atemporal desprovida de norte, sul, leste e oeste, mas uma tentativa realista de debater as ques- tões jurídicas em um espaço gráfico (e digital) que convida à leitura e não a afugenta. Memorável criação de Shakespeare, o prín- cipe dinamarquês Hamlet indaga-se: “Poderei estar encerrado em uma casca de noz e me sentir rei de um espaço infinito?” Há quem admita essa limitação de horizonte. Não a Re- vista Bonijuris. O tema de capa desta edição está ligado ao presente indicativo do direito. Focamos na re- forma da previdência e em seus efeitos. Certa- mente, a revolução nas aposentadorias, com a introdução da idade mínima, deve proporcio- nar um amplo debate acadêmico. Este é o perfil de uma publicação como a Revista Bonijuris. Nos detemos naquilo que pode ampliar, não limitar o conceito de ciência jurídica. Na- quilo que pode dilatar, não restringir a ma- neira de ensinar e aprender o direito. Naquilo que pode trazer à tona e não fazer imergir em águas profundas a pesquisa acadêmica. É da interação social e de seus conflitos que se criam e se interpretam as leis. Para tanto, não pode o direito espelhar-se em si mesmo como um Narciso. A pena para tal crime é co- nhecida: apaixonado por sua própria imagem, a vaidosa e arrogante personagem da mitolo- gia grega definhou-se. A Revista Bonijuris orgulha-se em abrigar, em seu conselho editorial, notáveis do direito na teoria e na práxis. O membro mais recente desse seleto grupo é o ministro do Superior Tribunal de Justiça Nefi Cordeiro, que acei- tou o convite prontamente, com o entusiasmo que lhe é peculiar. A academia não deve ser apenas um es- forço concentrado para atender critérios de classificação e estrato do sistema de avaliação estatal. O ministro apoia essa tese. É um cami- nho tortuoso que leva o doutrinador a debater a hermética quando deveria focar na herme- nêutica. Com isso, não se está aqui a tutelar a simplicidade em detrimento da complexidade ou vice-versa. O temor é de que a linguagem formulada seja apenas uma maneira delibera- da de esconder a ausência de um pensamento genuíno. O ministro Nefi Cordeiro concorda. A Revista Bonijuris também. Boa leitura! EDITORIAL 3REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 SUMÁRIO 4 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 EDITORIAL 3 Direito A hermenêutica, não a hermética TRIBUNA LIVRE 8 Inadimplemento Quotas condominiais em atraso Átila Melo Silva 9 Segurança pública Reconhecimento facial: o futuro chegou Flávio Filizolla D´Urso 10 Polêmica O impacto da nova previdência nos estados Ana Paula Oriola de Raeffray e Pierre Moreau 12 Terceirização Nova amplitude, antigos problemas Daniele Esmanhotto Duarte 14 Violência O inconstitucional pacote anticrime Eduardo Reale 16 Judicialização Relativização da penhora de bens Fernando Machado Bianchi ENTREVISTA 18 “O MEC deveria suspender por dez anos a criação de cursos de direito” CASSIO LISANDRO TELLES CAPA 24 Idade mínima: o trunfo da reforma da previdência Marcus Vinicius Gomes 30 A necessária e inevitável reforma previdenciária Martina Catini Trombeta DOUTRINA JURÍDICA 36 Tribunal do júri Mídia, crime e justiça nos Estados Unidos Claudio Bidino 58 Novo CPC Penhora do salário na visão do STJ: exceção à regra? Thomas Caldas de Arruda 62 Semântica Cronologia dos processos judiciais: uma análise Guilherme Christen Möller 72 Processo civil Os precedentes no direito romano e no CPC Brasileiro Claudio Henrique de Castro 82 Política urbana Cidades sustentáveis: muito além das estruturas físicas Maria Cláudia Antunes de Souza e Priscilla Albino 92 Guarida de urgência O delegado e a concessão de medidas protetivas Eduardo Steganha 104 Opinião pública Antropocentrismo e o direito dos animais Anita Caruso Puchta 116 Constitucional Responsabilidade civil dos guardas municipais Jorge Fabricio dos Santos SELEÇÃO DO EDITOR 122 Hierarquia Crime militar ou transgressão disciplinar Cleber Olympio 134 Direito do consumidor Distorções práticas da lei de garantias em Portugal Mário Frota LEGISLAÇÃO 142 Degustação de novas leis SÚMULAS 146 Enunciados do STF, STJ, TST, TRF2, TRF4, TRF5, TJBA, TJES, TJMG, TJPR, TJRJ, TJSC, TJSP, TRT1 e TRT2 REVISTA BONIJURIS # 660 SUMÁRIO 5REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 EMENTÁRIO TITULADO 152 Hábito religioso Freiras podem usar véu na foto da CNH 156 Remoção de vídeos Google pagará multa por demora na retirada de conteúdo 160 Registro público Retificação de registro imobiliário quando ausente prova de erro 164 Circunstância genérica Não incide atenuante de confissão em caso de legítima defesa 168 Atividade de risco É atividade especial a exposição a tensão superior a 250 volts 172 Prioridade Tramitação prioritária é direito subjetivo do idoso 174 Cadastro equivocado Erro no registro do recurso não impede acesso à justiça 176 Justiça laboral Competência para julgamento de ações de entidades privadas de previdência 180 Prescrição Termo inicial da prescrição do IPTU ACÓRDÃOS EM DESTAQUE 182 Responsabilidade solidária Indenização por incêndio em boate 186 Compromisso de compra e venda Perda total de valores pagos 194 Caráter propter rem Pagamento das despesas condominiais vencidas 204 Ilicitude da prova Revista pessoal realizada por agente de segurança privada 208 Direito patrimonial Criação de benefícios e vantagens previdenciárias 211 Defesa do executado Garantia do juízo para a oposição de embargos à execução 217 Benefício Depósito recursal feito pelo empregador doméstico PRÁTICA FORENSE 224 Direito do trabalho Contrato de estágio: a precariedade do vínculo Rocco Nelson, Walkyria Teixeira e Isabel Nelson 242 Direito civil Execução de taxas condominiais vincendas Christian Eising Oenning ALÉM DO DIREITO 246 Verdades mentirosas do processo criminal GregAndrade 246 Vítimas do juridiquês – II Eduardo Mercer 247 Migalhas de amor Anita Zippin 247 O bravo e o manso Ernani Buchmann NÃO TROPECE NA LÍNGUA 248 Locuções adverbiais para consulta (7) Maria Tereza de Queiroz Piacentini AGENDA DE