Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

AULA 2 - TEXTO BASE
REFORMA 
PSIQUIÁTRICA E A 
HISTÓRIA DO PRESENTE
FICHA TÉCNICA
© 2025. Ministério da Saúde. 
Fundação Oswaldo Cruz. 
Escola de Governo Fiocruz.
Alguns direitos reservados. É permitida a reprodução, disseminação e utilização desta obra, 
desde que citada a fonte. É vedada a utilização para fins comerciais.
Curso Nós da Rede. Brasília: [Curso na modalidade híbrida]. Escola de Governo Fiocruz, 2025.
MINISTÉRIO DA SAÚDE
Secretaria Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde 
Departamento de Gestão da Educação na Saúde 
Esplanada dos Ministérios, Bloco O, 9º andar 
CEP: 70052-900 
Tel:. (61) 3315-2596
Felipe Proenço de Oliveira
Secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde - SGTES/MS
Mozart Sales 
Secretário de Atenção Especializada - SAES/MS
Fabiano Ribeiro dos Santos
Diretor de Gestão da Educação na Saúde - DEGES/SGTES/MS
Sônia Barros 
Diretora do Departamento de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas - DESMAD/SAES/MS
Erika Rodrigues de Almeida 
Coordenadora-geral de Ações Estratégias de Educação da Saúde - CGAES/DEGES/SGTES/MS
Neli Maria Castro de Almeida 
Coordenadora-Geral de Redes e Serviços de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas - 
CGRSSM/DESMAD/SAED/MS
Fundação Oswaldo Cruz
Escola de Governo Fiocruz Brasília 
Avenida L Norte, s/n, Campus Universitário 
Darcy Ribeiro, Gleba A 
CEP:. 70.904-130 - Brasília - DF 
Telefone: (61) 3329-4550
Mário Moreira 
Presidente
Maria Fabiana Damásio Passos 
Diretora da Fiocruz Brasília - Gereb 
Diretora da Escola de Governo Fiocruz 
Brasília - EGF
Luciana Sepúlveda Köptcke 
Diretora Executiva da Escola de Governo 
Fiocruz Brasília - EGF 
 
André Vinícius Pires Guerrero 
Francini Lube Guizardi 
Coordenação Geral do Projeto Nós na 
Rede
Caroline Zamboni de Sousa
Coordenação Executiva do Projeto Nós na 
Rede
Anna Cláudia Romano Pontes 
Samuel Dourado 
Coordenadores do Núcleo de Educação a 
Distância
Daiana Silva de Brito 
Assessoria Pedagógica 
 
Meiriene Moslaves Meira 
Supervisão de Oferta
CRÉDITOS
Conteúdo
Isadora Simões de Souza
Coordenação Pedagógica 
Francini Lube Guizardi 
Caroline Zamboni de Souza
Revisão Técnico-científica
Bethânia Ramos Meireles 
Caroline Zamboni de Souza
Daiana Silva de Brito
Erika Rodrigues de Almeida
Francini Lube Guizardi
Jéssica Rodrigues Machado 
Joana Thiesen 
Larissa Correia Nunes Dantas 
Roberto Albuquerque
Design Institucional 
Daiana Silva de Brito
Revisores de Texto 
Filipe do Nascimento Lopes
Márcia Turcato
Pesquisa de Recursos Educacionais
Daniela Bruno dos Santos
Design Gráfico e Diagramação 
Sávio Cavalcante Marques
Braytner Rocha Pereira Bernardes 
Karina Silva de Souza 
 
Desenvolvedores
Vando Carvalho Rodrigues Pinto
Rafael Cotrim Henriques
SUMÁRIO
AULA 2 - TEXTO BASE - REFORMA PSIQUIÁTRICA E A HISTÓRIA DO PRESENTE
O passado presente: aspectos relativos ao debate sobre racismo, sexismo e 
desigualdade social 
Reforma psiquiátrica antimanicomial na experiência brasileira
Prioridade absoluta: a importância do campo da infância e adolescência na 
Reforma Psiquiátrica brasileira
Referências
 5
 8
28
38
44
AULA 2 - TEXTO BASE
REFORMA PSIQUIÁTRICA E 
A HISTÓRIA DO PRESENTE
Olá, pessoal, 
chegamos à aula 2 
do curso 
“Nós na Rede”
6
7
A ideia é que possamos ingressar em um debate central para nós, que 
atuamos na maior clínica pública do Brasil, o SUS; por isso, vamos contar um 
pouco da história da saúde mental pública no Brasil, das suas lutas históricas 
e dos desafios que ainda temos nos dias de hoje.
Este texto tem várias direções, caminhos e entradas; dessa forma, você 
poderá escolher por onde começar a leitura. Aqui sugerimos uma trilha, 
mas você poderá fazer a sua. Iniciaremos pelos aspectos relativos ao debate 
sobre racismo, sexismo e desigualdade social e depois partiremos para o 
reconhecimento da produção de pessoas que construíram narrativas, livros 
e obras artísticas a partir de suas histórias. Em seguida, vamos conversar 
sobre o percurso da Reforma Psiquiátrica brasileira e da luta antimanicomial, 
buscando olhar para os caminhos de ambos os movimentos e pensando em 
como se constituíram em nosso país.
No livro “Holocausto Brasileiro”, a autora Daniela Arbex (2013) conta 
histórias de tortura e opressão ocorridas dentro do Hospital Psiquiátrico 
de Barbacena, em Minas Gerais, a partir de depoimentos de pessoas que 
sobreviveram aos longos períodos de tortura durante as internações. Ela 
também se vale do depoimento de ex-funcionários desse que foi um dos 
maiores hospitais psiquiátricos do Brasil.
Apesar de esse manicômio ter sido comparado a um “holocausto brasileiro”, 
numa referência aos campos de concentração nazistas durante a Segunda 
Guerra Mundial, temos, na obra de Rachel Gouveia Passos (2018), uma 
importante provocação para pensarmos nos aspectos raciais relacionados 
ao caso, quando ela questiona: “Holocausto brasileiro ou o navio negreiro?”. 
Aqui, a autora relembra os navios europeus que sequestraram populações 
negras na África para escravizá-las na América.
