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Indaial – 2020 Nutrição MaterNo- iNfaNtil Prof.ª Isabela Maria Sell 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.ª Isabela Maria Sell Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: S467n Sell, Isabela Maria Nutrição materno-infantil. / Isabela Maria Sell. – Indaial: UNIASSEL- VI, 2020. 240 p.; il. ISBN 978-65-5663-203-2 ISBN Digital 978-65-5663-204-9 1. Crianças - Nutrição. - Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 612.3 apreseNtação Caro acadêmico, é com grande satisfação que convidamos você a iniciar os estudos relacionados à disciplina Nutrição Materno-infantil. Como o nome sugere, os estudos desta disciplina são direcionados a informar, explicar e questionar os aspectos relevantes que compreendem conteúdos sobre a nutrição desde a concepção até ao final da infância. É de suma importância que o aluno de nutrição conheça todos esses aspectos para que sua formação seja integral e após formado no Curso de Nutrição, possa aplicar seus conhecimentos de forma segura e responsável. A ciência da nutrição vem sendo construída ao longo dos anos, de forma dinâmica e os conhecimentos acerca do tema passam por constantes reformulações, decorrentes do avanço nas pesquisas. Atualmente, as pessoas têm acesso a muitas informações, através dos inúmeros meios de comunicação. Tal realidade pode ser bem positiva, já que a informação se tornou muito democrática, porém é preciso que o acadêmico fique sempre atento às fontes dessas informações. Muitos conteúdos sobre nutrição que vinculam em sites e redes sociais não condizem com o que é considerado científico e validado para uma prática clínica esperada de um futuro profissional. O público alvo da nutrição materno-infantil, gestantes e crianças principalmente, pertencem a grupos que estão em ciclos de vida onde uma nutrição adequada é fundamental para evitar desfechos inesperados. O futuro nutricionista deve ter sua bagagem de conhecimentos muito bem embasados em referenciais teóricos e práticos e também ter um bom preparo para lidar com as questões humanas de uma forma ampla em que todos os aspectos relacionados à saúde do indivíduo sejam levados em consideração. Você, prezado acadêmico, deverá estar preparado para receber seus clientes de forma muito acolhedora e respeitar as especificidades de cada indivíduo, seu grupo social e cultural, suas condições econômicas, suas crenças e saberes. A partir disso, então deverá aplicar seus conhecimentos para prevenir e/ou melhorar a condição nutricional, seja da gestante, como do lactente, da criança no pré-escolar e escolar. Vale ressaltar que na abordagem em nutrição materno-infantil, além do sujeito que está em busca ou necessitando de uma intervenção nutricional, a família faz parte do contexto e de uma forma direta ou indireta está envolvida no processo. Esperamos que você esteja aberto, para esse momento de sua trajetória, para aproveitar todos os conteúdos apresentados nas Unidades 1, 2 e 3 deste livro didático, bem como estender sua busca em materiais sugeridos ao longo das unidades. Na nutrição é preciso buscar por conhecimento sempre. Um profissional nutricionista deverá estar sempre bem informado e atualizado. Isabela Maria Sell Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novi- dades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagra- mação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilida- de de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assun- to em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos! UNI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. 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LEMBRETE suMário UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ ............1 TÓPICO 1 — ASPECTOS FISIOLÓGICOS E NUTRICIONAIS DA GESTAÇÃO .................. 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 3 2 MUDANÇAS FISIOLÓGICAS NA GESTAÇÃO.......................................................................... 4 3 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL DA GESTANTE ......................................................................... 11 4 GANHO DE PESO DURANTE A GESTAÇÃO ........................................................................... 19 5 NECESSIDADES NUTRICIONAIS DA GESTANTE ................................................................ 23 6 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA GESTANTES .................................................. 28 7 CONSUMO DE ÁLCOOL E TABAGISMO NA GESTAÇÃO .................................................. 29 8 ABORDAGEM NUTRICIONAL EM SITUAÇÕES COMUNS NA GESTAÇÃO ................ 31 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 33 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 34 TÓPICO 2 — LACTAÇÃO .................................................................................................................. 35 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 35 2 FISIOLOGIA DA LACTAÇÃO ....................................................................................................... 36 3 COMPOSIÇÃO DO LEITE MATERNO (LM) .............................................................................. 38 4 MANEJO NO PROCESSO DE ALEITAMENTO MATERNO ................................................. 41 5 COMPLICAÇÕES COMUNS NO PROCESSODE LACTAÇÃO E ALEITAMENTO MATERNO ....................................................................................................... 47 6 BANCO DE LEITE ............................................................................................................................. 53 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 58 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 62 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 63 TÓPICO 3 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA NUTRIZ ...................................................... 65 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 65 2 NECESSIDADES ENERGÉTICAS DA NUTRIZ ........................................................................ 66 3 NECESSIDADES DE MACRO E MICRONUTRIENTES DA NUTRIZ ................................. 68 4 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA DA NUTRIZ ................................................... 69 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 72 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 73 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA ................. 75 TÓPICO 1 — LACTENTE ................................................................................................................... 77 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 77 2 CLASSIFICAÇÃO DO RECÉM-NASCIDO DE ACORDO COM SUA IDADE GESTACIONAL E PESO AO NASCER .......................................................................... 78 3 ASPECTOS FISIOLÓGICOS DO SISTEMA GASTROINTESTINAL DO LACTENTE .... 79 4 NECESSIDADES NUTRICIONAIS DO LACTENTE ................................................................ 82 5 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL DO LACTENTE ......................................................................... 85 6 A INFLUÊNCIA DO ALEITAMENTO MATERNO PARA O LACTENTE E O DESMAME .................................................................................................................................. 96 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 106 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 107 TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS ....................................................... 109 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 109 2 NECESSIDADES NUTRICIONIAS APÓS AOS 6 MESES DE IDADE................................ 110 2.1 REQUERIMENTO DE MACRONUTRIENTES ...................................................................... 110 2.2 REQUERIMENTO DE MICRONUTRIENTES ....................................................................... 111 3 ALIMENTAÇÃO COMPLEMENTAR ......................................................................................... 112 3.1 ESQUEMA ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO COMPLEMENTAR ................................... 116 4 TÉCNICA DE INTRODUÇÃO ALIMENTAR BLW .................................................................. 126 5 DEZ PASSOS PARA UMA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL PARA MENORES DE DOIS ANOS – MINISTÉRIO DA SAÚDE .......................................................................... 127 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 129 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 130 TÓPICO 3 — SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL NA INFÂNCIA ..................................... 131 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 131 2 ALIMENTOS ENRIQUECIDOS OU FORTIFICADOS ........................................................... 132 3 SUPLEMENTOS VITAMÍNICOS E MINERAIS ...................................................................... 133 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 143 RESUMO DO TÓPICO 3................................................................................................................... 149 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 150 UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE .............. 151 TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR ........................................................................... 153 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 153 2 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL DO PRÉ-ESCOLAR ................................................................ 154 2.1 VELOCIDADE DE CRESCIMENTO ....................................................................................... 166 2.1.1 Avaliação da altura em situações especiais .................................................................... 170 3 NECESSIDADES NUTRICIONAIS DO PRÉ-ESCOLAR, DO ESCOLAR E DO ADOLESCENTE ............................................................................................... 175 4 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA O PRÉ-ESCOLAR ........................................ 179 RESUMO DO TÓPICO 1................................................................................................................... 185 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 186 TÓPICO 2 — NUTRIÇÃO DO ESCOLAR E DO ADOLESCENTE ......................................... 189 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 189 2 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL DO ESCOLAR E DA ADOLESCÊNCIA ............................ 190 3 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA O ESCOLAR ................................................. 194 4 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA ADOLESCENTES ........................................ 196 RESUMO DO TÓPICO 2................................................................................................................... 198 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 199 TÓPICO 3 — SITUAÇÕES COMUNS NA INFÂNCIA .............................................................. 201 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 201 2 FORMAÇÃO DOS HÁBITOS ALIMENTARES ........................................................................ 202 2.1 ALIMENTAÇÃO ......................................................................................................................... 202 2.2 NUTRIÇÃO ................................................................................................................................. 202 2.3 INAPETÊNCIA ........................................................................................................................... 206 LEITURA COMPLEMENTAR .......................................................................................................... 209 RESUMODO TÓPICO 3................................................................................................................... 212 AUTOATIVIDADE ............................................................................................................................ 213 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................... 215 1 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • descrever as alterações fisiológicas do organismo materno que ocorrem na gestação; • citar e aplicar os métodos de avaliação do estado nutricional da gestante; • definir o ganho de peso adequado da mulher no período gestacional e as necessidades nutricionais da gestante; • relacionar os impactos para o bebê do consumo de álcool e do tabagis- mo durante a gestação; • identificar as situações comuns na gestação que podem influenciar na alimentação e nutrição da gestante; • descrever os mecanismos fisiológicos da lactação e citar os componentes do leite materno; • apresentar maneiras, técnicas e orientações para resolver ou minimizar as complicações no processo de lactação e aleitamento materno; • conhecer a história, a missão, público alvo, funcionamento e importân- cias dos bancos de leite; • compreender as mudanças físicas e psicológicas do puerpério; • aplicar os métodos de avaliação nutricional para lactantes; • identificar as necessidades de macro e micronutrientes de nutrizes. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – ASPECTOS FISIOLÓGICOS E NUTRICIONAIS DA GESTAÇÃO TÓPICO 2 – LACTAÇÃO TÓPICO 3 – RECOMNEDAÇÕES NUTRICIONAIS DA NUTRIZ Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ 2 3 TÓPICO 1 — UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico! Iniciaremos os estudos da disciplina de Nutrição Materno-infantil com o evento da gestação e todos os processos envolvidos nesta fase. A gestação é um momento da vida da mulher de muita vulnerabilidade nutricional. A saúde, tanto materna como do recém-nascido (RN), reflete de forma significativa na saúde futura dos cidadãos de uma nação. O intenso anabolismo que ocorre nesta fase vem acompanhado de aumento das demandas nutricionais que geram necessidade de uma atenção especial para evitar intercorrências relacionadas a má alimentação e nutrição. Vários aspectos estão relacionados com um estilo de vida saudável para população em geral e especialmente para a gestante. A American Dietetic Association (ADA) alerta para a importância do ganho de peso adequado nesta fase, o consumo variado de alimentos incluindo todos os grupos para garantir a ingestão de macros e micronutrientes, a suplementação adequada de micronutrientes, e a abstinência do consumo de álcool, tabaco e outras substâncias tóxicas. A condição nutricional antes da gestação é um fator importante na conjuntura que envolve a saúde da mulher, do feto e do desdobramento do processo gestacional, do parto e pós-parto. A gestação sofre influências, principalmente, no primeiro trimestre, das condições nutricionais do período preconcepção. As orientações nutricionais devem acontecer preferencialmente já neste período, mudanças alimentares e no estilo de vida durante esta fase diminuem riscos de agravos gestacionais. O nutricionista é um dos profissionais de saúde que atuam na área materno-infantil e entre suas atribuições clínicas incluem orientações nutricionais e alimentares para as gestantes. A formação acadêmica deve incluir o estudo de todas os aspectos envolvidos neste evento que traz muitas mudanças na vida da mulher. Começaremos com os aspectos fisiológicos da gestação. O entendimento das alterações que o organismo da mulher sofre após a concepção permite a compreensão acerca das demandas nutricionais desta fase. Tais conhecimentos refletirão na sua atuação profissional dando-lhe mais segurança para aplicar suas condutas e orientações para gestantes. ASPECTOS FISIOLÓGICOS E NUTRICIONAIS DA GESTAÇÃO UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ 4 2 MUDANÇAS FISIOLÓGICAS NA GESTAÇÃO A gestação é um período da vida da mulher que tem início na concepção e se estende por um período de cerca de 40 semanas sendo finalizado com o parto. O corpo materno passa por inúmeras alterações fisiológicas durante a gestação e essas desaparecem com o nascimento do bebê. São mudanças inevitáveis, porém temporárias, inerentes ao período, que podem ter graus variáveis de manifestações. As alterações anatômicas, bioquímicas e fisiológicas desta fase são importantes para manter um ambiente equilibrado e saudável para o desenvolvimento do feto e não alterar a saúde da mãe. Também estão relacionadas ao preparo do organismo da gestante para o trabalho de parto e para a lactação. Essas mudanças afetam basicamente todos os sistemas corporais, pois em decorrência de uma carga fisiológica aumentada, os ajustes funcionais têm início já na primeira semana gestacional perdurando até o final. Após ao parto, com a expulsão do feto e da placenta o organismo materno vai gradativamente voltando ao estado pré gestacional. Esse processo de reversão estará completo em aproximadamente seis semanas. As mamas são exceções, pois secretam leite por alguns meses enquanto a mãe estiver amamentando seu filho. Todas as mudanças corporais que ocorrem no organismo materno durante a gestação, somada à formação de um novo organismo favorece o entendimento acerca das demandas nutricionais inerentes a este período. Vamos descrever as alterações iniciando com a participação dos hormônios que possuem papel fundamental no desenvolvimento da gestação, no parto e no período da lactação. A gonadotropina coriônica humana, conhecida pela sigla HCG, é produzida pelas células do trofoblasto, e detectada no plasma a partir do oitavo dia após a fecundação e na urina no décimo quinto dia. A principal função deste hormônio é manter o corpo lúteo e com isso a secreção de estrogênio e progesterona que posteriormente serão secretados pela placenta (GUERTZENSTEIN, 2007). Vamos relembrar o que são trofoblatos? O trofoblatos são compostos por um conjunto de células heterogênicas derivadas da trofoectoderme, a camada externa do blastocisto. Contribui para a formação da placenta. Por isso a placenta é considerada um órgão fetal. NOTA TÓPICO 1 — ASPECTOS FISIOLÓGICOS E NUTRICIONAIS DA GESTAÇÃO 5 A progesterona e o estrogênio são produzidos pelo corpo lúteo presente no ovário nas primeiras oito semanas. Posteriormente, a placenta é responsável pela secreção destes hormônios que chega aos níveis máximos próximos ao momento do parto. A produção hormonal da placenta favorece a queda na produção do HCG (GUERTZENSTEIN, 2007). As ações da progesterona na gestação incluem um intenso efeito inibidor nas células musculares do útero, mantendo-as relaxadas e com isso evitando a expulsão do feto antes do momento ideal para o parto. Esse efeito também ocorre nas células musculares do intestino favorecendo a melhora na absorção de nutrientes, porém reduz a velocidade do trânsito intestinal acarretando a constipação comum na gestação. Também atua no desenvolvimento das mamas e no armazenamento de gordura. Favorece o aumento na excreção de sódio (VITOLO, 2008). O estrogênio provoca um efeito na musculatura uterina aumentando muito a proliferação de suas células e o aumento na elasticidade na parede do útero e do canal cervical. Também influencia no desenvolvimento das mamas para o processo de lactação. Juntamente à progesterona interfere no metabolismo do ácido fólico (GUERTZENSTEIN, 2007). O hormônio lactogênio placentáriotem estrutura semelhante ao da prolactina e do hormônio do crescimento. Favorece o depósito de proteínas nos tecidos. Um efeito importante na gestação é a glicogenólise que interfere na concentração de glicose sanguínea, antagonizando os efeitos da insulina. E como o nome sugere atua no início da lactogênese nas mamas. A insulina, hormônio produzido pelas células beta do pâncreas, tem sua eficiência alterada durante a gestação, que é considerado um mecanismo fisiológico. No início da gestação a insulina provoca uma resposta glicêmica normal. Com a evolução da gestação, a quantidade de insulina necessária para o metabolismo da glicose torna-se maior. O que caracteriza uma menor sensibilidade à insulina que desencadeia um “estado hiperinsulinêmico”. São necessárias quantidades maiores de insulina para transportar a mesma quantidade de glicose. Pelo menos uma parte deste efeito é provavelmente causado pela ação dos hormônios progesterona, cortisol, hormônio lactogênio placentário e prolactina. São chamados de antagonistas da insulina (VITOLO, 2015). Quando o organismo da futura mamãe não se adapta a essa demanda aumentada de insulina (não ocorre o aumento da secreção pelo pâncreas) pode ocorrer diabetes gestacional. IMPORTANT E UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ 6 A tiroxina, hormônio produzido pela glândula tireoide, atua em vários sistemas corporais e regula as reações implicadas na produção de energia. As necessidades corporais deste hormônio estão aumentadas já nas primeiras semanas após a concepção. O HCG estimula a tireoide materna no primeiro trimestre, através de uma ação similar ao do TSH (hormônio tireoestimulante produzido pela hipófise anterior). O pico de elevação ocorre lá pela 12ª a 14ª semana gestacional, porém não se mantém aumentado devido à diminuição na secreção de HCG (MACIEL; MAGALHÃES, 2008). O estrogênio e a progesterona também interferem na secreção tireoidiana. É importante destacar que a tiroxina é transferida da mãe para o feto através da placenta. Um dos órgãos protagonistas na gestação é o útero. É um dos órgãos maternos que sofre as maiores mudanças. Ele passa de um órgão pequeno, que pesa aproximadamente 60 gramas antes da gestação, para um tamanho cinco a seis vezes maior no final com peso de 1.000 gramas. Lembrando que de órgão oco, passará a abrigar um feto, a placenta e 500 a 1000 ml de líquido amniótico (ZIEGEL; CRANLEY, 2008). O miométrio, camada de músculo liso encontrado na parede uterina, fica aumentado e com isso favorece a expulsão do bebê durante o trabalho de parto. Esse aumento ocorre através da hipertrofia (aumento no tamanho da célula muscular) e também a hiperplasia (aumento no número de células) das células musculares lisas. As células musculares do útero podem aumentar de tamanho 17 a 40 vezes. O aumento da musculatura uterina também é acompanhado pelo aumento do tecido conjuntivo, vascularização e inervação. Todas essas mudanças são ocasionadas pela ação dos hormônios progesterona, estrogênio e somatomamotropina coriônica (ZIEGEL; CRANLEY, 2008). A partir da metade da gestação o aumento do útero se dá também por ação mecânica exercida pelo feto na parede de útero que sofre distensão e vai afinando. A espessura do útero no final chega a 5 mm, o que facilita a palpação do feto (ZIEGEL; CRANLEY, 2008). A formação da placenta faz parte das alterações inerentes à gestação. Trata-se de um anexo fetal que possui uma porção fetal e uma porção materna. É um órgão temporário que tem funções essenciais no processo gestacional como nutrição, respiração, excreção produção de hormônios e proteção. Se o desempenho da placenta estiver comprometido provavelmente o desenvolvimento do feto será afetado (GUERTZENSTEIN, 2007). A placenta começa a ser formada, primeiramente pela decídua, após a implantação do ovo no endométrio que passa por modificações (GUERTZENSTEIN, 2007). Tem formato oval e aspecto esponjoso (VITOLO, 2008). É intensamente vascularizada. Seu peso final é de 600 a 650 gramas. Possui uma porção fetal e uma porção materna. Os sangues fetais e maternos são separados por uma TÓPICO 1 — ASPECTOS FISIOLÓGICOS E NUTRICIONAIS DA GESTAÇÃO 7 membrana placentária, chamada de barreia placentária, que evita que os sangues se misturem (GUERTZENSTEIN, 2007). A placenta constitui o local de transporte que favorece as trocas de substâncias entre mãe e feto. Para que o feto recebe o aporte adequado de nutrientes é fundamental que o organismo materno esteja tendo acesso aos nutrientes, possa digerir, absorver, metabolizar utilizar e transportas os nutrientes para que a placenta os disponibilize (GUERTZENSTEIN, 2007). Do ponto de vista funcional a barreira placentária é similar da mucosa intestinal, utiliza vários tipos de transportes como difusão simples e facilitada, transporte ativo, ultrafiltração e pinocitose para efetuar as trocas de gases, resíduos metabólicos e nutrientes entre mãe e feto. O feto recebe através da placenta aminoácidos para sintetizar suas próprias proteínas. As proteínas que são moléculas de alto peso molecular não atravessam a placenta. Uma exceção é a imunoglobulina G (IgG) que através de pinocitose chega ao feto vinda da mãe e lhe confere proteção imunológica. Além de transportar nutrientes a própria placenta é capaz de sintetizar alguns nutrientes como glicogênio, ácidos graxos e colesterol que servem de substrato energético para o feto. Algumas alterações da placenta podem que podem estar associadas com intercorrências fetais incluem as lesões vasculares, vilosite crônica, aumento de fibrina no espaço interviloso e descolamento abrupto de placenta. Uma avaliação e acompanhamento médico é fundamental para identificar problemas no crescimento e desenvolvimento fetal (CÔRREA et al., 2006). E então, acadêmico? O que achou da maestria na organização hormonal da gestação? Percebeu que a progesterona e o estrogênio são fundamentais no preparo do útero e para a amamentação? Agora vamos explorar os demais sistemas e as adaptações durante a gestação. O sistema cardiovascular sofre alterações características e graduais durante a gestação e o parto. Uma delas é o aumento do volume plasmático de A placenta representa um órgão imprescindível para um efetivo e bom resultado do processo gestacional. É altamente metabólico e além de produzir várias enzimas, secreta hormônios que são responsáveis pela manutenção da gestação e também atuam nas mamas preparando-as para lactação. NOTA UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ 8 até 50% em relação ao período pré gestacional caracterizando uma hipervolemia. Esse mecanismo favorece a perfusão adequada para o útero hipervascularizado e um suprimento reserva para minimizar as possíveis perdas na hora do parto. O aumento do volume sanguíneo não é acompanhado proporcionalmente pelo aumento no número de hemácias, o que leva a uma hemodiluição. A quantidade de hemácias e hemoglobina aumenta cerca de 20%. O resultado é de uma redução do hematócrito de 15% e de hemoglobina de 20% com valores do volume corpuscular médio (VCM) e da concentração média de hemoglobina inalterados (VITOLO, 2008). Ocorre também uma redução na concentração das proteínas plasmáticas principalmente a albumina resultante da hemodiluição. O edema comum nas gestantes pode ser explicado em partes por essa redução proteica (GUERTZENSTEIN, 2007). Tanto o débito como a frequência cardíaca também aumentam gradativamente durante a gestação (PICON; SÁ, 2005). O débito cardíaco tem um aumento de cerca de 40% em resposta ao aumento das necessidades de oxigênio. O coração fica aproximadamente 12% maior, aumento relacionado à expansão no volume sanguíneo (TURNER, 2009). Os batimentos cardíacos estão cerca de 10 batimentos por minutos acima da frequência cardíaca do período anterior à gestação. No final do período volta ao normal (GUERTZENSTEIN, 2007). A funçãorespiratória se adapta ao período gestacional. O aumento no volume uterino acarreta elevação do diafragma e o ônus pulmonar reduz pela ação da progesterona. A respiração da gestante fica mais profunda e mais rápida o que resulta em diminuição da pressão parcial de gás carbônico e aumento da pressão parcial de oxigênio. Consequentemente, ocorre maior ventilação pulmonar e otimização nas trocas gasosas garantido suprimento de oxigênio para o feto e os anexos (GUERTZENSTEIN, 2007). Os rins sofrem alterações anatômicas durante a gestação. O cumprimento aumenta discretamente, os ureteres alongam-se ficam mais largos e mais encurvados. A gestante tem um aumento na frequência de micção já no início da gestação decorrente tanto da ação hormonal como pelas adaptações anatômicas. O útero que aumenta de tamanho repousa sobre a bexiga e pressiona este órgão (TURNER, 2009). O fluxo sanguíneo renal eleva-se entre 25 a 50% e a taxa de filtração glomerular aumenta aproximadamente 50%. O aumento da taxa de filtração glomerular favorece a glicosúria fisiológica comum na gestação devido às taxas de reabsorção tubular da glicose não acompanharem essa mudança. Também ocorre perda de folato, iodo e aminoácidos pela urina, provavelmente pelo mesmos motivos (TURNER, 2009). A progesterona provoca um efeito natriurético com excreção aumentada de sódio pela urina, porém o aumento na secreção de renina, angiotensina e aldosterona desencadeia maior reabsorção tubular de sódio. O resultado TÓPICO 1 — ASPECTOS FISIOLÓGICOS E NUTRICIONAIS DA GESTAÇÃO 9 final é a manutenção de níveis seguros de sódio no organismo materno (GUERTZENSTEIN, 2007). O trato gastrintestinal também sofre alterações durante a gestação que favorecem o melhor aproveitamento de nutrientes para garantir as demandas aumentadas neste período. As alterações ocorrem em toda a extensão deste sistema. Na boca, as gengivas apresentam hiperemia, tumefação e edema. Estudos demonstram maior suscetibilidade de gestantes à presença de caries e de doenças periodontais (GUERTZENSTEIN, 2007). Alguns sintomas são comuns principalmente no início da gestação como náuseas, vômitos e constipação (SAFFIOTI et al., 2011). Náuseas e vômitos são mais frequentes pela manhã e podem levar à redução na ingestão de alimentos. O aumento de apetite, o apetite específico por algum alimento, comumente chamado de “desejo” e ou a aversão por outros também são relatados por várias gestantes (GUERTZENSTEIN, 2007). Tais situações podem refletir na qualidade da alimentação da futura mamãe. As funções olfativas e gustativas mostram-se alteradas na gestação que provavelmente estão relacionadas com as alterações hormonais. É comum a gestante demonstrar uma redução na sensibilidade ao sal e consequentemente aumentar a sua ingestão. O aumento na função olfativa tem sido apontado como uma das causas das náuseas e vômitos das gestantes (VITOLO, 2015). Como já mencionado, a progesterona reduz a motilidade do trato gastrintestinal por ação na musculatura lisa. Esse hormônio também reduz a secreção de motilina, hormônio que estimula os movimentos musculares intestinais. Essa ação da progesterona favorece a diminuição no tempo de esvaziamento gástrico e consequente maior tempo de contato dos nutrientes com a mucosa abortiva. Por outro lado, a diminuição do tônus muscular somada com a maior absorção de água pelo cólon é relacionada com a presença de constipação na gestação e também o desenvolvimento de hemorroidas (TURNER, 2009; GUERTZENSTEIN, 2007; VITOLO, 2015). A progesterona influencia na diminuição no tônus do esfíncter gastroesofágico inferior o que favorece o retorno do bolo alimentar. O aumento do útero pela presença do feto acarreta a elevação do diafragma, estomago e esôfago. Essas alterações explicam a presença de pirose, refluxo gastresofágico e hérnia de hiato em algumas gestantes (TURNER, 2009; GUERTZENSTEIN, 2007; VITOLO, 2015). A vesícula biliar também apresenta hipotonia e libera volumes menores de bile. Tal mecanismo induz certa intolerância à ingestão de gorduras na gestação (GUERTZENSTEIN, 2007). UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ 10 Sobre o metabolismo basal ocorre um aumento que no final da gestação é de 15 a 20% acima das taxas do período preconcepção. As causas desse aumento incluem o aumento de peso, o consumo maior de oxigênio e maior produção de hormônios (VITOLO, 2015). O ganho de peso corporal ocorre sempre na gestação, decorrente tanto pela presença e crescimento do feto, anexos embrionários, e aumento na gordura corporal. Pode variar de 7 a 18 kg, podendo estar fora deste intervalo em situações adversas. As mamas sofrem um rápido aumento do tamanho e do peso. O aumento médio é de 700g para cada mama. Esse aumento é ocasionado pela ação hormonal do estrogênio e progesterona. Observa-se um desenvolvimento dos ácinos e o número dos ductos lactíferos estão aumentados e também o calibre dos ductos. No final da gestação a presença do colostro distende os alvéolos e ductos lactíferos (GUERTZENSTEIN, 2007; HALL, 2016). Na região da aréola as veias ficam mais aparentes decorrente do incremento do volume sanguíneo. A coloração fica mais intensa, com aparência escurecida e aumenta o diâmetro das glândulas de Montgomery, que pode ser observada na Figura 1, produzem substância lubrificante (GUERTZENSTEIN, 2007). A pele também sofre alterações na gestação. A perfusão sanguínea elevada para esta região faz parte de adaptações fisiológicas que favorecem a excreção de metabólitos (GUERTZENSTEIN, 2007). Além das várias alterações e adaptações fisiológicas da gestação acima estudadas, a mudança da postura corporal motivada pela alteração do centro de gravidade também é bem características deste período (GUERTZENSTEIN, 2007). De acordo com a literatura, tal adaptação é decorrente do aumento do volume uterino e também a ação do hormônio relaxina. A ação da relaxina é a de provocar a frouxidão ligamentar e consequentemente, promover a flexibilidade da sínfise púbica e a articulação sacroilíaca o que facilita a passagem do feto no parto (MOREIRA et al., 2011). FIGURA 1 – ARÉOLA COM GLÂNDULAS DE MONTGOMERY FONTE: <https://bit.ly/3lUjc0y>. Acesso em: 15 jan. 2020. 11 Agora que você, acadêmico, já adquiriu conhecimentos sobre as principais alterações fisiológicas que ocorrem na gestação, vamos focar nosso estudo na avaliação nutricional nesta fase. 3 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL DA GESTANTE A avaliação nutricional da gestante tem como objetivo identificar desvios ponderais iniciais e ganho de peso abaixo ou acima do recomendado e desta forma possibilitar a definição de condutas adequadas em cada caso e com isso, reduzir os riscos e resultados desfavoráveis durante a gestação e no parto, tanto para a mãe como para o bebê. Para a realização de uma adequada avaliação nutricional da gestante é necessário realizar uma anamnese nutricional bem completa que deverá incluir a avaliação antropométrica, bioquímica, clínica e alimentar. A partir destas informações é possível identificar o diagnóstico nutricional que deverá ser o resultado de uma análise de todos esses aspectos e uma interpretação do profissional nutricionista baseado nas diretrizes recomendadas pelos órgãos competentes (VITOLO, 2008). Antes da apresentação do conteúdo sobre as técnicas de avaliação nutricional, é importante que você se familiarize sobre as particularidades em relação aos períodos gestacionais. Como já foi exposto, a gestação é um período de aproximadamente 40 semanas, podendo variar entre 38 a 42 semanas. Neste caso, é chamada de “a termo”. Quando a gestação dura menos de 37 semanas completas é considerada uma gestação pré-termo e o RN é chamado de recém-nascido pré-termo (RNPT). Uma gestação com duração acima de 42 semanas é considerada pós-termo e o RN é chamado de recém-nascido pós-termo. Cada extremo da idade gestacional poderá aumentar o riscode desenvolver alguns problemas. As 40 semanas de gestação são divididas em três trimestres. Cada trimestre possui características peculiares relacionadas ao desenvolvimento do bebê e também das transformações do corpo da mãe. Até a 8ª semana de gestação o futuro bebê é um embrião. Após será chamado de feto. A idade gestacional (IG) é expressa em semanas e não em meses. Isso se dá porque os meses variam em quantidade de dias, podendo ter 30, 31, 28 e até 29 dias como é o caso de fevereiro. Já as semanas não variam, possibilitando cálculos mais precisos. Para calcular a idade gestacional existem alguns métodos. O Ministério da Saúde (MS) recomenda identificar a data do primeiro dia da última menstruação (DUM) para o cálculo da data provável do parto (DPP). 12 Vamos aprender como calcular a idade gestacional? Primeiro vamos identificar com a gestante o primeiro dia da última menstruação – DUM. Em seguida, verifica-se a quantidade de dias entre a DUM e o dia que se está fazendo o cálculo. O valor deve ser dividido por 7. O resultado é o número de semanas gestacionais. Se houver “resto” da divisão é a quantidade de dias passados na última semana (que ainda não completou 7 dias total que formam uma semana). Observe o exemplo no Quadro 1. Atenção para o fato que a concepção se dá próxima ao 14º dia após o primeiro dia da menstruação (dia da ovulação para ciclos regulares). Desta forma, o resultado deste método na verdade é de semanas da última menstruação (NEGRINI, 2018). QUADRO 1 – EXEMPLO DE CÁLCULO DA IDADE GESTACIONAL EM SEMANAS A avaliação antropométrica merece uma atenção especial, pois para gestantes alguns dados anteriores ao período são utilizados. O peso pré- gestacional, a nutrição e o ganho de peso materno influenciam na repercussão final da gestação. Já é bem estabelecida a relação entre o peso e a saúde do recém- nascido e o estado nutricional materno, inclusive influenciando nos processos de crescimento e desenvolvimento da criança nos primeiros anos de vida (BARROS; SAUNDERS; LEAL, 2008). Estudos apontam que o ganho de peso materno insuficiente durante a gestação aumenta o risco de nascimento pré-termo e o crescimento intrauterino restrito caracterizado pelo baixo peso do RN ao nascer (BARROS; SAUNDERS; LEAL, 2008). FONTE: Negrini (2018, s.p.) Gestante com DUM, no dia 4 de março. 