EVENTOS 250 Programação de eventos jurídicos ÍNDICE REMISSIVO 252 Temático e onomástico PONTO FINAL 258 Os direitos da família multiespécie Thais Precoma Guimarães REVISTA BONIJURIS ISSN 1809-3256 Vol. 31, n. 5 – Edição 660 – Out/Nov 2019 contato@bonijuris.com.br facebook.com/bonijuris EDITOR-CHEFE Luiz Fernando de Queiroz COORDENADORA DE CONTEÚDO Pollyana Elizabethe Pissaia COORDENADOR JURÍDICO Geison de Oliveira Rodrigues PRODUÇÃO GRÁFICA Jéssica Regina Petersen DISTRIBUIÇÃO Ana Crissiane de Moraes Prates Cordeiro Renata Kovalski JORNALISTA Marcus Vinicius Gomes (3552/13/96 – PR) REVISÃO E EDIÇÃO Denise Camargo Dulce de Queiroz Piacentini Murilo Coelho Noeli do Carmo Faria Olga Maria Krieger Valéria Stüber ARTE Ilustração: Giovana Tows (foto entrevista), Guilherme Scarpim (artigos) e Simon Taylor (capa) Projeto gráfico: Straub Design DIAGRAMAÇÃO Julio Cesar Baptista ESTAGIÁRIOS Henrique Junior Choinski Robert Oliveira Wagner Fernandes Netto CONSELHO EDITORIAL Antonio Carlos Facioli Chedid, Carlos Roberto Ribas Santiago, Célio Horst Waldraff, Clèmerson Merlin Clève, Eduardo Cambi, Guillermo Orozco Pardo, Hélio de Melo Mosimann, Hélio Gomes Coelho Jr., Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, João Casillo, João Oreste Dalazen, Joatan Marcos de Carvalho, Joel Dias Figueira Júnior, Jorge de Oliveira Vargas, José Laurindo de Souza Netto, José Lúcio Glomb, José Sebastião Fagundes Cunha, Juan Gustavo Corvalán, Luiz Fernando Coelho, Manoel Antonio Teixeira Filho, Manoel Caetano Ferreira Filho, Mário Frota, Mário Luiz Ramidoff, Nefi Cordeiro, Ricardo Sayeg, Roberto Portugal Bacellar, Roberto Victor Pereira Ribeiro, Sidnei Beneti, Teresa Arruda Alvim, Zeno Simm COLÉGIO DE LEITORES Adriana Pires Heller, Alceli Ribeiro Alves, André Zacarias Tallarek de Queiroz, Anita Zippin, Carlos Oswaldo M. Andrade, Danielle Cristina de Oliveira, Elisete Machado, Flávio Zanetti de Oliveira, Francisco Zardo, Joana Carvalho Brasil, Juliana Silva, Karla Pluchiennik Moreira, Luciano Augusto de Toledo Coelho, Luís Alberto Gonçalves Gomes Coelho, Luiz Carlos da Rocha, Luise Tallarek de Queiroz Maliska, Nelson Antônio Gomes Jr., Patrícia Piekarczyk, Ricardo de Queiroz Duarte, Roberto Ribas Tavarnaro, Rodrigo da Costa Clazer, Rui César Lopes Peiter, Ruy Alves Henriques Filho, Sergio Murilo Mendes, Valéria Siqueira, Victoria Tapxure Scaramuzza, Yoshihiro Miyamura, Yuri Augusto Barbosa Vargas REDAÇÃO redacao@bonijuris.com.br ANÚNCIOS / ASSINATURAS comercial@bonijuris.com.br EXEMPLAR IMPRESSO R$ 130,00 QUALIS C – CAPES Repositório autorizado TST 24/2001 – STF 34/2003 – STJ 56/2005 Rua Marechal Deodoro, 344 – 3º andar CEP 80010-010 / Curitiba-PR Tels.: 41 3323-4020 0800-645-4020 www.livrariabonijuris.com.br @2019 A Revista Bonijuris é publicada bimestralmente pela Editora Bonijuris Ltda. Todos os direitos reservados. Os artigos assinados não representam a opinião da revista. Pré-impressão, impressão e acabamento: Gráfica Capital. Papel couché fosco 80g/m². Tiragem: 4.500 exemplares. Circulação nacional. Solicita-se permuta. / We ask for exchange. / Se pide canje. / On démande l’échange. / Wir bitten um Austausch. / Si richiede lo scambio. NOTA: Todos os artigos publicados passam por rigoroso processo de seleção, edição e revisão para adequá-los ao padrão Bonijuris e ao espaço disponível. O editor. EXPEDIENTE 62 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 DOUTRINA JURÍDICA Guilherme Christen Möller ADVOGADO E CONSULTOR JURÍDICO CRONOLOGIA DOS PROCESSOS JUDICIAIS: UMA ANÁLISE I NÃO HÁ QUE SE FALAR EM INCONSTITUCIONALIDADE DA NOVA REDAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, MAS DE MERA CORREÇÃO SEMÂNTICA na estrutura e no sentido epistemológico da carta magna. A proposta desta reflexão está contida no referido rol, mais precisamente no artigo 12 do cpc de 2015. Em síntese, partindo-se da ideia de contemplar isonomia no tratamento das partes, surge tal artigo com a finalidade de considerar um sistema cronológico para o julgamento dos processos judiciais – levando- -se em conta a data da conclusão do proces- so para o estabelecimento dessa ordem a ser observada. Ademais, evita-se o privilégio de julgar um ou outro processo senão em exclu- siva função de sua data de conclusão. Todavia, antes mesmo da entrada em vigor do novo cpc/2015, houve a alteração do seu texto pela Lei 13.256/16, promovendo-se uma série de al- terações na nova codificação processual, entre as quais uma nova ao artigo 12, de modo a alte- rar a “obrigação”, que preconizava o caput des- te artigo – como explicado acima –, para uma “preferencialidade”. Nesse sentido, objetiva-se analisar se a nova redação do artigo 12 representa uma afronta à isonomia disposta no artigo 5º da Constituição Federal. O Código de Processo Civil de 2015 foi desenhado e desenvolvido na pers- pectiva de contemplar a concretização dos direitos fundamentais processu- ais previstos na Constituição Federal. Aliás, na visão de um constitucionalismo con- temporâneo1, não poderia ser outra a função do Código de Processo Civil senão a de asse- gurar os referidos direitos. O cpc/2015 (Lei 13.105, de 16 de março de 2015) conta, na sua es- trutura, com normas “introdutórias” que dão sentido às demais normas dessa codificação. Em sua maioria, compreendidas entre os arti- gos 1º ao 12 – advertência que se dá pelo fato de este referido rol não contar com um caráter taxativo (veja-se o art. 489, § 1º, inc. iv) –, pas- sam a recepcionar as garantias fundamentais processuais da Constituição Federal de 1988. Seja pela ratificação do texto constitucional no próprio regramento disposto no código, seja pelo diálogo de duas ou mais normas fun- damentais processuais da Constituição Fede- ral que acabam, a partir dessa interpretação conjunta, em uma nova norma fundamental processual civil, não há como negar o desenho do Código de Processo Civil de 2015 com base Guilherme Christen Möller DOUTRINA JURÍDICA 63REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 