8
O PASSADO PRESENTE: ASPECTOS 
RELATIVOS AO DEBATE SOBRE 
RACISMO, SEXISMO E DESIGUALDADE 
SOCIAL
A autora traz para o centro do debate situações atuais, em especial de 
mulheres, como, por exemplo, aquelas que têm seus filhos retirados, que 
passam por laqueaduras compulsórias, mulheres que são assassinadas. 
Nesse sentido, a autora busca problematizar práticas manicomiais que 
ocorreram e seguem ocorrendo em nosso país:
9
[...] hoje expressas nas múltiplas ações do Estado, estão atreladas 
muito mais ao colonialismo do que ao holocausto. O debate aqui 
não é medir o grau de atrocidade e de violação de direitos humanos, 
e, sim de reconhecer os fundamentos estruturantes da nossa 
realidade. No livro de Daniela Arbex (2013), Holocausto Brasileiro, 
que apresenta os reflexos do manicômio na vida não só dos 
sobreviventes da Colônia de Barbacena (MG), mas também de seus 
familiares, podemos identificar, através das fotografias contidas 
no livro, que as pessoas que lá estiveram internadas possuíam 
determinada cor/raça. Logo, torna-se fundamental racializarmos a 
história da loucura no Brasil (Passos, 2018, p.17).
Quando pensamos na história da Reforma Psiquiátrica brasileira e na 
história do presente, identificamos uma perpetuação de práticas de violência 
do Estado em diversas ações estatais. Muitas dessas violências encontram 
um alvo privilegiado nos corpos das pessoas em sofrimento psíquico, assim 
como aquelas que desenvolveram necessidades específicas, em função do 
uso intenso de drogas, sendo que muitas delas são negras e vivem em áreas 
de maior desigualdade social.
O autor Frantz Fanon (2021) também se debruçou sobre as questões 
relacionadas ao sofrimento psicossocial, em especial em como as marcas 
do racismo operam na saúde mental. Em sua obra, ele aborda o quanto as 
pessoas negras são encurraladas, sem meios de existir, tendo seu desejo de 
viver capturado. Aqui entendemos e articulamos a expressão necropolítica, 
cunhada pelo autor camaronês Achille Mbembe (2018), a qual considera 
aspectos de biopoder, soberania, estado de exceção e política da morte. Não 
queremos falar somente da morte propriamente dita, mas sim da morte em 
vida, das vidas que passam a ser diminuídas e de pessoas que são aniquiladas 
subjetivamente.
Pensando em diferentes formas de violação que atravessam as vidas 
das pessoas que acompanhamos nos serviços de saúde, é importante 
relacionarmos as marcas do racismo e do sexismo, que produzem sofrimento 
psíquico. Um exemplo são as mulheres impedidas de exercer a maternidade 
porque fazem uso de drogas, ou aquelas que exercem a maternidade 
passando por grandes experiências de sofrimento, vivendo em condições 
duras, sem redes de apoio, como aquelas que foram internadas em hospícios 
e afastadas de seus filhos.
10
A filósofa e escritora Sueli Carneiro (2011) relembra a expressão “matriarcado 
da miséria”, que se dirigia às mulheres que carregam no corpo uma vida 
marcada pela exclusão e pelas privações.Ela aponta a necessidade de 
reconhecermos que há uma dimensão racial em relação ao debate sobre 
gênero, que estabelece mais ou menos acesso das mulheres em diferentes 
espaços da vida. Na mesma direção, a filósofa e antropóloga Lélia Gonzalez 
(2020) aponta que são muitos os legados que a escravidão deixou no Brasil, 
desde os processos de distribuição geográfica dos territórios aos impactos 
na saúde mental e no corpo das mulheres que sofreram as mais diferentes 
formas de exploração.
Pensando em pessoas que contribuíram com a história da Reforma Psiquiátrica 
brasileira, as quais carregaram em suas vidas os efeitos dos longos períodos 
da institucionalização em manicômios, compartilhamos brevemente suas 
histórias e obras, para que você possa conhecer mais e, quem sabe, descobrir 
mais coisas sobre as pessoas que você atende por aí, em seus territórios.
Esses autores e artistas viveram em hospitais psiquiátricos, e suas obras têm 
uma imensa contribuição para a história, justamente porque nomearam a 
barbárie que ocorria no interior dos hospitais psiquiátricos brasileiros.
11
Você já acessou 
a obra desses artistas?
Maura Lopes Cançado é escritora e autora dos livros “Sofredor do 
Ver” e “Hospício é Deus”. Nascida em São Gonçalo do Abaeté, em 
Minas Gerais, em 1929, viveu internada em manicômios em Minas 
Gerais e no Rio de Janeiro e teve um filho retirado, logo em sua 
primeira internação. 
A escritora Maura Lopes Cançado (Foto: AJB)
12
Na reimpressão de seus livros, consta um perfil biográfico, escrito por 
Mauricio Meireles, sobre a obra e a vida da autora:
No livro de Maura, O Sofredor do Ver, existem dois contos em que 
fala do filho retirado, Cesarion: Pavana e O Rosto, que retratam 
o sofrimento dela e do filho em função do afastamento dos 
dois. Nesses contos de Maura para Cesarion, ela registra o que 
viveram, os movimentos que ela fez, falando do que ocorreu 
com eles (Cançado, 2016, p. 61).
Maura fala que, além das grades que a separavam do filho, tinha um grande 
sentimento de incompreensão, quando era impedida de pegar o filho no colo e 
tinha de suportar seu choro, que ela dizia ser “cheio de razão”, reconhecendo 
uma aliança entre mãe e filho, os quais sabiam das dores de viver uma vida 
separados. Nessa passagem, Maura fala desse imenso sofrimento, da dor 
da separação do seu filho, acontecimento como esse com o qual ainda nos 
deparamos quando escutamos histórias de vida de mulheres.
Stella do Patrocínio, nascida no Rio de Janeiro, em 1941, era poeta, foi criadora 
do “Falatório”, uma obra que reunia um conjunto de falas registradas por 
autoras e pesquisadoras, como a artista plástica Carla Guagliardi. Mais tarde, 
suas falas foram organizadas e publicadas pela psicóloga e escritora Viviane 
Mosé, que considera o “Falatório” uma das poéticas fundamentais para a arte 
contemporânea brasileira. A escritora e artista visual Bruna Beber trabalhou 
na forma como Stella aliou poéticas e profecias, reconhecendo que Stella fez 
uma tecitura única na literatura brasileira. Ela passou boa parte de sua vida 
internada em hospitais psiquiátricos, aproximadamente 30 anos, e se tornou 
importantíssima para a história da luta antimanicomial no Brasil.