20 de abril, dia da primeira consulta pré-natal e momento do cálculo da IG. • Do dia 4 de março até dia 21 de abril somam 49 dias • Divide-se 49 por 7 → 49 ÷ 7 = 7 • A gestante está com 7 semanas de IG. Atualmente, existem calendários especiais para verificar a ID e da DPP. DICAS 13 Identificar inadequações do estado nutricional quanto mais precoce possível, possibilita a instalação de conduta adequada e com isso aumenta as chances de melhorar as condições de nascimento do bebê e também reduz o risco de mortalidade perinatal e ou neonatal (BARROS; SAUNDERS; LEAL, 2008; VITOLO, 2015). A avaliação antropométrica é considerada um dos meios mais acessíveis, rápido e não invasivo utilizado para avaliar o estado nutricional da gestante. As medidas mais comumente utilizadas na avaliação antropométrica é a altura, o peso pré-gestacional e ganho de peso. De acordo com estudos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Instituto de Medicina dos Estados Unidos (IOM) as medidas de circunferência braquial e dobra tricipital também são citadas em estudos populacionais. Altura uterina e a circunferência da panturrilha são considerados bons indicadores do estado nutricional (VITOLO, 2008). A estatura deve ser aferida no início da gestação de preferência na primeira consulta após a concepção e no máximo até a 20ª semana gestacional, devido à alteração postural que leva a uma lordose fisiológica. A estatura de gestantes adolescente deve ser aferida a cada consulta ou a cada trimestre. O peso corporal da gestante deve ser anotado no prontuário e especificado como: • Peso atual que é o valor aferido a cada consulta, útil para acompanhar o ganho de peso. • O peso habitual que é relatado pela gestante na primeira consulta pré-natal. • O peso pré-gestacional. • Avaliação antropométrica. O Ministério da saúde (MS) no Brasil adotou durante anos o nomograma e a curva de Rosso, que inclusive fizeram parte da caderneta da gestante antes dos anos 2000. Este método não é mais utilizado, foi substituído pela curva percentilar de ganho de peso. Mesmo assim é importante para a formação do nutricionista conhecer vários métodos. Atualmente, a obesidade é tão ou mais prevalente que a desnutrição nos países em desenvolvimento como o Brasil. O excesso de peso da gestante ou ganho excessivo de peso durante a gestação são considerados fatores de risco para complicações neste período, como doença hipertensiva específica da gestação, diabetes gestacional, macrossomia fetal, parto cirúrgico, retenção maior de peso materno no pós-parto (BARROS; SAUNDERS; LEAL, 2008). ATENCAO 14 O nomograma e curva de Rosso utiliza a relação peso atual da gestante e a altura para encontrar a relação da porcentagem P/A por meio de uma linha diagonal (Figura 2). Em seguida, transporta-se o P/E encontrado para a curva e relaciona-o com a idade gestacional. O ponto de convergência na curva apontará o estado nutricional da gestante (Figura 3). Este método pode ser utilizado somente para mulheres com estatura mínima de 1,45 m e estatura máxima de 1,74 m (VITOLO, 2008; GUERTZENSTEIN, 2007). FIGURA 2 – NOMOGRAMA DE ROSSO FONTE: <https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/nutricao/avaliacao-do-es- tado-nutricional-pre-gestacional-e-gestacional/11824>. Acesso em: 17 fev. 2020. 15 FONTE: <https://www.passeidireto.com/arquivo/2116918/avaliacao-gestante-curva-de-rosso>. Acesso em: 17 fev. 2020. FIGURA 3 – CURVA DE ROSSO 16 A utilização do nomograma e a curva de Rosso foi muito criticado, pois o método utiliza a relação peso atual com a altura, sendo considerado menos fidedigno com o estado nutricional comparado com a curva do IMC. Como superestima a prevalência da desnutrição é muito útil para populações com alta incidência de desnutrição. É considerado por muitos autores como um método excelente para ser aplicado com a população da rede pública de saúde. Atualmente, o MS recomenda a avaliação antropométrica da gestante através da análise do peso pré-gestacional, altura atual e acompanhamento do ganho de peso de acordo com a idade gestacional. O estado nutricional pré- gestacional é um fator preditivo do crescimento fetal e possibilita determinar o ganho de peso adequado durante a gestação. O cálculo do índice de massa corporal (IMC) pré-gestacional deve ser realizado na primeira consulta do pré-natal, no primeiro trimestre de gestação, baseado no peso pré-gestacional anterior a 14ª semana gestacional. O guia de pré-natal e puerpério do Ministério da Saúde recomenda considerar o IMC pré-gestacional referido pela gestante ou calculá-lo com os dados coletados até a 13ª semana de gestação. Caso não conheçam tais dados, utilizar os dados coletados na primeira consulta de pré-natal, mesmo que aconteça após a 13ª semana gestacional. Lembrem-se de que para gestantes adolescentes é necessária a coleta da altura de três em três meses e recálculo do IMC (FERNADES et al., 2013). Como você já deve saber o IMC é o resultado da divisão do peso em kg pela a altura em metro ao quadrado. Após calcular o IMC da gestante é necessário identificar o estado nutricional de acordo com a Tabela 1. TABELA 1 – CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL DE ACORDO COM O IMC PRÉ-GESTA- CIONAL FONTE: Adaptado de Melo (2011) IMC pré-gestacional (kg/alt² (m)) Classificação dom estado nutricional pré-gestacional < 18,5 Baixo peso 18,5 a 24,9 Peso adequado 25,0 a 29,9 Sobrepeso ≥ 30,0 Obesidade Quando o peso pré-gestacional não é conhecido, pode-se optar pela avaliação do estado nutricional da gestante fazendo uma associação entre o estado nutricional atuale a semana gestacional de acordo com a proposta de (ATALAH et al.,1997; HINKELMANN et al., 2015). Neste caso utilizam-se os dados da Tabela 2. 17 Semana gestacional Baixo peso (BP) IMC ≤ Adequado IMC entre Sobrepeso (S) entre Obesidade (O) ≥ 6 19,9 20,0 – 24,9 25,0 – 30,0 30,1 8 20,1 20,2 – 25,0 25,1 – 30,1 30,2 10 20,2 20,3 – 25,2 25,3 – 30,2 30,3 11 20,3 20,4 – 25,3 25,4 - 30,3 30,4 12 20,4 20,5- 25,4 25,5 – 30,3 30,4 13 20,6 20,7 – 25,6 25,7 – 30,4 30,5 14 20,7 20,8 – 25,7 25,8 – 30,5 30,6 15 20,8 20,9 – 25,8 25,9 – 30,6 30,7 16 21,0 21,1 – 25,9 26,0 – 30,7 30,8 17 21,1 21,2- 26,0 26,1 – 30,8 30,9 18 21,2 21,2 – 26,1 26,2 – 30,9 31,0 19 21,4 21,5 – 26,2 26,3 – 30,9 31,0 20 21,5 21,6 – 26,3 26,4 – 31,0 31,1 21 21,7 21,8 – 26,4 26,5 – 31,1 31,2 22 21,8 21,9 – 26,6 26,7 – 31,2 31,3 23 22,10 22,1 – 26,8 26,9 – 31,3 31,4 24 22,2 22,3 – 26,9 27,0 – 31,5 31,6 25 22,4 22,5 – 27,0 27,1 – 31,6 31,7 26 22,6 22,7 – 27,2 27,3 – 31,7 31,8 27 22,7 22,8 – 27,3 27,4 – 31,8 31,9 28 22,9 23,0 – 27,5 27,6 – 31,9 32,0 29 23,1 23,2 – 27,6 27,7 – 32,0 32,1 30 23,3 23,4 – 27,8 27,9 – 32,1 32,2 31 23,4 23,5 – 27,9 28,0 – 32,2 32,3 32 23,6 23,7 – 28,0 28,1 – 32,3 32,4 33 23,8 23,9 – 28,1 28,2 – 32,4 32,5 34 23,9 24,0 – 28,3 28,4 – 32,5 32,6 35 24,1 24,2 – 28,4 28,5 – 32,6 32,7 36 24,2 24,3 – 28,5 28,6 – 32,7 32,8 37 24,4 24,5 – 28,7 28,8 – 32,8 32,9 38 24,5 24,6 – 28,8 28,9 – 32,9 33,0 39 24,7 24,8 – 28,9 29,0 – 33,0 33,1 40 25,0 25,1 – 29,2 29,3 – 33,2 33,3 42 25,0 25,1 – 29,2 29,3 – 33,2 33,3 FONTE: Adaptado de Fagundes at al. (2004) TABELA 2 – CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL DE GESTANTES DE ACORDO COM O IMC POR IDADE GESTACIONAL 18 Fonte: <http://g1.globo.com/platb/files/2126/2012/03/TABELA_IMC_MENINAS1.jpg>. Acesso em: 13 fev. 2020. Gestantes, que ainda estão na fase da adolescência, são fisiologicamente imaturas e a gestação é de risco. O risco aumenta quando a gestação acontece em menos de dois anos após a menarca (BELARMINO, 2009). Neste caso, para meninas com idade inferior a 19 anos, a avaliação antropométrica utiliza a análise do estado nutricional pré-gestacional com base no IMC pré-gestacional, analisando nas curvas de IMC por idade e sexo recomendada pelo OMS para adolescentes, conforme Figura 4. FIGURA 4 – ESCORE Z DE IMC POR IDADE (MENINAS DE 5 A 19 ANOS) A avaliação bioquímica faz parte de uma avaliação nutricional completa, além da antropometria, e avaliação dietética. Do ponto de vista nutricional, geralmente é investigado bioquimicamente a dosagem de hemoglobina. Os valores < 11 mg/dL e > 8 mg/Dl são sugestivos de anemia leve a moderada. Valores abaixo de 8 mg/dL indicam anemia grave (HINKELMANN et al., 2015). A glicemia é outro exame bioquímico imprescindível no acompanhamento gestacional. É recomendada a solicitação da dosagem de glicose plasmática em jejum na primeira consulta. Após a vigésima semana gestacional também é solicitada e o teste de tolerância à glicose, realizados para rastreamento de diabetes gestacional (HINKELMANN et al., 2015). 19 O teste de tolerância à glicose – TTG – é realizado em laboratório bioquímico. Consiste na ingestão de uma solução com 75 g de glicose pela gestante após a um jejum, com posterior dosagem da glicose plasmática: em jejum, após 1 hora e após 2 horas após a ingestão da solução. NOTA Com o objetivo de identificar erros alimentares relevantes para o processo gestacional e possibilitar intervenções nutricionais precoces, a avaliação dietética deve fazer parte da abordagem do profissional nutricionista na assistência a gestantes. Vários são os métodos que podem ser utilizados como história dietética, questionário de frequência alimentar, recordatório de 24 horas etc. O profissional deverá identificar quais serão mais úteis em cada caso (GUERTZENSTEIN, 2007). 4 GANHO DE PESO DURANTE A GESTAÇÃO As alterações de peso no primeiro trimestre gestacional, não trazem grandes repercussões. É comum, inclusive, acontecer perda de peso nesta fase de até três kg. Podem não ocorrer alterações em relação ao peso pré-gestacional ou ter um aumento do peso de aproximadamente dois kg. Nenhuma destas situações comprometem nem a saúde da gestante nem a do embrião. Portanto, quando ocorrem desvios muito grandes, com ganho excessivo ou perdas significativas de peso é indicado um acompanhamento especial em relação à nutrição para minimizar riscos de inadequações no período gestacional (VITOLO, 2008). É importante ficar atento ao fato do aumento da prevalência de obesidade em mulheres em idade reprodutiva e uma elevação do ganho de peso durante a gestação. Dados do VIGITEL – Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, demonstram excesso de peso em mulheres nas faixas etárias entre 18 a 44 anos no Brasil. A gestação é um fator de risco para a obesidade. E a obesidade na gestação aumenta fatores de risco tanto fetais como maternos (MELO, 2011). O ganho de peso insuficiente, principalmente em gestantes com reservas de nutrientes inadequadas, somadas a uma ingestão dietética abaixo do recomendado, poderão favorecer o comprometimento do crescimento fetal (WERUTSKY et al., 2008), aumentando o risco de recém-nascido com baixo peso (RNBP) e prematuridade (GUERTZENSTEIN, 2007). 20 Nos dois últimos trimestres o ganho de peso vai sofrer influências do es- tado nutricional da gestante. O ganho de peso total durante a gestação resulta da soma do peso do feto que é de aproximadamente 3,0 kg para recém-nascido a ter- mo, membranas fetais e líquidos amnióticos é cerca de 2,5 kg, mamas que variam de 1 a 1,5 kg, aumento do volume plasmático e retenção (edema) variam de 2 a 3 kg e maior ou menor depósito de gordura materna cerca de 1 kg. O ganho ponderal durante a gestação deve levar em considerado questões individuais, ter como base o estado nutricional pré-concepcional, idade e estatura materna, a presença de doença e antecedentes obstétricos (GUERTZENSTEIN, 2007). O Ministério da Saúde – MS adota atualmente, como indicador para a avaliação do ganho de peso materno durante a gestação, as recomendações do Instituto de Medicina dos Estados Unidos (IOM), de acordo com o estado nutri- cional pré-gestacional ou inicial. Utiliza o índice de massa corporal (IMC), que reflete a relação entre peso e altura (SATO; FUJIMORI, 2012), conforme Tabela 4. TABELA 4 – RECOMENDAÇÃO DE GANHO DE PESO TOTAL E SEMANAL DE ACORDO COM O IMC PRÉ-GESTACIONAL Uma ferramenta útil para acompanhar o estado nutricional da gestante é o gráfico de IMC (kg/alt²) de acordo com a idade gestacional em semanas (Figura 5). A interpretação do gráfico reflete traçado ascendente um ganho de peso adequado, traçado horizontal ou descendente ganho de peso inadequado. Este gráfico é encontrado na caderneta da gestante e utilizado para acompanhamento nutricional. Não é indicado para avaliar gestantes adolescentes. IMC pré- gestacional (Kg/m²) Ganho de peso total recomendado Ganho de peso por semana – 2º e 3º trimestre (Kg) < 18,5 12,5 – 18,0 0,5 18,5 – 24,9 11,5 – 16,0 0,4 25,0 – 29,9 7,0 – 11,5 0,3 > 30 5,0 – 9,0 0,2 FONTE: Adaptado de IOM (2009) 21 FIGURA 5 – ACOMPANHAMENTO NUTRICIONAL DE GESTANTES DE ACORDO COM IMC POR SEMANA GESTACIONAL FONTE: Adaptado de Brasil (2005) O ganho de peso e as necessidades nutricionais recomendadas para gestantes gemelares são maiores (WERUTSKY et al., 2008.) O ganho de peso total recomendado para gestante gemelar e por período semanal de acordo com o estado nutricional pré-gestacional encontra-se na Tabela 5. 22 Você sabia que quando a gestação ocorre na adolescência a atenção em saúde, incluindo a nutricional, deve respeitar especificidades inerentes a esse período de crescimento e desenvolvimento da menina? A adolescência é considerada uma fase de alta vulnerabilidade, pois é caracterizada por intensas mudanças tanto corporais como psicológicas e sociais. A Organização Mundial de Saúde (OMS), considera a adolescência como o períodocompreendido entre 10 a 19 anos de idade (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1997). Dados preocupantes identificados por estudos demográficos, demonstraram um aumento da ocorrência de gravidez na adolescência no Brasil (IBGE, 2008). Os fatores que têm sido apontados como determinantes desta realidade incluem, o início da vida sexual mais precocemente, desestruturação familiar, baixo nível de escolaridade, baixa renda, falta de informação sobre métodos contraceptivos, entre outros (FERNANDES et al., 2013). É fundamental para a abordagem nutricional adequada, direcionada a gestantes adolescentes, que os envolvidos tenham ciência das especificidades da situação. A gravidez na adolescência é considerada pela Organização Mundial de Saúde (1997) uma gravidez de risco. A menina adolescente encontra-se ainda em fase de crescimento e desenvolvimento. Quando a adolescente tem idade ginecológica, menor a dois anos é considerada em imaturidade biológica. Vale relembrar que idade ginecológica é referente a menarca, primeira menstruação. A primiparidade nessa fase também é apontado como um fator de vulnerabilidade. Tal panorama influencia no desfecho final da gestação. As complicações presentes na gestação em adolescentes, referidas na literatura abrange diabetes gestacional, pré-eclâmpsia, abortamento espontâneo, parto prematuro, baixo crescimento intrauterino, maior incidência de recém- nascido pré-termo e com baixo peso (ROCHA et al., 2006; GARCÍA; AVENDAÑO- BECERRA; ISLASRODRÍGUEZ, 2008). FONTE: Adaptado de Brasil (2005) Estado nutricional pré- gestacional Ganho de peso (Kg) por semana 0 a 20 semanas Ganho de peso (Kg) por semana 20 a 28 semanas Ganho de peso (Kg) por semana 28 semanas até o parto Ganho de peso total (Kg) Baixo peso 0,560 a 0,790 0,680 a 0,790 0,560 22,5 a 27,9 Peso adequado 0,450 a 0,680 0,560 a 0,790 0,450 18 a 24,3 Sobrepeso 0,450 a 0,560 0,450 a 0,680 0,450 17,1 a 21,2 Obesidade 0,340 a 0,450 0,340 a 0,560 0,340 13 a 17,1 TABELA 5 – RECOMENDAÇÃO DE GANHO DE PESO SEGUNDO O ESTADO NUTRICIONAL PRÉ-GESTACIONAL DE GESTANTE GEMELAR 23 FONTE: Adaptado de Brasil (2006) IMC pré-gestacional Faixa de ganho de peso recomendada (Kg) < 19,8 12,5 – 18 19,8 – 26 11,5 – 16 26-29 7,0 – 11,5 > 29 7,0 – 9,1 A recomendação de ganho de peso para gestantes adolescentes também é baseada no IMC pré-gestacional. Na Tabela 6, você pode observar essas recomendações. TABELA 6 – RECOMENDAÇÃO DE GANHO DE PESO DURANTE A GESTAÇÃO PARA ADOLES- CENTES 5 NECESSIDADES NUTRICIONAIS DA GESTANTE Os estudos revelam que as alterações fisiológicas que ocorrem durante a gravidez determinam as necessidades nutricionais da grávida, que apesar de serem semelhantes às das mulheres não grávidas, apresentam algumas particu- laridades em relação às necessidades de energia, proteínas, algumas vitaminas, como a tiamina, o ácido fólico, a vitamina C, e alguns minerais como o ferro, o zinco, o cobre e o magnésio (BLUMFIELD et al., 2013). O aumento na taxa metabólica basal de gestantes leva ao aumento das necessidades nutricionais das gestantes, principalmente entre a 10ª e 30ª semana gestacional. Uma mulher eutrófica, com ganho médio de peso durante toda a gestação a termo de 12,5 kg e o recém-nato com aproximadamente 3 kg, necessita adicionalmente de 80.000 kcal. Sendo que 36.000 destas calorias seriam utilizadas para o gasto energético basal adicional e o restante como depósito de gordura (equivalente a 3,5 kg). Esse valor corresponde a apenas um adicional diário de 200 a 300 kcal por dia. Baseado nestes cálculos foi primeiramente estabelecido pela OMS a recomendação adicional de 150 kcal ao dia no primeiro trimestre e 350 kcal ao dia no segundo e terceiro trimestre. Posteriormente, a recomendação passou para 200 kcal e 280 kcal a partir do primeiro trimestre. De acordo com a Ingestão dietética recomendada de 1989 (RDA) a recomendação é de um adicional de 300 kcal ao dia no segundo e terceiro trimestre. Para gestantes adolescentes ou com baixo peso a recomendação é acres- centar as 300 kcal desde o primeiro trimestre. Na presença de sobrepeso ou obe- sidade não há necessidade de aumentar as calorias (GUERTZENSTEIN, 2007). 24 Agora que você já conheceu a importância de saber quais as necessidades energéticas da gestante chegaram a hora de aprender como fazer o cálculo. De acordo com a RDA, 1989, calcula-se o gasto energético total (GET) da gestante, utiliza-se a fórmula FAO/OMS, 1985 (Tabela 7). Utiliza-se o peso pré-gestacional. Multiplica-se o valor da TMB pelo fator atividade física (Tabela 8). A este valor acrescentam-se 300 kcal ao dia no segundo e terceiro trimestre. Algumas situações específicas necessitam de atenção especial em relação ao consumo energético. No início da gestação pode haver redução na ingestão alimentar devido à presença de náuseas e vômitos desencadeando um déficit energético. No caso de gestantes que necessitam de repouso em maior ou menor grau devem receber o equivalente às necessidades energéticas para o metabolismo basal (VITOLO, 2015). IMPORTANT E GET = TMB x Fator atividade física GET pré-gestacional + 300 Kcal TABELA 7 – CÁLCULO DA TAXA DE METABOLISMO BASAL DE ACORDO COM A IDADE MATERNA TABELA 8 – FATOR DE ATIVIDADE FÍSICA FONTE: Adaptado de FAO/OMS (1985 apud VITOLO, 2008) FONTE: Adaptado de FAO/OMS (1985 apud VITOLO, 2008) Idade TMB ou GEB (Kcal/dia) 10 a 18 anos 12,2 P(Kg) + 746 18 a 30 anos 14,7 P(Kg) + 496 30 a 60 anos 8,7 P(Kg) + 829 Natureza da atividade Fator de atividade física Leve 1,56 Moderada 1,64 Intensa 1,82 25 Caro acadêmico! O requerimento de energia para gestantes também pode ser determinado através das recomendações energéticas de acordo com as novas DRI, calcula-se o requerimento energético estimado (EER) (VITOLO, 2008). Para o cálculo da EER da gestante são utilizados dados como peso, altura e atividade física pré-gestacional. Será adicionado um acréscimo de energia segundo a idade gestacional (IG). Utiliza-se para gestantes entre 19 a 50 anos o cálculo da EER da seguinte maneira: – EER = EER Pré-gestacional + (8 kcal x IG em semanas) + 180 kcal Em que: EER Pré-gestacional = 354 – (6,91 x idade) + PA x (10 x Peso) + (934 x Altura) + 25 kcal. • idade em anos; • peso em quilos; • altura em metros; • PA = nível de atividade física. • PA = 1,0 (sedentária); • PA = 1,16 (pouco ativa); • PA = 1,31 (ativa); • PA = 1,56 (muito ativa). Não há um consenso para as recomendações de energia para gestante gemela. Alguns autores sugerem um acrescimento de 450 kcal/dia no 2º e 3º semestre (VITOLO, 2008). A quantidade de proteína armazenada durante a gestação varia muito durante o período. Nos momentos de maior crescimento fetal, expansão acelerada do volume sanguíneo e desenvolvimento maior dos anexos fetais a utilização é maior. A OMS preconiza uma ingestão adicional média de seis gramas ao dia por todo o período gestacional. A recomendação proteica leva em consideração a digestibilidade e o aproveitamento pelo organismo, além da quantidade depositada no feto e anexos. A NRC (1989) recomenda a adição de 10 g de proteínas diariamente. A qualidade Outro método para calcular o valor energético total para gestantes adultas é o cálculo simplificado. Utiliza-se o valor de caloria por quilograma (kg) de peso ideal para mulheres adultas de acordo com a RDA (1989), que é 36 kcal/kg/dia. A determinação do peso ideal pré-gestacional pode ser efetuada pelo utilizando o IMC de eutrofia (19 a 24) multiplicado pela altura ao quadrado. O mais frequente é utilizar o IMC médio de 22 kg/ m². A partir do segundo trimestre acrescentar a esse valor 300 kcal por dia. No caso de adolescentes utilizar os padrões de peso do Metropolitan Life ou NCHS, para determinar o “peso ideal” (VITOLO, 2008). DICAS 26 das proteínas também deve ser observada. Cinquenta por cento da proteína ingerida deverá ser de alto valor biológico (VITOLO, 2008; GUERTZENSTEIN, 2007). Para gestantesgemelares estima-se um total de 80 g ao dia, 20 g a mais do que o recomendado para gestantes uníparas (MARES; CASANUEVA, 2002). A recomendação da ingestão de lipídios para gestante deve ser de até 30% do valor calórico total. A dieta da gestante deve priorizar os ácidos graxos poli- insaturados como ácido graxo ômega-3 e ômega-6 e também os monoinsaturados. Os aminoácidos essenciais são importantíssimos no funcionamento uteroplacentário e na formação do sistema nervoso, retina fetal. Os lipídios da dieta também vão influenciar na absorção das vitaminas lipossolúveis pela gestante (VITOLO, 2008; GUERTZENSTEIN, 2007). Não são recomendadas dietas hipolipídicas para gestantes saudáveis (HINKELMANN et al., 2015). A quantidade de carboidrato para gestantes é a mesma que para mulheres não gestantes de 50 a 60% do valor calórico total. Esse valor pode sofrer pequenas variações dependendo da referência. Devido ao crescimento do número de casos de obesidade e diabetes mellitus na população em geral, as recomendações em relação aos tipos de carboidratos têm sido muito discutidas no meio científico mesmo na gestação. Aconselha-se à gestante dar preferência aos carboidratos complexos, de preferência integral e de baixo índice glicêmico. A quantidade de fibra dietética recomendada para o período gestacional é a mesma que para mulheres não grávidas adultas e adolescentes, 28 g ao dia (PADOVANI et al. 2006). As recomendações de ingestão diária de vitaminas e minerais correspondem às Dietary Reference Intakes (DRI), específicas para gestantes por idade. O MS preconiza a suplementação com ácido fólico já no período anterior a gestação, pelo menos 30 dias antes da data que a mulher planeja engravidar, com o objetivo de reduzir o risco de distúrbios do tubo neural. A suplementação deve ser continuada por toda a gestação, com 400 µg de ácido fólico diariamente ou iniciar logo que seja descoberta a gestação (BRASIL, 2013). E a suplementação de ferro, preconizada é de 60 mg de ferro elementar por via oral por dia. A Tabela 9 apresenta os principais micronutrientes e uma breve exposição da participação na gestação e suas fontes alimentares. 27 TABELA 9 – MICRONUTRIENTES E O IMPACTO NA GESTAÇÃO E FONTES ALIMENTARES Micronutrientes Impacto na gestação Fontes alimentares Vitamina B2 – Riboflavina Atua no metabolismo energético Ovos, fígado, rim, cereais queijo, folhosos verdes, castanhas. Vitamina B6 – Piridoxina Parece que a deficiência está relacionada com pré- eclâmpsia Cereais integrais, leguminosas, fígado, frango, carne de porco. Vitamina B12 – Cobalamina A deficiência leva a anemia megaloblástica Os riscos são maiores para as gestantes vegetarianas Carnes, ovos, leite, alimentos de origem animal. Ácido fólico Reduzem risco de distúrbios no tubo neural Fígado, beterraba, vegetais verde-escuros, aspargo, leite, suco de laranja. Vitamina C Risco de ruptura prematura da placenta Laranja, morango, manga, tomate, couve-flor, brócolis. Vitamina A Aumenta a produção de progesterona. Não tem valores de requerimento aumentados na gestação Fígado de boi, queijo, manteiga, leite integral e as fontes de precursores da vitamina A (betacaroteno): abóbora, cenoura, manga e couve. Vitamina D A deficiência está relacionada com crescimento fetal restrito Sardinha, salmão, gema de ovo, fígado de galinha. Vitamina E A deficiência está relacionada com doença hipertensiva específica da gestação Óleos vegetais, leite de vaca, abacate, damasco, salmão. Vitamina K Doença hemorrágica do RN. É prevenida com a suplementação do RN ao nascer. Vegetais verde-escuros, repolho, manteiga, queijo e fígado de boi. Cálcio Deficiência está relacionada com prejuízos no crescimento e desenvolvimento fetal Leite e derivados, carnes, peixes, feijões. Iodo A deficiência pode levar a aborto, bócio, cretinismo etc. Peixes e frutos do mar, sal de cozinha iodado. Zinco A deficiência tem relação com RNBP e RNPT Carnes, peixes, cereais integrais, nozes, fígado, ostras, leguminosas. FONTE: Adaptado de Guertzenstein (2007) 28 6 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA GESTANTES A prática de uma alimentação equilibrada propicia a gestante a diminuir os riscos de complicações na gravidez, no parto e até no pós-parto, como diabetes gestacional, hipertensão, pré-eclâmpsia, obesidade etc. Com o objetivo de favorecer o melhor aproveitamento dos nutrientes e garantir que todas as necessidades nutricionais da gestante sejam atendidas, o nutricionista deverá repassar para a gestante orientações nutricionais ajustadas ao seu estilo de vida e respeitar as especificidades tanto físicas como socioculturais na qual ela está inserida. Não basta apenas definir o valor calórico total e as quantidades exatas de macro e micronutrientes. É preciso que a prescrição e ou as orientações passadas a gestantes sejam viáveis na prática do seu dia a dia. É especialmente desafiador realizar orientações nutricionais para gestantes adolescentes, pelas próprias características alimentares desta fase, gostam de lanches rápidos, refrigerantes, alimentos industrializados como biscoitos recheados, salgadinhos etc., e muitas vezes fazem restrições severas por conta de dietas para perda de peso. Cabe ao profissional buscar estratégias para alcançar este público e reduzir os riscos inerentes da gestação na adolescência. O Ministério da Saúde disponibiliza às gestantes os dez passos para uma alimentação saudável na caderneta da gestante (BRASIL, 2018b). São eles: Faça pelo menos três refeições (café da manhã, almoço e jantar) e duas refeições menores por dia, evitando ficar muitas horas sem comer. Entre as refeições beba água. Faça as refeições em horários semelhantes e, sempre que possível, acompanhada de familiares ou amigos. Evite “beliscar” nos intervalos e coma devagar, desfrutando o que você está comendo. Alimentos mais naturais de origem vegetal devem ser a maior parte de sua alimentação. Feijões, cereais, legumes, verduras, frutas, castanhas, leites, carnes e ovos tornam a refeição balanceada e saborosa. Prefira os cereais integrais. Ao consumir carnes, retire a pele e a gordura aparente. Evite o consumo excessivo de carnes vermelhas, alternando, sempre que possível, com pescados, aves, ovos, feijões ou legumes. Utilize óleos, gorduras e açúcares em pequenas quantidades ao temperar e cozinhar alimentos. Evite frituras e adição de açúcar a bebidas. Retire o saleiro da mesa. Fique atenta aos rótulos dos alimentos e prefira aqueles livres de gorduras trans. Coma todos os dias legumes, verduras e frutas da época. Ricos em várias vitaminas, minerais e fibras, possuem quantidade pequena de calorias, contribuindo para a prevenção da obesidade e de doenças crônicas. 29 Alimentos industrializados, como vegetais e peixes enlatados, extrato de tomate, frutas em calda ou cristalizadas, queijos e pães feitos com farinha e fermento, devem ser consumidos com moderação. Evite refrigerantes e sucos artificiais, macarrão instantâneo, chocolates, doces, biscoitos recheados e outras guloseimas em seu dia a dia. Para evitar a anemia (falta de ferro no sangue), consuma diariamente alimentos ricos em ferro, principalmente carnes, miúdos, feijão, lentilha, grão- de-bico, soja, folhas verde-escuras, grãos integrais, castanhas e outros. Com esses alimentos, consuma frutas que sejam fontes de vitamina C, como acerola, goiaba, laranja, caju, limão e outras. Todos esses cuidados ajudarão você a manter a saúde e o ganho de peso dentro de limites saudáveis. Pratique alguma atividade física e evite as bebidas alcoólicas e o fumo. Outra orientação importante para gestantes é em relação ao consumo de líquidos durante as refeições. Para minimizar os sintomas de azia, é recomendado não ingerir líquidos quando a gestante estiver consumindo alimentos. 7 CONSUMO DE ÁLCOOL E TABAGISMO NA GESTAÇÃO Ao descobrir que está grávida a maioria das mulheresinterrompem o consumo de álcool, porém algumas continuam ingerindo bebidas alcoólicas na mesma quantidade ou em alguns casos aumentam o consumo (FLOYD et al., 2009). O alcoolismo é um dos maiores problemas de saúde pública no muno. Gestantes não devem ingerir bebidas alcoólicas. A ingestão de álcool é prejudicial ao feto. O consumo de doses elevadas de álcool por gestantes pode perturbar o transporte de oxigênio para o feto (GUERTZENSTEIN, 2007). Além de todas as recomendações acima a gestante precisa estar ciente do risco da ingestão de alimentos crus ou malcozidas como carnes e verduras e legumes mal lavados e a infecção com o agente etiológico, o protozoário Toxoplasma gondii, da toxoplasmose. A toxoplasmose congênita pode ocorrer quando a mãe portadora transmite ao feto. O bebê pode apresentar complicações como hidrocefalia, convulsões, alterações oculares etc. Além da transmissão da toxoplasmose por alimentos pode ocorrer pela ingestão de oocistos por contato direto com fezes de gato ou manipulação de água contaminados (FEBRASGO, 2017). IMPORTANT E 30 O espectro de desordens fetais alcoólicas (FASD – fetal alcohol spectrum disorders) causada por ingestão excessiva de álcool durante a gestação, abran- ge danos ao embrião/feto que incluem alterações tanto físicas como mentais, de aprendizados e comportamentos. Podem ser irreversíveis e prejudicar o funcio- namento do sistema nervoso, desencadear problemas mentais, e levar a depen- dência de álcool e outras drogas A síndrome alcoólica fetal (SAF) é a mais grave das condições do espectro de desordem fetais alcoólicas (MESQUITA, 2010). É uma condição caracterizada por alterações na formação cerebral, envolve o com- prometimento na proliferação normal e migração de neurônios, desencadeia ano- malias do sistema nervoso central. A prevenção da SAF ocorre pela abstinência total do consumo de álcool antes, quando a mulher estiver tentando engravidar e durante a gestação. O tabagismo durante a gestação é contraindicado. São vários os riscos associados ao fumo na gestação. De acordo com Leopércio e Gigliotti (2004), o tabagismo durante a gestação, é extremamente maléfico para o feto, desencade- ando várias situações indesejáveis. Fumar durante a gravidez interfere no crescimento fetal (RCIU – Retardo no crescimento intrauterino) (VITOLO, 2008). Gestantes fumantes têm risco au- mentado de ter recém-nascidos de baixo peso (RNBP), com redução de 220 a 250 gramas do peso potencial do nascimento (GUERTZENSTEIN, 2007). O hábito de fumar em gestantes resulta em diminuição da pressão parcial de oxigênio e aumento na pressão parcial de gás carbônico. Gestantes tabagistas apresentam uma redução de até 10% da capacidade de transporte de oxigênio (GUERTZENSTEIN, 2007). Estudos apontam para a relação positiva entre taba- gismo na gestação e a síndrome da morte súbita (LEOPÉRCIO; GIGLIOTTI, 2004). Os riscos de tabagismo na gestação estão provavelmente associados aos efeitos da nicotina que tem ação vasoconstritora. As consequências deste meca- nismo incluem menor perfusão placentária com hipóxia fetal, redução na oferta de nutrientes e insuficiência na remoção de resíduos (GUERTZENSTEIN, 2007). A nutrição da gestante também é prejudicada pelo hábito de fumar. Fu- mantes tendem a ingerir quantidades menores de alimentos. Os efeitos pró-o- xidantes da fumaça do cigarro, que além da nicotina contém várias outras subs- tâncias tóxicas para o organismo, podem prejudicar os níveis de vitamina C. As necessidades de vitamina C estão aumentadas em fumantes. O metabolismo do folato também pode ser afetado pelo cigarro (GUERTZENSTEIN, 2007). Cessar o tabagismo em qualquer momento da gestação sempre traz bene- fícios para a mãe e para o feto. Quando essa parada ocorre no início da gestação os benefícios são bem maiores. Para mulheres fumantes a tentativa de abolir o tabagismo poderá causar muito estresse e ansiedade. O apoio da equipe de saú- de é fundamental neste processo. Pode ser indicado uma redução no número de cigarros ao dia ao invés de uma parada abrupta. 31 8 ABORDAGEM NUTRICIONAL EM SITUAÇÕES COMUNS NA GESTAÇÃO As náuseas e vômitos são situações comuns principalmente no primeiro trimestre de gestação. É comum que apareçam em torno da sexta semana até aproximadamente a vigésima semana. A presença das náuseas e vômitos podem fazer com que a mulher não consiga se alimentar adequadamente neste período, o que gera preocupação em relação ao bebê. O profissional de saúde deverá esclarecer a gestante que não ocorrem prejuízos decorrentes dessa situação. O estado nutricional pré-gravídico tem mais influência na formação e desenvolvimento do feto (VITOLO, 2008). Caso os sintomas perdurarem muito além desta fase e se tornarem muito intensos, caracterizando uma hiperemese gravídica, é necessário um apoio profissional mais específico. Duarte et al. (2018) recomenda a adesão de dietas mais leves, com menos gordura e em intervalos menores, evitar ingestão de líquidos nas primeiras duas horas do dia na presença de náuseas e vômitos na gestação. Algumas orientações podem ajudar a atenuar o incomodo gerado pelas náuseas e vômitos e até preveni- los como: • Aumentar a frequência das refeições e diminuir o volume. • Não consumir líquidos junto às refeições. • Evitar alimentos com alto teor de gorduras. • Ingerir os alimentos de consistência mais branda. • Não ficar na cozinha na hora do preparo dos alimentos. • Evitar alimentos com cheiros muito forte. • Comer biscoitos tipo cream-crakers ainda na cama, antes de levantar. O consumo de gengibre é recomendado como coadjuvante no tratamento para náuseas e vômitos na gestação. A administração de 1 grama de gengibre demonstrou eficácia no alivio de náuseas e vômitos em gestantes em um estudo dinamarquês (SALGADO, 2004). Outra queixa bem comum na gestação é a pirose, caracterizada por sensação de queimação ou azia. Geralmente, ocorrem após as refeições. As alterações anatômicas do corpo da gestante favorecem o aparecimento da pirose. O útero aumentado exerce pressão sobre o estômago facilitando o retorno de seu conteúdo para o esôfago. O ácido clorídrico, misturado aos alimentos que retornam, provoca a sensação de queimação (VITOLO, 2008). Diminuir o volume das refeições, evitar líquidos durante as refeições e mastigar bem os alimentos podem ajudar a diminuir a pirose. Como já estudamos no início deste tópico, a constipação é comum na gestação devido em partes pela ação da progesterona. Medidas alimentares podem minimizar esse problema que consistem basicamente em aumentar a ingestão de água para no mínimo 4 copos ao dia, consumir de alimentos que 32 contenham boas quantidades de fibras como cereais integrais, frutas, vegetais folhosos e realizar caminhadas regulares (VITOLO, 2008). Leia o texto Prevalência e fatores associados ao ganho de peso gestacional excessivo em unidades de saúde do sudoeste da Bahia. Disponível em: https://www.scielosp. org/article/ssm/content/raw/?resource_ssm_path=/media/assets/rbepid/v18n4/1980-5497- rbepid-18-04-00858.pdf. Boa leitura! DICAS 33 Neste tópico, você aprendeu que: • A gestação é um período que dura em média 40 semanas e neste período ocorrem várias alterações fisiológicas no organismo materno para garantir o crescimento e desenvolvimento do feto, preparar o corpo da gestante para o processo gestacional, o parto e a lactação. • A avaliação nutricional da gestante é fundamental para que o profissional nutricionista possa identificar inadequações e possa intervir o mais precocemente possível. Também conheceu os vários métodos de avaliação nutricional para este período. • É importante monitorar o ganho de peso durante a gestação e as recomendações de acordo com a idade da gestante e o período gestacional que a gestante se encontra. • As gestantes têm necessidades nutricionais específicas tanto energéticas, proteicas como de alguns micronutrientes e quais as fontes alimentares são recomendadasde acordo com as suas demandas. • Tanto o consumo de álcool como o tabagismo durante a gestação acarretam problemas para o feto. • Algumas situações que envolvem o processo alimentar e nutricional são comuns na gestação e existem recomendações para minimizar os efeitos destas. RESUMO DO TÓPICO 1 34 1 De acordo com o conteúdo estudado quais as alterações fisiológicas a seguir estão relacionadas com a “anemia fisiológica da gestação”? ( ) Aumento no débito cardíaco. ( ) Aumento na expansão do volume plasmático de aproximadamente 50% e aumento da concentração de hemácias e hemoglobina de 20%. ( ) Aumento no tamanho dos rins e aumento do fluxo sanguíneo renal. ( ) Ação da progesterona nas células musculares lisas no útero e no intestino. 