Do estabelecimento destes pontos pórticos, o que se quer para esta reflexão é observar se as alterações promovidas pela Lei 13.256/16, es- pecificamente na nova redação para o artigo 12 do Código de Processo Civil – ou seja, a obri- gação de seguir uma ordem cronológica de jul- gamento de processos para uma “preferencia- lidade” – representa uma afronta à isonomia disposta no artigo 5º da Constituição Federal, e, por consequência, se a nova redação do arti- go 12 do cpc/15 seria inconstitucional. Como hipótese, tem-se que tal alteração não é inconstitucional em razão da inexistência de violação da isonomia no tratamento dos pro- cessos pelos juízes e tribunais. A afirmação surge da observação de que já na redação ori- ginal havia a inexistência de regra absoluta de cronologia; afinal, existiam determinados casos em que a possibilidade de “descumprir” a regra cronológica do caput (v.g. §§ 2º e 6º) melhoraria a gestão dos gabinetes judiciais. O ponto é que o sentido que se deve interpretar o artigo 12 do Código de Processo Civil continua sendo o de obrigação de seguir a ordem cronológica para o julgamento dos processos a partir da data de conclusão, já que a Lei 13.256/16 tão somente re- solveu uma incoerência semântica contida na redação originária do citado artigo 12 – desde a redação original tem-se que a “obrigação”, em verdade, nada mais era do que uma “preferen- cialidade” no momento de observar a ordem cronológica, pois enquanto não versar acerca de questões que envolvam os §§ 2º e 6º há, sim, de se seguir a cronologia da data de conclusão dos processos para prolação das decisões judi- ciais (independentemente da sua espécie). PROPOSTA INICIAL DE ORDEM CRONOLÓGICADE JULGAMENTO DOS PROCESSOS (ART. 12 DO CPC) E SUA NOVA ROUPAGEM CONFERIDA PELA LEI 13.256/16 Contemporaneamente, não se pode falar sobre a aplicação de uma legislação infracons- titucional sem levar em conta ser aplicado diretamente o próprio texto constitucional. Afinal, “o conteúdo da norma inferior deve corresponder ao conteúdo da norma superior, assim e ao mesmo tempo que o conteúdo da norma superior deve exteriorizar-se pelo con- teúdo da norma inferior”2-3. Ademais, mesmo estando claro que o texto constitucional tem eficácia plena, não dependendo de outra lei para atestar este sentido, o processo civil, mais precisamente o Código de Processo Civil, vai ratificar e desenvolver mecanismos proces- suais para a concretização das normas funda- mentais processuais da Constituição Federal, significando dizer que “um Código de Processo Civil só pode ser visto [...] como uma concreti- zação dos direitos fundamentais processuais civis previstos na Constituição”4, e é justamen- te esta a epistemologia do primeiro artigo do Código de Processo Civil de 2015, segundo o qual “o processo civil será ordenado, discipli- nado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Cons- tituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”5. Seguindo-se a proposta exposta, a estrutu- ra do Código de Processo Civil de 2015 foi pen- sada e desenhada na forma de, inicialmente, contemplar normas fundamentais – que, em sua maioria, são derivadas das próprias nor- mas fundamentais processuais civis – a serem observadas a fim de servirem de norte para a compreensão de todas as demais normas desta codificação. Compreendidos no capítu- lo I do título único do livro I, da parte geral, os artigos 1º ao 12 servem como uma espécie de “introdução” ao cpc – o que muito lembra o proposto pelo Código de Processo Civil de 19396 (Decreto-Lei 1.608, de 18 de setembro de 1939), conjunto que pode ser denominado “di- reito processual fundamental” ou ainda “direi- to processual geral”, embora esse rol não seja exaustivo7. A estrutura do CPC foi pensada e desenhada de forma a contemplar normas fundamentais a serem observadas a fim de servirem de norte para a compreensão de todas as demais normas desta codificação CRONOLOGIA DOS PROCESSOS JUDICIAIS: UMA ANÁLISE 64 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 Entre as regras e os princípios processuais8 dispostos no referido capítulo, encontra-se a garantia do julgamento dos processos a par- tir de ordem cronológica de conclusão, repre- sentada pelo artigo 12 do Código de Processo Civil, dispondo que “os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cro- nológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”9. Trata-se de uma disposição não conhecida até o momento da promulgação do Código de Processo Civil de 2015, ou seja, algo jamais visto ou sequer pensado em outras legislações de cunho processual que antece- deram o novo código. Em verdade, a ideologia contida no referido dispositivo surge “como forma de concretizar o princípio republica- no da igualdade”10; afinal, partindo-se do que assegura a Constituição Federal no caput de seu artigo 5º, ao dispor que “todos são iguais perante a lei”, cumulativamente ao texto do artigo 139, inciso i, do cpc/2015, estabelecen- do que o órgão judicial tem o ônus de asse- gurar igualdade no tratamento das partes11, aplicar privilégios no momento da opção pelo julgamento de um e não de outro proces- so automaticamente faz com que se padeça de tal garantia constitucional12. Em uma cro- nologia histórica-legislativa, a questão é que, diferentemente da redação normativa apre- sentada sobre o artigo 12 do Código de Pro- cesso Civil de 2015 – redação que surgiu com a edição da Lei 13.256/1613 –, quando da versão original, lá dispunha, em seu caput, que “os juízes e os tribunais deverão obedecer à or- dem cronológica de conclusão para proferir a sentença ou acórdão”. A Lei 13.256/16 pro- moveu uma alteração no caput desse artigo para substituir a “obrigação” por uma “pre- ferencialidade”14. Dito de outra forma, antes da reformulação proposta pela Lei 13.256/16 ao artigo 12 do cpc/15, objetivava-se estabe- lecer critérios isonômicos no momento do julgamento dos processos, sem privilégios na “escolha” de qual processo deveria ser julgado primeiro. Como