13
Eu gosto mesmo é de escrever
De fazer número
Em papelão
Continuar repetindo o que eu acabei de fazer no dia
Quando eu tô com vontade de falar
Tenho muito assunto muito falatório
Não encontro ninguém para que eu possa conversar
Quando não tenho uma voz a mais
Vocês me aparecem
E querem conversar conversar conversar 
(Patrocínio, 2001, p. 139).
Lima Barreto, nascido no Rio de Janeiro, em 1881, foi um importante 
escritor brasileiro e tinha uma posição combativa e crítica, o que produziu 
um forte preconceito na elite intelectual. Autor de grandes obras da 
literatura brasileira, como o “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, ele foi 
internado em um hospital psiquiátrico em função do uso de álcool. Foi 
durante suas internações que produziu o romance “Cemitério dos Vivos”.
14
Em sua internação, o primeiro pavilhão em que Lima Barreto ficou era 
destinado àqueles que a polícia levava, sendo a maior parte de negros.
Estou no hospício ou, melhor, em várias dependências dele, desde 
o dia 25 do mês passado. Estive no Pavilhão de Observação, que 
é a pior etapa de quem, como eu, entra aqui pelas mãos da 
polícia. [...] não me incomodo muito com o hospício, mas o que 
me aborrece é essa intromissão da polícia na minha vida. De 
mim para mim, tenho certeza que não sou louco; mas devido 
ao álcool, misturado com toda a espécie de apreensões que as 
dificuldades e minha vida material há seis anos me assoberbam, 
de quando em quando dou sinais de loucura: deliro (Barreto, 
2017, p. 34).
Arthur Bispo do Rosário, que nesta foto veste uma de suas importantes 
obras de arte, “Manto de Apresentação”, nasceu em Japaratuba, Sergipe, em 
1909, e foi viver no Rio de Janeiro anos depois, onde trabalhou na Marinha e 
praticou esportes, como boxe. Em 1938, Bispo teve uma visão de si mesmo 
descendo do céu, acompanhado por anjos, que está registrada em um de 
seus bordados, no qual relata esse acontecimento. 
15
Hoje existe um importante museu 
chamado “Museu Bispo do Rosário”, 
no Rio de Janeiro. Essa instituição 
organizou um importante livro, que 
leva seu nome (2012), com a história 
e as obras de Bispo catalogadas, entre 
elas a que ele relata ter escutado 
vozes que diziam: “chegara a hora de 
representar todas as coisas existentes 
na Terra para a apresentação no dia do 
juízo final”. Sua obra está intimamente 
ligada a essas representações, 
trabalhando com linhas azuis, que 
desfiava dos uniformes do manicômio, 
e objetos como pedaços de madeiras, 
arame, papelão, fios de varal, garrafas 
e materiais diversos que ele obtinha 
no manicômio.
16
Aurora Cursino, nascida em São José dos Campos, 
São Paulo, em 1896, pintou de forma explícita 
os temas e os traumas que marcaram sua vida 
em uma vasta obra que foi exposta em diversos 
museus, assim como na Bienal de 2023 em São 
Paulo. Os autores Silvana Jeha e Joel Birman 
(2022) produziram um livro das histórias e obras 
de Aurora Cursino, no qual podemos entender 
sobre o pioneirismo da artista ao narrar a sua 
condição de mulher e prostituta no Brasil e tudo 
aquilo que ela sofreu no manicômio.
Em um de seus quadros, em que ela se referia aos tribunais de justiça. Jeha e 
Birman supõem que Cursino teve problemas com os tribunais e seus filhos, 
“algo que a impedisse de exercer a maternidade” (Jeha; Birman, 2022, p. 39).
17
As trajetórias, os sofrimentos e as criações dessas pessoas, que foram 
designadas como loucas, mostram-nos a loucura como um fenômeno 
complexo, que não pode ser reduzido a um conceito único ou estático. 
Você já parou para pensar que, ao longo da 
história, a loucura tem sido vista sob diferentes 
prismas? O que realmente define a loucura? E, 
mais importante, quem tem o poder de defini-la?
O filósofo e historiador Michel Foucault (1972), em sua obra “História da 
Loucura na Idade Clássica”, nos convida a pensar a loucura não apenas como 
uma condição biológica, mas como uma construção social. Ele argumenta 
que o conceito de loucura foi construído historicamente, sendo moldado 
de acordo com os interesses de poder de cada época. Em diversas culturas 
tradicionais, as características que hoje nossa sociedade classifica como 
loucura eram valorizadas e consideradas especiais e, muitas vezes, essas 
pessoas eram vistas como detentoras de um poder místico e de uma conexão 
privilegiada com a dimensão espiritual. 
18
Michel Foucault conta que foi no fim da Idade Média, na Europa, que a loucura 
passou a se constituir como um problema social. Com as transformações 
sociais geradas pela Modernidade e pelo Iluminismo, houve uma grande 
valorização da razão, e a loucura se tornou algo que devia ser controlado 
por meio do confinamento, em nome da constituição de uma sociedade 
homogênea no modo de produzir e no modo de viver a vida.
Com suaobra, ele nos mostrou que a sociedade ocidental promoveu a 
segregação da loucura, confinando em manicômios e hospitais psiquiátricos 
aqueles que não se adequavam aos padrões de normalidade. Nesses espaços, 
a loucura era tratada como uma doença a ser curada e como um problema 
moral a ser corrigido; desse modo, o sujeito “louco” perdia sua autonomia, 
sua voz e sua dignidade.
Aqui entra uma questão importante: Quem decide o que é loucura? Como 
sugere Foucault, são as instituições de poder — médicos e outros profissionais 
de saúde, cientistas, juristas — que detêm o domínio de definir quem está 
ou não dentro dos limites da normalidade; e essa definição, frequentemente, 
serve a interesses sociais, econômicos e morais muito mais do serve ao bem-
estar das pessoas rotuladas como loucas.
CAIXA DE FERRAMENTAS
Se quiser saber mais sobre esse tema e já se aquecer para a 
segunda parte do texto, te convidamos a assistir à websérie “Morar 
em Liberdade”.