2 Muitas mulheres perdem peso no início da gestação devido à presença de náuseas e vômitos comuns nesta fase. Muitas ficam preocupadas que essa perda possa prejudicar o embrião. O profissional nutricionista deve estar preparado para esclarecer a gestante que esta perda não traz prejuízos para a gestação. De acordo com o que foi estudado sobre ganho de peso na gestação, quais as informações você utilizaria para deixar a gestante mais tranquila? AUTOATIVIDADE 35 TÓPICO 2 — UNIDADE 1 LACTAÇÃO 1 INTRODUÇÃO Prezado acadêmico! É relevante iniciarmos este tópico esclarecendo alguns termos que são utilizados indiscriminadamente quando o assunto é amamentação. Aleitamento materno, lactação e a própria amamentação são os termos utilizados frequentemente. Embora tratem de um conteúdo em comum, a alimentação do bebê, têm significados diferentes. O termo aleitamento materno refere-se ao recebimento de leite humano pelo lactente e também é utilizado como referência para movimentos sociais de promoção, orientação e proteção a essa cultura. Já lactação inclui os processos biológicos neuro-hormonais necessários para a produção do leite humano ou de outras espécies de mamíferos. E amamentação significa o ato da mãe dar o peito para o bebê receber o leite diretamente das mamas. Já é bem estabelecido que o aleitamento materno é a forma mais adequada de alimentação para os filhotes de mamíferos no início da vida. Cada espécie produz o leite com especificidade que garante uma nutrição completa e adequada. Para o bebê o recebimento do leite materno (LM) prepara-o para enfrentar o novo ambiente extrauterino de forma mais satisfatória e segura. O processo de lactação, a produção do leite humano pela mãe, envolve vários mecanismos neuronais e hormonais que recebem várias influências e envolvem o aleitamento materno. Não é um processo independente. A sucção das mamas pelo bebê estimula a produção de leite através de sinais aferentes da mama para o sistema nervoso central e a glândula hipófise. Para o futuro nutricionista é fundamental entender todo esse processo. Será muito útil seus conhecimentos sobre lactação no momento de orientar a futura mamãe ou a nutriz sobre todo o processo que envolve o aleitamento materno. Neste tópico, além de estudarmos o processo de lactação, também estudaremos aspectos nutricionais do leite humano, bem como particularidades do processo de aleitamento materno e conteúdos inerentes aos bancos de leite. Além do nutricionista ter um papel muito relevante tanto na educação em saúde de gestantes e nutrizes como no atendimento individual, outros profissionais como médicos, enfermeiros, farmacêuticos e psicólogos que fazem parte das equipes multidisciplinares atuam conjuntamente na busca de melhor qualidade de vida nesta fase das mulheres. 36 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ Os atendimentos nutricionais de gestantes e lactantes em unidades básicas de saúde, por exemplo, geralmente fazem parte de ações conjuntas das equipes de saúde. É importante que o acadêmico de nutrição tenha consciência desta dinâmica e possa através de seus conhecimentos promover a troca de saberes entre os membros da equipe e também com o público alvo. Muitas orientações que o nutricionista e demais profissionais passam às gestantes e nutrizes sobre o aleitamento materno são fundamentais no encorajamento da futura mãe para aderir a está prática. A seguir vamos iniciar o entendimento dos mecanismos que envolvem a produção do leite materno e ampliar nossos saberes. 2 FISIOLOGIA DA LACTAÇÃO Para o melhor entendimento do processo de lactação é fundamental que você, acadêmico, conheça um pouco da anatomia das mamas humanas. A glândula mamária é formada por um epitélio glandular onde estão presentes um sistema de canais envoltos por tecido intersticial e tecido gorduroso (Figura 6). O desenvolvi- mento das mamas tem início na vida fetal, ficando em fase latente até a puberdade quando o estrogênio e a progesterona estimulam o alongamento e proliferação dos ácinos, lóbulos, canais mamários, tecido fibroso e gorduroso. Nesta fase, as ma- mas aumentam de tamanho. O desenvolvimento completo desta glândula se dá no momento da gravidez e lactação com aumento dos alvéolos e ductos pela ação de hormônios ovarianos e placentários (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). FIGURA 6 – ANATOMIA DA MAMA FONTE: Brasil (2001 apud KING, 2001, p. 17) TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 37 A produção do leite acontece nos lóbulos, que se localizam nas mamas, influenciada pela prolactina. Cada glândula mamária possui de 15 a 20 lóbulos que são estruturas parecidas com cachos de uva. A prolactina é sintetizada pela hipófise anterior e quando liberada atua nas mamas. Os principais estímulos para a produção da prolactina é a sucção dos mamilos e a queda de estrogênio e progesterona após ao parto. Aproximadamente em 48 horas após o parto os níveis já caíram abruptamente (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). FIGURA 7 – REFLEXO NEUROENDÓCRINO PARA PRODUÇÃO DE LEITE A sucção do mamilo é o estimulo primário para a ejeção do leite dos lóbulos para os ductos e para o exterior dos mamilos. Estímulos nervosos sensórias aferentes partem dos mamilos, principalmente provocados pela sucção, e chegam ao hipotálamo que estimula a liberação da ocitocina pela hipófise posterior. A ocitocina age nas células mioepiteliais, que envolvem os alvéolos e ductos lactíferos que se contraem e favorecem a liberação do leite (Figura 7). Outros estímulos também favorecem a liberação da ocitocina como o contato da mãe com o bebê, através da visão (mãe visualiza o filho) ou escutar o seu choro. A ocitocina também provoca a contração uterina e a involução do útero no pós-parto e a redução no sangramento. É uma das vantagens não nutricionais da amamentação. FONTE: Brasil (2001 apud KING, 2001 p.20) 38 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ A secreção do LM ocorre efetivamente após o parto, contudo é já durante a gestação que o organismo da mulher vai sendo preparado para a lactação. Os hormônios, como hormônio lactogênio placentário humano, a progesterona e o estrogênio influenciam no preparo das mamas para o período de lactação e também já ocorre armazenamento de reservas energéticas para este fim. IMPORTANT E 3 COMPOSIÇÃO DO LEITE MATERNO (LM) O leite materno é classificado de acordo com o período de secreção e da sua composição em colostro, leite de transição e leite maduro. O fluido secretado imediatamente após ao nascimento e produzido nos primeiros dias após o parto até aproximadamente o 7º dia ao 10º dia é o colostro. Possui uma coloração amarelada devido as altas concentrações de caroteno. Auxilia na formação da microbiota intestinal e favorece a eliminação do mecônio (primeiras fezes do RN). Possui muitos anticorpos maternos, as imunoglobulinas do tipo IgD IgE, IgG, IgM, e principalmente e em maior quantidade a IgA secretória. A IgA secretória está presente no LM em qualquer fase, mas seus níveis são maiores no colostro. É uma proteína imunológica estável a pH baixa e resistente a enzimas proteolíticas. Estas características permitem sua passagem pelo trato gastrointestinalde forma intacta, mantendo suas funções de defesa (RIBEIRO; KUZUARA, 2007). É muito importante o recém-nascido (RN) receber o colostro logo após ao nascimento. Inclusive é uma das recomendações da OMS que a mãe amamente seu filho nas primeiras horas pós-parto. Além das vantagens nutricionais do colostro o contato “pele a pele” entre mãe e bebê logo após o parto influencia na colonização da pele no RN, através da interação entre a microbiota da mãe e do bebê e favorece a regulação da temperatura corporal (ESTEVES et al., 2014). O colostro possui um valor calórico de 67 Kcal/dL, com grandes quantidades de proteínas e menos lactose que o leite maduro. Possui alta concentração de vitaminas A e E, com concentrações maiores de sódio, potássio, cloro e zinco no início do processo de lactação. O volume por mamadas nos primeiros dias varia de 2 a 20 mL (VITOLO, 2015). O leite secretado ente o 8º dia e o 14º dia é chamado de leite de transição, pois nesta fase o colostro sofre alterações que são compatíveis com as necessidades do RN. Após o 15º dia o leite tem uma composição mais estável e é chamado leite maduro. O valor calórico do leite maduro é de 71 kcal/dL. TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 39 É interessante que durante a mamada o leite também sofre mudanças em sua composição, alterando do início ao final da mamada conforme as demandas do bebê (RIBEIRO; KUZUARA, 2007). O leite que é secretado no início da mamada é chamado de anterior e o do final da mamada é o leite posterior. O leite anterior é mais aquoso, a maior quantidade de água, auxilia para saciar a sede do bebê. Contém quantidades menores de lipídios e consequentemente possui menor valor energético que o leite posterior. A quantidade e variedade nos tipos de proteínas do LM são compatíveis com as necessidades de cada espécie em relação às taxas de crescimento. O LM possui 1,2 a 1,5g/dL de proteínas em sua composição. A mais abundante é a alfa- lactalbumina com 60% do total e a caseína representa 40% (VITOLO, 2008). Outra característica importante em relação aos componentes proteicos do LM é a alta concentração do aminoácido não essencial cistina. A cistina é sintetizada no organismo humano a partir da metionina, ao receber o LM o organismo do bebê não necessita utilizar tão intensamente esse mecanismo (VITOLO, 2008). O principal carboidrato encontrado no LM é a lactose, um dissacarídeo formado pela ligação de uma molécula de glicose com uma molécula de galactose. No leite maduro encontram-se 7,0 g/dL deste dissacarídeo. O LM produzido por mães de RN pré-termo (RNPT) tem composição diferente, com níveis mais elevados de proteínas de defesa, sódio, cloro, ácidos graxos de cadeia curta. Esse fator está relacionado com a transferência destes nutrientes para os alvéolos por via paracelular, que consiste em espaços abertos entre as células produtoras do LM por onde passam os nutrientes, principalmente, as imunoglobulinas. Mecanismo importantíssimo para a sobrevivência do RNPT. Vale ressaltar que a caseína encontrada no LH, ao sofrer hidrólise no TGI do bebê, é quebrada em flocos finos que facilitam a digestão. O que não ocorre com a caseína do leite de vaca. Por isso a digestibilidade do leite de vaca pelo bebê é bem mais dificultosa. NOTA NOTA 40 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ O LM também contém pequenas quantidades de galactose, frutose e oligossacarídeos. Esses oligossacarídeos quando se ligam a peptídeos formam o fator bífido. O fator bífido em ambiente com altas concentrações de lactose produz ácido láctico e succinico, consequentemente, ocorre a diminuição do pH do intestino. Desta forma, o ambiente intestinal torna-se inadequado para a proliferação de enterobactérias, conferindo mais um efeito protetor do LM (VITOLO, 2008; RIBEIRO; KUZUARA, 2007). A presença de lactose no leite favorece a absorção tanto de cálcio como de fósforo e magnésio. A demanda de cálcio é bem grande nesta fase de crescimento do bebê. Este é um exemplo de interação positiva entre nutrientes. O constituinte energético mais abundante do LM é o lipídio, sendo a principal fonte energética para RN (RIBEIRO; KUZUARA, 2007). O LM possui em média 3,5 g/dl de lipídios na forma principalmente de triglicerídeos (97%), e pequenas quantidades de fosfolipídios, colesterol e ácidos graxos livres. Os ácidos graxos do LM incluem principalmente ácido láurico (C12:0), mirístico (C14:0), palmítico (C16:0), esteárico (C18:0), palmitoleico (C16:1), oleico (C18:2), linoleico (C18:2), linolênico (C18:3), araquidônico (C20:4) e docosahexaenoico (C22:6) (VITOLO, 2008). A dieta da lactante influencia na composição lipídica do LM, principalmente em relação aos ácidos graxos. Como os ácidos graxos são essenciais para o desenvolvimento e metabolismo cerebral, desenvolvimento da visão, transportes de vitaminas e hormônios lipossolúveis é muito importante que a mãe receba orientações nutricionais. Vivemos em um ambiente que predomina a prática de uma dieta composta por muitos alimentos industrializados, que apesar de terem alta densidade calórica são inadequados em relação à qualidade das gorduras. Em relação aos micronutrientes o LM possui exatamente a quantidade necessária para cada fase de crescimento e desenvolvimento do bebê até aos seis meses de idade. Após esta idade, o LM também é uma boa fonte destes nutrientes, porém a alimentação complementar correta é necessária para a adequação tanto de macro como micronutrientes. Apesar do LM ter quantidades menores de minerais e oligoelementos que outros leites como de vaca, possui a quantidade exata para não causar uma sobrecarga metabólica e mesmo assim atender às demandas do organismo do bebê. Graças a isso o bebê que recebe aleitamento materno exclusivo não necessita receber água, a não ser em caso da presença de alguma patologia e com orientação de um profissional de saúde. As quantidades de ferro do leite materno são consideradas pequenas, porém a sua biodisponibilidade é alta. Desta forma é raro que uma criança amamentada exclusivamente no peito apresente anemia ferropriva na ausência de patologias. Já crianças acima de seis meses estão no grupo de risco para desenvolvimento de anemia ferropriva. TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 41 A composição nutricional do LM pode sofrer alterações. Como já foi mencionado anteriormente, tanto a fase em que o lactente se encontra como a dieta materna pode influenciar nestas mudanças. Uma média da quantidade de macro e micronutrientes é encontrada na Tabela 10. TABELA 10 – COMPOSIÇÃO DO LEITE HUMANO 4 MANEJO NO PROCESSO DE ALEITAMENTO MATERNO Antes da abordagem propriamente dita sobre a prática do aleitamento materno, é fundamental que você estudante de nutrição conheça as definições de aleitamento materno adotadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e adotadas em várias partes do mundo. Desta forma, o aleitamento materno é classificado como: NUTRIENTES QUANTIDADE NO LEITE HUMANO MADURO (L) Proteínas (g) 10,5 2 Carboidratos – Lactose (g) 72 ± 2,5 Gordura (g) 39 ± 4 Vitamina A (µg) – ER 500 Vitamina D (µg) 0,55± 0,10 Vitamina E (mg) 2,3 ±1 Vitamina K (µg) 2,1± 0,1 Vitamina C (mg) 40 ± 10 Tiamina (mg) 0,210±0,035 Riboflavina (mg) 0,350 ± 0,025 Niacina (mg) 1.500 ±0,020 Vitamina B6 (mg) 93 ± 8 Vitamina B12 (mg) 0,9 Ácido pantotênico (mg) 1,80 ± 0,20 Biotina (µg) 4 ± 1 Folato (µg) 85± 37 Cálcio (mg) 280± 26 Fósforo (mg) 140 ± 22 Ferro (mg) 0,3 0,1 Magnésio (mg) 35 ± 2 Sódio (mg) 180 ± 40 Potássio (mg) 525± 35 Zinco (mg) 1,2 0,2 Iodo (µg) 110 ± 40 Cloro (mg) 420± 60 Flúor (µg) 16± 5 Selênio (mg) 20 ± 5 FONTE: Adaptado de World Health Organization (1998) 42 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ • Aleitamento materno exclusivo: a criança recebe somente leite materno, direto da mama ou ordenhado, ou leite humano de outra fonte, sem outros líquidos ou sólidos, com exceção de gotas ou xaropes contendo vitaminas, sais de reidrataçãooral, suplementos minerais ou medicamentos. • Aleitamento materno predominante: neste caso a criança recebe, leite materno, e outros líquidos como água ou bebidas à base de água (água adocicada, chás, infusões), sucos de frutas e fluidos rituais. • Aleitamento materno: a criança recebe leite materno (direto da mama ou ordenhado), independentemente de receber ou não outros alimentos. • Aleitamento materno complementado: além da criança receber leite materno, também é alimentada com qualquer outro alimento sólido ou semissólido com a finalidade de complementá-lo, não de substituí-lo. • Aleitamento materno misto ou parcial: Outros tipos de leite, além do leite materno são consumidos pela criança (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2007). Agora que você já está familiarizado com os termos acima fique a par das recomendações que permeiam as diretrizes sobre aleitamento materno em nosso país. O Ministério da Saúde do Brasil (MS) e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), em consonância às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), ressaltam o impacto positivo do aleitamento materno exclusivo até o sexto mês de vida do bebê e recomendam essa prática. Após este período a complementação com outros alimentos deve ser acompanhada pela manutenção do aleitamento materno até o segundo ano de vida (BRASIL, 2002). O aleitamento materno está entre as medidas que a OMS preconiza para a diminuição da mortalidade infantil de crianças menores de cinco anos. É a prin- cipal estratégia preconizada pela OMS em busca na redução da mortalidade in- fantil, seguida das imunizações, promoção da alimentação complementar infantil adequada, saneamento básico e a suplementação de zinco e vitamina A. As vantagens do aleitamento materno na saúde do bebê e também da mãe estão bem estabelecidos na literatura cientifica, contudo, tal prática está aquém do ideal no mundo e também no Brasil (NUNES, 2015). O desmame precoce é uma realidade no Brasil e pode ser definido como a interrupção do aleitamento materno antes de o lactente ter completado seis meses de vida, independentemente de a decisão ser materna ou não e da causa da inter- rupção (RODRIGUES; GOMES, 2014). Historicamente, a década de 1970 é considerada a década da “Epidemia do desmame”. Alguns determinantes para esta realidade são apontados por vá- rios autores como o intenso processo de urbanização, a grande entrada das mu- lheres no mercado de trabalho e a enxurrada de propagandas e marketing de leites industrializados. TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 43 Apesar do ato de amamentar fazer parte da concepção biológica, cultu- ral e social do ser humano, e, geralmente, ocorrer de forma orgânica e tranquila como deve ser, nem sempre é um processo fácil e algumas dificuldades podem estar presentes. As redes de assistência e educação em saúde têm um papel mui- to importante na prática do aleitamento materno. A chance de sucesso aumenta quando a futura mamãe já se prepara para a amamentação durante o pré-natal. Pesquisas sugerem que encontros da gestante com profissionais de saúde que promovam atividades de orientação sobre as vantagens do aleitamento ma- terno; início precoce da amamentação, amamentação sob livre demanda, impor- tância do alojamento conjunto, produção suficiente de leite etc. têm efeito positi- vo na adesão e sucesso do aleitamento materno (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). Algumas orientações práticas que devem ser realizadas antes do parto, incluem os banhos de sol diretamente nas mamas. Tomar sol durante 10 a 15 mi- nutos nos horários anteriores as 10 horas da manhã e após as 16 horas da tarde, fortalecem a pele e diminuem o risco de traumas nos mamilos na ocasião das mamadas (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). Devido ao aumento considerável das mamas, uso de sutiã mais reforçado e confortável faz-se necessário tanto na gra- videz como no período de lactação. O aleitamento materno traz muitos benefícios tanto para o lactente como para a nutriz. Podemos pontuar algumas vantagens para o bebê que recebe o LM através da amamentação como: • É um alimento completo contendo todos os nutrientes para o RN. • É seguro em relação à presença de impurezas e germes. • É um alimento de mais fácil digestibilidade para o bebê. • Reduz o risco de morbimortalidade do bebê. • Reduz o risco de alergias. • Promove um melhor desenvolvimento cognitivo. • Traz benefícios psicológicos e afetivos para o bebê e para a mãe, pois o ato de amamentar é um momento de entrega e de aproximação do binômio mãe e filho • Promove uma melhor acuidade visual e motora. • Favorece o estabelecimento do vínculo entre mãe e filho. • Influencia positivamente no sistema imunológico do lactente. • Favorece o desenvolvimento e maturação do trato gastrintestinal. • Reduz o risco de infecções respiratórias, otite média, meningite bacteriana, infecção do trato urinário, entre outras. • Reduz a incidência e gravidade de diarreia. • Favorece um adequado desenvolvimento orofacial. • Revisões sistemáticas e metanálises sugerem um efeito protetor do aleitamento materno mais duradouro diminuindo o risco do aparecimento de doenças crônicas como sobrepeso e obesidade como também diabetes mellitus (NUNES, 2015). 44 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ Tanto a família como a própria nutriz também se beneficiam muito com a prática do aleitamento materno. Do ponto de vista econômico familiar, não precisar comprar fórmulas infantis e utensílios, evita a família ter gastos adicionais. Além da economia monetária, o aleitamento materno favorece uma economia de tempo e energia necessária para o preparo de fórmulas e higienização de equipamentos e utensílios. A própria dinâmica familiar fica mais equilibrada, pois o aleitamento materno evita o aparecimento de várias doenças para o lactente, evitando que os pais tenham que alterar suas rotinas nos cuidados adicionais que uma criança doente exige. Especialmente para a nutriz as vantagens são: • Favorece a recuperação uterina mais rápida e redução do sangramento, devido a ação da ocitocina liberada pelo estímulo da sucção. • Promove a mobilização das reservas lipídicas adquiridas na gravidez, favorecendo a volta ao peso materno normal. • Reduz o risco de câncer de mama e ovário. • Favorece maior contato entre mãe e filho. • Menos gasto de tempo e energia pela mãe no preparo de fórmulas pois já está pronto para consumo, inclusive na temperatura ideal. Além de todas as vantagens acima mencionadas do aleitamento materno é importante ressaltar que alimentar o bebê exclusivamente com LM evita o uso de fórmulas lácteas. Embora em alguns casos é necessário utilizar estas fórmulas é preciso ficar atento para algumas situações indesejadas que não ocorrem quando o bebê é amamentado no peito. Como exemplos está a diluição excessiva de fórmulas que podem reduzir o aporto calórico para a criança, dificultando o ganho de peso adequado; o uso de farinhas para engrossar; o risco de diluição com água contaminada; entre outros. Vale ressaltar que além dos ganhos para o bebê, a mãe e a família, os benefícios do aleitamento materno se ampliam do ponto de vista social e para o estado, uma vez que a redução na morbidade de crianças amamentadas reduz os gastos públicos com saúde. De acordo com Ribeiro e Kuzuhara (2007), o início precoce do aleitamento materno, já na sala de parto, é fundamental para maior êxito no processo de aleitamento materno. Alguns passos devem ser seguidos pelas nutrizes antes e na hora da amamentação. O nutricionista e outros profissionais de saúde como enfermeiros e médicos, devem buscar formação especializada, para sempre orientar a mãe sobre estes cuidados (ALMEIDA; LUZ; UED, 2015). Alguns dos quais estão listados a seguir: • Antes de iniciar a amamentar a mãe deverá lavar as mãos e unhas e antebraço com água e sabonete. Obs.: As unhas curtas evitam machucar o bebê durante os cuidados. • Para higienizar as mamas praticar o banho diário, de preferênciacom sabonete neutro, e a utilizar do próprio LM na região mamilo-areolar antes e depois da mamada. TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 45 • Condição das mamas: verificar a flexibilidade das mamas. No caso de mamas muito cheias ou ingurgitadas é recomendado massagear as mamas e fazer a ordenha manual de preferência (retirada do leite). Também é importante orientar a nutriz com relação ao momento da amamentação, sobre a melhor posição, sobre a pega, como encerrar a mamada etc. A seguir encontram-se listadas algumas orientações importantes, mas não são regras absolutas, a especificidade de cada caso em relação ao binômio mãe e filho deve ser levada em consideração (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007; LANA, 2001; VITOLO, 2015). • A mãe deve estar relaxada e em posição confortável. • O bebê deve estar próximo e de frente à mama. • A cabeça e o corpo do bebê devem estar em linha reta. • O queixo do bebê deve tocar a mama. • As nádegas do bebê devem estar apoiadas e a barriga encostada na barriga da mãe. • Uma boa pega é essencial para o sucesso no aleitamento materno. A apresentação da mama em técnica de C, quando a mão da lactante forma uma “concha” com quatro dedos na parte inferior da mama e o polegar na região lateral na parte interna (Figura 8). Esta técnica ajuda a apoiar as mamas cheias e facilita a pega. • A boca do bebê deve estar bem aberta e abocanhar a maior parte da aureola e não só o bico do peito. É na aureola que estão as fibras nervosas que participam dos estímulos para a produção de LM. O lábio superior deve ficar virado para cima e o de baixo virado para baixo. A pega errada pode aumentar o risco de rachaduras e fissuras no mamilo. • Nenhum som deve ser emitido pela criança a não ser o da deglutição. Caso ele esteja fazendo algum barulho na hora da amamentação, pode ser um sinal de pega errada. • É comum o bebê largar espontaneamente a mama quando termina a mamada, mas quando não ocorrer, a mãe deve colocar o dedo mindinho no quanto da boca e auxiliar o bebê a soltar a mama de forma delicada. A participação do pai ou outro familiar mais próximo é muito importante para auxiliar na observação se a mãe está confortável na hora da amamentação (VITOLO, 2008). 46 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ FIGURA 8 – PEGA DA APRESENTAÇÃO DA MAMA EM FORMATO DE “C” FONTE: <https://i0.wp.com/maepop.com.br/wp-content/uploads/2018/04/pega_C.jpg?resi- ze=600%2C600&ssl=1>. Acesso em: 16 jan. 2020. Vitolo (2008) afirma que o tempo da mamada vai depender da pega, da posição adequada e da voracidade do bebê na busca pelo leite. Como já foi estu- dado anteriormente a composição do leite muda mesmo durante uma mamada. É recomendado que a criança possa receber o leite posterior, pois possui quanti- dades maiores de gorduras e auxilia no ganho de peso. No início, primeiros dias, orienta-se colocar o bebê mamar um pouco em cada mama, com o intuito de estimular as duas mamas. Depois deste período é fundamental que o bebê inicie em uma mama e quando estiver quase satisfeito (a mãe já terá observado o tempo de mamada de seu bebê) a mãe oferece a outra mama. Provavelmente ele não irá mamar muito tempo nesta mama, então na pró- xima mamada a mãe deverá oferecer a mesma mama. A última mama da última mamada será a primeira mama da próxima mamada. Essa regra funciona quando o bebê mamou pouco na última mama da mamada anterior (VITOLO, 2008). A dinâmica da mamada para o bebê tem início com a sucção, seguida da deglutição e respiração. Em alguns momentos o bebê faz uma pausa para descan- sar. Às vezes, a mãe tem que estimular a sucção do bebê novamente mexendo em alguma parte do corpo como rosto, pé e orelha. É importante que o profissional que está orientando a gestante ou a nu- triz, passe bastante segurança e deixe claro que existem orientações que facilitam o processo de amamentação, porém existem situações particulares que devem ser respeitadas e adaptadas. TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 47 A livre demanda é a técnica de amamentação, recomendada atualmente, em que a mãe oferece a mama sempre que o bebê quiser, mas é importante ficar atenta ao choro do bebê, nem sempre é fome. O MS disponibiliza, em seu caderno de atenção básica, nº 23, – Saúde da criança, aleitamento materno e alimentação complementar, orientações para aumentar a produção de leite materno (BRASIL, 2015) conforme listadas a seguir: • Melhorar o posicionamento e a pega do bebê, quando não adequados. • Aumentar a frequência das mamadas. • Oferecer as duas mamas em cada mamada. • Massagear a mama durante as mamadas ou ordenha. • Dar tempo para o bebê esvaziar bem as mamas. • Trocar de mama várias vezes numa mamada se a criança estiver sonolenta ou se não sugar vigorosamente. • Após a mamada, ordenhar o leite residual. 5 COMPLICAÇÕES COMUNS NO PROCESSO DE LACTAÇÃO E ALEITAMENTO MATERNO Caro acadêmico! Apesar da lactação e a amamentação fazerem parte de mecanismos fisiológicos da vida da mulher alguns problemas podem aparecer durante o processo. A presença de rachaduras, fissuras, ingurgitamento, entre outros problemas podem ocasionar dores e muito desconforto para as puérperas, sendo uma das causas de abandono do aleitamento materno. É muito importante o reconhecimento desses problemas pelo profissional da saúde, incluindo o nutricionista, e o preparo do profissional para oferecer à nutriz as alternativas recomendadas para evitar, minimizar e abolir tais problemas. A complicação mais frequente, que geralmente acontece anos primeiros sete dias após ao parto, é o ingurgitamento mamário, popularmente chamado de “peito empedrado”. É caracterizado pelo aumento súbito da mama acompanhado por dor. Ocorre devido à excessiva produção de leite somada a uma estimulação da ejeção inapropriada, acompanhada por congestão vascular e linfática (HEBERLE et al., 2014). Os sinais clínicos incluem mamas hígidas, intumescidas, quentes e a nutriz refere dor. O intumescimento da aréola deixa o mamilo menos saliente, menos protuso, o que dificulta a pega. Para evitar o ingurgitamento das mamas é indicado colocar o bebê para mamar logo após ao parto para provocar a ejeção do leite. Aumentar a frequência das mamadas é recomendado. A massagem circular nas mamas antes do bebê mamar facilita o esvaziamento das mamas e ajuda para evitar ou minimizar o ingurgitamento das mamas, inclusive a nutriz deve deixar vazar um pouco de leite. A aureola ficará menos intumescidas o que facilitará a pega (VITOLO, 2008). 48 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ São contraindicadas as bombas elétricas ou mesmo as bombas manuais para retirada do LM no caso de ingurgitamento. O uso de compressas frias ou quentes é indicada em algumas situações por profissionais de saúde que estão acompanhando a nutriz. A ação da compressa fria é a de causar vasoconstrição, consequentemente reduz a temperatura local e deixam as mamas menos intumescidas. Por outro lado, existe o risco de reduzir a produção de leite ocasionada pela diminuição na ação de prolactina e também da ocitocina. As compressas quentes agem provocando vasodilatação na região das mamas. Esse mecanismo facilita a saída do leite das mamas, porém também pode aumentar a sua produção. Neste caso, o apoio de um profissional de saúde é fundamental para observar de que forma a mãe pode ser beneficiada e aumentar as chances de melhora (VITOLO, 2008). Outra complicação que pode ocorrer e também envolve as mamas é o aparecimento de rachaduras, que consistem em lesões superficiais na pele do mamilo e também as lesões que alcançam a derme denominadas de fissuras. São mais frequentes nos primeiros 30 dias após ao nascimento do bebê. Uma pega inadequada e a falta de preparo correto dos mamilos no pré-natal favorecem o aparecimento destas alterações (VITOLO, 2008; CERVELLINI et al., 2014). Como já mencionado, é muito importante o preparo da pele dos mamilos nas últimas semanas anteriores ao parto, com banhode sol. Algumas outras orientações ajudam a diminuir o risco de fissuras e rachaduras dos mamilos como: não aplicar cremes, pomadas, tão pouco óleos nos mamilos; usar sutiã que não agrida a pele no local; amamentar por livre demanda; quando a mama estiver muito cheia a nutriz deve ordenhar um pouco de leite antes da criança mamar (facilita a sucção e diminui a dor para a mãe); não utilizar adaptadores (intermediários) para os mamilos; evitar banhos com água muito quente. Caso já tenha a presença de rachaduras, manter o mamilo limpo e seco e expor os mamilos ao sol pela manhã antes das 10 horas e ou a tarde depois das 16 horas ou banho de luz também funciona. Utilizar o próprio leite materno no local das fissuras. Existem sutiãs com abertura na região dos mamilos que podem ser utilizados mantendo os mamilos livres de contato. Sempre começar a mamada com a mama mais atingida. Mudar a posição da mamada para a posição invertida também ajuda. TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 49 O tipo de mamilo não é um obstáculo para o ato de amamentar. Um mamilo denominado normal, que é protuso e de fácil acesso para o bebê, facilita a pega e a amamentação. A presença de um mamilo plano ou invertido, conforme a Figura 10, dificulta um pouco o processo de amamentação, mas com as devidas orientações é possível minimizar estes problemas. O ideal é que o tipo de mamilo seja identificado já no pré-natal. Caso exista algum padrão fora do normal a gestante deve ser orientada a fazer exercícios de estimulação. Geralmente, o profissional de enfermagem e fisioterapia estão bem preparados para dar apoio e ensinar técnicas para minimizar este problema junto à gestante. Mesmo assim o nutricionista deve sempre estar bem informado sobre toda a história do paciente, para poder identificar possíveis causas de um possível insucesso na amamentação e assim poder traçar os objetivos e a conduta correta. FIGURA 10 – TIPOS DE MAMILOS FIGURA 9 – POSIÇÃO INVERTIDA FONTE: <https://bit.ly/3m39Yis>. Acesso em: 16 jan. 2020. FONTE: <https://bit.ly/35cyUxo>. Acesso em: 16 jan. 2020. 