será demonstrado, até o advento do Código de Processo Civil de 2015 não existia uma norma (seja ela da natureza que for) que assumisse a função proposta para o ar- tigo 12. Assim, o julgador não tinha qualquer orientação na hora de escolher entre os pro- cessos de sua competência. A questão era de natureza discricionária, ou seja, poderia o julgador sedimentar os processos e, assim, seguir uma cronologia ou poderia julgá-los sem qualquer distinção da sua natureza. Por- tanto, julgando aleatoriamente os processos, a ordem de julgamento era uma questão que se resolvia na particularidade das unidades jurisdicionais brasileiras, que, por vezes, não seguia uma padronização temporal. A ques- tão da observação da data de conclusão dos processos partiu de uma reinvindicação dos próprios operadores do direito, levada ao conhecimento do Conselho Nacional de Jus- tiça (cnj) e, por meio de políticas públicas, buscou-se combater a ausência de observa- ção cronológica do julgamento dos processos judiciais. A proposta é demasiadamente relevante. Explica-se. Alguns autores sustentam que, a partir da Constituição Federal de 1988, inde- pendentemente de vigorar, à época, o Código de Processo Civil de 1973, havia-se adentra- do em um novo ciclo processual, um direito constitucional processual, a base da ideia con- temporânea de um processo justo, carregada por autores como Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero15 e Humberto Theodoro Júnior16, e de um acesso à ordem jurídica justa, tese representada, indis- cutivelmente, pelo atual representante da es- cola paulista de processo, Kazuo Watanabe17. Ambas as teses visam superar aquilo que J. J. Calmon de Passos18 há muito tempo alertou: a impureza do processo. Partindo-se da cisão Até o advento do novo CPC não existia uma norma que assumisse a função proposta para o artigo 12. O julgador não tinha qualquer orientação na escolha dos processos de sua competência Guilherme Christen Möller DOUTRINA JURÍDICA 65REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 kelseniana19 entre o direito e a ciência do direi- to, o saudoso professor baiano alertava para a questão de existirem vícios de ordem moral no momento do desenvolvimento do processo – e com razão, a opção de um processo por outro, por vezes, poderá contar com alguma espécie de preferência moral –, capaz de torná-lo im- puro. Sem qualquer análise parcial de ambas as teses citadas, importa destacar que elas es- tão calcadas na visão democrática da Consti- tuição Federal de 1988, visando alcançar uma superação de vícios morais processuais por meio do respeito às garantias fundamentais processuais. A insurgência da ordem cronoló- gica do julgamento dos processos judiciais, que nada mais é do que, caso se seguir a proposta antes referida, uma forma de garantir um pro- cesso justo. Nessa linha, portanto, a pergunta que fica agora é desdobrada em duas: 1) se o sentido interpretativo que se aplica ao artigo 12 do Código de Processo Civil de 2015 deve ser de que não mais existe uma regra obrigatória na observação de ordem cronológica da con- clusão dos processos – a fim de servir como pa- râmetro a ser observado no momento do julga- mento, e intrinsecamente ligado ao primeiro; 2) se face ao rompimento da obrigatoriedade do artigo 12 do Código de Processo Civil de 2015 está-se diante de uma flagrante inconsti- tucionalidade, especialmente pelo fato de uma possível quebra de isonomia no tratamento que deve ser dado às partes, ou seja, ferindo diretamente o próprio caput do artigo 5º da ConstituiçãoFederal de 1988. Ambas as questões serão respondidas no capítulo seguinte. Uma observação demasiadamente interes- sante e que influirá para esta conclusão: há de ser considerado que antes mesmo da Lei 13.256/16, ou seja, quando da redação original do Código de Processo Civil de 2015, o próprio artigo 12, precisamente o seu § 2º, continha sua própria flexibilização, notadamente um rol de hipóteses em que havia a exclusão da regra prevista no caput: I – as sentenças proferidas em audiência, homo- logatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido; II – o julgamento de processos em bloco para aplicação de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos; III – o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de reso- lução de demandas repetitivas; IV – as decisões proferidas com base nos arts. 485 e 932; V – o julgamento de embargos de declaração; VI – o jul- gamento de agravo interno; VII – as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Na- cional de Justiça; VIII – os processos criminais, nos órgãos jurisdicionais que tenham competência pe- nal; IX – a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada. Do mesmo modo, há, ainda, uma salvaguar- da de casos em que deveriam ser julgados antes dos demais, ou seja, que ocupariam o primeiro lugar na lista de processos a serem julgados (art. 12, § 6º, do Código de Processo Ci- vil), notadamente, o que “I – tiver sua senten- ça ou acórdão anulado, salvo quando houver necessidade de realização de diligência ou de complementação da instrução”, ou “ii – se en- quadrar na hipótese do artigo 1.040, inciso ii”20. A ORDEM CRONOLÓGICA DE JULGAMENTO DOS PROCESSOS APÓS A LEI 13.256/16: UMA POSSÍVEL INCONSTITUCIONALIDADE NA NOVA REDAÇÃO DO ART. 12 DO CPC/15? Viu-se que a nova roupagem do artigo 12 do Código de Processo Civil traz a ideia de que se deve dar “preferencialidade” no mo- mento da escolha do caso a ser julgado. Daí poderia emanar a ideia de que, partindo-se de “preferencialidade”, os juízes e os tribunais estão livres no momento do julgamento para escolher um ou outro processo, independen- temente da data de conclusão. A ideia ante- rior é demasiadamente equivocada. Sobre a orientação cronológica a ser observada para o julgamento dos processos judiciais, veja-se que, em verdade, se está falando de um pro- Partindo-se de ‘preferencialidade’, os juízes e os tribunais estão livres no momento do julgamento para escolher