19
Seguimos com Franco Basaglia (2005), psiquiatra italiano e um dos 
pensadores de maior importância da Reforma Psiquiátrica, que propôs 
mudanças concretas no tratamento da loucura. Basaglia foi o grande 
responsável pela desinstitucionalização dos manicômios na Itália, movimento 
que inspirou reformas em vários países, inclusive no Brasil. Ele denunciou 
as condições degradantes dos hospitais psiquiátricos e defendia que a 
internação prolongada nesse tipo de instituição não promovia a cura, mas 
sim a cronificação da loucura e a marginalização das pessoas, sendo um 
impedimento para que vivessem com saúde.
Basaglia (2005) passou a trabalhar com a perspectiva de que a loucura não 
deve ser encarada como uma patologia que precisa ser eliminada, mas como 
uma condição humana que merece ser compreendida. Por isso, afirmava 
que, em vez de isolar os “loucos”, deveríamos buscar integrá-los na sociedade, 
garantindo-lhes direitos, respeito e dignidade. Em suas palavras, “a liberdade 
é terapêutica”. Ou seja, a autonomia e o reconhecimento do sujeito como 
alguém capaz de participar ativamente de sua própria vida e tratamento são 
elementos fundamentais do cuidado em saúde mental.
Ao pensarmos sobre a loucura, é crucial refletirmos sobre o papel da 
sociedade e das instituições na definição e no controle do que é considerado 
“normal” e o que é considerado “patológico”.
20
De onde vem o sofrimento 
psíquico que as pessoas 
consideradas loucas, 
na nossa sociedade, 
vivenciam? 
Será que a loucura, como 
a entendemos hoje, ainda 
atende a certos interesses 
de controle social? Quais 
seriam eles? 
Se, como sugere Foucault, a loucura foi usada historicamente para separar 
os que deviam ser “curados” dos que deviam ser “confinados”, talvez seja 
necessário questionar as práticas e os discursos contemporâneos que ainda 
perpetuam essa separação e restringem as possibilidades de cuidado.
Será que, ao tentarmos curar a loucura, não 
estamos também eliminando a diversidade de 
experiências humanas? 
Não seria a loucura uma oportunidade de 
ampliar o entendimento sobre as várias formas 
de nos constituirmos como pessoas, abrindo 
novos horizontes para a compreensão da 
condição humana?
21
Essas reflexões nos provocam a reconsiderar a própria noção de saúde 
mental, que não deve ser entendida apenas como a ausência de doença, 
mas como uma construção coletiva, que envolve as relações sociais, a 
subjetividade e os direitos de cada um. Por esse motivo, o diálogo sobre 
a loucura precisa incorporar não apenas o olhar técnico ou científico, mas 
também o olhar ético e político, que reconheça a dignidade de cada pessoa, 
independentemente de ter um diagnóstico relacionado a um sofrimento 
psíquico.
Esse debate é importante para a atenção psicossocial brasileira, justamente 
por estarmos em um país que é marcado por questões trazidas na 
colonização. Os autores consideram que “a manicomialização no Brasil tem 
ancoragem na colonialidade, configurando o manicolonial”. Tanto David 
como Vicentin afirmam que é necessário colocar em jogo a experiência 
relacional para produzir práticas antirracistas no SUS. 
Propomos a você pensar sobre como os estigmas sociais atuam na produção 
do adoecimento psíquico das pessoas. Michel Foucault, conforme falamos 
antes, estudou a construção histórica dessa ideia de loucura na sociedade 
e, agora, seguimos com Emiliano Camargo David e Maria Cristina Vicentin 
(2023), que demonstram o quanto os efeitos psicossociais do racismo são 
produtores de sofrimento psíquico.
22
Nessa perspectiva, o “manicolonialismo” opera em diversas esferas: ele 
sustenta uma visão de mundo hierárquica, em que certos grupos de pessoas 
dominam e subjugam outros, especialmente as pessoas com identidades que 
não seguem o padrão hegemônico. Isso acontece tanto no campo econômico 
e político quanto no simbólico e cultural, atravessando, inclusive, as práticas 
de cuidado em saúde que realizamos. Muitas vezes não nos damos conta 
disso, pois estamos acostumadas com elas há séculos.
De fato, se historicamente os modos de vida e as culturas negras foram 
(e são) rotulados como inferiores, criminalizados, estigmatizados e 
objeto de inúmeras tentativas de impedimento dos seus exercícios, 
propô-los psicossocialmente é intervenção em saúde mental 
antirracista, pois colabora com os processos de descolonialização 
do saber e do poder. Mas, a antimanicolonialização não deve 
se limitar à oferta de intervenções em saúde mental fruto das 
tradições negras; mas deve se inscrever nos contraditórios jogos de 
forças da afirmação dessa cultura (Camargo; Vicentin, 2023, p.5).
Os autores propõem que possamos nos 
“desnortear”. Mas o que é estar desnorteado?
23
Seguindo essa provocação, é bom lembrarmos que, por vezes, quando 
achamos que alguém está “perdido”, usamos a expressão “fulano está 
desnorteado”; ao contrário do sentido dessa expressão popular, os autores 
nos convidam a nos desnortear como uma forma de sair dos mesmos 
referenciais do Norte do mundo e nos conectarmos mais à diversidade e à 
multiplicidade de perspectivas de autores do Sul. Isso também vale como 
um convite para nos abrirmos a outras práticas de cuidado.
Estamos propondo que você, profissional que atua no território, possa 
construir práticas e saberes a partir da sua realidade, da realidade 
dos usuários que acessam o serviço. Por isso, trazemos esses autores 
e pesquisadores, para que eles possam ajudar você a construir essas 
estratégias de cuidado onde você está.
A autora Bárbara dos Santos Gomes (2019) provoca o debate sobre o 
termo antimanicolonial na tentativa de engendrar esforços para que 
intersetorialmente se garanta e se construa uma rede de cuidados. Sem 
dúvidas, o debate antimanicomial sempre trouxe a garantia de todos 
os direitos para o centro do cuidado, mas reunir os debates da luta 
antimanicomial aliados aos enfrentamentos dos efeitos da colonização é 
uma posição ética, que se faz urgente em todos os territórios do Brasil.