50 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ A mastite é caracterizada pela presença de hiperemia, dor, edema e calor nas mamas, podendo envolver sinais e sintomas sistêmicos como mal- estar e febre. Trata-se de um processo inflamatório local que pode favorecer a proliferação bacteriana tornando-se um processo infeccioso. Em casos de infecção pode ocorrer o surgimento de abcessos e sepse. Na forma inicial, a amamentação pode ser continuada já no caso de abscesso pode ser suspensa provisoriamente na mama acometida (FEBRASGO, 2018). O tratamento envolve o acompanhamento médico e o uso de medicamentos como analgésicos e antibióticos (VITOLO, 2008; FEBRASGO, 2018). A hipogalactia que consiste na baixa e insuficiente produção de leite, deve ser muito bem monitorada, pois pode induzir a nutriz a utilizar suplementação alimentar e ao desmame precoce. As principais causas podem ser orgânicas, mas geralmente não são. A pega errada, não adoção da técnica da livre demanda, uso de chupetas, oferecer outros líquidos em mamadeiras, são as principais situações relacionadas com a hipogalactia. Os sinais apresentados pelo bebê incluem baixo peso, ganho insuficiente de peso (<20 g/dia), baixa diurese com menos de seis micções ao dia, urina com coloração amarela mais intensa e odor forte. Já a nutriz apresenta as mamas flácidas (VITOLO, 2008). A conduta indicada nos casos de hipogalactia consiste em orientações para a nutriz como: • Aumentar a frequência das mamadas. Esvaziar totalmente as mamas. • Ficar atenta e observar se a criança não dorme muito rápido após o início da mamada. Neste caso a mãe deve estimular a criança tocando em seu rosto, orelha ou pés. • Não deve ser oferecido nenhum líquido à criança como água e chás, com exceção por recomendação médica. Neste caso, evitar mamadeiras. A OMS preconiza o uso de copinho quando for necessário oferecer alguma suplementação, mesmo para RNPT (GIUGLIANI, 2000). • Observar se a pega está correta. • Evitar o uso de chupeta. • A nutriz deve ser encorajada a ingerir mais água. O estresse materno também é apontado como um fator desencadeante da hipogalactia. É fundamental que a nutriz tenha uma rede de apoio, tanto familiar como dos profissionais de saúde. Algumas situações relacionadas com a saúde do bebê podem prejudicar no processo de aleitamento materno por diferentes razões. O bebê ser portador de algum erro inato do metabolismo, a presença de lábio leporino, baixo peso ao nascer (sucção prejudicada) são alguns exemplos que merecem atenção especial. É muito importante que a nutriz seja orientada em relação ao uso de medicamento durante o período de amamentação. É regra que a nutriz não deve tomar medicamentos sem recomendação médica (VITOLO, 2008). TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 51 Quando a mãe utiliza um medicamento permitido deverá observar atentamente se ocorre o aparecimento de alguma mudança no comportamento ou sintomas no lactente e conversar mais frequentemente com o pediatra (VITOLO, 2008). Infelizmente, caro aluno, em alguns casos o aleitamento materno é contraindicado. No Brasil, as mães infectadas pelo vírus HIV ou HTLV são orientadas a não amamentar. Também devem abster-se de amamentar as mães com tuberculose ativa e não tratável. Nutriz usuária regular de drogas ilícitas como maconha, anfetaminas, cocaína, crack, ecstasy etc. também é desaconselhada a amamentar (BRASIL, 2017). A Academia Americana de Pediatria (American Academy of Pediatrics – AAP) traz algumas recomendações em relação à amamentação e o Ministério da Saúde (MS) do Brasil também publicou os dez passos para o sucesso do aleitamento materno. Seguem tanto as recomendações gerais da AAP como as do MS, que servem de instrumentos para os profissionais de saúde utilizarem para orientar as gestantes e nutrizes e alcançar o maior número possível de mulheres nesta fase da vida (Quadro 2 e 3). QUADRO 2 – RECOMENDAÇÕES DA APP SOBRE AMAMENTAÇÃO • Assegurar que o RN seja amamentado dentro da primeira hora após ao parto. • A mãe e pai devem receber assistência em relação ao processo de aleitamento materno. • Em caso de impossibilidade da amamentação direta (o bebê sugar diretamente no peito da mãe), deve-se incentivar a extração de leite com as mãos, ou com o auxílio de bomba elétrica. Neste caso utilizar a técnica do copinho para dar o leite à criança. • Líquidos como água, chás e outros, glicose, e fórmulas não devem ser oferecidos aos RN, a não ser por indicação médica. • De 3 a 5 dias após o nascimento o lactente deverá ser avaliado por um profissional de saúde com o intuito de averiguar a presença de problemas iniciais com a amamentação como queixas da lactante de dor ao amamentar, ingurgitamento, presença de fissuras, ou qualquer outra dificuldade. Também deve ser avaliado a frequência urinária e de defecação. Nos primeiros dias após ao nascimento é normal a perda de peso do RN, porém não deve ultrapassar 7% do peso ao nascimento. Caso isso ocorre pode ser decorrente de problemas com a amamentação. • Os pais devem ter acesso às informações em relação aos benefícios para a criança que é amamentada nos primeiros 6 meses de vida. • Evitar o uso de chupeta nas primeiras semanas após ao nascimento. • A nutriz deve ser estimulada a amamentar seu bebê de 8 a 12 vezes em 24 horas nas primeiras semanas de vida da criança. Sempre que a criança demonstrar sinais de fome (bebê acordado, agitado, movimentar o pescoço (em rotação), mexer a boca. Quando a criança chora pode ser por vários motivos como frio, calor, dor, desconforto e o último sinal de fome. 52 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ • Fazer a segunda visita ambulatorial do lactente amamentado no peito na segunda ou terceira semana após ao parto para avaliar o ganho de peso a dinâmica do aleitamento materno. • É recomendado a aplicaçãode 1 mg de vitamina K intramuscular para todos os lactentes amamentados após a primeira mamada, nas primeiras 6 horas de vida. • Suplementar com 200UI de vitamina D ao dia nos 2 primeiros meses de vida de crianças amamentadas. Com o uso de fórmulas infantis fortificadas com vitamina D não é preciso suplementar, quando a ingestão chegue a 500 ml ao dia. Fica a orientação condicionada as diretrizes de cada país. FONTE: Vitolo (2008) QUADRO 3 – DEZ PASSOS PARA O SUCESSO DO ALEITAMENTO MATERNO DO MS Passo 1 Ter uma política de aleitamento materno escrita que seja rotineiramente transmitida a toda equipe de cuidados de saúde. Passo 2 Capacitar toda a equipe de cuidados de saúde nas práticas necessárias para implementar esta política. Passo 3 Informar todas as gestantes sobre os benefícios e o manejo do aleitamento materno. Passo 4 Ajudar as mães a iniciar o aleitamento materno na primeira meia hora após o nascimento; conforme nova interpretação: colocar os bebês em contato pele a pele com suas mães, imediatamente após o parto, por pelo menos uma hora e orientar a mãe a identificar se o bebê mostra sinais de que está querendo ser amamentado, oferecen- do ajuda se necessário. Passo 5 Mostrar às mães como amamentar e como manter a lactação mesmo se vierem a ser separadas dos filhos. Passo 6 Não oferecer a recém-nascidos bebida ou alimento que não seja o leite materno, a não ser que haja indicação médica e/ou de nutricionista. Passo 7 Praticar o alojamento conjunto – permitir que mães e recém-nascidos permaneçam juntos – 24 horas por dia. Passo 8 Incentivar o aleitamento materno sob livre demanda. Passo 9 Não oferecer bicos artificiais ou chupetas a recém-nascidos e lactentes. Passo 10 Promover a formação de grupos de apoio à amamentação e encami- nhar as mães a esses grupos na alta da maternidade; conforme nova interpretação: encaminhar as mães a grupos ou outros serviços de apoio à amamentação, após a alta, e estimular a formação e a colabo- ração com esses grupos ou serviços. FONTE: <http://www.saude.gov.br/noticias/823-assuntos/saude-para-voce/40762-dez-passos- -para-o-sucesso-do-aleitamento-materno>. Acesso em: 16 jan. 2020. TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 53 Você, futuro profissional de nutrição, também deverá estar bem informado sobre os direitos da nutriz em relação à amamentação e ao trabalho. Com isso, você poderá orientar melhor a mãe sobre o período de amamentação e os horários das mamadas. A CLT (Consolidação das leis do trabalho) através do artigo 392 garante a empregada gestante o direito à licença maternidade de 120 dias, sem nenhum prejuízo ao emprego a também ao salário. Anteriormente a licença era apenas de três meses (SANTIAGO; RICARDINO; VIEIRA, 2012; VITOLO, 2008). A Lei nº 11.770/2008 instituiu o Programa Empresa Cidadã, que prorrogou esse prazo por 60 dias, resultando em 180 dias totais de licença maternidade. Esta lei é obrigatória para funcionárias estaduais e federais e opcional para empresas privadas e para as empresas que aderirem são concedidos benefícios fiscais (SANTIAGO; RICARDINO; VIEIRA, 2012; VITOLO, 2008). A participação do pai durante todas as fases de crescimento e desenvolvimento é muito importante. Nos primeiros dias após ao nascimento é especialmente considerável tanto para o bebê como para a lactante. Todos os trabalhadores a tornarem-se pais têm o direito concedido pela constituição federal de 1988 de cinco dias de licença paternidade. Com o intuito de conceder a funcionária, durante a jornada de trabalho, tempo necessário para que ela possa amamentar o seu filho até aos seis meses de idade, visando à manutenção da saúde do bebê, o artigo 396 da CLT estabelece que a mãe terá direito a dois descansos especiais de meia hora cada um. Em caso de necessidade, por problema de saúde da criança, o período de seis meses pode ser estendido, a critério da autoridade competente. 6 BANCO DE LEITE Agora que já estudamos a lactação e a amamentação, vamos direcionar nosso conteúdo para conhecer o que é um banco de leite humano um pouco da história, sua missão, o impacto do surgimento dos BLH nas taxas de morbimortalidade, suas atribuições etc. Como vimos anteriormente, o leite humano é extremamente importante para recém-nascidos e lactentes, sendo fonte de nutrientes em proporções ideais ao crescimento e desenvolvimento da criança. Representa a forma mais eficiente e econômica de intervenção para reduzir a morbimortalidade infantil. A recomendação do leite materno para crianças recém-nascidas, incluindo os recém-nascidos pré-termo e de baixo peso, é unânime. Contudo algumas situações indesejadas temporárias ou permanentes, impedem da própria mãe amamentar seu filho ou o lactente estar impossibilitado de receber o LM diretamente dos seios. Nestas situações é que os BLH têm um papel muito 54 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ relevante e imprescindível. Torna-se a melhor opção, a alimentação láctea, por meio da oferta do LM pasteurizado disponibilizado pelos bancos de leite humano. Um Banco de leite humano – BLH é um centro especializado, vinculados a hospitais infantis e maternidades, responsável pela promoção do incentivo ao aleitamento materno e execução das atividades de coleta, processamento e controle de qualidade, pasteurização e distribuição do LM pasteurizado e seguro para crianças que necessitam como fator de sobrevivência. Além de servirem de postos de coleta, estocagem e distribuição de leite, fazem parte de uma importante estratégia para promoção, proteção e apoio à prática da amamentação (HINRICHSEN, 2004, BRITTO; BARBOSA; HAMANN, 2002, BRASIL, 2006) O primeiro BLH instalado no Brasil foi no Instituo Fernandes Figueiras da Fundação Osvaldo Cruz, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Está em atividade desde 1943. É um centro de referência nacional para BLH no país e desde 1996 vem se consolidando como Centro de Referência para América Latina e Caribe. Posteriormente, em 1967, em São Paulo, o Hospital do Servidor Público Estadual iniciou suas atividades. O objetivo principal do banco de leite era coletar e distribuir leite humano para bebês prematuros e ou com prejuízos nutricionais graves como a desnutrição e presença de alergias a proteínas heterólogas (ROCHA et al., 2016). Do ano de 1943 até a década de 1980 foram implementadas mais cinco unidades no Brasil. A partir de 1985 houve uma expansão significativa e um aumento considerável no número de unidades instituídas por tempo, que resultou em um total de 104 unidades funcionando na década de 1990 em todo o país. No Brasil, atualmente, existem 224 BLH e 217 postos de coleta (FUNDAÇÃO OSVALDO CRUZ, 2019). Em 1998, por meio de uma iniciativa conjunta do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz, foi criada a Rede Nacional de Bancos de Leite Humano (RNBLH). A RNBLH consiste, como o nome sugere, em uma rede de bancos e postos de coleta de leite humano, estruturada adequadamente e descentralizada, compostas por unidades em todas as regiões do Brasil. A missão maior da RNBLH é a promoção da saúde da mulher e da criança, mediante a integração e a construção de parcerias com órgãos federais, iniciativa O link a seguir apresenta onde são encontradas as unidades mencionadas: http://www.redeblh.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=366&sid=238. DICAS TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 55 privada e sociedade (LUNA; OLIVEIRA; SILVA, 2014). A RNBLH é considerada a maior e mais complexa do mundo pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Para que você tenha uma visão melhor do contexto das políticas públicas relacionadas às estratégias relacionadas ao aleitamento materno e aos BLH no Brasil, propusemos um pequeno “parêntese” através do esquema a seguir: • Como já mencionado, neste tópico, na década de 1970 até a década de 1980 as taxas de mortalidade infantis, principalmente de lactentes, estavam muito altas. • O Brasil estava vivendo a chamada “Epidemia do desmame”. • Paratentar reverter esta situação, foram criadas políticas públicas. • Em 1981, foi criado o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM) ligado ao Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição do Ministério da saúde (MS). • Em 1998, foi incorporado na área de saúde da criança do MS e passou a implementar ações já existentes e outras com o intuito de aumentar o índice de aleitamento materno. • Atualmente, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC), rege e norteia as ações relacionadas à saúde infantil. Foram propostos sete eixos, sendo um deles o aleitamento materno e alimentação saudável, que por sua vez conta com estratégias, campanhas de promoção à saúde da criança como (BRASIL, 2018a): • Eixo Estratégico I – Atenção Humanizada e Qualificada à Gestação, ao Parto, ao Nascimento e ao Recém-Nascido. • Eixo Estratégico II – Aleitamento Materno e Alimentação Complementar Saudável. • Eixo Estratégico III – Promoção e Acompanhamento do Crescimento e do Desenvolvimento Integral. • Eixo Estratégico IV – Atenção Integral a Crianças com Agravos Prevalentes na Infância e com Doenças Crônicas. • Eixo Estratégico V – Atenção Integral à Criança em Situação de Violências, Prevenção de Acidentes e Promoção da Cultura de Pa. • Eixo Estratégico VI – Atenção à Saúde de Crianças com Deficiência ou em Situações Específicas e de Vulnerabilidade. • Eixo Estratégico VII – Vigilância e Prevenção do Óbito Infantil, Fetal e Materno. O eixo estratégico II, Aleitamento materno e alimentação complementar, “é ancorado na promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno, iniciando na gestação, considerando-se as vantagens da amamentação para a criança, a mãe, a família e a sociedade, bem como a importância de estabelecimento de hábitos alimentares saudáveis” (BRASIL, 2018a). As estratégias deste eixo incluem: • A Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC). • Estratégia Nacional para Promoção do Aleitamento Materno e Alimentação 56 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ Complementar Saudável no SUS. • Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil (EAAB). • Ação de apoio à Mulher Trabalhadora que Amamenta (MTA). • A Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (RBLH). • A implementação da Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes, para Crianças de Primeira Infância, Bicos Chupetas e Mamadeiras (NBCAL). • A mobilização social em aleitamento materno (BRASIL, 2018a). Bem, continuaremos estudando sobre os BLH. No início a doação de LM para os BLH não era um processo voluntário e consciente. Alguns BLH chegaram a remunerar as nutrizes de acordo com o volume produzido. Alguns tinham a prática de oferecer cestas de alimentos e assistência médica diferenciada. A partir da década de 80 a oferta de LM passou a ser voluntária. Atualmente a legislação que regulamenta o funcionamento dos BLH no Brasil a RDC nº 171 define que a doadora deve apresentar excesso de leite, ser saudável, não usar medicamentos que impeçam a doação e se dispor a ordenhar e a doar o excedente (FUNDAÇÃO OSVALDO CRUZ, 2019). Algumas nutrizes quando estão amamentando produzem um volume de leite além da necessidade do seu bebê, desta forma podem tornar-se doadoras de um Banco de Leite Humano. A expansão das unidades de BLH a partir da década de 80 resultou junto à PNIAM a formação de um grupo técnico responsável em monitorar a implementação e o funcionamento dos BLH em todo o Brasil. Tecnologias mais modernas e novos procedimentos foram incorporados para o processamento do leite doado pelas nutrizes e com isso refinar o controle de qualidade. O primeiro documento que aprovou as normas gerais que regulamentam a instalação e funcionamento dos BLH no Brasil é a Portaria nº 322 de 26 de maio de 1988. Um novo regulamento foi instituído em setembro de 2006 a resolução RDC nº 171. A Portaria nº 812, de 27 de outubro de 1999, aprovou o Plano de trabalho para a implementação do Projeto da rede nacional de bancos de leite humano. Sugiro para você, acadêmico, visitar a página da Fundação Osvaldo Cruz e conhecer toda a legislação sobre o funcionamento dos BLH – Endereço eletrônico: http:// www.redeblh.fiocruz.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=home. DICAS TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 57 De acordo com as normas para a instalação os BLH devem ter vários ambientes adequados para todos os processos envolvidos na coleta, processamento, armazenamento e doação do LM. Basicamente estão incluídos: • Uma sala de recepção para registro e triagem das doadoras. • Área para a estocagem do leite cru coletado. • Sala de ordenha. • Sala de processamento e laboratório de controle de qualidade microbiológico. Algumas áreas são opcionais como área de recepção externa; área de liofilização, junto à sala de processamento; sala de porcionamento e sala para lactentes e acompanhantes. Os ambientes de suporte incluem: • Vestiário de barreira com a presença de lavatórios. • Ambiente exclusivo para amamentação de trabalhadores, doadoras e demais usuários (funcionam como barreira para entrada e saída). • Sanitários femininos e masculinos. • Sanitário para pessoas com necessidades especiais. • Depósito de material de limpeza. Entre tantas ações para a promoção do aleitamento materno uma lei foi promulgada, Lei nº 13.227, de 28 de dezembro de 2015, que instituiu o dia 19 de maio como o dia nacional de doação de leite humano e também determina a come- moração da semana nacional de doação de leite humano também no mês de maio. Em Santa Catarina, o Banco de Leite Humano da Maternidade Darcy Vargas se tornou em 1999 referência estadual e passou a ser indicado ao treinamento e capacitação de recursos humanos para outras unidades de saúde de Santa Catarina. NOTA Você já ouviu ou leu sobre o Programa Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC). Trata-se de uma estratégia idealizada em 1990 pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) motivada pelo chamado para a ação da Declaração de Innocenti, conjunto de metas criadas com o intuito de resgatar o direito da mulher de aprender e praticar a amamentação com sucesso. 58 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ A IHAC está inserida na Estratégia Global para Alimentação de Lactentes e Crianças de Primeira Infância criada em 2002 pela OMS/UNICEF. O objetivo da IHAC é de promover, proteger e apoiar o aleitamento materno no âmbito hospitalar. Foi adotada no Brasil em 1992 pelo ministério da saúde. É um programa que busca sensibilizar os profissionais de saúde para que adotem condutas e rotinas que reduzam os altos índices de desmame precoce. O projeto da Iniciativa soma-se a esforços do Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM/MS), coordenado pelo Ministério da Saúde. Na prática as ações deste programa buscam aumentar a prevalência do aleitamento materno por meio de revisão de políticas e rotinas nos Serviços de Saúde Materno-Infantis, de forma a propiciar uma melhor interação entre o binômio mãe-filho. Também busca promover mudanças culturais sobre o uso de chupetas, mamadeiras e leites industrializados bem como combater a livre propaganda sobre o uso destes. Em 2015 já existiam 326 hospitais com o título “Amigo da criança” em todo o Brasil e em Santa Catarina já estavam presentes em 16 municípios. TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 59 Mitos e verdades sobre produção de leite materno Juliana Xavier A amamentação costuma ser um fator de preocupação para as mães antes mesmo de o bebê nascer. Isso se deve ao fato de o leite materno ser, comprovadamente, o alimento mais completo que o bebê pode receber, pois fornece todos os nutrientes, vitaminas e minerais de que ele precisa para o crescimento durante os primeiros meses. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que a mãe amamente os filhos, durante os primeiros seis meses de vida, exclusivamente com leite materno, dos seis mesesaté os dois anos, outros alimentos devem ser introduzidos na dieta e oferecidos ao bebê em colherinhas e copinhos, não mais na mamadeira. Como saber se o bebê está bem alimentado? Como aumentar a produção de leite materno? Segundo Maíra Domingues Bernardes Silva, enfermeira pediátrica do Banco de Leite Humano do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), para a produção de leite funciona a ‘lei da oferta e da procura’. “O leite é produzido de acordo com o que o bebê mama e a cada mamada. Assim, as mães que têm gêmeos também conseguem produzir leite suficiente para os dois bebês. Importante destacar que também é recomendável que as mamães aumentem o consumo de água e de sucos de fruta naturais”, explica Maíra Domingues. Abaixo, a enfermeira pediátrica tira dúvidas sobre os mitos e verdades da produção de leite. Todo mundo está dizendo que o meu bebê não para de chorar porque é fome, pois tenho pouco leite ou porque meu leite é fraco. O que eu faço? Não existe leite fraco. O leite materno é o melhor alimento para os bebês devido tanto às suas propriedades nutricionais em quantidade e qualidade ideais, como também a suas propriedades imunológicas, protegendo contra infecções respiratórias, diarreias, promovendo saúde e permitindo um crescimento e desenvolvimento saudáveis. Até as mães desnutridas são capazes de produzir um leite de qualidade. Além disso, vale destacar que nem todo choro do bebê é fome. Ele pode chorar por diversos outros motivos: frio ou calor, fralda suja, necessidade de carinho e atenção, dentre outros motivos. Com o tempo, os pais vão aprendendo a lidar com o choro do bebê. Importante frisar que existem sinais indicativos de fome, são eles: colocar as mãos na boca, abrir a boca em busca da mama, fazer movimentos de sucção e o choro. LEITURA COMPLEMENTAR 60 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ Levei meu bebê ao pediatra e ele disse que está tudo bem com meu filho, mas mesmo assim me receitou um leite especial. Isso é correto? O leite humano é o alimento ideal e mais completo para o bebê e deve ser oferecido de forma exclusiva até os seis meses de idade (ou seja, não há necessidade de oferecer água, sucos ou chás) e de forma complementar com outros alimentos a partir dos seis meses até os dois anos ou mais. Caso o bebê esteja perdendo peso, ou tenha alguma dificuldade com a amamentação, procure apoio e suporte para amamentar no Banco de Leite Humano. A pega do bebê no seio influencia na produção? É importante que o bebê abocanhe corretamente a aréola para que ele fique bem alimentado, não machuque os seios da mãe e continue estimulando uma adequada produção de leite. Quanto tempo meu bebê deve amamentar? É importante oferecer os dois seios em cada mamada? Quando devo trocar de seio? Não existe tempo de mamada. O bebê é quem decide quanto tempo vai durar cada mamada. O leite do final da mamada contém maior quantidade de gordura, fazendo o bebê ganhar peso e ficar saciado. Sendo assim, ele deve mamar até ficar satisfeito, demonstrando sinais de saciedade, por exemplo, quando para espontaneamente de mamar e solta o seio materno ou até mesmo quando dorme após a mamada. E esse tempo pode variar de bebê para bebê. Por este motivo, é importante que a mamada não seja interrompida, pois, se for, o bebê pode mamar pouco do leite do final. Em cada mamada, o bebê pode sugar somente um dos seios e ficar satisfeito, mas se ele continuar demonstrando que está com fome, pode-se oferecer o outro seio também. Aos poucos, a mãe vai conhecendo o seu bebê e percebendo seu ritmo. Meu bebê mama em livre demanda, mas já ouvi dizer que isso não é indicado. Como devo proceder? Recomenda-se mamadas frequentes, sem horário e duração pré- determinados (livre demanda), ou seja, o bebê deve mamar sempre que demonstrar sinais de fome conforme supracitado. É importante estar atento para a troca de fralda frequente do bebê, pois este é um bom sinal de que ele está mamando bem. Existe preparo para amamentar? O preparo para amamentar deve ser a partir de contato com mulheres que tiverem experiências positivas com a amamentação, bem como a participação em grupos de gestantes que apoiam e promovem a amamentação, e buscar ajuda em Bancos de Leite Humano sempre que tiverem dificuldades nesse processo. No entanto, não existe preparo das mamas; sendo assim, não é TÓPICO 2 — LACTAÇÃO 61 recomendável utilizar óleos, cremes, buchas ou conchas, ou mesmo massagear e fazer qualquer manobra com os mamilos durante a gestação. A própria natureza (ou seja, fisiologia corporal) se encarrega deste preparo. Como estimular a produção e descida do leite? Ao realizar o contato pele a pele na primeira hora após o parto, a mamãe estará estimulando muitos hormônios que ajudarão no início da apojadura, preparo da mama para a descida do leite e que geralmente acontece até cinco dias após o parto. As mamas ficam maiores e bem cheias, algumas vezes quentes, com um pequeno fluxo de leite, o que é normal. O leite começa a descer em forma de gotinhas e isso é suficiente para o bebê ficar satisfeito. Vale destacar que este primeiro leite que sai é chamado de colostro e tem o papel principal de proteção do recém-nascido – por isso é conhecido como a primeira vacina – e essas características permanecem até o sétimo dia pós-parto. O que fazer quando o leite empedrar? A mãe deve fazer massagem em movimentos circulares na mama e colocar o bebê para mamar. Se a mama estiver muito cheia, ela pode retirar um pouquinho de leite antes de amamentar para que a aréola fique macia e o bebê consiga abocanhar. Após amamentar, se a mama persistir cheia, a mãe deve continuar a massagem e realizar a ordenha do leite para armazenar e/ou doar para Bancos de Leite Humano. Mães que têm mais leite do que o filho precisa podem amamentar algum filho de alguma amiga que esteja precisando? O que posso fazer com o meu leite excedente? Elas nunca devem amamentar outro bebê, nem deixar seus bebês serem amamentados por outras mães, ainda que sejam suas irmãs, primas, melhores amigas. É contraindicada a amamentação cruzada (como é conhecida a prática de mães que amamentam filhos de outras que apresentam alguma dificuldade com o aleitamento), pois muitos micro-organismos podem ser transmitidos pelo leite materno, inclusive o HIV. Sendo assim, para essas mães que têm muita produção de leite (mais do que seu bebê precisa), uma boa opção é serem doadoras de leite humano. Doe somente para Bancos de Leite Humano. Neles, o leite doado é pasteurizado e existe todo um controle de qualidade em todas as etapas do seu processamento, para que este seja um alimento funcional e seguro para os recém-nascidos de baixo peso, prematuros ou com alguma patologia crônica que estão internados em UTIs. Para mais informações sobre doação de leite humano e orientação sobre amamentação, ligue para o Banco de Leite Humano do IFF: 08000 26 88 77. FONTE: BRASIL. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. c2020. Disponível em: https://bit.ly/3o8thZy. Acesso em: 16 jan. 2020. 62 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • O organismo da mulher já se prepara para a lactação durante a gestação. • A prolactina atua na síntese do leite materno e a ocitocina em sua ejeção. O leite materno tem uma composição diferente do leite de outros mamíferos e possui todos os nutrientes importantes para cada fase de desenvolvimento do bebê. Também muda sua composição conforme o momento da mamada. • O aleitamento materno traz benefícios tanto para o bebê, para mãe, para a família como para o estado. • As lactantes têm direitos trabalhistas que garantam o aleitamento materno durante os primeiros meses de vida de seu bebê. • Algumas complicações são comuns no processo de lactação, mas é possível preveni-las ou atenuá-las e que podem trazer implicações nutricionaispara o recém-nascido. • Os bancos de leite têm um papel muito importante na redução da morbimortalidade infantil. • Nem sempre os bancos de leite funcionaram como atualmente. • Existem várias políticas públicas no Brasil que objetivam o incentivo ao aleitamento. 63 1 Caro acadêmico! Conforme o conteúdo estudado com relação à lactação, é sabido que quanto mais o bebê mama no peito, mais a lactante produz leite. Explique fisiologicamente este mecanismo. 2 Algumas expressões fazem parte do contexto do aleitamento materno como Aleitamento materno exclusivo e técnica de amamentação em livre demanda. Explique com suas palavras o significado destas duas expressões. AUTOATIVIDADE 64 65 TÓPICO 3 — UNIDADE 1 ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA NUTRIZ 1 INTRODUÇÃO Uma mulher se torna nutriz no momento em que ela inicia o processo de aleitamento materno, oferecendo suas mamas para alimentar seu bebê. A mulher que amamenta também é chamada de lactante. A chegada de um bebê traz muitas alegrias para a família. Ao nascer o bebê passa a ser o foco das atenções no meio em que vive, mas não se pode esquecer de que a mãe passou por transformações físicas e psicológicas ao dar luz a um filho. Esse período, que vai do momento do parto até que os órgãos reprodutores voltam ao estado pré-gestacional, é chamado de puerpério. Além de todas as mudanças que a mulher está experimentando no pós- parto, a mulher está vivenciando uma nova fase com um novo ser que depende dela para várias coisas, incluindo a alimentação e nutrição. É um momento de aprendizado. Tanto para a mãe como para o bebê. A mãe está conhecendo seu filho, estabelecendo rotinas, lidando com situações novas, mesmo quando ela já tenha tido outros filhos. Cada bebê é único e possui suas peculiaridades. Vários fatores influenciam no comportamento do bebê, a idade gestacional, vivências intrauterinas, fatores ambientais, experiências vivenciadas durante o parto e o estado psicológico da mãe (BRASIL, 2015). Todo esse novo panorama apesar de ser permeado por muitas alegrias pelo nascimento de um filho, muitas vezes planejado outras vezes não, vem acompanhado por momentos, com variada intensidade e grau, de ansiedade, tensão e insegurança da mãe. O choro do bebê passa a ser motivo de desconforto para a mãe, que no início não sabe identificar a ou as causas de o bebê chorar. Infelizmente, o choro do bebê é uma das causas frequentes de desmame precoce. Como ainda estão conhecendo a comunicação não verbal do bebê, as mães interpretam o choro como fome e também cólica (BRASIL, 2015). Perante isso, oferecem fórmulas infantis para a criança. Fora todas as implicações psicológicas do puerpério a mulher nutriz está passando por um período de mudanças físicas para se recuperar do parto e também para todo o processo de lactação e amamentação. O Ministério da Saúde recomenda o aleitamento materno exclusivo até os 66 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ seis meses de idade e a continuidade até os dois anos juntamente com a alimenta- ção complementar. A fase da lactação é considerada uma fase de alta vulnerabi- lidade e grandes demandas. As necessidades nutricionais estão aumentadas em decorrência da produção de leite e a nutriz deve receber assistência. Uma avalia- ção minuciosa do estado nutricional da nutriz colabora para o acompanhamento nutricional de qualidade no período do aleitamento materno. A seguir será explanado sobre as demandas energéticas e nutricionais da nutriz, as orientações nutricionais que podem favorecer o alcance ou a manutenção do estado nutricional da mãe após seu filho nascer. 2 NECESSIDADES ENERGÉTICAS DA NUTRIZ Antes de discutirmos sobre as necessidades energéticas da nutriz, vamos discorrer um pouco sobre a avaliação do estado nutricional nesta fase. A avaliação do estado nutricional da nutriz segue os protocolos para a avaliação de acordo com a faixa etária adolescente ou adulta. Não há protocolos específicos para esta fase, embora se trata de uma fase de grandes mudanças do corpo da mulher. Um diagnóstico do estado nutricional nesta fase é útil para identificar se a condição atual da lactante possa contribuir para alguma vulnerabilidade do processo de lactação. E também nos casos de queixa das nutrizes em relação ao excesso de peso verificar a real dimensão desta condição. A avaliação nutricional deve ser pautada nos dados antropométricos, bioquímicos e dietéticos (RIBEIRO, KUZUHARA, 2007). O ganho de peso durante a gestação tem como função garantir o crescimento e desenvolvimento do feto e disponibilizar energia para o processo de lactação e recuperação do parto. O estado nutricional da mulher tanto antes como durante a gestação interfere no resultado da gestação, tempo de gestação, peso ao nascer do bebê e complicações antes e depois do parto (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). Estudos apontam que fatores como peso preconcepção, idade, paridade, a prática de exercícios, lactação, raça, retorno ao trabalho fora de casa têm influen- ciado no estado nutricional da nutriz, influenciando na perda de peso. Grande parte das mulheres perdem peso de forma gradual nos primeiros meses pós o parto. O peso perdido varia de 0,6 a 0,8 Kg ao mês, não caracterizando nenhuma situação anormal, nem tão pouco traz prejuízo nutricional a mulher, é considerado uma perda fisiológica. Já a perda de peso acima de 2 Kg ao mês para mulheres eutróficas no período pré-gestacional podem trazer prejuízos tanto nutricionais à nutriz como para a produção de leite. É importante salientar que existem especificidades nas populações estudadas. Estudos apontam para um percentual de aproximadamente 20% das nutrizes que conservam o peso do final da gestação ou até ganham peso neste TÓPICO 3 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA NUTRIZ 67 período da vida (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). Alguns estudos apontam o ganho de peso durante a fase gestacional como uma das causas do aumento de peso entre as mulheres no Brasil (VITOLO, 2008). Além das mudanças com relação ao peso corporal da nutriz que sucede frequentemente, também ocorrem mudanças na composição corporal durante a lactação. A redistribuição da gordura corporal é resultado da mobilização dos depósitos localizados na região das coxas e glúteos e em menor quantidade do tronco (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). A avaliação do estado nutricional da nutriz é útil para determinar as necessidades energéticas nesta fase. O INSTITUTE OF MEDICINE – IOM (2005) indica o uso das recomendações de ingestão dietética (DRI) para determinar as necessidades energéticas para a nutriz. O período de lactação é caracterizado por demandas energéticas altas, maiores até que a gestação. A produção de um litro de leite materno gera uma demanda de 900 kcal. Um terço desta energia utilizada na lactação (300 kcal) é proveniente dos depósitos maternos. A determinação do adicional de calorias necessárias para a nutriz foi baseada na produção diária de 850 mL de LM e o valor adicional de energia necessária é de 500 Kcal (Quadro 4) (VITOLO, 2008). QUADRO 4 – DEMANDAS ENERGÉTICAS DA LACTAÇÃO Como foi estudado anteriormente é provável que o consumo de 500 Kcal extras por dia satisfaça essa demanda. Uma parte do valor das calorias gastas para a lactação são utilizadas das reservas, refletidas em 2 a 4 Kg, acumuladas pela mulher durante a gestação (VITOLO, 2015; RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). As necessidades energéticas da lactante dependem do estágio e a duração do aleitamento materno. Como nos primeiros seis meses o bebê provavelmente está sendo alimentado somente através do LM, a quantidade de leite produzida é bem maior, comparada ao período em que a alimentação complementar já está acontecendo (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). Para realizar o cálculo das necessidades energéticas da nutriz podem ser usados vários métodos, um deles é Cálculo da EER para mulheres a partir de 19 anos, conforme fórmula a seguir. EER= 354- (6,91 x idade (anos))+ PA x (9,36 x peso (Kg) + 726 x estatura (metros)) FONTE: Adaptado de Ribeiro e Kuzuhara (2007) 68 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ Em que: PA é coeficiente de atividade física Classificação: Sedentária = 1,00 Pouco ativa = 1,12 Ativa = 1,27 Muito ativa = 1,45 →Ao valor da EER deve-se acrescentar 500 kcal. 3 NECESSIDADES DE MACRO E MICRONUTRIENTES DA NUTRIZ A quantidade recomendada de proteínas para nutriz é de um acréscimo de 25 gramas ao dia. Esse valor foi determinado levando em consideração a composição do leite materno e o volume de leite produzido por dia (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). A composição de ácidos graxos do leite materno sofre influência da dieta da lactante. É importante que a mãe consuma quantidades adequadas de ácidos graxos essências com ômega-3 e ômega-6. Com o nascimento, o RN recebe os ácidos graxos essenciais do leite materno. A quantidade de ácido araquidônico (AA) e de ácido docosahexaenoico (DHA) é três vezes maior no LM do que no leite de vaca. Os RNPT têm mais risco para desenvolver deficiências desses ácidos graxos quando são alimentados com fórmulas infantis que não tenham quantidade suficiente (SILVA; MIRANDA JÚNIOR; SOARES, 2007). Quando a nutriz faz restrição na ingestão de gorduras, são utilizadas as gorduras da reserva materna, principalmente dos depósitos das coxas e tronco (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). A recomendação é em média de 30% do valor calórico total. Os níveis de micronutrientes do leite materno reflete tanto a dieta como o estado nutricional da nutriz. As deficiências de alguns micronutrientes nos estoques maternos influenciam mais intensamente nos estoques do bebê. Estão incluídos entre esses a vitamina A, vitaminas do complexo B (tiamina, riboflavina, piridoxina e cobalamina) e os minerais como iodo e selênio (RIBEIRO; KUZUHARA, 2007). Os estoques são geralmente baixos no organismo da criança. O LM deve garantir o aporte. A suplementação materna melhora as concentrações no LM (BRASIL, 2004). O MS recomenda a suplementação de vitamina A em megadoses no valor 200.000 UI, antes da alta hospitalar, ainda na maternidade, para puérperas moradoras de regiões de risco de hipovitaminose A, incluindo o Vale do Ribeira em São Paulo, Vale do Jequitinhonha em Minas Gerais e a região nordeste. É totalmente contraindicado suplementação em mulheres que podem ter o risco de estarem grávidas, devido ao efeito teratogênico de doses alta desta vitamina TÓPICO 3 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA NUTRIZ 69 (BRASIL, 2013). A suplementação em lactantes no pós-parto aumenta as reservas corporais e do LM (VITOLO, 2008). A suplementação de ferro é recomendada pelo MS para mulheres até o terceiro mês pós-parto, independentemente de estarem ou não amamentando (BRASIL, 2013). 