um ou outro processo, independentemente da data de conclusão CRONOLOGIA DOS PROCESSOS JUDICIAIS: UMA ANÁLISE 66 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 blema que já nos é presente desde o tempo do Código de Processo Civil de 197321. Aliás, a questão era demasiadamente ostensiva até a promulgação da Constituição Federal de 1988, haja vista que nem o Código de Processo Ci- vil de 1973 contava com uma regra nos mol- des do artigo 12 do Código de Processo Civil de 2015, tampouco a Constituição da ditadura militar (1967) continha qualquer norma cons- titucional que zelasse pela isonomia entre as pessoas como dispõe o artigo 5º da vigente Constituição. Agora, pensando-se a partir da promul- gação da Constituição Federal de 1988, in- dependente de ter existido norma infra- constitucional processual que consagrasse expressamente a atenção a uma ordem cro- nológica para o julgamento dos processos judiciais, tomando por base a data de con- clusão, o critério a ser adotado pelos juízes e pelos tribunais deveria ser, desde aquele período, com vistas a proporcionar a igualda- de entre as partes. Ou seja, para que se cum- prisse o sentido epistemológico da igualdade um processo concluso no ano de 1998 não po- deria ser julgado depois de um concluso em 1999 – e claro, ressalvadas as questões como julgamento em massa e outras situações com vistas a proporcionar melhor gerenciamen- to das unidades jurisdicionais –, pois a mera atitude de escolher um e não outro processo, deixando-se de considerar a data da conclu- são de cada, já romperia com a ideia de iso- nomia pelo privilégio dado a um determinado caso. Aliás, desta reflexão surge uma situação demasiadamente recorrente até o advento do Código de Processo Civil de 2015: o grau de dificuldade de cada processo. Uma constan- te reclamação dos advogados era a demora em se obter provisão jurisdicional em casos não habituais, para os quais seria despendi- do mais tempo do julgador para análise. A mesma reflexão feita dá-se neste momento; afinal, sendo o caso fácil ou difícil (até porque não se concorda com a existência desta dis- tinção), todos devem ser julgados de maneira isonômica, obstando-se privilégios por conta do grau de dificuldade. O sentido contrário ao afirmado nada mais representa do que mera vulgata institucionalizada, a fim de justificar a opção pelo julgamento de um e não de ou- tro processo – cai-se, novamente, na impureza mencionada por J. J. Calmon de Passos22. Fez bem o legislador ao interpretar a orien- tação que se vinha tomando acerca da cro- nologia da data de conclusão para a prolação das decisões judiciais. No campo normativo, a função do artigo 12 tão somente reforça a discussão sobre a obediência ao texto cons- titucional no momento da interpretação da cronologia temporal dos processos judiciais. Entretanto, um ponto deve ser esclarecido acerca da redação original desta disposição para que se possa compará-la em relação à nova: a plasticidade da obrigação ali contida. Veja-se que o Código de Processo Civil de 2015 incorpora não só a orientação para obrigação de atentar-se à cronologia da conclusão dos processos, como também assimila a flexibili- zação já existente. Em verdade, o que se tinha era uma incongruência semântica de uma re- gra não absoluta, pois ao mesmo tempo em que o caput da redação original do citado arti- go 12 dispunha haver obrigação de seguir uma ordem cronológica para prolatar as decisões, o § 2º (e, de igual forma, o § 6º) flexibilizava essa orientação, excluindo determinadas hipóte- ses da regra geral. Deixando-se de adentrar nas referidas hipóteses, o que se pode obser- var é que a nova redação em momento algum alterou o sentido originário. A questão é que quando se fala acerca de “preferencialidade” e não de obrigatoriedade, o sentido permanece o mesmo, uma vez que desde a redação origi- nal não havia obrigatoriedade, mas sim uma preferência. A nova redação do artigo 12 do Uma constante reclamação dos advogados era a demora em se obter provisão jurisdicional em casos não habituais, para os quais seria despendido mais tempo do julgador para análise Guilherme Christen Möller DOUTRINA JURÍDICA 67REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 R$ 119,90 www.livrariabonijuris.com.br 0800 645 4020 | (41) 3323 4020 FACILITADOR DO NOVO CPC ORGANIZADO POR TEMAS PROCESSUAIS PARA UMA CONSULTA RÁPIDA E SEM REMISSÕES. Esta obra de formato único traz um rol de mais de 7.000 enunciados reunidos sob 450 tópicos, contendo tudo o que o código apresenta sobre determinado assunto, para que o leitor possa encontrar facilmente o que procura. Luiz Fernando de Queiroz Código de Processo Civil tão somente corrige a incoerência linguística tida na redação origi- nal, enquanto na prática forense nada mudou. Os juízes e os tribunais devem continuar seguindo a ordem cronológica da conclusão dos processos no momento de julgá-los. To- davia, podem não se filiar a essa obrigação nas ressalvadas hipóteses contidas no artigo 12 do Código de Processo Civil23. Assim, sobre a questão da suposta inconstitucionalida- de da nova redação do artigo 12 do Código de Processo Civil dada pela Lei 13.25616, se se seguir a linha até então construída nesta análise não se vislumbra qualquer violação à isonomia no tratamento dos processos pelos juízes e pelos tribunais, já que desde antes de tal orientação tornar-se norma prevalecia a ideia de sua flexibilização para específicoscasos, como os contidos nos §§ 2º e 6º do ar- tigo 1224. Agora, por outro lado, se se aplicar um sentido interpretativo ao artigo 12 do cpc/2015 que possa dar ensejo a uma “facul- dade” de seguir uma ordem cronológica para o julgamento dos processos, ou pior, se essa tivesse sido a nova roupagem proposta pela Lei 13.256/16 ao referido artigo, pelos motivos de uma proposta isonômica de observação dos processos pelos juízes e tribunais, ver-se- -ia uma inconstitucionalidade25. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em um primeiro momento, quando se analisou a proposta do artigo 12 do Código de Processo Civil, viu-se que, sendo uma nor- ma expressa, a redação era desconhecida até o advento do Código de 2015, já que mesmo após o ano de 1988 o direito processual cami- nhou para o sentido de nortear uma isono- mia (art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988) entre os processos judiciais, evitan- do a escolha de um e não de outro processo judicial no momento da prolação da decisão. Os juízes e os tribunais devem continuar seguindo a ordem cronológica das conclusões dos processos. Todavia, podem não se filiar a essa obrigação nas ressalvadas hipóteses contidas no CPC CRONOLOGIA DOS PROCESSOS JUDICIAIS: UMA ANÁLISE 68 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 Nenhuma outra legislação processual civil brasileira carregou orientação similar ao que propõe o artigo 12 do Código de Processo Ci- vil de 2015. De fato, a tendência de se obser- var a cronologia no momento do julgamento dos processos judiciais surgiu a partir da ob- servação das bases fundamentais da Cons- tituição Federal de 1988, o que passou, em verdade, a ser fiscalizado mediante políticas públicas promovidas pelo Conselho Nacional de Justiça (cnj). Inobstante as atividades promovidas pelo Conselho Nacional de Justiça (cnj) visando inibir que gabinetes judiciais contassem com processos judiciais conclusos há mais de es- pecíficos períodos, fez bem o legislador pro- cessual ao interpretar e absorver o sentido constitucional de ordem cronológica para o julgamento dos processos da forma que resul- tou no artigo 12 do Código de Processo Civil, ou seja, determinando em sua redação origi- nal que “os juízes e os tribunais deverão obe- decer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”. O “problema” surgiu quando a Lei 13.256/16, a qual, entre as diversas disposições que al- teraram o Código de Processo Civil (mesmo antes da vigência deste), deu uma nova roupa- gem textual ao artigo 12 para determinar que “os juízes e os tribunais atenderão, preferen- cialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”. O que a lei fez, em uma análise rasa, foi alterar a “obri- gação” que dispunha o artigo 12 do Código de Processo Civil para uma “preferencialidade”, atitude protestada e contestada no âmbito ju- rídico brasileiro (especialmente por parte dos advogados). Dessa modificação (obrigação para prefe- rência) sob a óptica de uma suposta violação ao sentido epistemológico contido na garan- tia fundamental da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988), denotaria uma flagrante inconstitucionalidade na nova redação do artigo 12 do Código de Processo Civil. Desde sua redação original, a norma contida no artigo 12 não é absoluta, ou seja, há casos em que haveria a possibilidade de des- cumprir a ordem cronológica obrigatória (§§ 2º e 6º). Assim, no plano semântico do texto normativo, o que se tinha era uma incongru- ência desde sua redação original, haja vista que sempre houve uma “preferencialidade” em ser seguida a cronologia para o julgamen- to dos processos judiciais – eis o ponto: a res- salva contida nos próprios parágrafos do ar- tigo 12 do Código de Processo Civil já rompia com a ideia de obrigação. A Lei 13.256/16 tão somente corrigiu tal incongruência. O sen- tido proposto para o referido artigo segue o mesmo: desde que não envolvam as hipóteses ressalvadas, deve-se adotar uma cronologia obrigatória. Assim, se acompanhar nesta li- nha proposta, não há que se falar em incons- titucionalidade da nova redação, mas uma mera correção semântica. n NotAS 1. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: constituição, hermenêutica e teorias discur- sivas. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2017. 2. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 140- 141. 3. “O papel que qualquer codificação atu- al pode aspirar dentro da ordem jurídica é o de centralidade – vale dizer, consistir em eixo a partir do qual se articulam os vários institutos de determinado ramo do direito, dando-lhes um sentido comum mínimo. Um Código contemporâneo é antes de tudo um Código central. No Estado Constitucional, a ordem e a unidade do direito processual civil estão assegurados pela Constituição e, muito especialmente, pelos direitos funda- mentais processuais civis que compõem o nosso modelo de processo justo. É a partir daí que devemos construir interpretativa- mente o sistema do processo civil brasilei- ro” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, v. I, p. 578). 4. MARINONI; ARENHART; MITIDIERO. Op. cit., p. 578. 5. Idem. 6. MÖLLER, Guilherme Christen. A formação do direito processual civil brasileiro contem- porâneo. In: Revista Eletrônica Direito e Políti- ca, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Univali, Itajaí, v.13, n. 2, 2. Quadrimestre, 2013, p. 764-791. 7. “Há outras normas fundamentais do processo civil brasileiro que não estão con- sagradas expressamente nos doze primeiros artigos do CPC. Há normas fundamentais na Constituição – devido processo legal, juiz natural, proibição de prova ilícita; há normas fundamentais espalhadas no próprio CPC, como o princípio de respeito ao autorregra- mento da vontade no processo e o dever de observância dos precedentes judiciais (arts. 926-927, CPC). Há, portanto, esquecimento incompreensíveis – não seria exagero dizer que os art. 190 e 926 e 927 são pilares do novo sistema do processo civil brasileiro –, além de ao menos um exagero: a observân- cia da ordem cronológica da decisão [ref. ao art. 12 do CPC/2015, já modificado após a edição desse livro, pela Lei n. 13.256/2016], Guilherme Christen Möller DOUTRINA JURÍDICA 69REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 embora realmente seja importante, não me- recia o status de entrar no rol de normas fundamentais do processo civil. Mas, no particular, legem habemus” (DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. rev. ampl. e atual Salvador: Juspodivm, 2015, v. I, p. 61-62). 