Dessa forma, no enfrentamento da “manicolonização”, buscar formas e 
práticas antimanicoloniais na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) pode ser 
um processo de “desnorteamento”:
24
[...] pelo exercício contracultural no qual elementos da diáspora 
negra na América Latina possam ressignificar negritude e 
desrazão; de forma aquilombada, tomando os quilombos como 
metáfora viva da radicalização das relações nas diferenças 
(Camargo; Vicentin, 2023, p. 4).
Pensando nos movimentos que afetam as instituições, recorremos ao livro 
de Alex Ratts (2006), “Eu sou Atlântica”, sobre a vida da ativista, historiadora, 
intelectual brasileira e mulher preta Beatriz Nascimento, que mostra a 
importância daquilo que nasce e acontece fora dos espaços acadêmicos. 
Aqui, temos uma pista da importância do que acontece na ponta, junto com 
aqueles de quem cuidamos; e talvez resida aí a ideia do que se entende por 
quilombo: um espaço de resistência.
25
CAIXA DE FERRAMENTAS
Que tal pensarmos mais sobre as práticas antirracistas no SUS?Acesse o artigo dos autores e saboreie de mais conhecimento.
Esse papo tem ligação com nossa proposta de 
experimentação/desafio, que propõe a busca 
pela ancestralidade em seu território de atuação.
Conhecer Beatriz Nascimento é fundamental para 
repensar as relações entre território, colonialidade, 
corpo, raça e gênero no Brasil. Ela dedicou sua 
produção ao estudo do racismo, à divulgação do 
trabalho intelectual das pessoas negras e à formação 
dos quilombos. 
resistir em busca libertária, abolicionista e antirracista, 
valorizando aspectos territoriais e culturais da população 
negra que predominantemente tem sido vítima diuturna de 
um Estado que busca lhe fazer anônima, indigente, presa, 
morta (David, 2018, p. 122).
O trabalho de Emiliano de Camargo David reforça a rica produção de Beatriz 
Nascimento. Ele compreende o aquilombamento em saúde mental como:
O autor aponta que a proposta do aquilombar-se é justamente: 
sair do paradigma racista, trabalhando pela 
desinstitucionalização do racismo como relação de poder 
[...] sustentar o desejo da diferença, mas trabalhar também 
pela produção do comum (David, 2018, p. 146). 
26
Dessa forma, em seu livro, David trabalha mais amplamente 
com três ideias forças, que são chaves para pensarmos nosso 
fazer: 
Desnorteamento
Antimanicolonialidade
Aquilombação
27
REFORMA PSIQUIÁTRICA 
ANTIMANICOMIAL NA 
EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
E assim, problematizando essas questões do passado e do presente, 
iremos revisitar a história da experiência brasileira de Reforma Psiquiátrica 
antimanicomial. Dela resultou a construção de um modelo de atenção 
psicossocial territorial e comunitário, que parte de tecnologias de cuidado 
para promover saúde e cidadania para pessoas em sofrimento psíquico e 
que usam drogas. Nessa passagem, vamos olhar para os movimentos e as 
legislações que foram sendo consolidados e validados ao longo dos anos, 
desde a redemocratização do país.
Quando pensamos na Reforma Psiquiátrica brasileira e na história do 
presente, estamos falando de um campo amplo, atravessado por muitas 
trajetórias e lutas. Por isso, vale compreender as suas origens, que contaram 
com diferentes movimentos sociais, com a articulação de trabalhadores e 
usuários que apresentaram suas demandas e necessidades, assumindo um 
importante protagonismo, pautando o Estado e lutando pela garantia de 
seus direitos. 
28
Os movimentos reformistas brasileiros também foram construídos para 
que pessoas não tivessem suas vidas conduzidas e controladas por outras 
pessoas, mas que pudessem participar de seu cuidado, de forma democrática. 
O autor Roberto Tykanori Kinoshita (2001) apontou muitos caminhos, mas 
destacamos um, em especial, quando ele diz que existe um “problema de 
produção de valor”. Ele se refere ao fato de que o “poder contratual” do 
usuário de saúde mental pode estar abalado, justamente porque atribuímos 
menor valor para as pessoas em sofrimento psíquico e que usam drogas. 
É importante pensarmos que, para garantirmos atenção psicossocial digna, 
é fundamental ampliarmos o “poder contratual” de quem sofre, ou seja, 
trabalhar para ampliar a autonomia e a liberdade da pessoa.
Uma leitura fundamental é o livro “A Instituição Negada”, que fala das 
transformações institucionais e da atuação dos trabalhadores. A italiana 
Franca Basaglia Ongaro (1985), em um dos capítulos desse livro, retrata 
que uma instituição negada pode ser considerada como um lugar onde 
um grupo de pessoas é conduzido por outras pessoas, sem possibilidade 
de escolher a forma de viver. Para ela, fazer parte de uma instituição total 
significa ser controlado e julgado pelos planos de outros, “sem que a pessoa 
que necessite de cuidados possa intervir para modificar o andamento da 
instituição” (Basaglia, 1985, p. 273). 
29
Kinoshita (2001) afirma que, quando falamos em contratualização 
psicossocial, pensamos em mudar as relações sociais, ou seja, em possibilitar 
a participação nos bens econômicos, culturais, construir um mundo mais 
justo, mais equânime e mais livre. A reabilitação psicossocial precisa restituir 
o poder contratual do usuário de saúde mental, na intenção de ampliar a sua 
autonomia. Nesse sentido, a intenção é diminuirmos o nosso poder como 
profissionais e ampliar o poder do usuário, pois sabemos que, nas relações 
de trocas, as pessoas em sofrimento psíquico sempre foram desvalorizadas 
em tudo o que falavam, sentiam e pensavam.
Não tem sido automática a passagem de uma situação 
de desvalor para uma situação de participação efetiva no 
intercâmbio social. Ao contrário, é mais presente a tendência 
a estacionarmos em um patamar de assistência humanizada, 
mais tolerante, eventualmente até mais belo, porém igualmente 
excluída e desvalida (Kinoshita, 2001, p. 56).
O que fazer quando não há mais manicômio?
Nosso país é marcado por muitas diferenças locorregionais, sabemos de 
lugares que fecharam seus hospitais e outros tantos que ainda convivem 
com essas instituições. Outros territórios nunca tiveram uma instituição 
psiquiátrica, mas sabemos que a perspectiva de uma “sociedade sem 
manicômios” não está restrita ao fechamento das instituições totais. 