4 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA DA NUTRIZ O período de lactação demanda aumento nas necessidades de calorias, nutrientes e líquidos para a nutriz. Habitualmente, a mulher, neste período, sente muita fome e sede. Orientações em relação à alimentação neste período, incluindo número de refeições ao dia, grupos alimentares, forma de preparo, hidratação oral, temperos, etc, devem ser realizadas e transmitidas à nutriz de forma clara e individualizada. É necessário que o profissional leve em consideração e respeite a cultura, os costumes, os hábitos, e os aspectos regionais do ambiente no qual a nutriz está inserida. O nutricionista deve identificar com a lactante suas demandas, crenças e mitos construídos através de sua cultura e desta forma entender o processo de aleitamento materno sobre a perspectiva da mãe. Deste modo é mais fácil identificar os fatores que possam interferir na durabilidade e na manutenção do aleitamento, favorecendo a abordagem profissional para resolução de possíveis intercorrências que atrapalhem o aleitamento materno. Obviamente, o nutricionista deve desencorajá-la de práticas alimentares que possam ser prejudiciais a ela e a criança. O nutricionista deve observar a rotina das mamadas que já está em andamento. Sabe-se que não existe uma regra fixa para isso e o bebê é quem determina os horários de mamada, na técnica de livre demanda recomendada pelos órgãos de referência em aleitamento materno. É fundamental identificar as nutrizes pertencentes a famílias de baixa renda que podem não ter acesso a uma alimentação “ideal”. Neste caso, as mulheres podem achar que não devam amamentar seu filho. O nutricionista dentro de suas competências, pode adaptar as orientações para tirar o máximo de proveito nutricional dentro da realidade destas mulheres. De acordo com a literatura, mesmo mulheres que consomem dietas subótimas são capazes de produzir LM de boa qualidade. A criança sempre terá benefícios ao receber LM. A prática do veganismo ou vegetarianismo por mulheres que amamentam podem aumentar o risco de hipovitaminoses em seus bebês, principalmente a deficiência da vitamina B12 e também de proteínas. A suplementação é uma opção para diminuir este risco. Dentre as orientações nutricionais importantes que o nutricionista poderá fazer para a nutriz estão: 70 UNIDADE 1 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA GESTANTE, LACTANTE E NUTRIZ • Estimular a mãe a consumir uma dieta variada contendo todos os grupos alimentares incluindo frutas, legumes, verduras, leite e derivados, carnes, cereais e pães. • É importante um bom aporte de proteína e de cálcio nesta fase de intensa produção de leite materno. Reforce com a nutriz para ela consumir pelo menos três porções de derivados de leite ao dia. • Conversar com a nutriz sobre as fontes alimentares de vitamina A ou beta caroteno (precursor da vitamina A) como frutas e legumes amarelo e alaranjados e aconselhar o consumo diário. • Chamar a atenção da nutriz para que ela preste atenção nos sinais de seu corpo na hora da alimentação e identifique se está se sentindo saciada. • A perda de peso muito acelerada na fase de lactação pode prejudicar o processo. É fundamental o nutricionista ou outro profissional de saúde que esteja acompanhando a nutriz, alertá-la para a contraindicação da prática de dietas muito restritivas que provocam perda acelerada de peso, acima de 500 gramas por semana. E para os riscos do uso de medicamentos para este fim. • O consumo de cafeína, que pode ser encontrada no café, chá preto, chá verde, bebidas energéticas entre outras, deve ser feita com moderação. Existem muitos mitos e crenças em relação ao consumo de certos alimentos por mulheres que amamentam. A regra geral, institui que a nutriz não precisa evitar determinados alimentos. Contudo, as mães devem ser orientadas que ao observarem ou desconfiarem que algum componente de sua dieta gerou algum sintoma na criança a nutriz deve retirá-lo de sua dieta por algum tempo. O alimento deve ser reintroduzido na dieta da mãe e a mesma deve observar se os sintomas anteriormente detectados reaparecem. Caso isso ocorre o alimento deverá ser evitado pela mãe até que a criança não receba mais o LM. Um exemplo é a presença de alergia à proteína de leite de vaca no bebê em que a mãe é desencorajada a consumir leite, derivados e alimentos que contenham leite em sua composição. Orientações nutricionais podem ajudar a nutriz na presença de sobrepeso ou obesidade. É importante que a lactante não adote dietas muito restritivas, pois além de ser um fator de estresse pode provocar inadequações nutricionais. O gasto calórico demandado para a produção do LM, pode favorecer um balanço energético que ajude na perda de peso. Contudo é importante que a nutriz receba todos os nutrientes em quantidades adequadas pois a dieta da mãe interfere na composição do LM. Orientações na escolha dos alimentos, de preferência evitando aqueles de densidade calórica muito alta são uteis para a mãe. Não é recomendado exclusão total dos alimentos da preferência da nutriz (VITOLO, 2008). Uma recomendação proposta em Vitolo (2008), que no caso de desejo ou necessidadede perda de peso pela lactante com sobrepeso ou obesidade é de não incorporal o adicional de 500 kcal ao dia se o gasto energético total (GET) for de aproximadamente de 2200 kcal. TÓPICO 3 — ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO DA NUTRIZ 71 Outra recomendação muito importante é em relação ao consumo de líquidos com alta densidade energética como refrigerantes, sucos ou outras bebidas adoçadas, para repor os líquidos necessários para a lactação. É importante que o profissional de saúde reforce a orientação de que a reposição de líquidos deve ser feita com a ingestão de água. O período da lactação para a nutriz, principalmente no início, pode vir acompanhado de uma série de situações novas e muitas vezes desconfortáveis para a mulher. Além de toda a transformação física, com alterações do peso, da forma etc., também é um momento em que a mulher se depara com muitos “conceitos” vindos das mais diferentes formas. Tais “conceitos”, chegam, geralmente, na forma de aconselhamento e são principalmente relacionados a mitos e crenças sobre amamentação, passados por pessoas de sua rede social. Rede social no caso, nem sempre digital, e sim familiares, vizinhos, colegas de trabalho etc. Como a mulher está produzindo leite e suas necessidades nutricionais são mais elevadas, a mulher sente mais fome. Contudo isso, muitas mulheres sentem-se confusas sobre a alimentação e amamentação e sentem-se inseguras. Estará disponível a seguir para você caro estudantes o resumo de um artigo que explora bem esta realidade. Apesar de ser um artigo de 2011, entendo que o conteúdo abordado será muito útil, pois favorece a ampliação de um olhar mais consciente e crítico sobre as diversidades culturais e sociais que permeiam a alimentação da nutriz. Seria interessante que você lesse o artigo na íntegra. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ arttext&pid=S1413-81232011001100032. IMPORTANT E 72 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • O puerpério é um período de intensas modificações tanto físicas como psicológicas da mulher. • Os requerimentos nutricionais da nutriz, tanto de energia, como de proteína e alguns micronutrientes está aumentado. • A dieta da mãe influencia na composição do leite materno. • Existem muitos mitos e crenças sobre amamentação e a alimentação da lactante. • O nutricionista tem um papel muito relevante para esclarecer sobre o que é mito e o que é verdade relacionado a alimentação da nutriz. • O profissional de saúde, incluindo o nutricionista, deve respeitar toda a carga cultural que envolve os saberes da nutriz. Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. CHAMADA 73 1 A nutriz tem necessidades energéticas aumentada em decorrência da produção do leite materno. Foi determinado por centros de referência o acréscimo de 500 kcal ao dia para nutrizes. Justifique o valor adicional de 500 Kcal nesta fase. 2 Além de um aumento das necessidades energéticas a nutriz também necessita a ingestão maior de proteína. Qual é a recomendação proteica para lactantes? Justifique sua resposta. AUTOATIVIDADE 74 75 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer a classificação do recém-nascido de acordo com a idade gesta- cional e o peso ao nascer; • descrever os mecanismos fisiológicos do sistema gastrintestinais do lac- tente; • aplicar as fórmulas para cálculo das necessidades nutricionais dos lac- tentes; • avaliar o estado nutricional de lactentes; • descrever o conceito dos 1000 dias em nutrição pediátrica; • conhecer as vantagens do aleitamento materno para mãe e bebê; • identificar as particularidades envolvidas nos episódios de cólica do lac- tente; • conhecer as causas e os riscos do desmame precoce; • identificar as necessidades nutricionais após aos seis meses de idade; • definir alimentação complementar e alimento complementar; introdu- ção alimentar BLW; • entender as características dos alimentos fortificados; • conhecer as políticas públicas, programas, estratégias para suplementa- ção nutricional na infância; • descrever a estratégia NutriSus. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer desta unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – LACTENTE TÓPICO 2 – INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS TÓPICO 3 – SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL NA INFÂNCIA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 76 77 UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico! O processo de crescimento e desenvolvimento após o nasci- mento é acelerado nos primeiros meses de vida. As demandas nutricionais são pro- porcionalmente mais elevadas neste período. Crianças com até cinco anos de idade são consideradas como grupo vulnerável, estão em franca fase de crescimento e de- senvolvimento e o sistema imunitário está se estruturando. Dentro deste contexto, as práticas alimentares na infância, principalmente nos primeiros anos de vida, vão ter um impacto muito grande na formação orgânica, psicológica e até sociocultural da criança. Também estabelecem a base na formação dos hábitos alimentares futuros. Devincenzi, Mattar e Cintra (2007) alertam para a relação de déficits nutri- cionais no primeiro ano de vida com a baixa ingestão de alimentos e nutrientes. Quando as necessidades nutricionais para a idade não são supridas nesta fase, aumenta o risco de comprometimento no crescimento. A partir do segundo ano de vida o crescimento tem influência maior do potencial genético. Os processos de crescimento são inerentes aos seres vivos. O crescimento da criança caracteriza-se por um aumento linear das estruturas, envolve aumento no número e no tamanho das células. Fatores genéticos, ambientais, nutricionais e psicológicos influenciam em todo este processo (LOPES, 2006). Além do cresci- mento o desenvolvimento, que neste caso, entende-se pelo funcionamento ade- quado dos sistemas, deve acompanhar este processo. De acordo com Lopes (2006), as informações genéticas definem o poten- cial de crescimento. Outros fatores podem interferir e modular a expressão des- tas informações de modo direto ou indireto. Estão incluídos nos fatores diretos a presença de doenças, danos físicos e ou químicos e as condições nutricionais. Já os indiretos abrangem privação psicossocial, vínculo frágil entre mãe e filho, aspectos alimentares que envolvem tabus e crenças etc. Como mencionado anteriormente, a alimentação e nutrição têm grande interferência e nas potencialidades de crescimento que um indivíduo está progra- mado geneticamente, bem como no seu completo desenvolvimento. Desta forma é importante que você conheça todas as particularidades acerca da nutrição na in- fância para sua formação e futura prática na nutrição pediátrica em todas as suas formas de atuação. Convidamos você, futuro nutricionista, a explorar, conhecer e buscar o conhecimento disponível sobre esse conteúdo para seu crescimento acadêmico. A seguir, você já terá acesso a uma boa parte deste conteúdo. TÓPICO 1 — LACTENTE UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 78 2 CLASSIFICAÇÃO DO RECÉM-NASCIDO DE ACORDO COM SUA IDADE GESTACIONAL E PESO AO NASCER O bebê ao nascer é classificado de acordo com a idade gestacional em recém-nascido a termo (RNT), quando o nascimento se dá entre 37 e 42 semanas gestacionais. Todo aquele nascido com idade gestacional menor que 37 semanas é classificado como recém-nascido pré-termo (RNPT). Quando o nascimento ocorre após a quadragésima segunda semana gestacional o bebê é classificado como recém-nascido pós-termo. Os RNPT têm maior risco para déficits no desenvolvimentoque os nascidos a termo (FORMIGA; LINHARES, 2009). É importante salientar que a neonatologia, que é o ramo da pediatria que estuda e trata bebês desde o nascimento até ao vigésimo oitavo dia de vida, tem tido nas últimas décadas muitos avanços que favoreceram muito a melhora da assistência aos RNPT. Além da relação do nascimento com a idade gestacional, o peso ao nascer também é um parâmetro utilizado para avaliar as condições do RN. É um dos melhores indicadores dos acontecimentos durante a fase fetal (BRASIL, 2002a). Bebês que nascem com baixo peso tem risco maior de morbimortalidade neonatal e infantil. A macrossomia fetal também traz riscos ao RN como trabalho de parto prematuro, parto cesariana, traumas esqueléticos ao nascer, hipoglicemia neonatal, entre outros (TOURINHO; REIS, 2012). A definição de recém-nascido macrossômico é variável, incluindo o recém-nato com peso ao nascimento igual ou superior a 4 kg. Algumas referências consideram acima de 4 ou 4,5 kg. É mais aceita a definição que considera a macrossomia através do peso do recém- nascido e a idade gestacional. Desta forma, o peso ao nascer acima do percentil 95 é considerado macrossômico. A classificação do RN de acordo com o peso ao nascer, encontra-se no Quadro1. O peso ao nascer é a primeira medida de peso do RN obtida após ao nascimento e deve ser medido preferencialmente na primeira hora de vida. QUADRO 1 – CLASSIFICAÇÃO DO RN DE ACORDO COM O PESO AO NASCER, SEGUNDO A OMS FONTE: Brasil (2002) Peso ao nascer Classificação < 2.500 gramas Baixo peso ao nascer (BP) < 1.500 g Muito baixo peso ao nascer (MBPN) < 1.000 g Extremo baixo peso ao nascer (EBPN) ou RN de muitíssimo baixo peso TÓPICO 1 — LACTENTE 79 Os fatores que mais influenciam de forma negativa para o crescimento intrauterino, denominados fatores de risco para baixo peso ao nascer, são: o tabagismo, a ingestão de álcool e outras drogas, doenças infecciosas crônicas e doenças sexualmente transmissíveis da gestante, presença de hipertensão arterial na gestação, elevada paridade, intervalo curto entre partos, gestações múltiplas, idade materna acima de 35 anos e estado nutricional da gestante (BRASIL, 2002a). • Uma outra classificação do RN utiliza o percentil relacionando o peso e a idade gestacional conforme citado a seguir: • Adequado para a idade gestacional (AIG): peso compreendido entre o percentil 10 e 90. • Pequeno para a idade gestacional (PIG): peso abaixo do percentil 10. • Grande para a idade gestacional (GIG): peso acima do percentil 90. • A classificação, baseada na curva de Usher, do RN de acordo com a prematuridade é: • Prematuro limítrofe: Quando a idade gestacional do nascimento é de 35 a 37 semanas e o peso do RNP ao nascer é maior que 2.000 gramas. • Moderadamente prematuro: Quando a idade gestacional do nascimento é de 31 a 35 semanas e o peso do RNP ao nascer é de 2.500 a 1.501 gramas. • Prematuro extremo: Quando a idade gestacional do nascimento é de 24 a 30 semanas e o peso do RNP ao nascer é igual ou inferior a 1.500 gramas. 3 ASPECTOS FISIOLÓGICOS DO SISTEMA GASTROINTESTINAL DO LACTENTE Estudar a fisiologia do trato digestório é extremamente importante para o estudante de nutrição em todas as fases do ciclo da vida. Como base para o entendimento da alimentação adequada na infância, especificamente no primeiro ano de vida, vamos focar na fisiologia do sistema digestório nesta fase. Mudanças na digestão e absorção dos alimentos ocorrem de acordo com cada etapa do desenvolvimento da criança. O tipo de alimento, a consistência e o volume das refeições oferecidas vão depender destas mudanças (PALMA; DISHCHEKENIAN, 2009). Após o período de 28 dias de vida os RN são chamados de lactentes. NOTA UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 80 Vamos recapitular um pouco o que acontece no período intrauterino em relação à nutrição do embrião e feto. Os nutrientes são disponibilizados para o feto através da circulação placentária, que passam do sangue materno para a cir- culação fetal. Os nutrientes são imediatamente utilizáveis, sem necessidade de hidrólise e mecanismos de absorção. Os “restos metabólicos” são transferidos para o sangue materno. O principal nutriente utilizado como fonte energética é a glicose, e os aminoácidos livres são utilizados para a síntese proteica. O sistema digestório no embrião é um dos primeiros a ser reconhecido. Entre a vigésima quarta e trigésima sexta semanas gestacionais este sistema é mor- fologicamente similar ao do RN a termo, porém possui imaturidade funcional. O desenvolvimento longitudinal do trato gastrointestinal é mais evidenciado no últi- mo trimestre de gestação. Até aos três a quatro anos de idade esse desenvolvimento continua em uma velocidade menor (DEVINCENZI; MATTAR; CINTRA, 2007). Mesmo sendo um processo natural é curioso saber que o feto deglute o líquido amniótico, já a partir da décima sexta semana de gestação. A deglutição do líquido amniótico pelo feto é considerada como o pré-preparo intraluminal (VINAGRE; DINIZ, 2001). Os volumes deglutidos vão aumentando progressiva- mente (DEVINCENZI; MATTAR; CINTRA, 2007). O líquido amniótico além de ser bacteriostático, também possui lipídios, proteínas, carboidratos, imunoglobulinas, eletrólitos, fator de crescimento epidér- mico. O valor calórico do líquido amniótico é de 15 kcal por litro (DEVINCENZI; MATTAR; CINTRA, 2007). Embora não pareça ter função nutricional relevante, exerce papel importante para aspectos fisiológicos do sistema gastrointestinal do feto. O feto produz e excreta a urina para o líquido amniótico. Tanto os RN como os lactentes possuem relativa imaturidade fisiológica, principalmente nos primeiros quatro meses de vida (VITOLO, 2008). A partir do nascimento o bebê recebe alimentação e fica dependente dos processos de diges- tão e absorção dos nutrientes. Ao nascimento os reflexos de sucção e extrusão já ocorrem e são impor- tantes nos primeiros meses de vida. Esse mecanismo condiciona a alimentação líquida para o bebê que é capaz de extrair leite das mamas. A configuração mor- fológica da boca do recém-nascido, com o palato mole proporcionalmente maior, favorecem movimentos coordenados dos lábios, língua, bochechas e faringe (AKRE, 1997). A partir dos 4 a 6 meses o bebê já começa a aceitar alimentos semissólidos. É quando o reflexo de extrusão desaparece (AKRE, 1997). Entre o sétimo e nono mês de vida, os movimentos de mordedura começam a aparecer, momento que ocorre a erupção dos primeiros dentes (AKRE, 1997). Em relação ao processo alimentar e nutricional é importante relembrar que a principal fonte de energia do feto é oriunda da glicose. Já a partir do nasci- TÓPICO 1 — LACTENTE 81 mento a gordura passa a ser uma das principais fontes de energia dos bebês. No leite materno 40 a 50% das calorias correspondem às gorduras. O processo de digestão nos primeiros meses de vida apresenta algumas particularidades. A amilase está presente na saliva, porém não ocorre digestão de carboidratos nem na boca nem no esôfago dos bebês nos primeiros meses. Nesta fase, a digestão de carboidratos ocorre principalmente no intestino proximal. A amilase pancreática atua na digestão dos polissacarídeos dando origem a dissacarídeos e monossacarídeos. A atividade desta enzima é muito baixa ou au- sente nos primeiros meses de vida. As enzimas de mucosa intestinal como a glico- amilase digere principalmente oligossacarídeos, dissacarídeos e também o amido. Sua atividade também é reduzida nesta fase (PALMA; DISHCHEKENIAN, 2009). A digestão do amido nesta fase ainda é ineficiente. O processo de digestão do ami- do envolve adaptação nos primeiros meses. Distúrbios gastrointestinais em bebês que recebem amido podem ser justificados por essa ineficiência. As dissacaridases de borda em escova digerem os dissacarídeos, como a lactose, em monossacarídeos, que são as moléculas de carboidratos prontas para serem absorvidas.Para os RN o carboidrato mais importante é a lactose. A enzi- ma lactase que hidrolisa este dissacarídeo é produzida desde a 12ª de vida intrau- terina (PALMA; DISHCHEKENIAN, 2009). Com relação à digestão das proteínas a concentração de ácido clorídrico e pepsina aumenta progressivamente nos primeiros meses. Como nos adultos, a digestão ocorre principalmente no intestino delgado. Vale ressaltar que as pro- teínas do leite materno são totalmente hidrolisadas. Já as proteínas do leite de outros mamíferos, como a caseína encontrada no leite de vaca em maiores quanti- dades, têm mais dificuldade de serem digeridas pelos bebês nos primeiros meses de vida. A permeabilidade da mucosa do RN e de bebês mais jovens favorece a passagem de moléculas maiores como proteínas intactas, que não foram digeri- das. Tal fator pode possibilitar uma resposta imunológica causada pelas proteí- nas ingeridas, denominadas de heterólogas, que atuam como antígenos. É o que geralmente ocorre na alergia à proteína do leite de vaca em bebês. Nos bebês, a lipase lingual tem um importante papel na digestão das gor- duras. É uma enzima secretada pelas papilas da parte superior da língua. Sua ação enzimática ocorre no estômago. A secreção de lipase pancreática e sais biliares no RN ainda é baixa. O leite materno possui lipases que ajudam na digestão das suas gorduras. As vitaminas e minerais são absorvidos normalmente desde os primeiros meses de vida. UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 82 Quando o assunto é aspectos fisiológicos do sistema gastrointestinal do lactente, não se pode deixar de fazer alguma referência à defecação. Os mecanismos de defecação são dependentes de vários fatores como a alimentação, por exemplo. Ao nascimento é comum que as primeiras fezes do RN, chamadas de mecônio, ocorram nas primeiras 48 horas após ao parto. Tem uma coloração verde bem escura com uma textura pegajosa. Com o passar dos dias a coloração das fezes vai mudando para tons amarelados até marrom e a consistência vai variando de líquida para pastosa. IMPORTANT E Ainda sobre a excreção, o sistema renal também está imaturo nos primeiros meses de vida. Os rins possuem incapacidade em concentrar urina. Nos primeiros meses o RN e lactente precisam uma quantidade maior de água para excretar soluto, quando comparadas com crianças maiores. Desta maneira a quantidade de proteína ingerida não deve exceder percentuais muito maiores que o indicado. Vale ressaltar que no aleitamento materno exclusivo o leite materno não altera a homeostase renal (VITOLO, 2008). 4 NECESSIDADES NUTRICIONAIS DO LACTENTE Caro acadêmico! Antes de começarmos a explorar o conteúdo que contempla as necessidades nutricionais específicas do lactente, é importante que você fique ciente que existem diferentes métodos para estimar as necessidades energéticas de crianças. Os valores encontrados são distintos também, e é comum que essas diferenças acabem confundindo o estudante e até o profissional em início de atividade. Desta forma, é fundamental conhecer as diferenças entre os métodos, os valores distintos encontrados e saber qual é o método que mais atende às peculiaridades de cada indivíduo para definir qual é a conduta mais adequada para cada caso. Como você já deve ter estudado, a homeostase do peso corporal é o resultado do equilíbrio entre o gasto e o consumo de energia. O gasto energético de um indivíduo pode ser verificado através de métodos diretos como calorimetria direta e por métodos indiretos como a calorimetria indireta, que mede a produção de energia a partir das trocas gasosas do organismo com o meio ambiente e o método de água duplamente marcada. A utilização dos métodos indiretos necessita de salas apropriadas. Como a acessibilidade a estes métodos são difíceis, na maioria das vezes para a determinação do gasto energético, utilizam-se equações preditivas que utilizam as variáveis de estatura, peso, sexo, nível de atividade física e a presença de patologias. TÓPICO 1 — LACTENTE 83 Uma pessoa necessita disponibilizar energia para o organismo através dos alimentos para manter suas atividades diárias. O gasto energético total inclui o gasto energético basal, gasto energético com atividade física e o efeito termogênico dos alimentos (KRAUSE; MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2005). Vamos recapitular brevemente todos estes termos: • Gasto Energético Basal (GEB) ou Taxa de Metabolismo Basal (TMB): representa as necessidades energéticas diárias de um indivíduo para funções metabólicas como equilíbrio termodinâmico, manutenção dos sistemas cardiovascular, respiratório, síntese de compostos orgânicos etc. • Na infância a síntese de compostos orgânicos está aumentada devido aos processos de crescimento. Outra situação em que o GEB está aumentado é durante a lactogênese. O GEB representa de 60 a 75% das necessidades energéticas diárias de uma pessoa. A determinação do GEB é verificada em situações de jejum, repouso físico e mental, em ambiente com temperatura controlada etc. • Na prática utiliza-se o Gasto Energético em Repouso (GER) que determina o gasto energético, porém o indivíduo deve estar sem se alimentar por pelo menos 3 a 4 horas antes do teste e exige um repouso de 30 minutos. • Gasto Energético Total (GET): representa o valor do GER mais o gasto energético com atividades diárias. Antes de estudarmos os métodos para calcular as necessidades energéticas de lactentes é importante salientar que um RN tem demandas energéticas relativamente muito maiores que a de um adulto. As necessidades aumentadas de energia são justificadas pela alta taxa metabólica basal do bebê e também pelas altas taxas de crescimento e desenvolvimento dos primeiros meses e anos (VITOLO, 2008). Para você ter uma ideia, de acordo com as RDA de 1989, a recomendação é de 30 a 40 kcal/kg/dia para adultos e 90 a 120 kcal/kg/dia para RN. Embora esta recomendação tem sido considerada excessiva para as necessidades, as demandas dos bebês sempre serão maiores. Antes de calcular os valores energéticos estimados, o nutricionista deverá fazer a avaliação do estado nutricional da criança. É importante identificar os extremos das condições nutricionais. As crianças de baixo peso ou/e com retardo de crescimento necessitam de quantidades maiores de energia e também de proteína para garantir o crescimento e desenvolvimento (KRAUSE; MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2005). DICAS UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 84 No caso de presença de sobrepeso ou obesidade, as Diretrizes de Obe- sidade no Diagnóstico e Tratamento da Criança e do Adolescente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo alertam para que as abordagens nu- tricionais sejam baseadas no controle do ganho ponderal e de comorbidades caso estejam presentes (SOCIEDADE BRASILEIRA DE ENDOCRINOLOGIA E ME- TABOLISMO, 2005). A seguir, abordaremos os métodos utilizados para o cálculo das necessidades energéticas de crianças. – A RDA (1989) disponibiliza as calorias por kg de peso corporal por idade, para criança saudável, conforme o Quadro 2. O valor considera o peso ideal para es- tatura. QUADRO 2 – RECOMENDAÇÕES DIÁRIAS DE ENERGIA PARA CRIANÇAS DE 0 A 1 ANO DE IDADE – Cálculo do GET para lactentes. • Shofield (1985) sugere para o cálculo do GEB as equações localizadas no Quadro 3. QUADRO 3 – EQUAÇÃO PARA CÁLCULO DAS NECESSIDADES ENERGÉTICAS DE CRIANÇAS ENTRE 0 E 3 ANOS DE IDADE DE ACORDO COM A OMS (1985) • Multiplicar o GEB (GER) pelo fator atividade (FA). Sugere-se para crianças sedentárias o FA de 1,2 ou 1,3 que corresponde a 20% ou 30% do GEB e para crianças ativas, o FA 1,4 ou 1,5 que correspondem respectivamente à 40 ou 50% do GEB. • As equações propostas por Shofield (1985), para crianças e adolescentes de 0 a 18 anos, considera a variável da estatura também para crianças menores de 3 anos de idade, conforme o Quadro 4. QUADRO 4 – EQUAÇÃO PARA CÁLCULO DAS NECESSIDADES ENERGÉTICAS DE CRIANÇASENTRE 0 E 3 ANOS INCOMPLETOS DE IDADE DE ACORDO COM SCHOFIELD (1985) FONTE: Adaptado de National Research Council (1989) FONTE: Adaptado de Shofield (1985) FONTE: Adaptado de Shofield (1985) Idade (anos) Energia diária (Kcal/dia) 0,0 a 0,5 650 0,5 a 1,0 850 Sexo Idade (anos) Equação para GEB (GER) Masculino 0 a 3 60,9 (P) – 54 Feminino 0 a 3 61 (P) – 51 P = peso corporal Sexo Idade (anos) Equação para GER Masculino 0 a 3 anos incompletos 0,167 (P) + 15,17 (E) – 617,6 Feminino 0 a 3 anos incompletos 16,252 (P) + 10,232 (E) – 413,5 TÓPICO 1 — LACTENTE 85 – Determinação do requerimento energético estimado – EER O requerimento energético estimado (EER) é definido como o consumo de energia que é previsto para manter o balanço energético de um adulto saudável de uma determinada idade, sexo, peso, altura e nível de atividade física, consistente com boa saúde. As equações para o cálculo do EER são baseadas na técnica da água duplamente marcada. Equações foram desenvolvidas para indivíduos de peso normal (IMC de 18,5 a 25 Para lactentes de 0 a 36 meses as equações para o cálculo do EER não consideram o sexo e a altura, somente a idade e o peso. • EER para crianças de 0 a 36 meses: • Fórmula → EER (kcal/dia) = 89 x peso da criança (kg) – 100 + Energia de deposição. • Para lactentes é recomendado adicionar ao resultado do EER uma cota de energia de deposição, relacionada ao crescimento durante essa fase. As cotas variam de acordo com a idade em meses de acordo com o Quadro 5. QUADRO 5 – COTA DE ENERGIA DE DEPOSIÇÃO PARA CRIANÇAS DE 0 A 36 MESES A partir dos 3 até aos 8 anos, inclui-se a variação de idade, gênero, altura, peso e nível de atividade física. A este valor soma-se 20 kcal ao dia, considerando o gasto energético envolvido no crescimento. As equações para o cálculo da EER para meninos e meninas acima de três anos de idade serão estudadas na Unidade 3. 5 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL DO LACTENTE Quando o assunto é avaliação do estado nutricional, geralmente as pessoas leigas, relacionam exclusivamente com o peso da criança. Tanto é, que a criança “gordinha”, cheinha ou com peso normal é considerada saudável. Como você já deve saber, uma avaliação nutricional deve incluir a antropometria, os exames bioquímicos, o exame físico, uma anamnese nutricional bem completa da criança e dos hábitos alimentares da família utilizando os inquéritos alimentares. Vamos iniciar a abordagem sobre a avaliação do estado nutricional com a avaliação antropométrica. O aumento do tamanho corporal reflete o processo de crescimento corporal que é um processo biológico que envolve a multiplicação e o aumento FONTE: Adaptado de Institute of Medicine (2005) Idade (meses) Energia de deposição (Kcal) 0 a 3 175 4 a 6 56 7 a 12 22 13 a 36 20 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 86 do tamanho celular. O tamanho corporal é influenciado pelo potencial genético de crescimento. Esse potencial pode ou não ser atingido. Depende das condições de vida do indivíduo da concepção até a idade adulta (BRASIL, 2002a). Os fatores intrínsecos que determinam o crescimento incluem fatores genéticos, metabólicos, más formações congênitas e os fatores extrínsecos que compreendem a saúde e cuidados gerais com a criança, habitação e higiene e especialmente a alimentação (BRASIL, 2002a). O acompanhamento do crescimento da criança e a avaliação das condições de vida pelos profissionais de saúde, incluindo o nutricionista é fundamental para uma intervenção o mais precoce possível, quando são identificadas inadequações do estado nutricional. Para crianças menores de cinco anos de idade, a influência dos fatores ambientais causa muito mais impacto que os fatores genéticos na expressão do potencial de crescimento (BRASIL, 2002a). Vale ressaltar que a velocidade de crescimento no período pós-natal naturalmente varia em cada fase. É particularmente elevada até os dois primeiros anos de vida seguida de um declínio gradativo e pronunciado até os cinco anos de idade. É evidenciada esse crescimento rápido pelo fato de que o bebê tem seu peso triplicado nos primeiros doze meses de vida e a altura aumenta aproximadamente 50%. Depois de 5 anos a velocidade de crescimento é relativamente constante, de 5 a 6 cm por ano. No início do estirão da adolescência a velocidade de crescimento aumenta muito. Para as meninas o estirão ocorre em torno dos 11 anos e para os meninos em torno dos 13 anos (BRASIL, 2002a). Vamos discorrer brevemente sobre as medidas antropométricas para posteriormente aprender sobre a utilização destas medidas na avaliação do estado nutricional da criança, através dos referenciais antropométricos. Peso O peso corporal expressa a dimensão da massa tanto orgânica como inorgânica das estruturas corporais incluindo, células e material extracelular dos tecidos dos órgãos, de sustentação, dos músculos, dos ossos, da gordura e também a água corporal (VITOLO, 2015). É importante observar a presença de edema em crianças que podem ser causados por desnutrição tipo Kwashiorkor, doenças renais, entre outras. Na presença de edema, o peso fica “mascarado” e não há uma medida antropométrica adequada para o diagnóstico nutricional (VITOLO, 2008). Estatura Utiliza-se o termo estatura para indicar comprimento ou altura. O comprimento é utilizado para crianças menores de 2 anos de idade, pois a estatura é verificada com a criança deitada geralmente com régua antropométrica pediátrica (Figura 1). TÓPICO 1 — LACTENTE 87 Após essa idade as crianças já podem ser medidas de pé e a medida é denominada de altura. FÍGURA 1 – RÉGUA ANTROPOMÉTRICA PEDIÁTRICA FONTE: <https://www.fisiofernandes.com.br/regua-antropometrica-de-madeira/p> Acesso em: 7 abr. 2020. Perímetro cefálico – PC O perímetro cefálico é uma medida extremamente importante nos primeiros anos de vida. Deve ser medido em intervalos regulares até aos 2 anos de idade. O acompanhamento do perímetro cefálico reflete o desenvolvimento cerebral (HINKELMANN et al., 2015). Perímetro torácico – PT É utilizado para classificação de desnutrição associado ao perímetro cefálico como o indicador PT X PC. A relação PT/PC até os 6 meses de vida devem ser de 1 em crianças sadias. Para crianças entre 6 meses aos 5 anos de idade a relação PT/PC é sempre maior de 1. Quando nesta fase a relação for menor que 1 indica desnutrição energética proteica. Na prática reflete que está ocorrendo uma atrofia do músculo torácico e diminuição do tecido adiposo (VITOLO, 2008). Circunferência do braço É uma medida recomendada quando não é possível utilizar outras medidas como peso e estatura para avaliar o estado nutricional de crianças de 1 a 5 anos. É a medida que representa a soma das áreas constituídas pelos tecidos ósseo, muscular e gorduroso. A desvantagem é que se trata de uma medida isolada que O Ministério da Saúde disponibiliza um manual denominado Antropometria: como pesar e medir, destinado aos profissionais de saúde. Neste material, são encontradas as técnicas detalhadas recomendadas para coleta de dados antropométricos de crianças e adolescentes. Segue a referência bibliográfica: BRASIL. Antropometria: como pesar e medir. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. DICAS UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 88 limita um diagnóstico mais global (VITOLO, 2008). O Quadro 6 demonstra os percentis da circunferência do braço de acordo com a idade e gênero. QUADRO 6 – PERCENTIS DA CIRCUNFERÊNCIA DO BRAÇO (CM), DE ACORDO COM IDADE E GÊNERO Dobras cutâneas São medidas que revelam a quantidade de tecido adiposo subcutâneo e refletem as reservas calóricas e o estado nutricional atual. Os compartimentos de obtenção das dobras mais indicadas e referenciadas para crianças são as dobras tricipital e subescapular (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). Os resultados das medidas das pregas cutâneas devem ser comparados aos percentis disponíveis de acordo com a faixa etáriaou ainda podem ser aplicadas em fórmulas para obtenção do percentual de gordura e massa magra. Uma desvantagem destas medidas para crianças é a variação na distribuição do tecido adiposo que ocorre de acordo com o sexo e idade (VITOLO, 2008). É importante ter atenção em relação ao estado de hidratação, pois pode afetar a compressibilidade da pele. No caso da presença de edema não deve ser utilizada (VITOLO, 2008; HINKELMANN et al., 2015). Referenciais antropométricos Para crianças os referenciais antropométricos são as curvas de crescimento. São ferramentas utilizadas na prática clínica para avaliar se a criança está com suas medidas corpóreas dentro da normalidade ou da anormalidade. As medidas (parâmetros antropométricos) mais utilizadas são o peso, a estatura, comprimento, circunferência do braço, circunferência do abdome, pregas cutâneas, entre outras. Os parâmetros antropométricos sofrem influências de características específicas de acordo com o sexo, do potencial genético, fase de crescimento e desenvolvimento e de fatores ambientais. O acompanhamento da evolução das crianças na infância é fundamental para acompanhar o crescimento e também o estado nutricional. Apesar da avaliação nutricional não se resumir nos parâmetros antropométricos, é muito importante para identificar alterações no crescimento. Os referenciais antropométricos são constituídos de tabelas e gráficos que reproduzem diferentes valores de cada medida corpórea estimados como normais baseados em valores observados em amostras de crianças e adolescentes avaliados como normais e sadios. São especificas para cada sexo e idade (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). FONTE: Adaptado de Frisancho (1990) Idade (anos) Masculino Feminino P5 P50 P95 P5 P50 P95 1 – 1,9 14,2 16,0 18,2 13,6 15,7 17,8 2 – 2,9 14,3 16,3 18,6 14,2 16,1 18,5 TÓPICO 1 — LACTENTE 89 Os valores estimados são reunidos em gráficos e tabelas organizados na forma de percentil ou escore z. Várias referências já foram produzidas por diferentes países e muitos autores. Sempre houve muitas discussões sobre qual o melhor a ser utilizado. No quadro 7, encontramos alguns deles. QUADRO 7 – REFERENCIAIS PRODUZIDOS PARA A AVALIAÇÃO ANTROPOMÉTRICA DE CRIAN- ÇAS E ADOLESCENTES * Produzido com base em uma amostra contendo diferentes origens étnicas, proveniente de 6 países. FONTE: Sociedade Brasileira de Pediatria (2009, p. 39) Os referenciais da OMS, considerado internacionalmente comum, pode ser usado em países que não produziram um referencial próprio. A produção de um referencial envolve dificuldades metodológicas, logísticas e alto custo monetário (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). A OMS disponibilizou em 2006 o referencial para crianças de 0 a 5 anos incompletos. É considerado mais vantajoso quando comparado com o preconizado anteriormente do CDC/NCHS 2000. Inclui mais parâmetros antropométricos como o índice de massa corporal para crianças menores de 2 anos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). Em 2007, a OMS lançou o referencial para ser utilizados para crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos de idade. O referencial OMS 2007 considera tabelas e gráficas de peso para a idade, neste caso somente até 10 anos de idade, estatura para idade e índice da massa corpórea (IMC) para a idade, todos para meninos e para meninas. A produção do referencial de peso para a idade somente até aos 10 anos é justificada pelo comitê de peritos envolvidos na sua confecção, pelas variabilidades inerentes à fase de rápido crescimento relacionado ao desenvolvimento puberal que tem início por volta desta fase (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). Tanner → baseado em dados de crianças e adolescentes ingleses National Center for Health Statistics – NCHS → baseado em dados americanos Centers for Disease Control and Prevention – CDC → baseado em dados americanos Organização Mundial da Saúde – OMS (2006) e OMS (2007) → referencial internacional comum* UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 90 As curvas de referência na avaliação do estado nutricional de crianças adotada atualmente pelo Ministério da Saúde (MS) no Brasil são justamente a da OMS, 2006 para crianças menores de 5 anos e a da OMS, 2007 para crianças com 5 anos ou mais. Os referenciais encontram-se na caderneta de saúde da criança ou do adolescente (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). IMPORTANT E A OMS recomenda o uso dos seguintes índices antropométricos para avaliar o estado nutricional de crianças e adolescentes: • Para crianças de 0 a 5 anos incompletos: • Peso para a idade = P/I • Peso para a estatura = P/E • IMC para a idade = IMC/I • Estatura para a idade = E/I • Para crianças de 5 a 10 anos incompletos: • Peso para a idade = P/I • IMC para a idade = IMC/I • Estatura para a idade = E/I • Para adolescentes de 10 a 19 anos: • IMC para idade = IMC/I • Estatura para a idade – E/I Agora vamos entender um pouco o que significam estes índices de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (2009). O índice peso para a idade reflete a relação entre massa corporal e a idade cronológica da criança. É utilizada para a avaliação do estado nutricional da criança, sendo muito útil para acompanhar o ganho de peso e principalmente identificar risco ou presença de baixo peso. É um índice que reflete a situação global da criança. Não distingue se algum comprometimento nutricional é agudo ou pregresso que caracteriza uma situação crônica. É recomendado complementar a avaliação utilizando outro índice antropométrico. Para analisar a harmonia entre as dimensões de massa corporal e estatura, utiliza-se o índice peso para a estatura. Este índice não considera a idade. É útil na identificação de emagrecimento ou excesso de peso nas crianças. O índice do IMC para a idade considera a relação entre o peso e o quadrado da estatura da criança. É também utilizado em outras fases da vida. É relevante na identificação de excesso de peso em crianças e adolescentes. TÓPICO 1 — LACTENTE 91 Para avaliar o crescimento linear da criança é recomendado o uso do índice estatura para a idade. É um índice que aponta o efeito cumulativo de situações inadequadas em termos nutricionais sobre o crescimento. Reflete situações crônicas de subnutrição em crianças. Até aqui discorremos sobre os referenciais antropométricos existentes, os índices antropométricos utilizados em crianças e adolescentes e aqueles recomendados pelo OMS e MS no Brasil. Agora chegou a hora de aprender como utilizar esses índices, interpretá-los para concluir o diagnóstico antropométrico na infância e adolescência. São utilizados os pontos de corte segundo cada índice para a avaliação do estado antropométrico de crianças e adolescentes. A nomenclatura adotada pelo MS para classificar o estado nutricional de acordo com os índices antropométricos para cada faixa de percentil ou escore z é a recomendada pela OMS. No Quadro 8 estão a classificação do estado nutricional de acordo com os índices antropométricos para crianças menores de 5 anos. Quando o estado nutricional de uma criança estiver classificado de acordo com o índice antropométrico peso para idade em peso elevado para a idade, deve-se utilizar a interpretação dos índices de peso para a estatura ou IMC para a idade. Na prática, o profissional deverá coletar as medidas antropométricas, no caso de crianças as mais frequentes são o peso e a estatura. Posteriormente, utilizar os gráficos de acordo com o sexo e idade e identificar a localização de acordo com o percentil ou escore z. Com a identificação do intervalo dos pontos de corte é possível classificar o estado nutricional da criança, de acordo com os índices antropométricos. O Gráfico 1 ilustra um gráfico com distribuição em escore z do peso por idade para sexo masculino. A OMS indica a utilização do índice peso para estatura para crianças menores de 5 anos. Para crianças de 5 a 10 anos, são recomendados, para a avaliaçãoantropométrica, pela OMS e adotados pelo MS, os índices antropométricos Peso para idade, IMC para a idade e Estatura para a idade. Os pontos de corte e a nomenclatura para classificar o estado nutricional neste caso serão explorados na Unidade 3 deste livro didático. NOTA UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 92 GRÁFICO 1 – DISTRIBUIÇÃO EM ESCORE DO PESO POR IDADE PARA O SEXO MASCULINO, DO NASCIMENTO AOS 5 ANOS INCOMPLETOS FONTE: <https://files.passeidireto.com/d381e781-d358-4f52-acda-9925b21137b0/bg1.png>. Acesso em: 1 abr. 2020. QUADRO 8 – CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL DE ACORDO COM OS ÍNDICES AN- TROPOMÉTRICOS RECOMENDADOS PELA OMS (2006) PARA CRIANÇAS MENORES DE 5 ANOS Os gráficos das curvas crescimento estão disponíveis para você utilizar em: http://nutricao.saude.gov.br/docs/geral/curvas_oms_2006_2007.pdf. DICAS Valores críticos de acordo com percentil e escore z Índices Antropométricos Peso para idade Peso para estatura IMC para idade Estatura para idade < Percentil 0,1 < Escore z – 3 Muito baixo peso para a idade Magreza acentuada Magreza acentuada Muito baixa estatura para a idade ≥ Percentil 0,1 e < percentil 3 ≥ Escore z -3 e < escore z -2 Baixo peso para a idade Magreza Magreza Baixa estatura para a idade TÓPICO 1 — LACTENTE 93 FONTE: Adaptado de WHO (2006) e Sociedade Brasileira de Pediatria (2009) Avaliação do ganho de peso por idade O ganho de peso é considerado o melhor indicador do estado nutricional de crianças abaixo de um ano. A pesagem periódica é fundamental, pois possibilita identificar mudanças agudas no estado nutricional. Desta forma uma abordagem nutricional mais precoce evita grandes prejuízos. • Recomendação de ganho de peso para crianças: • O ganho de peso em gramas recomendado para lactentes encontra-se no Quadro 9. QUADRO 9 – GANHO DE PESO DIÁRIO PARA CRIANÇAS NO PRIMEIRO ANO DE VIDA • Para as crianças a observação das curvas de ganho de peso por idade através dos gráficos da OMS 2006 para menores de cinco anos por sexo, refletem uma velocidade de ganho adequada, quando o traçado entre as medidas de peso cronologicamente avaliadas e registradas na curva está ascendente. Uma diminuição da velocidade do ganho de peso representa um traçado reto e um processo inicial de desnutrição quando o traçado da curva estiver descendente (VITOLO, 2008). A Figura 2 ilustra os traçados ascendente, reto e descendente. FONTE: Vitolo (2015, p. 184) ≥ Percentil 3 e < percentil 15 ≥ Escore z -2 e < escore z -1 Peso adequado para a idade Eutrofia Eutrofia Estatura adequada para a idade ≥ Percentil 15 e ≤ percentil 85 ≥ Escore z -1 e ≤ escore z +1 > Percentil 85 e ≤ percentil 97 >Escore z +1 e ≤ escore z +2 Risco de sobrepeso Risco de sobrepeso > Percentil 97 e ≤ percentil 99,9 >Escore z + 2 e ≤ escore z +3 Peso elevado para a idade Sobrepeso Sobrepeso >Percentil 99,9 > Escore z +3 Obesida- de Obesida- de Idade Gramas por dia 0 a 6 meses > 20 g/dia Acima 6 meses > 15 g/dia UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 94 FIGURA 2 – REPRESENTAÇÃO DOS TRAÇADOS DAS CURVAS DE GANHO DE PESO FONTE: Adaptado de Vitolo (2008) Exames bioquímicos Os exames bioquímicos são ferramentas importantes para complementar a avaliação do estado nutricional, auxiliando no diagnóstico nutricional, na detecção de risco de sub ou superalimentação, e no acompanhamento nutricional de crianças e também adolescentes. É preciso cautela na interpretação dos resultados dos exames bioquímicos. O profissional da saúde deverá levar em consideração algumas situações como a condição clínica da criança, a presença de resposta inflamatória, equilíbrio hídrico e a condição nutricional prévia (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009; CALIXTO-LIMA; REIS, 2012). Avaliação dos estoques de proteínas viscerais: entre as proteínas que podem ser usadas para auxiliar na avaliação do estado nutricional das crianças estão a albumina, a pré-albumina, transferrina e a proteína transportadora de retinol. As dosagens séricas destas proteínas podem estar alteradas em situações específicas não relacionados ao estado nutricional. A presença de resposta inflamatório devido à presença de infecção, inflamação ou trauma pode refletir na diminuição dos níveis de albumina. A distribuição hídrica e o nível de hidratação da criança também podem interferir na interpretação dos resultados. A hemodiluição por exemplo pode interferir na interpretação de exames laboratoriais. Níveis corporais de vitaminas e minerais: investigar dosagens bioquími- cas de vitaminas e minerais é relevante, pois os sinais clínicos aparecem depois dos níveis estarem alterados. A solicitação dos valores laboratoriais dos micronu- trientes deve ser feita para crianças pertencentes a grupos de risco, e/ou quando existirem evidências de falta ou excesso detectada através da anamnese nutricio- nal, ou antecedentes familiares de distúrbios que favoreçam desequilíbrios nu- tricionais, ou para avaliação de resposta terapêutica (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009; CALIXTO-LIMA; REIS, 2012). A identificação de alguma alteração através dos exames bioquímicos favorece uma intervenção nutricional mais precoce. Os níveis de micronutrientes também podem estar alterados por alguma condição clínica como resposta Curva Ascendente Curva Reta Curva Descendente TÓPICO 1 — LACTENTE 95 inflamatória e distribuição hídrica (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009; CALIXTO-LIMA; REIS, 2012). • Os principais testes laboratoriais que são úteis para a avaliação do estado nutricional estão relacionados a seguir: • Retinol plasmático • Zinco plasmático • Vitamina D (25-OH plasmático) • Vitamina E sérica • Vitamina C plasmática • Vitamina B6 (piridoxina plasmática) • Vitamina B12 • Folato sérico • Cálcio total • Cálcio ionizável • Os testes utilizados para identificar deficiência de ferro ou a presença de anemia ferropriva • Hemoglobina • Hematócrito • Volume corpuscular médio • Índice de saturação da transferrina • Ferretina • Transferrina • Ferro • Capacidade total de ligação do ferro Anamnese nutricional No caso de atendimento de crianças menores de 2 anos as informações sobre o lactente são trazidas pelos pais ou outros cuidadores. É muito importante que o nutricionista utilize uma linguagem bem clara e acessível. É importante que se forme um vínculo de confiança e segurança entre o profissional e os pais da criança durante o atendimento nutricional. Conhecer a dinâmica do bebê e da família é indispensável para o nutricionista poder identificar inadequações em relação ao hábito alimentar da criança e poder decidir sobre a melhor abordagem. A anamnese nutricional deve ser o mais completa e detalhada possível. Para os bebês com aleitamento materno exclusivo é importante questionar a mãe sobre a frequência diária das mamadas, o tempo das mamadas, se ocorre o esva- ziamento das mamas, se a nutriz reveza as mamas, a quantidade de fraldas que são usados por dia, as características da defecção e diurese, se houve alguma mudança na dinâmica alimentar da criança nos últimos dias (SOCIEDADE BRA- SILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). No caso de lactentes que já estão em alimentação complementar, indagar a mãe sobre número de refeições e mamadas, horários das refeições e mamadas, UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 96 quais os alimentos são consumidos pela criança, a consistência, a forma de pre- paro, uso de sal e açúcar, o consumo de alimentos industrializados entre eles guloseimas, como é caracterizada a alimentação da família (horários, alimentos, preparações, local etc.) (VITOLO, 2008; SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIA- TRIA, 2009). Para o atendimento de crianças maiores de seis meses o profissional de nu- trição pode escolher o inquérito alimentar mais adequado e indicado para cada caso, como Recordatório de 24 horas, questionáriode frequência alimentar, entre outros. 6 A INFLUÊNCIA DO ALEITAMENTO MATERNO PARA O LACTENTE E O DESMAME Na Unidade 1, muito já foi falado sobre amamentação, lactação, aleitamento materno. Apesar de muitas considerações sobre os benefícios para o bebê terem sido trazidas, o foco maior foi em relação aos aspectos relacionados a produção do leite, composição do leite e questões maternas relacionadas a todo o processo que envolve o aleitamento materno. Nesta unidade, o foco será mais direcionado à criança. Somente para fins didáticos, é importante que não somente o profissional de saúde, mas todas as pessoas, envolvidas direta ou indiretamente no aleitamento materno de uma criança, estejam cientes de que a amamentação não se resume no simples ato do bebê sugar na mama da nutriz. O processo de aleitamento materno envolve fatores psíquicos e emocionais da mãe. É dependente de um movimento associado ao desejo da mulher de amamentar seu filho. Promove a aproximação e o vínculo entre mãe e filho, estabelece uma ligação mais íntima entre os dois. Como já abordado anteriormente na Unidade 1, a secreção do leite da mama, responde a vários estímulos, como o da mãe ver e sentir o cheiro do bebê. Ao iniciar o aleitamento materno, nasce um dos primeiros canais de comunicação entre a mãe e seu bebê. Você, futuro nutricionista, deverá aprofundar seus conhecimentos durante sua formação para ampliar suas competências e ser capaz de transmitir os conceitos e particularidades sobre aleitamento materno de uma perspectiva mais amplificada e completa para as futuras mamães ou já nutrizes e suas famílias. Muitas vezes o sucesso do aleitamento materno e a prevenção do desmame dependem de abordagens mais do que fisiológicas e “meramente” nutricionais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) (2002) e o Ministério da Saúde (MS) (2009) do Brasil, recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida. Como já foi exposto anteriormente isso significa que a criança TÓPICO 1 — LACTENTE 97 deve receber apenas leite materno até os 6 meses de vida, e nesta fase receber a alimentação complementar e continuar recebendo leite materno. Em relação à saúde da criança, a amamentação é essencial graças aos seus benefícios tanto nutricionais, imunológicos, emocionais como socioeconômicos (ALMEIDA; LUZ; UED, 2015). A revista Lancet, publicou em 2008, uma série sobre desnutrição materna e infantil alertando para a necessidade de dispensar atenção especial no período que compreende da concepção até o segundo ano de vida da criança, que representam os primeiros 1000 dias correspondentes a 270 dias de gestação mais os dois primeiros anos de vida. É considerado uma “janela de oportunidades” para melhorar a saúde dos indivíduos. A publicação aponta para o papel de uma boa nutrição para o crescimento saudável e as repercussões benéficas que se prologariam por toda a vida. Também alerta para a importância de priorizar programas nacionais de incentivo à nutrição e a promoção da integração entre os programas de saúde (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018a). O conceito dos “Primeiros mil dias”, tem sido incorporado por agências e organizações não governamentais internacionais, citado em publicações científicas como referência nas pesquisas da área da saúde. Na prática trata-se de um conjunto de intervenções altamente efetivas baseadas em evidências científicas para a diminuição da desnutrição que prega a importância de priorizar recursos para grupos de países afetados (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018a). Tem sido associado ao conceito dos 1000 dias o termo “imprinting metabólico”, que se refere ao fenômeno do qual uma experiência nutricional precoce que perdura durante um período crítico e especifico do desenvolvimento, a “janela de oportunidade”, poderia acarretar um efeito duradouro e persistente ao longo da vida, o que facilitaria a instalação de alguma doença crônica (BALABAN et al., 2004). De acordo com os conceitos acima, boas estratégias alimentares devem ser promovidas tanto para o bebê como para a mãe enquanto gestante e nutriz, com o objetivo de garantir o perfeito crescimento e desenvolvimento, como modular o metabolismo da criança para reduzir o risco de doenças crônicas em toda a vida. Aleitamento materno e obesidade É fato que vem ocorrendo um importante aumento na prevalência da obesidade em muitos países nas últimas décadas. O que é muito preocupante é que este aumento ocorre também entre crianças e adolescentes. Existe um risco aumentado que crianças com sobrepeso ou obesidade tornem-se adultos obesos e com predisposição inerente do desenvolvimento de doenças crônicas (BALABAN et al., 2004). UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 98 Estudos apontaram que crianças obesas têm pelo menos duas vezes mais chances de ser obesas na idade adulta do que as crianças não obesas (BALABAN; SILVA, 2004). As consequências da obesidade para adultos são bem notificadas na literatura, em que aparecem as doenças crônicas não transmissíveis. As consequências já podem aparecer precocemente quando ocorre a obesidade na infância. Além de distúrbios psicossociais existe o risco de outras comorbidades como dislipidemias, hipertensão arterial, desordens ortopédicas, diabetes e mais recentemente foram registrados casos de esteato hepatite não alcoólica em crianças obesas (BALABAN; SILVA, 2004). O Guia Alimentar para Crianças Brasileiras menores de 2 anos, reforça a relação da amamentação até os 2 anos de vida com a prevenção da instalação de várias patologias na fase adulta (BRASIL, 2019). Já foi aventado que o aleitamento materno teria um efeito protetor para a instalação da obesidade. Os estudos ainda são controversos e representam um campo de pesquisa relevante uma vez que o aumento dos casos de obesidade em crianças e adolescentes pode comprometer a saúde da população adulta, interferindo na qualidade de vida, na produtividade e nos gastos públicos. É relevante que o aluno do curso de nutrição conheça e entenda as evidências que sugerem a relação entre aleitamento materno e obesidade. Contudo é preciso cautela e análise criteriosa quando uma questão permanece como uma incógnita, como neste caso. A obesidade é uma doença de etiologia multifatorial, aqui estaremos discorrendo sobre o aleitamento materno de forma isolada em relação ao excesso de peso. Como vocês podem observar muitos outros fatores devem ser levados em consideração nesta questão, como questões genéticas, o tipo de aleitamento, o tempo de duração do aleitamento etc. Quem sabe este tema possa despertar em você o interesse da investigação científica. Vamos ler um pouco sobre o que a literatura nos traz sobre o tema? Estudos sugerem que experiências nutricionais bem precoces, ainda no ambiente intrauterino, possam influenciar no risco de condições adversas para a saúde, predispondo as doenças crônicas não transmissíveis, por exemplo. A esse fenômeno dá-se o nome de Imprinting metabólico, como já mencionado em parágrafos anteriores. Existe um estudo epidemiológico clássico que ilustra muito bem esse fenômeno. Jovens holandeses de 19 anos de idade, expostos à fome e escassez no período intrauterino, entre os anos de 1944-1945, período em que estava ocorrendo a 2ª Guerra Mundial. Jovens os quais as mães sofreram fome nos primeiros dois trimestres de gestação apresentaram uma prevalência de sobrepeso de 80%, maior que os filhos de mães que não sofreram esta privação. Os autores explicam que o resultado provavelmente tem relação com o período de desenvolvimento do hipotálamo e seus centros reguladores do apetite (WATERLAND; GARZA, 2002). Os jovens em que a privação alimentar ocorreu no último trimestre ges- tacional ou nos primeiros 5 meses de vida, a prevalência de sobrepeso foi signifi- TÓPICO 1 — LACTENTE 99 cativamente mais baixa. O resultado de acordo com os autores do estudo, parece ter relação com operíodo de privação ter acontecido em fase importante da repli- cação dos adipócitos (WATERLAND; GARZA, 2002). Alguns supostos mecanismos que podem estar envolvidos no fenômeno de Imprinting metabólico inclui alterações na inervação, vascularização, organi- zação celular dentro de órgãos, alteração da expressão de determinados genes e a influência na produção de hormônios e expressão de seus receptores, produção de enzimas e transportadores transmembranas (WATERLAND; GARZA, 2002). Após ao nascimento, período que faz parte dos 1000 dias, o aleitamento materno é a primeira experiência nutricional vivenciada pela criança. Anterior- mente, na vida intrauterina o feto é nutrido pelos nutrientes transportados da mãe através da placenta para o feto. O feto também deglute o líquido amniótico, que embora não tenha impacto nutricional, tem fatores comuns com o leite mater- no no que concerne a bioatividade e alguns fatores de crescimento com atividade que favorece o processo adaptativo gastrointestinal perinatal (WAGNER, 2002; HIRAI et al., 2002). Dentro do contexto aqui exposto, é sugerido que a composição do leite ma- terno influencia de forma protetora na obesidade, alterando o número e tamanho dos adipócitos ou na indução do fenômeno de diferenciação metabólica. E que os fatores bioativos presentes no leite materno possam atuar no mecanismo neuroen- dócrino que controla e regula o balanço energético (BALABAN; SILVA, 2004). Foi observada uma associação inversa e linear entre o aleitamento materno com o excesso de peso através de uma metanálise. O risco de excesso de peso reduz 4% para cada mês de aleitamento até os 9 meses de idade (HARDER et al., 2005). No leite materno, além dos nutrientes, são encontrados hormônios como T3 e T4, esteroides adrenais e também a insulina. Mais recentemente foi identifi- cada a presença de leptina, hormônio com ações no balanço energético. Embora seja uma hipótese não confirmada, alguns autores relacionam a concentração maior de proteínas presente nas fórmulas infantis com o risco de obesidade (MICHAELSEN, 2002). Outros aspectos da amamentação que têm sido analisados em relação à redução do risco de obesidade, vão muito além dos fatores nutricionais do leite materno. O fortalecimento do vínculo mãe-filho proporcionado pelo aleitamento materno foi apontado como um fator que parece ser influenciado por comporta- mentos interativos entre o binômio mãe-bebê. Foi aventado que esse panorama baseado em vínculos mais fortes reflete em comportamentos de transição alimen- tar da criança que envolvem a adoção de hábitos alimentares mais adequados e saudáveis (BALABAN; SILVA, 2004). UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 100 A prática do aleitamento materno, onde a criança controla a quantidade que vai ingerir, favorece uma regulação na ingestão energética. Os sinais de fome e saciedade podem sofrer alterações através de influências externas de controle. O uso da mamadeira pode alterar os mecanismos de auto regulação do apetite/ saciedade que é mais “orgânico” na amamentação (BALABAN; SILVA, 2004). A dieta da mãe também parece favorecer uma melhor aceitabilidade de diferentes sabores pela criança. A justificativa para isso vem do sabor de alguns alimentos consumidos pela nutriz que passam para o leite materno. Criança que aceita uma variedade maior de alimentos tem mais chance de desenvolver hábitos alimentares saudáveis. Aleitamento materno e anemia O leite materno não é uma fonte alimentar com níveis de ferro elevado, contudo, a biodisponibilidade do ferro neste alimento é alta, favorecendo uma utilização pela criança de até 50%. O aleitamento materno exclusivo garante um balanço de ferro ótimo em crianças nascidas a termo pelo menos até os 6 meses de vida (TEIXEIRA et al., 2010). A introdução de alimentos sólidos interfere na biodisponibilidade deste mineral em crianças amamentadas. Desta forma a introdução precoce de alimentação complementar pode prejudicar a absorção de ferro. A anemia ferropriva é o problema nutricional mais prevalente no mundo e os principais grupos vulneráveis incluem gestantes e lactentes em países em desenvolvimento. É definida, segundo a Organização Mundial da Saúde (2017) como a condição na qual a concentração sanguínea de hemoglobina se encontra abaixo dos valores esperados (inferior a -2DP), assim, torna-se insuficiente para atender às demandas fisiológicas exigidas de acordo com idade, sexo, gestação e altitude (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2015). A anemia pode ocorrer por inúmeras causas, sendo a principal a deficiência de ferro, que contempla aproximadamente 60% dos casos em todo o mundo. A deficiência de ferro do lactente principalmente no primeiro ano de vida é influenciada pela presença de anemia materna, estoques de ferro do bebê influenciado pela ligadura precoce do cordão umbilical e necessidades aumentadas de ferro após aos 6 meses devido à grande velocidade de crescimento e desenvolvimento (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018b). De acordo com estudos realizados no Brasil a anemia materna refletiu em menores valores de hemoglobina do lactente aos seis meses de vida, também naqueles em aleitamento materno exclusivo. Existe uma otimização nos mecanismos que favorecem a disponibilidade de ferro nos sistemas corporais. Algumas evidências sugerem que ocorre um aumento da transferência de ferro para o feto em mães com baixo estoque TÓPICO 1 — LACTENTE 101 corporal do mineral. Já ocorre diminuição da transferência em mães em que estão anêmicas. Existe um risco de deficiência de ferro para o feto, nesta situação e também após ao nascimento. A deficiência de ferro favorece uma situação vulnerável desde a vida intrauterina e prejuízos a longo prazo, incluindo o desenvolvimento de aptidões cognitivas e comportamentais, capacidades motoras e de linguagem, alterações na imunidade, apetite, resposta alterada do estresse metabólico etc. Uma das estratégias protetoras e recomendadas na prevenção contra a deficiência de ferro e a instalação da anemia é a contraindicação de uso de leite de vaca in natura, não processado, em pó ou fluido antes dos 12 meses. O aumento da prevalência do aleitamento materno no Brasil nos últimos anos é apontado como um dos motivos para a discreta melhora em relação aos casos de anemia em crianças (TEIXEIRA et al., 2010, FISBERG; LYRA; WEFFORT, 2018). Amamentação e cólica do lactente Cólica em bebês principalmente nos primeiros meses de vida é uma queixa muito frequente trazida pelas mães aos pediatras. O choro relacionado à cólica do bebê causa muita ansiedade aos pais e demais familiares. Estima-se uma ocorrência aproximada de 20% dos lactentes. Não existe diferença na incidência entre os sexos (RIBEIRO; COUTINHO, 2016). É importante esclarecer aos pais e familiares que é uma condição benigna e autolimitada, de natureza transitória e não interfere no crescimento e também não traz riscos de vida à criança. Estudos revelam que apesar da cólica do lactente geralmente durar apenas por 3 a 4 meses e não ser grave, gera sensação de incompetência dos pais e pode interferir na dinâmica do casal e até da família, pois a presença do choro insistente no ambiente torna-o estressante. O que representa o termo cólica? O termo “cólica” é utilizado para referenciar dor abdominal aguda e espasmódica. No lactente é caracterizada por choro súbito, forte, geralmente estridente que pode ter curtas pausas, mas pode se prolongar por horas. Não é justificado por outros motivos e não responde às medidas aplicadas para cessar o choro da criança. Existem alguns sinais frequentes em que o lactente se estica, mexe a cabeça para os lados e a face fica vermelha (MURAHOVSCHI, 2003). Os episódios tendem a ocorrer principalmente ao anoitecer (RIBEIRO; COUTINHO, 2016). O diagnóstico da cólica é clínico e geralmente de exclusão, quando são descartadas outras causas para o choro persistente do bebê.Não existe nenhum teste bioquímico, nem exame físico que confirme o diagnóstico. Os pediatras utilizam uma proposta já bem antiga, da década de 1950, que são os critérios de Wessel, conhecida até hoje como a regra dos 3. O choro característico dura 3 horas, UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 102 por 3 dias ou mais por semana, durante 3 ou mais semanas e desaparece aos 3 meses. Como esses critérios foram criados primeiramente como ferramenta de pesquisa, são considerados de baixa sensibilidade podendo gerar os casos falso-negativo e assim excluir bebês que realmente estejam com cólicas. Contudo, na prática clínica pediátrica, acabam sendo muito úteis, já que os casos que contemplam os critérios de Wessel, podem ser direcionados aos cuidados possíveis, já quando o quadro é muito distinto, a saúde da criança deve ser investigada com outros parâmetros (MURAHOVSCHI, 2003). Mais recentemente tem sido utilizado o critério de Roma III para patologias gastrointestinais funcionais que considera: Cólicas infantis definem-se como paroxismos de irritabilidade, agitação ou choro, que começam e cessam sem causa óbvia, com duração igual ou superior a três horas por dia, ocorrendo pelo menos três dias por semana, durante pelo menos uma semana, sem que exista atraso no desenvolvimento (RIBEIRO; COUTINHO, 2016, p. 388). Diferentes causas são aventadas para a ocorrência da cólica do lactente, embora ainda continue sendo um mistério. Considera-se a etiologia da cólica do lactente multifatorial. Na literatura são encontradas citações que alegam que as cólicas do lactente constituem parte de uma resposta fisiológica adaptativa e tam- bém da influência de fatores ambientais. Têm sido propostas algumas hipóteses como um hiperperistaltismo, intolerância alimentar à alergia, às proteínas do lei- te de vaca e desequilíbrio da microbiota intestinal (RIBEIRO; COUTINHO, 2006). Estudos não revelam diferenças significativas da presença de cólica em bebês amamentados com leite materno e bebês que recebem fórmulas (RIBEIRO; COUTI- NHO, 2016). Algumas evidências indicam que crianças que param de ser amamenta- das precocemente apresentam cólicas com maior frequência (VITOLO, 2008). Alguns alimentos consumidos pela nutriz já foram apontados como cau- sadores de cólica como o amendoim, chocolate, leite, refrigerantes e frutas cítri- cas. Não houve comprovação científica de que esses alimentos provoquem cólica (VITOLO, 2008). Contudo, resultados de um estudo randomizado que testou a prática de alimentação de nutrizes reduzida de proteínas alergênicas do leite e derivados, trigo, ovos, soja, peixe e oleaginosas durante uma semana, demonstra- ram a redução da irritabilidade de crianças com cólica (HILL et al., 2005). Uma situação que pode muitas vezes confundir os pais e até um certo momento os pediatras, é o quadro clínico de alergia a proteína de leite de vaca (APLV), em que a criança apesar de raro, também pode manifestar sinais de có- lica. Pode ocorrer alergia a proteína do leite de vaca em bebês amamentados exclusivamente no peito. Como isso ocorre? Quando a nutriz ingere leite de vaca ou seus derivados, pode ocorrer a passagem de proteínas heterólogas que podem ser incorporadas ao leite materno. Experiências mostram que nestes casos quan- do a mãe suspende a ingestão de leite e seus derivados, desaparecem os sinais e sintomas da APLV (VITOLO, 2018; SAAVEDRA, 2003). TÓPICO 1 — LACTENTE 103 Vitolo e Feldens (2008) alertam sobre o intervalo curto das mamadas, que poderia causar um excesso de lactose e com isso favorecer maior fermentação e flatulência. Evidências científicas sugerem que o uso de probióticos mais especifica- mente a suplementação com Lactobacillus reuteri (L reuteri) provoque um efeito positivo na redução dos sintomas de cólica do lactente (RIBEIRO; COUTINHO, 2016). Amamentação e caries dentária É consenso que o aleitamento materno exclusivo é a melhor forma de alimentar os bebês até os seis meses de vida e posteriormente até aos dois anos de idade acompanhado da alimentação complementar. Entre todos os benefícios já comprovados no crescimento, desenvolvimento, redução do risco de doenças principalmente as infecciosas o aleitamento materno influência na saúde oral e dental. O aleitamento materno protege contra a má oclusão. Em relação à associação do aleitamento materno e cáries dentárias é necessário analisar com muita cautela os achados em pesquisas científicas. Estudos associaram a amamentação por períodos superiores a 2 meses e um aumento de 2 a 3 vezes a ocorrência de carie em dentes decíduos, os chamados dentes de leite. A academia Americana de Odontologia (AAPD) apontou para o aumento do risco do aparecimento de carie em crianças que se alimentam tanto no peito como na mamadeira. Como você pôde observar a abordagem nutricional em relação à cólica do lactente é um desafio pelas particularidades desta situação, pelos achados científicos controversos devido em parte pelas metodologias utilizadas e pelo caráter exclusivamente clínico utilizado para o diagnóstico. Existem muitas dúvidas e questionamentos em relação à alimentação da nutriz e a presença de cólica. É importante que o profissional nutricionista atue com cautela tanto na abordagem em relação à criança como com a nutriz. Para a criança o aleitamento materno exclusivo deve permanecer e pode-se tentar encorajar a mãe a tentar substituir alguns alimentos. É fundamental a atuação multi e interdisciplinar considerando a abordagem do pediatra, que é quem conduz este tipo de situação, com o apoio dos demais profissionais da equipe. NOTA UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 104 A falta de medidas de higiene bucal adequadas associadas à alimentação prolongada e repetida parece influenciar na ocorrência de cárie dentária em crianças. Traebert et al. (2004) alertam para a associação da introdução precoce de alimentos sólidos para o lactente incluindo, cereais, leite de vaca, vegetais, açúcar e alimentos açucarados com o desenvolvimento de cárie dentária. O padrão de consumo alimentar tem sido apontado como o fator predisponente para a associação do aleitamento materno e cárie. Muitos autores fazem referência à frequência elevada de mamadas ao dia, mamadas de longa duração e mamadas noturnas frequentes. A consequência destes hábitos favorece o acúmulo de leite materno sobre os dentes que associado ao baixo fluxo salivar e a ausência de higienização oral torna o ambiente propício para a instalação de cárie dentária (SANTOS; DOTTO; GUEDES, 2016). Agora que você já estudou tantos conteúdos sobre o aleitamento materno, tanto sobre as questões maternas lá na Unidade 1, como para os impactos para a criança, vamos conversar um pouco sobre o desmame. A introdução de qualquer tipo de alimento na dieta da criança que até então encontrava-se em aleitamento materno exclusivo, é o conceito mais aceito para desmame. E “período de desmame” é o período que vai do início da intro- dução do alimento complementar até a supressão total do aleitamento materno (PALMA, 2006). Estudos vêm demonstrando que nas últimas décadas vem acontecendo um aumento no número de dias que as crianças estão sendo amamentadas. Contudo o desmame precoce, ainda ocorre com muitos lactentes, mesmo no primeiro semes- tre de vida (VITOLO; FELDENS, 2008). Há uma preocupação dos profissionais de saúde, em buscar estratégias para evitar o desmame antes dos seis meses de vida e que o aleitamento materno perdure até aos dois anos de vida. Contudo o desmame é um processo natural. Com o consumo progressivo de alimentos complementares é comum que a criança vá perdendo o interesse em buscar alimento na mama. O nutricionista e demais profissionais de saúde podem atuar através de orientações focadas no padrão de alimentação e, em conjunto com o profissional de odontologia, da higienização oral para reduzir o risco de caries dentárias em lactentes. Jamaisdesencorajar o aleitamento materno pelo risco de cárie dentária. IMPORTANT E TÓPICO 1 — LACTENTE 105 Como o processo do aleitamento materno por si só, tem como sujeitos a mãe e o bebê, o desmame deve ser também definido pela mãe e pelo bebê. Esse é o desfecho ideal. Na maioria das vezes, a criança se “autodesmama”. Pode ocorrer em diferentes idades, variando entre dois a quatro anos. Quando o desmame ocorre de uma forma natural a transição geralmente é mais tranquila para ambos, mãe e bebê. Já quando o desmame ocorre de forma abrupta, o processo não se dá de maneira tão animosa, podendo trazer sentimento de rejeição do bebê. O desmame progressivo, também é mais orgânico, e favorece uma modulação hormonal materna também mais orgânica. Entre as causas do desmame precoce a oferta de liquido tem sido apontada pelos autores como uma das mais frequentes. As mães tendem a oferecer outros líquidos nos casos de cólica, gases ou sede. Não consideram essa prática prejudi- cial. Um estudo realizado por Campos et al. (2015) detectou que os líquidos são frequentemente oferecidos aos bebês pelas mães. As mulheres estudadas parecem acreditar que oferecer a água é necessária para saciar sede. A faixa etária da mãe é também apontada pela literatura como causa do desmame precoce. Existe uma tendência de mães mais jovens desmamar seus fi- lhos mais precocemente (LIMA; JAVORSKI; VASCONCELOS, 2011). A literatura também refere como questões relacionadas com o desmame precoce a utilização de mamadeiras e chupetas, a crença de muitas mães de que o leite é fraco, de que o leite do peito não ajuda o bebê a ganhar peso, ausência de experiência técnica incorreta da sucção do bebê RN, gravidez indesejada, doenças da mama (BRASIL, 2002b). Algumas estratégias devem ser planejadas para grupos de gestantes e nu- trizes com o objetivo de reduzir a prática do desmame precoce. O nutricionista como membro de uma equipe de saúde tem um papel importantíssimo neste desa- fio. O acolhimento baseado em escuta qualificada dos pais e da família deve servir de base para o fortalecimento do vínculo entre mãe e/ou família e o profissional. Ti- rar dúvidas, informar e orientar sobre o aleitamento materno e desmame ampliam as chances de evitar o desmame precoce. Para ampliar seu conhecimento sobre o desenvolvimento do TGI de recém- nascidos e a microbiota sugerimos a leitura do artigo: Impactos da microbiota intestinal na saúde do lactente e da criança em curto e longo prazo, de tadeu Fernando Fernandes. Este artigo está disponível em: http://www.comciencia.br/impactos-da-microbiota-intestinal- na-saude-do-lactente-e-da-crianca-em-curto-e-longo-prazo/. IMPORTANT E 106 Neste tópico, você aprendeu que: • Os recém-nascidos são classificados de acordo com a idade gestacional em recém-nascido a termo, pré-termo e pós-termo. • O peso ano nascer classifica o recém-nascido em baixo peso ao nascer, muito baixo peso ao nascer, extremamente baixo peso ao nascer. • Os recém-nascidos são classificados através de percentil relacionando o peso e a idade gestacional em: adequado para a idade gestacional (AIG), com peso compreendido entre o percentil 10 e 90; pequeno para a idade gestacional (PIG) com peso abaixo do percentil 10 e grande para a idade gestacional (GIG) com peso acima do percentil 90. • Os aspectos fisiológicos do sistema gastrintestinais (SGI) do recém- nascido definem o tipo de alimentação que vai se adaptando conforme as transformações do SGI que ocorrem nos primeiros meses. • As necessidades nutricionais do lactente são relativamente maiores que de adultos. • Existem equações para calcular as necessidades nutricionais dos lactentes e a aplicar os métodos disponíveis para o cálculo. • A fazer a avaliação do estado nutricional de lactentes. • A relacionar a amamentação com o maior risco de obesidade, com as cólicas do lactente, com a prevenção da anemia até aos seis meses de idade com aleitamento materno exclusivo. • A definir desmame (“natural” e precoce). • O papel do nutricionista como agente de apoio às famílias para reduzir o risco de desmame. RESUMO DO TÓPICO 1 107 1 Após estudar os aspectos fisiológicos do sistema gastrintestinal do lactente, é importante que você, acadêmico, seja capaz de entender os processos de amadurecimento deste sistema e relacioná-los com as funções alimentares do lactente. Para isso, relacione os aspectos e mecanismo fisiológicos do sistema gastrointestinal do lactente desde o nascimento até o momento de a introdução da alimentação complementar com o esquema alimentar recomendado no primeiro ano de vida. 2 O choro excessivo de lactentes de 0 a 4 meses associado a cólicas é uma queixa bem frequente das mães. Como você pôde constatar nos estudos sobre o tema, vários fatores já foram associados como causadores da cólica no lactente. O caráter multifatorial da etiologia da cólica do lactente é citado por vários autores. Cite três possíveis causas da cólica do lactente que são citadas na literatura. 