8. “Nesse sentido, deve-se ter em mente a clara distinção entre “norma processuais” e princípios”: “a observação é importante. A distinção entre regras e princípios tem grande importância prática. São normas com estrutu- ras distintas e formas de aplicação próprias, orientadas por padrões de ‘argumentação específicos, que favorecem o estabelecimento de ônus argumentativos diferentes e impac- tam diretamente na definição daquilo que deve ser exigido de forma definitiva’, por meio da solução jurisdicional” (LIMA, Rafael Bellem de. Regras na teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 52). 9. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil, Brasília, DF, mar. 2015. Disponível em: http://www.planal- to.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/ L13105.htm. Acesso em: 28 maio 2019. 10. DIDIER JÚNIOR. Op. cit., p. 146. 11. BRASIL. Constituição da República Fede- rativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicaocompilado.htm. Acesso em: 28 maio 2019. 12. “Se “todos são iguais perante a lei” (CF, art. 5º, caput), e se ao órgão judicial incumbe “assegurar às partes igualdade de tratamen-to” (NCPC, art. 139, I), é óbvio que a garantia de isonomia restará quebrada se a escolha do processo a ser julgado, dentre os diversos pendentes de decisão, pudesse ser feita sem respeitar a ordem cronológica de conclusão. A garantia constitucional não pode conviver com o privilégio desse tipo” (THEODORO JÚ- NIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 57. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016, v. I, p. 95). 13. BRASIL. Lei 13.256, de 4 de fevereiro de 2016. Altera a Lei 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), para discipli- nar o processo e o julgamento do recurso ex- traordinário e do recurso especial, e dá outras providências, Brasília, DF, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ Ato2015-2018/2016/Lei/L13256.htm. Acesso em: 28 maio 2019. 14. “Prevaleceu, pois, a ideia de que a racio- nalização do trabalho poderia sofrer algum comprometimento com o dispositivo que de- terminava uma obrigação aos magistrados, sem levar em conta, por exemplo, a existên- cia e necessidade de distinção entre deman- das simples e complexas – estas últimas, se obedecida a ordem, poderiam impedir o julgamento de centenas de processos, atra- sando, ainda mais a prestação jurisdicional, por exemplo. Ademais, a própria previsão le- gislativa quanto ao controle dos prazos para que o juiz profira suas decisões (art. 226, II e III), permitindo uma única prorrogação por igual tempo, sob pena de sofrer represen- tação dirigida ao corregedor do Tribunal ou ao Conselho Nacional de Justiça – CNJ, foi elemento que influenciou na modificação da norma. E ainda neste sentido, se o juiz não se justificar e mantiver a inércia, os autos serão remetidos ao seu substituto legal, sem prejuízo da aplicação das sanções adminis- trativas cabíveis (art. 235 e seus parágrafos)” (CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Art. 12. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JÚ- NIOR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. (Coord.). Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3. ed. rev. e atu- al. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 107). 15. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O Novo Pro- cesso Civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. 16. THEODORO JÚNIOR. Op. cit. 17. WATANABE, Kazuo. Acesso à ordem ju- rídica justa: conceito atualizado de acesso à justiça, processos coletivos e outros estudos. Belo Horizonte: Del Rey, 2019. 18. CALMON DE PASSOS, José Joaquim. De- mocracia, participação e processo. In: Calmon de Passos, José Joaquim. Ensaios e artigos. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 2. 19. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015. 20. BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil, Brasília, DF, mar. 2015. Disponível em: http://www.planal- to.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/ L13105.htm. Acesso em: 28 maio 2019. 21. “Como é notório, sob a égide do CPC/1973 o órgão jurisdicional não tinha vinculação a qualquer ordem cronológica de julgamento, proferindo sentenças e acórdãos na ordem que bem desejassem. É natural que assim sendo os órgãos jurisdicionais prefiram julgar processos mais simples, que deem menos trabalho para serem decididos. Ainda mais se considerarmos a imposição pelo CNJ e pelos próprios tribunais de me- tas de julgamento que têm como critério a quantidade de julgados proferidos pelo ór- gão jurisdicional” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado: artigo por artigo. Salvador: Jus- podivm, 2016, p. 31). 22. CALMON DE PASSOS. Op. cit. 23. “Dar preferência à ordem cronológica não significa que seja faculdade do juiz. O magistrado deverá, sim, atender preferen- temente a ordem cronológica, sempre que isto for possível. Para não atendê-la terá de justificar. Mais um dispositivo legal feito por encomenda de última hora, que atrapalha o sistema processual do CPC. Tudo o que vem em seguida ao caput indica a obrigatorieda- de de atender-se a ordem cronológica, pois do contrário não faria sentido manterem-se os demais dispositivos. Melhor teria sido o legislador da L. 13256/2015 alterar apenas o caput para que a preferência fosse realmente uma faculdade e revogar os demais dispo- sitivos” (NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 16. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 235). 24. THEODORO JÚNIOR. Op. cit., p. 96. 