30
Esse ideal envolve a superação e o enfrentamento das tantas formas de 
aprisionamento das pessoas que vivem em sofrimento psíquico e que têm 
necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas.
Nesse sentido, o movimento da Reforma Psiquiátrica luta pelos direitos das 
pessoas com sofrimento psíquico. Dentro dessa luta está o enfrentamento 
à ideia de que se deve isolar a pessoa com sofrimento ou com necessidades 
decorrentes do uso de álcool e outras drogas. Assim, o Movimento da 
Luta Antimanicomial brasileiro faz lembrar que toda pessoa tem o direito 
fundamental à liberdade, o direito de viver em sociedade, além do direito de 
receber cuidado e tratamento sem que, para isso, tenha que renunciar a sua 
condição de cidadão.
Esse movimento se fortaleceu no final da década de 1970, em pleno processo 
de redemocratização do país. Em 1987, aconteceram dois marcos para a 
escolha do dia que simboliza essa luta, com o Encontro dos Trabalhadores da 
Saúde Mental, em Bauru/SP, e a I Conferência Nacional de Saúde Mental, em 
Brasília. No encontro de Bauru, tivemos um importante manifesto brasileiro, 
construído por muitos trabalhadores, nomeado o “Manifesto de Bauru”, 
momento em que o Movimento da Luta Antimanicomial foi oficialmente 
fundado.
31
O manicômio é expressão de uma estrutura, presente nos 
diversos mecanismos de opressão desse tipo de sociedade. A 
opressão nas fábricas, nas instituições de adolescentes, nos 
cárceres, a discriminação contra negros, homossexuais, índios, 
mulheres. Lutar pelos direitos de cidadania dos doentes mentais 
significa incorporar-se à luta de todos os trabalhadores por seus 
direitos mínimos à saúde, justiça e melhores condições de vida.”
FRAGMENTO DO MANIFESTO DE BAURU, de 1987:
Com o lema “por uma sociedade sem manicômios”, diferentes categorias 
profissionais, associações de usuários e familiares, instituições acadêmicas, 
representações políticas e outros segmentos da sociedade questionaram 
a centralidade das internações em hospitais psiquiátricos, denunciaram 
as graves violações aos direitos das pessoas com transtornos mentais e 
propuseram a reorganização do modelo de atenção em saúde mental no 
Brasil. O novo modelo deveria partir de serviços abertos, comunitários e 
territorializados, buscando a garantia da cidadania de usuários e familiares, 
historicamente discriminados e excluídos da sociedade.
32
CAIXA DE FERRAMENTAS
Acesse o Manifesto de Bauru na íntegra.
O Movimento Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental (MNTSM) 
tensionou o debate, apontando a urgência da implementação de outros 
modos de tratamento. Acreditava-se que só assim, com a luta por formas 
mais dignas de vida, poderíamos garantir um cuidado ético e humanizado. 
Para isso,foi proposta a construção de uma rede territorial formada por 
serviçosque definitivamente pudessem substituir os hospitais psiquiátricos 
e que fossem próximos do território da vida das pessoas, garantindo o 
cuidado em liberdade.
Assim como o processo da Reforma Sanitária, que resultou na garantia 
constitucional da saúde como direito de todos e dever do Estado, com a 
criação do Sistema Único de Saúde, o Movimento da Reforma Psiquiátrica 
resultou na aprovação da Lei n. 10.216/2001, que trata da proteção dos 
direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo de 
assistência e cuidado às pessoas.
33
Também conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira, a Lei n. 
10.216/2001 reflete uma mudança de paradigma. Ela desloca o modelo 
de tratamento, que até então era centrado na internação em hospitais 
psiquiátricos, para um enfoque na atenção comunitária, com ênfase nos 
direitos humanos, na reintegração social e na dignidade das pessoas. Esse 
marco legal estabelece a responsabilidade do Estado no desenvolvimento 
da política de saúde mental no Brasil, com o fechamento de hospitais 
psiquiátricos, a abertura de serviços comunitários e a participação social no 
acompanhamento de sua implementação.
A lei regulamentou o fechamento progressivo dos hospitais psiquiátricos, a 
fim de concretizar o princípio de que o tratamento em saúde mental deve 
ser realizado em serviços abertos e comunitários, que são substitutivos 
dos hospitais psiquiátricos. Além disso, veta a internação em instituições 
com características asilares e estimula a criação de Centros de Atenção 
Psicossocial (CAPS), que se tornaram um dispositivo estratégico de cuidado à 
saúde mental no território.
34
A seguir, destacamos alguns pontos para você conhecer mais esse tema.
1. Direitos dos usuários dos serviços de saúde mental: a legislação estabelece 
a proteção e a promoção dos direitos das pessoas em sofrimento mental, 
garantindo tratamento digno e respeitoso. O artigo 2º da lei assegura o direito 
ao tratamento sem discriminação de qualquer natureza e sem qualquer 
restrição de direitos civis, políticos, sociais e de cidadania, salvo nos casos de 
ordens judiciais.
2. Desinstitucionalização: a lei impulsiona o processo de desinstitucionalização 
e incentiva o acolhimento nos CAPS. Em caso de necessidade de leito, o 
CAPS III deve ser o principal serviço de referência. Na ausência desse recurso 
comunitário, os hospitais gerais podem ser acionados como retaguarda.
3. Serviços substitutivos e atenção psicossocial: a partir da promulgação da lei, 
intensificou-se a criação de estabelecimentos para substituir a internação 
de longa permanência, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), 
os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), as Unidades de Acolhimento 
Transitório e outros serviços que substituem a lógica manicomial. Aqui também 
cabe destacar o papel significativo que as equipes de Atenção Primária à Saúde 
e estratégias ligadas à geração de renda, por exemplo.
4. Participação social: outro aspecto importante da lei é o fortalecimento da 
participação social no campo da saúde mental, garantindo que usuários, 
familiares e profissionais possam contribuir para a formulação e o controle 
das políticas públicas na área. Essa participação é essencial para promover a 
democratização das práticas e para transformar as relações de cuidado em 
saúde mental (Birman, 1992).
35
A Lei n. 10.216/2001 representa um avanço significativo no campo da saúde 
mental no Brasil, consolidando os princípios da Reforma Psiquiátrica e 
promovendo a transição de um modelo centrado no isolamento para uma 
abordagem de cuidado baseada na integração social e no respeito aos 
direitos humanos. 