3 Foi visto no estudo proposto neste tópico, que os RN e lactentes nos primeiros anos de vida têm necessidades energéticas relativamente maiores. Justifique através do conteúdo estudado o porquê deste aumento. 4 A oferta de líquidos para o lactente antes do sexto mês de vida é uma das causas frequentes do desmame precoce. Estudos demonstraram que essa prática é bem frequente entre as mães e que temem que apenas o leite materno não sacie a sede do bebê de 0 a 6 meses de vida. Além desta, algumas outras causas são apontadas. Assinale com um X as alternativas que incluem situações que favoreçam o desmame precoce de acordo com a literatura. a) ( ) Utilização de mamadeiras. b) ( ) Doenças da mama. c) ( ) O mito de que o leite materno é fraco. d) ( ) As campanhas vinculadas pelo governo incentivam o uso fórmulas infantis por serem mais adequadas para o crescimento e desenvolvimento dos bebês e seu uso facilita o dia a dia das mães. AUTOATIVIDADE 108 109 UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO O momento da introdução de alimentos complementares para os bebês “romanticamente” pode ser considerado, como um festejo para muitas famílias. É rodeado de curiosidades por parte dos pais, de como a criança vai aceitar os novos alimentos, quais serão suas preferências, entre outras. A dinâmica do bebê ao ter contato com alimentos que antes não lhe eram oferecidos, sujando a boca, babando, jogando os alimentos no chão, agregam às “gracinhas” que um bebê presenteia a família. Por outro lado, por tratar-se de um marco tanto do ponto de vista funcional como nutricional na vida da criança, é um momento rodeado de desafios, dúvidas e inseguranças para os pais. Para o profissional de saúde, incluindo o nutricionista, também é um grande desafio a condução do processo de introdução da alimentação complementar. É preciso auxiliar a mãe e ou cuidadores da criança de maneira adequada, e ficar atento tanto às necessidades da criança como também da mãe e de toda a família. Um dos instrumentos que serve de apoio tanto para os pais como para os profissionais de saúde é o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos publicado pelo Ministério da Saúde em novembro de 2019 (BRASIL, 2019). As particularidades de cada família devem ser consideradas pelo profissional de saúde para que o sucesso neste processo tenha mais chance de ocorrer em um menor tempo. O nutricionista em sua formação recebe subsídios técnicos para melhor conduzir, acolher, tirar dúvidas e oferecer alternativas viáveis relacionadas à alimentação complementar para os pais e demais familiares dos lactentes. A seguir está disponível para você, acadêmico, um vasto conteúdo sobre a introdução de alimentos para lactentes. Esperamos que você aproveite muito! TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS 110 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA 2 NECESSIDADES NUTRICIONIAS APÓS AOS 6 MESES DE IDADE No Tópico 1, Subtópico4, desta unidade, foi abordado o cálculo das necessidades nutricionais de lactentes. Aqui, focaremos nosso estudo na recomendação de macro e micronutrientes depois de seis meses de idade. Antes dos seis meses o aleitamento materno exclusivo e ou as fórmulas infantis oferecem esses nutrientes de forma adequada. 2.1 REQUERIMENTO DE MACRONUTRIENTES Tanto antes como depois dos seis meses o lactente tem necessidades proteicas maiores que os adultos. As necessidades aumentadas nesta fase são justificadas pela aumentada taxa de crescimento e desenvolvimento que envolve formação de células, crescimento dos tecidos, órgãos e sistemas. Há uma necessidade aumentada também de aminoácidos essenciais, que devem ser garantidos com a ingestão de proteínas de alto valor biológico (VITOLO, 2015). Os valores de referência propostos para crianças incluem de Weffort e Lamounier (2017), os valores da RDA e a mais utilizada da WHO/FAO (2007). A seguir podem-se observar esses valores: Weffort e Lamounier • Neonatos: 2,5 a 3,0 g /Kg/dia • Lactentes: 2,0 a 2,5 g/Kg/dia RDA • Crianças de 7 a 12 meses: 1,5g/kg/dia FAO: Ingestão mínima de proteína recomendada para evitar o desenvolvimento de desnutrição • Crianças de 0,5 ou 6 meses • Meninos: 1,31 g/Kg/dia • Meninas: 1/31 g/Kg/dia • Crianças de 1 ano • Meninos: 1,14g/Kg/dia • Meninas: 1,14g/Kg/dia • Crianças de 1,5 anos • Meninos: 1,03g/Kg/dia • Meninas: 1,03g/Kg/dia • Crianças de 2 anos • Meninos: 0,97g/Kg/dia • Meninas: 0,97g/Kg/dia TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS 111 Os carboidratos são as principais fontes energéticas de utilização rápida do organismo. São necessárias quantidades suficientes do consumo deste macronutriente para evitar cetose e hipoglicemia. Esta quantidade deve ser de no mínimo de 5g/kg/dia (VITOLO, 2008). De acordo com a RDA (AI), a recomendação para crianças de zero a seis meses de idade é de 60 gramas ao dia, para a idade de sete a dozes meses é de 95 gramas ao dia e a partir de um ano até três anos é de 130 gramas ao dia (INSTITUTE OF MEDICINE, 2005). Não existe uma faixa estabelecida de distribuição de carboidrato da dieta antes do primeiro ano de vida (IOM, 2005). É aceitável uma distribuição de carboidrato de 55 a 75%, de acordo com a FAO, 2003, e de 50 a 75%, de acordo com a ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE – OMS (2003), do valor calórico total (VET). Um aporte adequado de lipídios é fundamental devido suas funções energéticas, formação do sistema nervoso, transporte de vitaminas lipossolúveis entre outras. Também garante a oferta dos ácidos graxos essenciais, que atuam no desenvolvimento visual, integridade da pele e no crescimento. A recomendação da ingestão de lipídios antes dos seis meses é de 31 gramas ao dia, garantido através do aleitamento materno exclusivo e dos 7 aos 12 meses é de 30 gramas ao dia A distribuição para crianças entre 1 a 3 anos é de 30 a 40% do VET (INSTITUTE OF MEDICINE, 2005). 2.2 REQUERIMENTO DE MICRONUTRIENTES Até aos seis meses de idade as necessidades de vitaminas e minerais são contempladas pelo leite materno. O ferro é uma dos micronutrientes que podem ter seu aporte corporal alterado com a instalação da alimentação complementar, quando houver inadequações na oferta deste micronutriente ou por situações adversas na absorção. Quando o assunto envolve disponibilidade de ferro é indispensável incorporar as orientações para aumentar a biodisponibilidade desse oligoelemento, como já mencionado anteriormente, a principal é a ingestão associada de ferro e vitamina C. O estado nutricional do ferro, a quantidade de ferro do organismo, modula a absorção do mineral. Alguns outros fatores podem reduzir a taxa de absorção, como a presença de fitatos e oxalatos nos alimentos (VITOLO, 2008; KRAUSE; MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2005). A suplementação de ferro será abordada no Tópico 3, desta unidade. 112 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA As recomendações da ingestão diárias das vitaminas e mineiras de acordo com as DRI, você pode encontrar no endereço eletrônico: http://www.scielo.br/pdf/rn/ v19n6/09.pdf. IMPORTANT E 3 ALIMENTAÇÃO COMPLEMENTAR Os órgãos de referência que determinam as diretrizes sobre práticas alimentares de crianças, recomendam a introdução de alimentos complementares a partir dos seis meses de idade. É importante ressaltar que neste momento não é recomendada a interrupção do aleitamento materno (VITOLO, 2008). A alimentação complementar deve seguir uma prática alimentar baseada em uma dieta balanceada desde o início. Os objetivos da alimentação e nutrição nesta fase devem além de garantir o crescimento e desenvolvimento adequados, incluir a prevenção de distúrbios nutricionais e a redução do risco de doenças futuras como as doenças crônicas não transmissíveis. Qual é a definição de alimentação complementar? De acordo com a OMS (1998), alimentação complementar é a alimentação no período em que além do leite materno, outros alimentos ou líquidos são oferecidos à criança. E alimento complementar é o alimento oferecido à criança durante o período de alimentação complementar, que não seja o leite materno (MONTE; GIUGLIANE, 2004). Os alimentos complementares no contexto da alimentação infantil, podem tanto ser preparados especialmente para o consumo da criança, chamados, neste caso, de alimentos transicionais, como podem ser os alimentos que são consumidos pela família, com adequações que atendam às necessidades da criança, tanto nutricionais como funcionais. Um exemplo é a modificação na consistência. Os termos “alimentos de desmame” e também “alimentação suplementar” atualmente não são recomendados para fazer referência à alimentação complementar. São considerados inadequados, pois pode sugerir que a introdução de alimentos aos seis meses ou em qualquer fase, sirvam para substituir o leite materno, favorecendo o desmame (MONTE; GIUGLIANE, 2004). Quando ocorre a interrupção total da amamentação o termo utilizado é “desmame total”. Quando a questão é a duração ideal da amamentação exclusiva e introdução de alimentos complementares, vale uma explanação sobre os acontecimentos que nortearam a atual recomendação. No final dos anos 1970, muitas dúvidas e controvérsias surgiram sobre tempo ideal para parar de TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS 113 amamentar o bebê. Esse período foi pontuado como o ponto máximo do declínio da prática da amamentação. Concomitantemente foi detectado uma piora das condições da saúde materno-infantil. O termo “dilema do desmame” perdurou desde então até o ano 2001. A 54º Assembleia Mundial de Saúde foi um marco para as novas recomendações. A OMS substituiu a recomendação anterior de introduzir alimentos complementares aos 4 a 6 meses para a introdução em torno dos 6 meses. A decisão da OMS foi baseada em evidências sobre os benefícios de postergar a duração do aleitamento materno exclusivo. Foi constatado que crianças que recebem leite materno exclusivamente até os seis meses apresentam menos doença diarreica, além de reduzir o déficit de crescimento, em países desenvolvidos e em países em desenvolvimento. No Brasil, o Ministério da Saúde já recomenda a amamentação exclusiva desde o início dos anos 1980 (MONTE; GIUGLIANE, 2004). Apesar das várias campanhas direcionadas às recomendações do aleitamento materno exclusivo até aos seis meses de vida, o número de crianças que seguem este esquema ainda está muito a quem do esperado. Apenas 37% dos lactentes com menos de seis meses de idade são amamentados exclusivamente em países de baixa e média rendas (VICTORA, 2016). Em países da América Latina e também no Caribe, há uma grande variação nos valores da prevalência do aleitamento materno exclusivo nos últimos anos. Para se ter uma ideia, varia de 7,8% a 68,3%, portanto resultados de estudos têm demonstrado um aumento desta prevalência. No Brasil, apesar do número de bebês amamentados exclusivamente ainda estar abaixo doideal, houve um aumento, comprovado em pesquisas, entre 1975 e 2008 de 3,1% para 41,0% (LUTTER, 2012). Quando uma criança começa a receber alimentos complementares, ocorre automaticamente uma diminuição na ingestão do leite materno. Quando isso corre precocemente pode-se observar alguns prejuízos para criança em menor ou maior grau. Estudos realizados em diferentes países, tanto nos desenvolvidos como nos em desenvolvimento como o Brasil, constataram que a precocidade na introdução de alimentos complementares está relacionada com o aumento na morbimortalidade infantil. Os fatores promotores desta realidade incluem uma menor ingestão de fatores protetores contidos no leite materno e a ingestão de alimentos contaminados. Outra questão importante é a interferência na absorção de nutrientes fundamentais, como o ferro e o zinco, que estão presentes no leite materno, na presença de outros alimentos. Lembrando que até aos seis meses o leite materno tem todos os nutrientes em quantidades adequadas e com alta biodisponibilidade para o bebê. 114 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA Pesquisas dos últimos anos têm demonstrado uma redução na prevalência de desnutrição em crianças. Vale alertar que a desnutrição pode ocorrer na infância devido à interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo e alimentação complementar inadequada nos primeiros dois anos de vida, relacionadas tanto à privação alimentar como a episódios repetitivos de doenças infecciosas como doença diarreica e também respiratórias (BRASIL, 2009a). A obesidade, que diferente da desnutrição, tem demonstrado aumento na prevalência em crianças no Brasil. A introdução precoce e inadequada da alimentação complementar pode contribuir para este panorama. O aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida, protegem a criança da instalação da anemia em crianças. Ocorre um esgotamento das reservas de ferro do lactente entre o 4º ao 6º mês de vida. As demandas de ferro, nesta fase, passam a ser atendidas através do ferro disponibilizado pela alimentação complementar que até então era através do leite materno. Neste período, os alimentos complementares têm um papel importante para evitar a anemia ferropriva. A anemia por deficiência de ferro é um dos principais problemas de saúde pública no mundo (BRASIL, 2009c). Ainda sobre a introdução precoce de alimentos complementares e as desvantagens, é importante ressaltar que a literatura mais atual tem associado com o desenvolvimento de alergias. A introdução de uma variedade muito grande de alimentos sólidos entre os 3 a 4 meses de idade pode estar relacionada com elevação do risco de eczema atópico e alergias alimentares (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018a). Por outro lado, existem evidências de que a manutenção do aleitamento materno exclusivo reduz o risco de diabetes melito tipo I (MONTE; GIUGLIANE, 2004). Já a partir dos seis meses de idade o lactente necessita de nutrientes disponibilizados por outros alimentos, além do leite materno. As necessidades nutricionais não podem ser supridas apenas pelo leite materno ou fórmulas infantis. O desenvolvimento neural dos reflexos necessários para deglutição, do sistema digestivo e excretor do bebê aos seis meses completo apresenta-se propício para receber outros alimentos. Nesta idade, o bebê já sustenta bem a cabeça e inicia a erupção dos dentes, fatores que favorecem a oferta de alimentos através de colheres, também a mastigação e deglutição. É possível, neste período, observar a excitação da criança ao visualizar os alimentos (BRASIL, 2009b). A Sociedade Brasileira de Pediatria (2018a) ressalta para o fato de que a não introdução de alimentos complementares aos seis meses não tem relação com efeito protetor para doenças alérgicas e afirma que pelo contrário pode aumentar o risco de alergias. • As recomendações sobre a alimentação complementar a partir dos seis meses incluem: TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS 115 • No caso de a criança estar sendo amamentada, o aleitamento materno deve continuar e iniciar a alimentação complementar. • Na impossibilidade de aleitamento materno, até aos seis meses utilizar fórmula de partida que satisfaça todas as necessidades do lactente. Depois dos seis meses, utilizar uma fórmula de segmento durante o segundo semestre de vida. • Para crianças que utilizam fórmula antes dos seis meses ou após os seis meses, que não estão sendo amamentadas, as recomendações sobre alimentação complementar é a mesma que para aquelas que são amamentadas. Antes de explorarmos sobre os grupos alimentares e esquema alimentar recomendado para iniciar a alimentação complementar, vamos focar nosso estudo nas características das fórmulas infantis e do leite de vaca (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2008a). A prática de substituir o leite materno por fórmulas se deu mais intensivamente no século passado. Essa realidade tem sido associada ao processo de industrialização, urbanização e a participação das mulheres no mercado de trabalho. Hoje em dia o mercado de fórmulas infantis, apresenta uma variedade muito grande de produtos. As fórmulas infantis são classificadas em fórmulas de partida, que são indicadas para os primeiros seis meses de vida do bebê, de segmento, indicadas a partir dos seis meses e durante o segundo semestre de vida e aquelas destinadas a necessidades nutricionais especiais. As fórmulas têm indicações especificas como as hipoalergênicas, antirregurgitação, livre de lactose etc. Exemplos podem ser observados na Figura 3. Elas diferem entre si em relação às fontes e quantidade de proteínas, lipídios, carboidratos, vitaminas e minerais. FIGURA 3 – EXEMPLOS DE FÓRMULAS INFANTIS HIPOALERGÊNICAS Para as crianças que não toleram a proteína do leite de vaca ou de soja é indicado as fórmulas com proteína bovina hidrolisadas. No caso de crianças com intolerância congênita ou temporária de lactose, o mercado oferece as fórmulas isentas de lactose (HEIRD; COOPER, 2009). FONTES: <https://www.danonenutricia.com.br/produtos/infantil/formulas-infantis/aptamil-HA- -proexpert-800g.html>; <http://www.danonebabyprofissionais.com.br/pdf/produtos/linha-espe- cialidades/pregomin-pepti.pdf>. Acesso em: 7 abr. 2020. 116 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA • A seguir serão expostas as características gerais das fórmulas infantis. Em relação à composição nutricional começaremos com os macronutrientes. • Proteínas: contêm proteínas do soro do leite de vaca e caseína. Existem fórmulas que utilizam a proteína isolada de soja. A proteína do leite de vaca pode estar na forma intacta, parcialmente hidrolisada ou extensamente hidrolisada. • Gorduras: são encontradas misturas de óleos vegetais. • Carboidratos: a lactose é o tipo de carboidrato presente nas fórmulas. Algumas têm também polímeros de glicose na forma de maltodextrina. • Minerais: as fórmulas possuem minerais em proporções que tentam ser similares ao leite materno. A relação cálcio/fosforo é adequada. • Vitaminas: estão em concentrações que atendem às necessidades de crianças sadias. • Além destes nutrientes, as fórmulas contêm (depende de cada fórmula): nucleotídeos, prebióticos, probióticos, LC-PUFAS (DHA, ácido docosaexaenoico, ácido araquidônico). • Para conhecimento e comparação vamos analisar as características do leite de vaca (HEIRD; COOPER, 2009). Seguem as informações nutricionais: • Proteínas: as taxas de proteínas são maiores que das fórmulas e do leite materno, desencadeando um aumento da carga renal de soluto. Evidências relacionam esse excesso com o aparecimento de obesidade no futuro. A digestibilidade fica prejudicada pois a relação caseína/ proteína do soro é inadequada. • Gorduras: Em sua composição o leite de vaca contém baixos teores de ácidos graxos essenciais. A quantidade de ácido linoleico é dez vezes menor no leite de vaca comparado com as fórmulas. • Carboidratos:no leite diluído a 2/3, a quantidade de carboidrato é inadequada para o bebê. • Minerais e eletrólitos: o teor de sódio no leite de vaca é elevado. A carga renal de soluto eleva-se e é principalmente preocupante para recém-nascidos de baixo peso. A biodisponibilidade do ferro e zinco é baixa. • Vitaminas: O leite de vaca possui baixos teores de vitamina D, E e C. 3.1 ESQUEMA ALIMENTAR E ALIMENTAÇÃO COMPLEMENTAR Além das funções nutricionais da alimentação complementar, a introdução de alimentos complementares na infância tem vários outros papéis na formação e vida da criança. Ocorre uma aproximação da criança com os hábitos alimentares da família. O aprendizado através da experimentação pelo bebê de novos sabores, aromas, texturas e cores dos alimentos apresentados, ajuda no desenvolvimento nesta fase (BRASIL, 2009b). A criança começa a vivenciar de outra forma a prática de socialização da alimentação. TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS 117 O momento da introdução de novos alimentos envolve uma dedicação não somente da mãe como também dos outros cuidadores e ou membros da fa- mília da criança. É necessário dispensar muito afeto, paciência e disponibilidade nesta nova fase. Com o aleitamento materno exclusivo a alimentação da criança dependia somente da mãe. Na introdução de alimentos complementares outros membros da família poderão e deverão se envolver neste processo. O pai, irmãos, avós/avôs, e outros familiares passam a interagir mais com a criança e aprendem sobre o seu cuidado (BRASIL, 2009b). O papel dos profissionais de saúde é muito relevante como promotor da alimentação saudável. O nutricionista dentro de suas atribuições deve facilitar a compreensão por parte da comunidade, da família e dos pais da criança sobre conceitos, orientações, e esquemas alimentares para alimentação complementar. É fundamental a utilização de uma linguagem clara e acessível às diferentes clas- ses socioeconômicas. Deverá disponibilizar orientações sobre grupos de alimen- tos, modo de preparo, consistência, número de refeições, temperos e quantidades ideias de alimentos que supram as necessidades da criança. Tanto o nutricionista como qualquer outro profissional de saúde devem se atentar às variáveis, regionalidade, sazonalidade dos alimentos e poder aqui- sitivo da família. É fundamental respeitar e levar em consideração esses aspectos na hora de fazer orientações sobre alimentação complementar para os pais e cui- dadores da criança. É importante salientar que o primeiro ano de vida é considerado um marco na formação dos hábitos alimentares da criança, que perduraram na vida adulta. Antes dos seis meses, como já mencionado, é recomendado o aleitamento materno exclusivo e após aos seis meses ocorra a introdução de alimentos com- plementares, além do leite materno que deve ser oferecido até aos dois anos de idade (BRASIL, 2009b). É interessante, que os hábitos alimentares da nutriz, através dos aromas e sabores de alimentos consumidos, parecem influenciar no leite materno e essas características são passadas para o lactente. Sullivan e Birch (1994) referem que as crianças alimentadas com leite materno se adaptam melhor a introdução de alimentos complementares. A introdução da alimentação complementar aos seis meses de vida, obje- tiva fornecer um complemento de energia, macro e micronutrientes para garantir o crescimento e desenvolvimento adequado da criança. Uma alimentação com- plementar inadequada poderá trazer prejuízos nutricionais com níveis variados de gravidade, como já mencionado anteriormente. Entre os problemas relaciona- dos à inadequação da alimentação complementar, mais frequentes, está a anemia ferropriva, obesidade e desnutrição (BRASIL, 2009b). Agora vamos direcionar nossa abordagem para os esquemas de alimenta- ção, grupos alimentares, tipo de preparações, entre outros detalhes recomenda- dos pelos órgãos competentes. 118 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA Como é um momento de certa insegurança e estresse para muitos pais, uma boa orientação por parte da nutricionista pode facilitar muito o processo de introdução de alimentos complementares. A introdução deve ser lenta e gradual. A criança está em um processo de aprendizagem sobre novos sabores. É comum que a criança rejeite os alimentos nas primeiras vezes que são ofertados. Pode estranhar o sabor, a consistência e o utensilio como a colher (SOCIEDADE BRASILEIRA ENDOCRINOLOGIA E METABOLISMO, 2007). Os horários da alimentação do bebê devem ser flexíveis. A oferta de alimentos deve estar em sintonia com o desejo de se alimentar demonstrado pela criança. A quantidade de alimentos deve também ser observada, respeitando a capacidade gástrica do bebê que após aos seis meses é de 20-30 ml/kg de peso (SOCIEDADE BRASILEIRA ENDOCRINOLOGIA E METABOLISMO, 2007). O aleitamento materno associado à alguma refeição deve acontecer após a refeição quando a criança não estiver saciada. A partir do início da introdução dos alimentos complementares é necessário oferecer água para a criança no intervalo entre as refeições (BRASIL, 2003). Uma recomendação de pediatras e do Ministério da Saúde do Brasil é que a oferta de alimentos deve ser através de colheres e os líquidos através de copos. Os cuidados com a higiene dos alimentos também devem ser repassados através das orientações nutricionais ou também por outros profissionais da saúde. A Sociedade Brasileira de Pediatria (2018a), sugere um esquema para a introdução dos alimentos complementares conforme segue: • Alimentação de 0 a 6 meses de vida: Leite materno exclusivo. • Do 6º mês ao 24º mês: leite materno mais alimentos complementares. • No 6º mês: introduzir frutas e depois de alguns dias, introduzir a primeira papa principal. • No 7º ao 8º mês: além da primeira papa principal de misturas múltiplas, introduzir a segunda papa de misturas múltiplas, mais frutas. • Do 9º ao 11º mês: oferecer gradualmente os alimentos consumidos pela família com adaptações da consistência para a criança. A consistência dos alimentos deve evoluir progressivamente. Caro acadêmico! É indispensável que você entenda como é o esquema alimentar que inclui a primeira e a segunda papa de múltiplas misturas. A primeira papa (papa principal) de múltipla mistura deve: • Ser oferecida no horário do almoço ou jantar. Dê preferência com a refeição compartilhada com a família. • Melhorar com o passar dos dias. No início a criança pode rejeitar e aceitar pequenas quantidades, é recomendado oferecer leite materno após a papa para complementar a refeição até que a criança demonstre sinais de saciedade. TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS 119 A segunda papa de múltipla mistura deve: • Ser oferecida a criança a partir do 7º mês de idade. Se a criança recebeu uma papa de múltipla mistura no almoço, oferecer outra no jantar. Agora que você, acadêmico e futuro nutricionista, já aprendeu as principais orientações em relação ao esquema alimentar no primeiro ano de vida, o que acha de focarmos nosso estudo em como preparar as papas de múltipla mistura? Vamos lá... A composição da papa de múltipla mistura deve ter pelo menos um alimento de cada grupo alimentar encontrados no Quadro 10. Já as porções de cada alimento podem ser baseadas no modelo de pirâmide alimentar conforme o Quadro 11 e Figura 4. Que tal um exemplo para ficar mais claro? Exemplo de papa principal de múltipla mistura para uma criança de sete meses: em um prato incluir abóbora cozida e amassada (grupo hortaliças) + batata cozida e amassada (grupo de tubérculos) + carne bovina tamisada (cozida e amassada com a mão) e ervilha cozida e amassada e óleo de soja ou canola. No início da introdução de alimentos complementares, a porção total da papa deve ser de 1 a 2 colheres de chá. O alimento deve ser posicionado na ponta da colher. O volume oferecido deve ser aumentado progressivamente, conforme a aceitação da criança. É importanteque os alimentos não sejam excessivamente diluídos, para não reduzir a densidade calórica. Entre o 6º e 11º mês, além do leite materno, a criança deverá receber três refeições ao dia no seguinte esquema: fruta mais duas papas de múltipla mistura. Já a criança que não estiver recebendo leite materno deverá receber cinco refeições ao dia, no seguinte esquema: duas papas e três porções de fórmula infantil e fruta (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA 2018a). IMPORTANT E 120 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA Hortaliças (Verduras E Legumes) Leguminosas Cereais Proteína Animal Alface Couve Repolho Tomate Abóbora Cenoura Pepino Feijões Ervilha Lentilhas Grão-de-bico Soja Arroz Batatas Mandioca Inhame Cará Macarrão Milho Farinha de trigo Aveia Carne bovina Vísceras Carne de frango Carne suína Peixes Ovos QUADRO 10 – GRUPOS ALIMENTARES COMPONENTES DAS MISTURAS PARA AS PAPAS DE INTRODUÇÃO DA ALIMENTAÇÃO COMPLEMENTAR FONTE: Sociedade Brasileira de Pediatria (2018a) QUADRO 11 – NÚMERO DE PORÇÕES DE ALIMENTOS POR DIA DE ACORDO COM A FAIXA ETÁRIA, BASEADO NOS GRUPOS DA PIRÂMIDE ALIMENTAR FONTE: Adaptado de Philippi et al. (1999) e Sociedade Brasileira de Pediatria (2018a) Nível da pirâmide (Figura 1) Grupo alimentar Porções por Idade6 a 11 anos Porções por Idade 1 a 2 anos 1 Cereais, tubérculos, raízes e pães 3 5 2 Verduras e legumesFrutas 3 3 3 4 3 Leites, iogurtes e queijos Carnes e ovos Feijões Leite materno livre demanda ou Fórmula infantil 2 1 3 2 1 4 Óleos e gordurasAçúcar e doces 2 0 2 1 TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS 121 FIGURA 4 – PIRÂMIDE ALIMENTAR FONTE: Adaptado de Philippi et al. (1999) Como orientar a mãe sobre o que é uma porção? Essa dúvida é bem recorrente. O nutricionista pode utilizar as medidas de porções recomendadas pelo Manual de Alimentação do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (2018) encontrado Quadro 12. QUADRO 12 – MEDIDAS DE PORÇÕES DOS GRUPOS ALIMENTARES RECOMENDADO PARA CRIANÇAS DE 6 MESES A TRÊS ANOS Grupos De Alimentos Alimentos Medidas Caseiras Medidas Em Gramas Carboidratos Aipim cozido ou macaxeira 2 colheres de sopa 48 Arroz branco cozido 2 colheres sopa 62 Aveia em flocos 2 colheres sopa 18 Batata cozida 1 unidade 88 Pão francês ½ unidade 25 Biscoito de leite ou tipo “cream craker” 3 unidades 16 Biscoito “maria” ou ‘maisena” 4 unidades 20 122 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA Frutas Banana nanica Caqui Fruta do conde Pera Mação ½ unidade ou 43 50 33 66 60 Caju Carambola Kiwi Laranja lima/ Laranja pera Nectarina Pêssego 1 unidade 40 110 60 75 75 69 85 Ameixa preta Ameixa vermelha Limão 2 unidades 15 70 126 Laranja-bahia Laranja seleta 4 gomos 80 80 Tangerina Mexerica 6 gomos 84 84 Morango 9 unidades 115 Hortaliças Beterraba crua ralada Cenoura crua Chuchu cozido Ervilha fresca Couve manteiga cozida 1 colher de sopa 21 20 28 10 21 Leguminosas Feijão cozido Ervilha seca cozida Grão de bico cozido 1 colher sopa 2624 12 Feijão branco cozido Lentilha cozida Soja ½ colher sopa 16 18 18 Carnes em geral Carne bovina – bife Filé de frango grelado Omelete simples Ovo frito Sobrecoxa de frango cozida Hambúrguer ½ unidade 21 33 25 25 37 45 Espetinho de carne Ovo cozido Moela 1 unidade 31 50 27 Coração de frango 2 unidades 40 Carne bovina cozida ou assada ½ fatia 26 Carne bovina moída refogada 2 colheres de sopa 30 TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS 123 Leite e derivados Leite fluído (fórmula infantil 1 xícara de chá 182 Bebida láctea Iogurte de frutas Iogurte de polpa de frutas 1 pote 120 120 120 Leite em pó 2 colheres de sopa 30 Queijo muçarela 3 fatias 45 Queijo minas Queijo prato 2 fatias 50 40 Queijo parmesão 3 colheres de sopa 30 Óleos e gorduras Azeite de oliva Óleo de soja ou canola 1 colher de sobremesa 4 Manteiga 1 colher de sobremesa 5 Açucares* Açúcar refinado Açúcar mascavo 1 colher de sopa 14 18 Geleia 2 colheres 23 Açúcar cristal 3 colheres de chá 15 * Após 1 ano de idade. FONTE: Adaptado de Sociedade Brasileira de Pediatria (2018a) A ingestão de água para crianças no primeiro ano de vida, deve ter início no momento em que forem introduzidos os alimentos complementares e quando a criança, mesmo entre 0 e 6 meses de idade, estiver utilizando fórmulas infantis. Enquanto a criança estiver com aleitamento materno exclusivo, entre 0 a 6 meses de vida, não é necessário ofertar água. Quando tiver indicação de dar água para a criança, deve ser ofertada através de colher ou copo. Com a introdução dos alimentos complementares o lactente estará ingerindo uma maior quantidade de proteínas por grama e também de sais. Ocorre uma sobrecarga renal de solutos que deve ser diluída através da ingestão de água (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018a). De acordo com as DRIs, (1997) a recomendação da ingestão hídrica para crianças até 12 meses é de 700 mL para os bebês com idade entre 0 a 6 meses (INSTITUE OF MEDICINE, 2004). É importante ressaltar, que no caso de aleitamento materno exclusivo o leite materno supre esta necessidade para crianças sadias. Entre 7 e 12 meses a recomendação é de 800 mL, incluindo o leite materno e ou fórmula e a alimentação complementar. A seguir serão pontuadas algumas orientações sobre alguns alimentos e a forma de preparo. 