25. “A exótica interpretação, entretanto, não precisa ser levada ao cabo em razão da Lei 13.256, de 04.02.2016, que modificando a redação originária do art. 12, caput, do Novo CPC, passa a prever que a ordem cro- nológica de julgamento deve ser atendida preferencialmente. Numa leitura apressada da mudança legislativa pode parecer que o respeito à ordem cronológica simplesmen- te deixou de existir, tendo sido o art. 12 do Novo CPC tacitamente revogado. Não concordo com esse entendimento. O artigo ora comentado certamente levou um golpe considerável diante da novidade, mas está longe de estar revogado. Sendo o dispositivo uma regra fortemente inspirada no princípio da isonomia, para evitar que o ‘amigo do rei’ tenha seu processo julgado antes dos demais, sempre que o juiz justificar a que- bra da ordem para melhor ajustar o trabalho cartorial, sem que com isso privilegie de for- ma pontual e direcionada determinado ad- vogado e/ou parte, terá legítima justificativa para inverter a ordem cronológica de julga- mento. Na realidade, continua a existir uma ordem e suas exceções legais, de forma que o juiz, sempre que decidir em descompasso com essas regras, deverá fundamentar sua postura” (NEVES, Daniel Amorim Assump- ção. Novo Código de Processo Civil comen- tado: artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 34). REFERÊNCIAS ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Democracia, Participação e Pro- cesso. In: ______, José Joaquim. Ensaios e artigos. Salvador: Jus- podivm, 2016, v. 2. CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Art. 12. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JÚNIOR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. (Coord.). Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. DIDIER JÚNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2015, v. I. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015. LIMA, Rafael Bellem de. Regras na teoria dos princípios. São Paulo: Malheiros, 2014. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Da- niel. O Novo Processo Civil. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Da- niel. Novo curso de Processo Civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. I. MÖLLER, Guilherme Christen. A formação do direito processual civil CRONOLOGIA DOS PROCESSOS JUDICIAIS: UMA ANÁLISE 70 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019 brasileiro contemporâneo. Revista Eletrônica Direito e Política, Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Univali, Itajaí, v. 13, n. 2, 2. quadrimestre 2013. NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Pro- cesso Civil comentado. 16. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil co- mentado: artigo por artigo. Salvador: Juspodivm, 2016. STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 6. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2017. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 57. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. I. WATANABE, Kazuo. Acesso à ordem jurídica justa: conceitoatualizado de acesso à justiça, processos coletivos e outros estudos. Belo Ho- rizonte: Del Rey, 2019. // Revista Bonijuris FICHA TÉCNICA Título original: A análise sobre a constitucionalidade da nova redação do art. 12 do Códi- go de Processo Civil: sobre as modificações promovidas pela Lei 13.256/16 acerca da ordem cronológica de julgamento dos processos judiciais. Title: The analysis on the constitutio- nality of the new wording of art. 12 of the Code of Civil Procedure: on the changes promo- ted by Law n. 13.256/16 on the chronological order of judgment of the judicial proceedin- gs. Autor: Guilherme Christen Möller. Mestrando em Direito Público pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Escola de Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Bolsista do Programa de Excelência Acadêmica (Proex) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Bacharel em Direito pela Univer- sidade Regional de Blumenau (furb). Autor de livros e de mais de duas dezenas de artigos científicos relacionados ao Direito Processual Civil, Teoria Geral do Processo e Direito Constitucional. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (ibdp) e da Asso- ciação Brasileira de Direito Processual (abdpro). Advogado (oab/sc 51.682) e Consultor Jurídico. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0168074867678392. Resumo: Não se pode falar sobre a aplicação de uma legislação infraconstitucional, como a processual civil, sem levar em conta a compatibilidade com o texto constitucional. Antes da reformulação proposta pela Lei 13.256/16 ao artigo 12 do cpc/15, objetivava-se estabelecer critérios iso- nômicos no momento do julgamento dos processos, sem privilégios na “escolha” de qual processo deveria ser julgado primeiro. A nova redação do artigo 12 tão somente corri- ge a incoerência linguística tida na redação original, enquanto na prática forense nada mudou. Contudo, desde sua primeira versão, há casos em que haveria a possibilidade de descumprir a ordem cronológica obrigatória (§§ 2º e 6º). Estas exceções contidas nos dois parágrafos já rompia com a ideia de obrigação, por isso a Lei 13.256/16 tão somente corrigiu tal incongruência. Vale a ordem cronológica, ressalvadas as exceções. Abstract: One can- not talk about the application of infraconstitutional legislation, such as civil procedural law, without taking into account the compatibility with the constitutional text. Prior to the reformulation proposed by Law 13.256 / 16 to article 12 of CPC / 15, the objective was to establish isonomic criteria at the time of trial, without privileges in “choosing” which pro- cess should be tried first. The new wording of Article 12 only corrects the linguistic incon- sistency in the original wording, while in forensic practice nothing has changed. However, since its first version, there are cases in which it would be possible to break the obligatory chronological order (§§ 2 and 6). These exceptions contained in the two paragraphs alrea- dy broke with the idea of obligation, so Law 13.256 / 16 only corrected such incongruity. The chronological order is valid, except for the exceptions. Data de recebimento: 29.05.2019. Data de aprovação: 05.08.2019. Fonte: Revista Bonijuris, vol. 31, n. 5 – # 660 – out/nov 2019, págs 62-70, Editor: Luiz Fernando de Queiroz, Ed. Bonijuris, Curitiba, pr, Brasil, issn 1809- 3256 (redacao@bonijuris.com.br).