Iniciamos o texto falando sobre o manicômio de Barbacena, mas é 
fundamental também resgatar a história de Santos, que, em 2024, 
comemorou os 35 anos de fechamento do hospital psiquiátrico da cidade.
36
CAIXA DE FERRAMENTAS
Essa história mostra a luta de dois importantes médicos e ativistas. Para 
conhecer esse marco histórico em detalhes, assista ao vídeo que conta o 
processo de intervenção na Casa Anchieta, em Santos (SP).
• Constituição Federal, promulgada em 1988, colocando a saúde como um direito 
de todas as pessoas e dever do Estado garanti-la.
• A Lei n. 8080/1990, que institui o Sistema Único de Saúde (SUS), garante e reafirma 
o texto constitucional, inserindo na centralidade a integralidade, a equidade e a 
universalidade do cuidado.
• A Lei n. 10216/2001, da Reforma Psiquiátrica.
• A Portaria n. 336/2002, que institui o CAPS.
Com o resgate da democracia e o fim da ditadura militar, em 1985, celebramos várias 
conquistas e marcos legais.
Principais marcos normativos da Reforma Psiquiátrica Brasileira:
37
PRIORIDADE ABSOLUTA: A 
IMPORTÂNCIA DO CAMPO DA 
INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA NA 
REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA 
A partir do reconhecimento pelo SUS, no início do século XXI, da necessidade 
de serem organizadas redes de atenção psicossocial para cuidado de crianças 
e adolescentes em sofrimento psíquico e com necessidades decorrentes do 
uso de álcool e outras drogas, temos a entrada da saúde mental infantojuvenil 
na história da Reforma Psiquiátrica brasileira.
Entretanto, ainda hoje no Brasil, mesmo com todos os avanços no campo 
das políticas públicas para a infância e a adolescência, não é possível afirmar 
a vigência de um sistema integrado de garantia de direitos. Tampouco 
podemos afirmar que alcançamos a plena superação do ideário menorista 
ou de seus valores, conforme estabelecidos nos antigos códigos menoristas, 
que antecederam o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) (Couto, 
2004).
 
38
O ideário menorista refere-se a um conjunto de concepções, práticas e 
políticas voltadas ao “tratamento” de crianças e adolescentes em situação de 
vulnerabilidade social que foram institucionalizados no Brasil, especialmente 
no início do século XX. Esse conceito é baseado na “doutrina menorista”, que 
via as crianças e os adolescentes como “menores” em um sentido jurídico e 
social, enfatizando a necessidade de controle, tutela e disciplina por parte do 
Estado. O menorismo foi baseado em uma visão assistencialista, com foco 
em medidas repressivas e correcionais, em vez de políticas inclusivas e de 
garantia de direitos (Pilotti; Rizzini, 1995).
Esse modo de ver as crianças e os adolescentes surgiu no contexto das 
transformações urbanas e sociais que aconteceram no Brasil, entre o final 
do século XIX e início do XX, quando o país passou por um rápido processo 
de industrialização e urbanização. Nesse período, houve um aumento 
significativo do número de crianças pobres e abandonadas nas cidades, que 
eram vistas como “ameaças à ordem pública”. 
Assim, o ideário menorista foi uma resposta estatal que aconteceu 
principalmente a partir da criação do Código de Menores, de 1927, quando 
foi institucionalizado o tratamento diferenciado para crianças e adolescentes 
em situação de vulnerabilidade. Essa foi a primeira legislação brasileira que 
tratou de forma específica sobre a infância e a juventude, mas sob uma 
ótica punitiva e higienista. Essas crianças e adolescentes eram vistos como 
desviantes da sociedade, e por isso se compreendia que elas precisavam ser 
retiradas dos lugares públicos para não prejudicar o andamento da sociedade 
“normal”.
39
O menorismo classificava as crianças pobres, órfãs ou envolvidas em 
atividades ilícitas como “menores infratores” ou “menores abandonados”, 
o que reforçava a ideia de que eram um problema e precisavam ser 
“regeneradas” e “corrigidas”, frequentemente em instituições de reclusão 
(Rizzini, 2008).
O ideário menorista fez com que crianças e adolescentes pobres fossem 
tratados de forma discriminatória e violenta, reforçando a exclusão social 
em vez de proporcionar inclusão e proteção.
A noção de criminalização da pobreza (Coimbra, 2009), de “família 
desestruturada” e de outras noções baseadas na noção de “irregularidade” 
ainda parece habitar o cotidiano da sociedade e interferir em decisões desuspensão da convivência familiar e comunitária, mesmo sob a égide da 
doutrina da proteção integral.
Seguimos na luta para que as legislações e os movimentos sociais possam 
garantir e construir formas de operar as políticas públicas à luz da proteção 
integral, tomando crianças e adolescentes como prioridades absolutas. O 
CAPSi (em alguns territórios podemos encontrar a nomenclatura CAPSij) é 
o serviço destinado para prestar atenção psicossocial para as crianças e os 
adolescentes.
40
Você sabia que, na cidade de São Paulo, os CAPSij, e os demais serviços 
da rede intersetorial, juntamente com as crianças e os adolescentes que 
frequentam os serviços, se reúnem todo mês no “Fórum municipal de saúde 
mental de crianças e adolescentes”?
A cidade de São Paulo alterou todas as placas dos serviços para CAPSij, 
marcando a importância de atendermos crianças, adolescentes e jovens nos 
serviços, ou seja, mesmo sabendo que CAPSi significa CAPS infantojuvenil, foi 
uma marcação ética e política, para dizer que toda a moçada é bem-vinda.
O fórum é um espaço coletivo, mensal e 
itinerante, e a cada mês é realizado em 
um dos CAPSij de São Paulo para refletir e 
discutir sobre as políticas públicas, a garantia 
de direitos e a qualificação da atenção 
psicossocial de crianças e jovens. A cidade de 
São Paulo tem mais de trinta CAPSij.
O último Fórum Nacional de Saúde Mental 
Infantojuvenil, realizado em Brasília, no ano 
de 2012, apontou diversas recomendações 
que fortalecem a criação de espaços de debate 
para a ampliação do cuidado de crianças e 
adolescentes.
41
-Ampliar o debate em saúde mental infantojuvenil sem se 
restringir ao tema álcool e outras drogas.
-Garantir a participação de crianças e adolescentes nos fóruns 
municipais, estaduais, regionais e nacional de saúde mental 
infantojuvenil, desde a sua organização, com a proposta de 
formar multiplicadores.
-Divulgar informações sobre a RAPS para adolescentes de 
forma que possibilite a compreensão destes sobre a rede, 
utilizando vários meios de mídia, como televisão, rádio e 
redes sociais.
- Oferecer formação continuada a trabalhadores da RAPS e 
do sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes 
mediante convênios entre Ministério da Saúde, Ministério da 
Educação, Ministério da Justiça e as universidades públicas.
Destacamos aqui algumas dessas recomendações, que fazem força para 
propostas coletivas, como a que trouxemos no exemplo acima:
42
Para garantirmos formas de cuidar mais e melhor das pessoas, seguiremos
essa conversa no próximo capítulo, caracterizando e analisando os 
mecanismos que foram construídos para promover a atenção psicossocial 
em liberdade. Vamos refletir sobre o modo como esses serviços incidem na 
vida das pessoas em sofrimento psíquico e com necessidades decorrentes 
do uso de álcool e outras drogas. A nossa conversa abordará práticas que 
sustentem e incluam os diferentes modos de vida como um caminho para a 
configuração de redes vivas (Merhy, 2014) no campo da saúde e das políticas 
públicas.
43
AMARANTE, P. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. 3. ed. Rio de Janeiro: 
Fiocruz, 2007.
ARBEX, D. Holocausto Brasileiro. São Paulo: Geração Editora, 2013.
BARRETO, L. Diário do Hospício. O cemitério dos Vivos. 1. ed. São Paulo: 
Companhia das Letras, 2017.
BASAGLIA, F. A instituição negada. Relato de um hospital psiquiátrico. Rio 
de Janeiro: Edições Graal, 1985.
BASAGLIA, F. Escritos Selecionados em Saúde Mental e Psiquiatria. Rio 
de Janeiro: Garamond, 2005.
BEZERRA JÚNIOR, B. Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no 
Brasil. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, n. 4, p. 895-902, 2007.
BIRMAN, J. Cultura e Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1992.
BRASIL. Presidência da República. Constituição Federal. Brasília: 
Presidência da República, 1988. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/
atividade-legislativa/legislacao/constituicao1988. Acesso em: 29 jun. 2024.
CANÇADO, M. O Hospício é Deus. 5. ed. 1. reimp. Belo Horizonte: Autêntica 
Editora, 2016.
REFERÊNCIAS
44
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/constituicao1988
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/constituicao1988
CANÇADO, M. O sofredor do ver. 2. ed. 1. reimpr. Belo Horizonte: Autêntica 
Editora, 2016.
CARNEIRO, S. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo 
Negro, 2011.
CÉSAIRE, A. Discurso sobre o colonialismo. São Paulo: Veneta, 2020.
COIMBRA, C. M. B.; AYRES, L. S. M. Da Moralidade e Situação Irregular à 
Violência Doméstica: Discursos da (In) competência. In: COIMBRA, C.; AYRES, 
L.; NASCIMENTO, M. L. (orgs.). Pivetes: Encontros entre a Psicologia e o 
Judiciário. Curitiba: Juruá, 2008.
COUTO, M. C. V. Por uma política pública de saúde mental para crianças e 
adolescentes. In: FERREIRA, T. (org.). A criança e a saúde mental: enlaces 
entre a clínica e a política. Belo Horizonte: Autêntica/FHC-FUMEC, 2004.
DAVID, E. C.; VICENTIN, M. C. G. Práticas Antirracistas na Rede de Atenção 
Psicossocial: Racializar e Desnortear. Psicologia & Sociedade, v. 35, 
e277115, 2023.
DAVID, E. C. Aquilombar a cidade: território, raça e produção de saúde em 
São Paulo. Revista do centro de pesquisa e formação, n. 10, 2020. 
DAVID, E. C. Saúde Mental e relações raciais: desnorteamento, 
aquilombação e antimanicolonialidade. 1 ed. São Paulo: Perspectiva, 2024.
FANON, F. Por uma Revolução Africana. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2021.
45
FOUCAULT, M. História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: 
Perspectiva, 1972.
GOMES, B. S. Encontros antimanicoloniais nas trilhas desformativas. 
Trabalho de conclusão de residência (Especialização em saúde mental 
coletiva) - Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde, 
Universidade Federal Do Rio Grande Do Sul, Porto Alegre, 2019.
GONZALEZ, L. Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, 
intervenções e diálogos. Organização de Flavia Rios e Marcia Lima. 1. ed. Rio 
de Janeiro: Zahar, 2020.
GOUVEIA, R. P. Holocausto ou o Navio Negreiro? Inquietações para a 
Reforma Psiquiátrica Brasileira. Argum, Vitória, v. 10, n. 3, p. 10-22, 2018. 
JEHA, S.; BIRMAN, J. Aurora. Memórias e delírios de uma mulher da vida. 
São Paulo: Veneta, 2022.
KINOSHITA, R. T. Contratualidade e Reabilitação Psicossocial. In: PITTA, A. 
Reabilitação Psicossocial no Brasil. 2. ed. São Paulo, 2001. 
MBEMBE, A. Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de exceção. 
Tradução de Renata Santini. São Paulo: n-1 edições, 2018.
46
MERHY, E. E. et al. Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, 
sinais da rua. Implicações para a produção do cuidado e a produção do 
conhecimento em saúde. Divulg. saúde debate, v. 52, p. 153-164, 2014.
PATROCÍNIO, S. Reino dos bichos e dos animais é o meu nome. Rio de 
Janeiro: Azougue Editorial, 2001.
PILOTTI, F.; RIZZINI, I. A arte de governar crianças: a história das políticas 
sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. 2. ed. São Paulo: 
Cortez, 1995.
RATTS, A. Eu sou atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz 
Nascimento. 1. ed. São Paulo: Imprensa Oficial, 2006.
RIZZINI, I. O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para a 
infância no Brasil. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008.
ROSARIO, A. B. Arthur Bispo do Rosário. Organizador e curador Wilson 
Lazaro. Rio de Janeiro: Réptil, 2012.
TENÓRIO, F. A trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil: uma análise 
crítica. Revista Interface, v. 6, n. 11, p. 63-80, 2002.
47

Mais conteúdos dessa disciplina