124 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA • Sobre frutas e sucos: • Os primeiros alimentos que devem ser oferecidos ao bebê aos seis meses são as frutas in natura. • A escolha das frutas, que serão dadas para a criança, deve considerar as frutas da estação, preço e a presença de fibras. • Não existe contraindicação em relação às frutas. Atenção: a única fruta que não deve ser dada para criança com insuficiência renal é a carambola. • Devem ser oferecidas raspadas, amassadas ou picadas. • Utilizar colher para as frutas raspadas ou amassadas. • Algumas referências da área sugerem que no lugar da fruta pode ser ofertado um legume e/ou alternar. • Não é recomendado adoçar nem com açúcar nem com mel. • Tanto os sucos naturais como os artificiais devem ser evitados. A melhor opção é dar a fruta, pois garante a ingestão de fibras e são menos calóricas. A hidratação deve ser feita com água. • Vitolo (2008) pondera sobre a utilidade da oferta de sucos de fruta quando a ingestão de vitamina C é insuficiente e também quando a criança não consome carne, por diferentes motivos. • Proteína animal: • Variar o tipo de proteínas animal. • A carne pode ser introduzida desde do momento que é introduzida a alimentação complementar. As carnes são importantes fontes de ferro. • A quantidade de carne ao dia deve ser de 50 a 70 gramas, dividida para as duas papas. • Após cozinhar a carne, modificar a sua consistência. A carne pode ser picada, tamisada ou desfiada. • Quando a opção da proteína animal for o ovo, deve ser oferecido tanto a clara como a gema e bem cozidos. • Quando a opção for peixe, certificar que não tem a presença de espinhas. • A introdução da carne de peixe pode ocorrer desde do início da alimentação complementar. Quando existe história familiar de alergia a alimentos marinhos, é necessário observar e introduzir aos poucos (VITLO, 2008). O nutricionista deverá esclarecer aos pais ou cuidadores que quando a opção de proteína animal for vísceras, o cozimento deverá ser mais prolongado. Esta orientação reduz o risco de contaminação com bactérias como a salmonela. NOTA TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS 125 • Óleos: • Os alimentos devem ser preparados com óleo de soja ou canola. • Esses óleos possuem quantidades adequadas de ácido graxo ômega-3. A proporção entre o ômega-3 e o ômega-6 neste caso está mais próxima do ideal. • Pode aquecer o óleo na hora de refogar os alimentos. • Uso de sal: • No primeiro ano de vida não é necessário acrescentar sal aos alimentos do bebê. • Preparar os alimentossem sal. • Utilizar temperos naturais e de sabor suave. As mães costumam relacionar a recusa da papa principal com a falta de sal, o que não procede. É a partir do segundo semestre que a criança vai desenvolvendo a “preferência” pelo sabor salgado. Não é necessário acrescentar sal nas preparações, a quantidade de sódio dos alimentos é suficiente para as demandas da criança sadia. • Temperos: • É contraindicado o uso de temperos industrializados no preparo dos alimentos complementares. • Evitar totalmente caldos ou tabletes de legumes, carne, frango, peixe etc. • Devem ser utilizados temperos naturais e suaves para não mascarar o sabor do alimento. Exemplos: alho, cebola, azeite e em menor quantidade ervas como cebolinha, salsinha, manjericão, orégano e coentro. • O nutricionista deve alertar a família para os temperos usados na comida compartilhada com o bebê. • Consistência: • É aconselhado que os alimentos que constituem as papas, não sejam peneirados ou liquidificados e sim amassados. • A cocção dos alimentos deve ser feita com água suficiente para que a consistência fique macia. No final da cocção deverá sobrar pouca água na panela. O nutricionista deve conversar com os pais sobre a aceitação de novos alimentos pela criança. Mesmo que a criança recuse algum alimento ela deve experimentar pelo menos por 8 a 10 vezes, para poder reconhecer o novo sabor e não estranhar. 126 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomenda que não seja oferecido mel para crianças com menos de um ano de idade. Essa recomendação é devido ao risco de botulismo, doença grave causada por bactérias (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018a; VITOLO, 2008). IMPORTANT E 4 TÉCNICA DE INTRODUÇÃO ALIMENTAR BLW O momento da introdução dos alimentos complementares quando ocorre a descontinuidade do aleitamento materno exclusivo, vem acompanhado de muitas dúvidas pelas mães. Como você pôde ver no conteúdo anteriormente abordado são muitas as orientações e cuidados que devem ser passados para os pais para a introdução de alimentos complementares. Tradicionalmente foi estabelecida a introdução alimentar com preparações de consistência pastosa. Gill Rapley é autora da obra Baby-led weaning: help your baby to love good food. A autora sugere uma maneira diferente de introdução dos alimentos. Gill Rapley et al. (2015) refere que ao sexto mês de vida os bebês já têm capacidade motora para conduzirem a própria prática alimentar, através do consumo de alimentos em pedaços. A autora desaconselha a mudança na consistência dos alimentos para crianças com crescimento e desenvolvimento normais. O método Baby-led weaning (BLW) é baseado nos conceitos de que as crianças escolhem os momentos de início das refeições; o que vai ser consumido, claro com opções saudáveis oferecidas pelo cuidador; o ritmo que as refeições são realizadas e a quantidade que será ingerida. A criança passa a ser a “condutora” do processo alimentar. Os cuidadores assumem um papel intermediário, disponibilizando os alimentos, favorecendo um ambiente agradável para o exercício das habilidades motoras pelos bebês (RAPLEY et al., 2015; ARANTES et al., 2018). De acordo com esse método, a oferta dos alimentos em pedaços passa a ser um facilitador para o encorajamento da “autoalimentação” infantil. Contudo, Arantes et al. (2018) alertam para a falta de consenso em relação a essa prática e aos impactos no comportamento alimentar e às consequências nutricionais da criança. Tanto profissionais como os pais demonstram certa insegurança em relação ao método, principalmente em relação ao risco de asfixia. TÓPICO 2 — INTRODUÇÃO DE NOVOS ALIMENTOS 127 A literatura relata que o uso do método foi associado a uma maior duração do aleitamento materno, uma maior participação da criança nas refeições da família, uma autorregulação da saciedade mais efetiva e melhor adaptação a oferta de alimentos pela criança (RAPLEY et al., 2015; ARANTES et al., 2018). A OMS mantém-se cautelosa, aguardando mais evidências científicas antes de qualquer posicionamento em relação à recomendação do método. 5 DEZ PASSOS PARA UMA ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL PARA MENORES DE DOIS ANOS – MINISTÉRIO DA SAÚDE Os dez passos para a alimentação saudável baseado no Guia Alimentar para crianças menores de dois anos estabelecidos pelo Ministério da Saúde e Organização Pan-Americana da Saúde em 2002 e em sua última atualização em 2015, foi elaborado para que profissionais de saúde possam orientar os pais sobre a amamentação e alimentação complementar (BRASIL, 2003). Foram agrupadas orientações em dez passos favorecendo a implementação de um instrumento simples e fácil de ser trabalhado em educação e saúde, como pode ser observado a seguir: Passo 1 – Dar somente leite materno até os 6 meses, sem oferecer água, chás ou quaisquer outros alimentos. Passo 2 – A partir dos 6 meses, introduzir de forma lenta e gradual outros alimentos, mantendo o leite materno até os 2 anos de idade ou mais; Passo 3 – Após os 6 meses, dar alimentos complementares (cereais, tubérculos, carnes, leguminosas, frutas e legumes), três vezes ao dia, se a criança receber leite materno, e cinco vezes ao dia, se estiver desmamada. Passo 4 – A alimentação complementar deverá ser oferecida sem rigidez de horários, respeitando-se sempre a vontade da criança. Passo 5 – A alimentação complementar deve ser espessa desde o início e oferecida com colher; começar com consistência pastosa (papas/purês) e, gradativamente, aumentar a consistência até chegar à alimentação da família. Passo 6 – Oferecer à criança diferentes alimentos ao dia. Uma alimentação variada é, também, uma alimentação colorida. Passo 7 – Estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes nas refeições; Passo 8 – Evitar açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas nos primeiros anos de vida. Passo 9 – Cuidar da higiene no preparo e manuseio dos alimentos; garantir o seu armazenamento e conservação adequados. Passo 10 – Estimular a criança doente e convalescente a se alimentar, oferecendo sua alimentação habitual e seus alimentos preferidos, respeitando a sua aceitação (BRASIL, 2003). 128 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA Em 2019 foi lançado pelo MS do Brasil o Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos. Este guia disponibiliza informações e recomendações sobre a alimentação para crianças antes dos dois anos de vida que favoreçam a promoção de saúde e o crescimento e desenvolvimento em seu potencial máximo. É um instrumento de apoio direcionado às famílias e aos profissionais de saúde para o desenvolvimento de ações em educação alimentar e nutricional tanto em âmbito individual como coletivo do Sistema único de saúde (SUS), e para quem mais possa interessar. Convidamos você, acadêmico de nutrição, a ler com muita atenção este guia. Entre outras informações você vai encontrar os 12 passos para a alimentação saudável. Acessem o link, http://189.28.128.100/dab/docs/ portaldab/publicacoes/guia_da_crianca_2019.pdf. DICAS Sugerimos a leitura do artigo Introdução de alimentos complementares em lactentes, de Lilian Cordeiro de Queirós Moreira et al. Disponível em: https://journal.einstein. br/wp-content/uploads/articles_xml/2317-6385-eins-17-03-eAO4412/2317-6385-eins-17- 03-eAO4412-pt.x26000.pdf. O resumo do artigo encontra-se a seguir. A publicação deste artigo é bem recente (de 2019). RESUMO: Objetivo: analisar a frequência, a idade e a tendência temporal da introdução da alimentação complementar em lactentes. Métodos: estudo retrospectivo dos dados de lactentes avaliados no setor de nutrição do Programa de Atenção aos Bebês do Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis entre os anos 2012 a 2015. Foram realizadas análises de sobrevivência, sendo que o desfecho considerado foi a idade até a introduçãode cada alimento específico. Resultados: Foram avaliados 700 lactentes, com idade mediana de 5,5 meses. A água representou o complemento mais consumido (80,0%), seguida pela fórmula infantil (64,1%) e pelo suco (51,1%). Em relação ao início da alimentação complementar, água, fórmula infantil e chá foram os primeiros a serem introduzidos, com idade mediana de 3 meses. Destaca-se que quase um quinto dos lactentes já tinha recebido alimentos processados. A introdução da água apresentou tendência significativa de aumento ao longo dos anos, sendo que, entre os lactentes com 6 meses de idade, variou de 72,8%, em 2012, para 91,1%, em 2015. A introdução dos itens da categoria alimentos processados também apresentou tendência significativa de mudança, sendo, entretanto, de redução, variando de 30,8%, em 2012, para 15,6%, em 2015, nesta mesma faixa etária. Entre os alimentos processados, engrossantes (36,3%) e biscoitos (26,3%) apresentaram as maiores proporções de consumo. Conclusão: água e fórmula infantil foram os alimentos mais consumidos e mais precocemente introduzidos. Entre os anos estudados, a introdução da água apresentou tendência significativa de aumento e a categoria alimentos processados de redução de consumo. IMPORTANT E 129 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu que: • A partir dos seis meses é necessário que a alimentação da criança satisfaça as necessidades nutricionais juntamente com o leite materno. • Existem recomendações em relação à introdução de alimentos complementares. • A consistência dos alimentos complementares influencia a aceitação desta pela criança. • É fundamental orientar as mães ou cuidadores sobre os grupos de alimentos, consistência, preparo e temperos recomendados para as crianças. • Alguns produtos alimentícios devem ser evitados para os lactentes. • Existem algumas técnicas de introdução alimentar como a BLW, na qual o bebê “guia” o desmame e a introdução de novos alimentos. • O Ministério da Saúde disponibilizou dez passos para a alimentação saudável para menores de 2 anos. 130 1 Agora que você já apreendeu quais as orientações devem ser transmitidas para as mães ou cuidadores sobre a introdução de alimentos complementares, você deverá listar as recomendações e orientações sobre a introdução da proteína animal. 2 Leia com atenção as afirmativas a seguir e assinale com um X qual delas está de acordo com as recomendações sobre a ingestão de água para lactentes com a literatura científica da área. a) ( ) Crianças de 0 a 6 meses de idade, em qualquer esquema alimentar, não devem ingerir água, com exceção para a administração de medicamentos. b) ( ) Para lactentes com idade entre 0 a 6 meses de idade em aleitamento exclusivo, não é necessário oferecer água. c) ( ) Em situações em que é necessário oferecer água para lactentes, deve-se utilizar colher ou copo. d) ( ) Quando for iniciada a alimentação complementar após aos 6 meses, a agua deverá ser oferecida. 3 Descreva a técnica de introdução alimentar BLW. 4 Após ler o “Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos”, publicado em 2019, identifique quais as alternativas incluem alguns dos 12 passos para uma alimentação saudável. a) ( ) Oferecer o leite materno até aos 2 anos de idade. Até aos 6 meses deverá ser oferecido somente leite materno. Após os 2 anos, o leite materno não deverá ser consumido pela criança. b) ( ) A partir dos 6 meses de idade além do leite materno, oferecer para a criança alimentos in natura e minimamente processados. c) ( ) Além do leite materno, após aos 6 meses de idade, devem ser oferecidos alimentos na forma liquidificada. d) ( ) Proteger a criança da publicidade de alimentos. AUTOATIVIDADE 131 UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Para iniciarmos o estudo sobre suplementação nutricional para as crianças, é importante revisar brevemente a importância da alimentação nos primeiros anos de vida e o panorama de deficiências de micronutrientes em nosso país. O crescimento e desenvolvimento da criança depende diretamente da nutrição que também influencia no sistema imunológico na defesa contra doenças. Nos primeiros dois anos de vida a taxa de crescimento e desenvolvimento apresentam-se acelerados. As demandas nutricionais nesta fase são elevadas, pois as necessidades energéticas, e de macro e micronutrientes são relativamente maiores do que na vida adulta. O aleitamento materno exclusivo garante todos os nutrientes necessários para o lactente durante esse período, principalmente no que diz respeito às proteínas e vitaminas. A quantidade de ferro e zinco é baixa no leite materno, mas é seguro o aporte destes minerais durante o aleitamento até os seis meses devido à alta biodisponibilidade. Como já abordado anteriormente, a alimentação complementar deve ser introduzida a partir dos seis meses de vida. Deve garantir os nutrientes tanto em qualidade como em quantidades adequadas para cada período de desenvolvimento. A forma como ocorre a introdução dos alimentos complementares intervém também nos hábitos alimentares futuro da criança. Uma realidade de muitos países, incluindo o Brasil, é o consumo excessivo de alimentos industrializados pela população de uma forma geral. Muitos desses são classificados como ultra processados, com altos níveis de sódio, açúcares e gordura e baixos níveis de micronutrientes. Dietas inadequadas são a maior causa de carência de micronutrientes. As três principais carências de micronutrientes no mundo inclui a deficiência de vitamina A, ferro e iodo. Cerca de um terço da população mundial apresenta alguma deficiência de um desses micronutrientes, sendo as mulheres em período reprodutivo e as crianças as mais acometidas. Para a população infantil a carência de micronutrientes reflete prejuízo à saúde dos pequenos favorecendo o aumento da morbimortalidade (PEDRAZA et al., 2016). TÓPICO 3 — SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL NA INFÂNCIA 132 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA Além de várias ações dos órgãos competentes direcionadas ao combate da deficiência nutricional a suplementação de minerais e vitaminas tem sido aplicadas na tentativa de amenizar esta realidade na população vulnerável como as crianças nos primeiros anos de vida. Agora que você já estudou a alimentação nos primeiros anos de vida, vamos conhecer a fortificação de alimentos e suplementação na infância. 2 ALIMENTOS ENRIQUECIDOS OU FORTIFICADOS É relevante para o estudante de nutrição saber a definição de alimentos enriquecidos ou fortificados. A definição da Agência Nacional de Vigilância Sa- nitária – ANVISA considera alimento enriquecido ou fortificado todo aquele ao qual for adicionado um nutriente com a finalidade de reforçar seu valor nutricio- nal, seja repondo quantitativamente os nutrientes destruídos durante o processa- mento do alimento, seja suplementando-o com nutrientes em nível superior ao seu conteúdo normal. Fortificar alimentos é um recurso considerado de baixo custo para a pre- venção de deficiências nutricionais que é usada em países desenvolvidos e em desenvolvimento (VELLOZO; FISBERG, 2010). A prática de fortificar o alimento com algum nutriente serve para asse- gurar a ingestão de algum micronutriente em que em determinada população e região se mostre deficiente. E desta forma a ingestão atinja os níveis adequados. É importante salientar que um dos objetivos do enriquecimento é a repo- sição da quantidade de nutrientes que são perdidos durante o processamento do alimento. Neste caso, a quantidade do micronutrientes adicionado ao alimento é igual ou até menor que a do alimento in natura. Outras finalidades da fortificação de alimentos incluem a de reproduzir a composição de um alimento que um sucedâneo, pretende substituir e de redistri- buir nutrientes pouco ubíquos por razões econômicas, culturais ou geográficas. A fortificação de alimentos no Brasil segue a regulamentação sobre forti- ficação dealimentos da ANVISA, através da Portaria n° 31, de 13 de janeiro de 1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária – Ministério da Saúde. A portaria fixa a identidade e características mínimas de qualidade para Alimentos Adicionados de Nutrientes Essenciais. As deficiências de micronutrientes podem além de ser mais prevalentes em determinada idade ou condição de saúde, também apresentam uma distribui- ção regional. As condições socioeconômicas, a disponibilidade de alimentos e ca- racterísticas do solo também influenciam na disponibilidade de algum nutriente. TÓPICO 3 — SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL NA INFÂNCIA 133 Para que um alimento se torne enriquecido ou fortificado deve estar den- tro de alguns critérios como: • Tenha consumo amplo e geral pela população da região fixada como alvo. • A quantidade do consumo diário do alimento pela população não deve ter muita variação no consumo per capita. • A adição do nutriente não deve causar variações perceptíveis nas suas carac- terísticas sensoriais. • O processo de enriquecimento desse alimento em escala industrial deve ser economicamente viável. Outras características do alimento, do nutriente e do processo de fortifica- ção devem ser respeitados, como: • O alimento deve manter-se estável nas condições de estocagem, distribuição e uso. • O nutriente adicionado não deve favorecer o desbalanceamento dos nutrien- tes essenciais. • A adição do nutriente deve acontecer sob uma forma biologicamente dispo- nível. • A dose do nutriente utilizada deve ser segura mesmo quando ingerido em quantidades excessivas. Não pode ter efeitos tóxicos. • Para o enriquecimento de alimentos com vitaminas deve-se considerar a so- lubilidade da vitamina. A vitamina A, por exemplo, pode ser incorporada a alimentos na forma de éster de retinil, que contenham gordura. • Para cada 100ml, no caso de líquidos ou 100g, no caso de sólidos do produ- to pronto para o consumo (alimento fortificado), deverá fornecer no mínimo 15% a 30% da IDR (Ingestão Diária Recomendável). Para que se alcance a finalidade de prevenir carências nutricionais o alimento fortificado deve ser de fácil acesso e seu consumo deve fazer parte da alimentação habitual da população onde vai ser comercializado ou distribuído o alimento (VELLOZO; FISBERG, 2010). No Brasil, a política nacional de fortificação de alimentos, prevê atualmente a fortificação das farinhas de trigo e milho com fumarato ferroso e sulfato ferroso (de boa disponibilidade) em 4 a 9 mg para cada 100g de farinha (RDC n° 150 de 2017) (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018a). 3 SUPLEMENTOS VITAMÍNICOS E MINERAIS Como já é de seu conhecimento, as vitaminas são micronutrientes essenciais, sendo que a maioria não são sintetizadas pelo organismo. Algumas são sintetizadas pela microbiota intestinal, mas as quantidades não contemplam as demandas do organismo. Quando ocorre deficiência por baixa ingestão alimentar, caracterizando carência nutricional, é indicado a suplementação já nos primeiros anos de vida. 134 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA A utilização de vitamina por via medicamentosa é indicada pelo Ministério da Saúde, bem precocemente, para recém-nascidos logo após ao nascimento. Neste caso é administrada a vitamina K ao nascimento, na dose de 1 mg via intramuscular. Kanakion é a forma medicamentosa da vitamina K disponível para administração em recém-nascidos. A indicação da vitamina K tem objetivo de prevenir sangramento precoce e hemorragia de qualquer natureza. Algumas proteínas que participam no processo de coagulação sanguínea são dependentes da vitamina K. A Doença Hemorrágica do Recém-nascido (HDN) é caracterizada pela hemorragia nas primeiras semanas de vida associada à deficiência de vitamina K. Os bebês recém-nascidos têm níveis menores de fatores de coagulação e reservas baixas de vitamina K, relacionadas com imaturidade hepática e transferência ineficiente desta vitamina pela placenta. O leite materno apesar de ser considerado completo em termos nutricionais, tem baixos teores de vitamina K (DÔRES; PAIVA; CAMPARA, 2001). Dependendo da época que ocorre a HDN na vida pós-natal, ela pode ser classificada em: precoce, clássica e tardia. A HDN precoce ocorre nas primeiras 24 horas após ao parto, logo após ao nascimento, A forma clássica aparece entre o primeiro e o sétimo dia de vida. As hemorragias, gastrointestinais, nasais, cutâneas são as mais frequentes neste tipo de HDN. Quando a HDN ocorre entre a segunda e a décima segunda semana de vida é considerada a forma tardia. Neste caso as hemorragias mais comuns são as gastrointestinais, cutâneas e intracranianas (PUCKETT; OFFRINGA, 2000). A vitamina K1 ou também chamada de filoquinona é encontrada principalmente nos vegetais verdes folhosos. A vitamina K2, a menaquinona, é sintetizada pelas bactérias da microbiota intestinal. E a K3 é a forma sintética, chamada de menadiona (COZZOLINO, 2005). UNI A vitamina D é fundamental ao organismo humano para manter níveis adequados de cálcio e fósforo, minerais necessários na mineralização óssea, condução nervosa, contração muscular, entre outras funções. É possível perceber o impacto da deficiência desta vitamina nos primeiros anos de vida, quando a velocidade de crescimento e desenvolvimento é bem alta (CALIXTO-LIMA; REIS, 2012). TÓPICO 3 — SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL NA INFÂNCIA 135 O Departamento de Nutrologia da SBP recomenda a suplementação de vitamina D para recém-nascidos a termo, a partir da primeira semana indepen- dente do esquema alimentar, aleitamento materno exclusivo ou fórmula infantil (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018a). Existe uma relação entre o status materno e a quantidade de vitamina D no leite materno. Dessa forma, os teores de vitamina D do leite materno influen- ciam nos níveis desta vitamina no organismo do bebê (SOCIEDADE BRASILEI- RA DE PEDIATRIA, 2018a). Os níveis de vitamina D no organismo dependem da irradiação ultravioleta na pele dos mamíferos e da ingestão de alguns alimentos como óleo de fígado de bacalhau, gema de ovo, manteiga, pescados gordos como arenque, sardinha, bacalhau e atum (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018a; COZZOLINO, 2005). Alguns fatores predispõem o risco de hipovitaminose D para o bebê como: deficiência da vitamina durante a gestação; práticas de alimentação vege- tariana ou veganas; pigmentação cutânea escura; ausência de exposição ao sol; uso de protetor solar; viver em altitudes elevadas; ser habitante de áreas urbanas com muitos prédios ou áreas com muita poluição que bloqueiam a incidência de raios solares; uso de medicamentos como anticonvulsivantes fenobarbital e hidantoína, glicocorticoides e antirretrovirais (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018a). Na Unidade 1, deste livro, mais especificamente no tópico sobre recomen- dações nutricionais da nutriz, já foi comentado sobre a influência da dieta mater- na na composição do leite materno. E como vimos anteriormente isso também é verdadeiro para as concentrações da vitamina A do leite materno. Vale relembrá- -lo ainda de que a suplementação de vitamina A é recomendado para nutrizes que vivem em regiões de alta prevalência de hipovitaminose, quando for total- mente descartada gravidez. A OMS e o Ministério da Saúde também preconizam para as crianças des- tas áreas (ver em Unidade 1, Tópico 3) suplementação medicamentosa na forma de megadoses da vitamina A no esquema presente no Quadro 13. QUADRO 13 – DOSES DE VITAMINA A MEDICAMENTOSA PARA CRIANÇAS DE REGIÕES DE ALTA PREVALÊNCIA DE HIPOVITAMINOSE A A Sociedade Brasileira de Pediatria (2018a) alerta para a necessidade de investigar através de inquéritos alimentares os teores de vitamina A da dieta e se a criança candidata à suplementação medicamentosa está recebendo alguma quantidade desta vitamina através de polivitamínicos. As principais fontes de vitamina A são encontradas no Quadro 14. FONTE: Sociedade Brasileira de Pediatria(2018a) Idade Doses De 6 a 12 meses 100.000 UI De 12 a 72 meses 200.000 UI 136 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA QUADRO 14 – PRINCIPAIS FONTES ALIMENTARES DE VITAMINA A PRÉ-FORMADA E PRÓ-VITAMINA A FONTE: Sociedade Brasileira de Pediatria (2008a) e Cozzolino (2005) FONTE: Sociedade Brasileira de Pediatria (2018a, 2018b), Bartolini e Fisberg (2010) e Cozzolino (2005) FONTES ALIMENTARES DE VITAMINA A Vitamina A pré-formada Pró-vitamina A (carotenoides) Leite integral e derivados Gema de ovo Fígado Óleo de fígado Óleo de peixes Ostras Margarina (fortificada) Agrião Almeirão Abóbora Batata-doce Cenoura Couve Mamão Mostarda Alimentos de origem vegetal nas cores amarelo-alaranjados. Antes de focarmos nosso estudo na suplementação de minerais vamos fazer uma breve recapitulação das funções do ferro no organismo humano. O mineral presente em maior quantidade no organismo é o ferro. É um micromineral que participa dos mecanismos de síntese proteica, transporte de oxigênio e gás carbônico, sistema oxidativo, mecanismos anti-infecciosos e contração muscular através da mioglobina (ROSADO; ROSADO, 2003; SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018b). Grande parte do ferro que é utilizado no corpo humano tem origem da destruição das hemácias maduras, outra parte do ferro disponível é proveniente da alimentação. Na dieta, o ferro pode ser tanto de origem vegetal, onde o mineral apresenta-se na forma não hemínico (ferro não heme) e de fontes animais, apresenta-se na forma de ferro hemínico (ferro heme) (ROSADO; ROSADO, 2003; SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018b). No Quadro 15 encontram-se alguns exemplos de fontes alimentares do ferro não heme e do ferro heme. Do ponto de vista nutricional, é relevante ressaltar que o ferro não heme é dependente de alguns fatores para ser absorvido, como a presença da vitamina C, por exemplo. Já o ferro heme dos alimentos apresenta-se pronto para ser absorvido. QUADRO 15 – FONTES ALIMENTARES DE FERRO NÃO HEME E FERRO HEME ALIMENTOS FONTE DE FERRO Ferro não heme Ferro heme Brócolis Couve Couve flor Espinafre Ervilha Feijão Lentilha Carne bovina, suína, caprina (carnes vermelhas em geral) Fígado Frango Ovo TÓPICO 3 — SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL NA INFÂNCIA 137 A doença decorrente de deficiência nutricional mais prevalente em todo o mundo é a anemia, sendo a ferropriva, decorrente da deficiência de ferro, a mais frequente, principalmente em crianças. Globalmente, a deficiência de ferro está associada a mais de 50 a 60% dos casos de anemia (BARTOLINI; FISBERG, 2010). A Organização Mundial de Saúde (2017) define a anemia como a condição na qual o nível de hemoglobina (Hb) circulante está abaixo dos valores considerados normais para a idade, o sexo, o estado fisiológico e a altitude. Dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) publicados em 2009, sobre a prevalência de anemia em crianças no Brasil, demonstrou que em 3.499 crianças menores de 5 anos de idade, 20,9% de crianças estavam com a hemoglobina <11g/dL, sendo que 8,7% apresentavam hemoglobina <9,5g/dL. A prevalência maior foi na região Nordeste com 25,5 % (BRASIL, 2009b). As reservas de ferro do recém-nascido a termo, com peso adequado, em aleitamento materno, geralmente estarão adequadas. O aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida, diminui muito o risco do desenvolvimento de anemia. A alta biodisponibilidade do ferro do leite materno favorece uma absorção de cerca de 50% (VITOLO, 2008). A anemia ferropriva desenvolve-se em um ambiente da associação de múltiplos fatores etiológicos, desde os biológicos até os sociais e econômicos A introdução de alimentos complementares aos seis meses de idade ou antes, pode representar um momento crítico em relação ao status do ferro da criança. A partir dos seis meses de vida, o bebê esgota as reservas de ferro implementadas na vida intrauterina. A alimentação complementar adequada com o aleitamento materno, torna-se fundamentais para o aporte exigido de ferro nesta fase da criança (BRAGA, VITALLE, 2010). Braga e Vitalle (2010) alertam para a suscetibilidade de crianças abaixo de dois anos de idade e o risco elevado do desenvolvimento de anemia. Nesse caso ocorre uma associação do abandono precoce do aleitamento materno com a prática de uma dieta de transição inadequada em uma fase de alta velocidade de crescimento. De uma forma geral os principais fatores que interferem nas reservas de ferro no organismo humano são a ingestão e absorção de ferro inadequadas; hábitos vegetarianos; presença de verminoses; estado nutricional relacionado com baixo peso; hemorragias digestivas ou de outra natureza; nas mulheres a multiparidade, entre outras. 138 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA O número de adeptos do estilo de vida vegana está crescendo muito em vários lugares do mundo. Você que está estudando para ser um nutricionista já pensou sobre está questão? A alimentação sem produtos animais é uma realidade para esse público e muitas indagações sobre a falta de nutrientes permeiam esse tema. Cabe ao profissional buscar alternativas que possam assegurar uma alimentação completa em termos tanto de macro como micronutrientes para o indivíduo em qualquer idade. É importante refletirmos sobre a alimentação vegana na infância por tratar-se de uma fase com demandas nutricionais que influenciam diretamente o crescimento e o desenvolvimento. IMPORTANT E A prática do vegetarianismo ou veganismo não necessariamente irá provocar anemia ferropriva em seus adeptos. Uma alimentação bem planejada nutricionalmente em termos de energia em macro e micronutrientes é muito importante para evitar estados de carências. A exceção é em relação à vitamina B12, que sem a ingestão de produtos animais como carne, ovo e leite, faz-se sempre necessária a suplementação medicamentosa. Para que você, acadêmico, aumente seu domínio de conhecimento sobre a importância do ferro e a relação com a anemia, serão explicadas brevemente as etapas da deficiência de ferro. Em uma primeira etapa, quando ocorre a diminuição do aporte de ferro, independente da causa, ocorre um desequilíbrio no balanço entre a quantidade do mineral biologicamente disponível e as necessidades orgânicas. Acontece uma mobilização das reservas de ferro. Em uma etapa seguinte, as reservas ficam praticamente esgotadas e posteriormente, com a permanência desta situação, vai ocorrer a deterioração da quantidade e qualidade dos eritrócitos, com redução no número de hemácias e essas apresentam-se menores e com a concentração de hemoglobina reduzida, que caracteriza a anemia ferropriva (SILVA, 2007). A anemia por deficiência de ferro acarreta prejuízos no processo de crescimento e desenvolvimento em indivíduos pertencentes a populações de risco. A deficiência grave no período pré-natal interfere de forma deletéria no desenvolvimento de habilidades cognitivas e comportamentais, incluindo a desenvolvimento da linguagem e capacidades motoras das crianças (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018b). Existe uma relação positiva entre deficiência de ferro na infância e inadequação da resposta imunológica específica. A maior probabilidade de cáries dentárias, a alteração na discriminação e identificação de odores, alteração do paladar e apetite, desenvolvimento audiovisual prejudicado, também são citados na literatura relacionados com essa deficiência. TÓPICO 3 — SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL NA INFÂNCIA 139 Caro acadêmico! Agora que já estudamos e revimos questões relacionados às funções do ferro no organismo humano, causas e consequências da deficiência deste mineral em crianças, chegou a hora de entendermos sobre as ações de prevenção da deficiência de ferro e da anemia ferropriva em nosso país. As ações de educação alimentar e nutricional na prevenção da deficiência de ferro e anemia ferropriva, têm como base o estímulo ao acesso universal à alimentaçãoadequada, ao aleitamento materno exclusivo e prolongado, para proporcionar um aumento na ingestão de alimentos fontes de ferro e também de alimentos que aumentam a biodisponibilidade e a absorção do ferro quando ocorrer a introdução de alimentos complementares. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) enfatiza no Manual de alimentação que traz o Consenso sobre anemia ferropriva (2018), a importância de fortalecer a contraindicação do uso de leite de vaca (in natura, não processado, em pó ou fluído) antes dos doze meses de idade e após essa idade um consumo limitado de 500 ml ao dia. Lembrando que a biodisponibilidade do ferro do leite de vaca é de 10% (VITOLO, 2008, SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018b). Ainda é alertado no material da SBP, a necessidade de acompanhamento nutricional adequado, no caso de práticas alimentares com redução ou ausência na ingestão de alimentos fontes do ferro heme, como carnes. É preciso analisar nestes casos a necessidade de suplementação profilática (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018b). As políticas nacionais de prevenção a anemia vigentes atualmente são: Fortificação de alimentos Esta política prevê a fortificação das farinhas de trigo e milho com fumarato ferroso e sulfato ferroso de boa disponibilidade. As proporções devem ser de 4 a 9 mg para cada 100 gramas de farinha. Estratégia NutriSus É uma estratégia de fortificação da alimentação infantil com micronutrientes (vitaminas e minerais). Consiste na adição direta de saches, com pó contendo vários micronutrientes, aos alimentos em ambiente escolar. A composição do saché pode ser conferida no Quadro 16. Essa estratégia faz parte do programa saúde na escola (PSE) do governo federal (BRASIL, 2015). 140 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA QUADRO 16 – COMPOSIÇÃO DOS SACHÉS DE MICRONUTRIENTES DO NUTRISUS FONTE: Brasil (2015, p. 7) Suplementação profilática com ferro A política de suplementação de ferro do Programa Nacional de Suplementação de Ferro – PNSF, já está vigente desde 2005 no Brasil. As crianças de seis a vinte e quatro meses de idade fazem parte do público alvo desta política que consiste em suplementação profilática com sulfato ferroso via oral. A dosagem preconizada nesta fase é de 1 mg/kg peso ao dia. A Sociedade Brasileira de Pediatria tem uma recomendação um pouco distinta, para a suplementação profilática com ferro para lactentes. Preconiza o início da suplementação com 1 mg/kg ao dia de ferro elementar aos três meses, independentemente do tipo de aleitamento. A recomendação para recém-nascidos pré-termo ou com baixo peso é a suplementação a partir do trigésimo dia de vida até aos doze meses. A dosagem preconizada é de 2 mg/Kg de peso ao dia. Para os de baixo peso, a dose é maior, 3 mg/kg de peso ao dia até aos doze meses e para recém-nascidos com menos de 1000 gramas a dose deve ser de 4 mg/kg de peso ao dia. Em todos os casos, quando a criança completar 1 ano, a dose deve ser de 1 mg/kg de peso ao dia até os 2 anos de idade (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018b). Composição do saché Dose Vitamina A (retinol) 400 g Vitamina D 5 µg Vitamina E (TE) 5 mg Vitamina C 30 mg Vitamina B1 0,5 mg Vitamina B2 0,5 mg Vitamina B6 0,5 mg Vitamina B12 0,9 µg Niacina 6 mg Ácido fólico 150 g Ferro 10 mg Zinco 4,1 mg Cobre 0,56 mg Selênio 17 µg Iodo 90 µg O Manual Operacional da Estratégia NutriSus possui muitas informações e orientações sobre o ferro, anemia e o uso dos sachés. Tem como objetivo orientar e apoiar os profissionais de saúde e educação vinculados no PSE. DICAS TÓPICO 3 — SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL NA INFÂNCIA 141 Para crianças residentes em regiões com prevalência de anemia ferropriva superior a 40%, recomenda-se suplementação profilática com ferro elementar continuada dos 2 aos 12 anos de idade. A dosagem neste caso é de 30 mg ao dia (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2018b). Além do ferro, a alimentação complementar deve garantir quantidades suficientes de zinco após aos seis meses de idade. No primeiro trimestre, o aporte deste micronutriente deve ser assegurado através de boas condições nutricionais intrauterina e pelo aleitamento materno exclusivo. No segundo e terceiro anos de vida, a alimentação é responsável pelos aportes de zinco disponíveis no organismo. A prática de hábitos alimentares inadequados, caracterizado pelo baixo teor de proteína animal e alto teores de fitatos, influenciam nos baixos níveis deste nutriente em populações de baixa renda de países em desenvolvimento (SILVA et al., 2006). As manifestações clínicas da carência de zinco como dermatite, retardo de crescimento, hipogonadismo, alterações do paladar e anorexia são utilizadas para o diagnóstico de deficiência em crianças (SILVA et al., 2006). Evidências científicas relacionam o ganho de peso mais rápido de crianças desnutridas com a suplementação de zinco. O Ministério da Saúde recomenda em sua cartilha do manejo da diarreia em crianças a suplementação com zinco. O esquema de suplementação preconizado neste caso é da administração via oral, uma vez ao dia, durante 10 a 14 dias nas dosagens de 10 mg para crianças até seis meses e de 20 mg para maiores de seis meses (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2017). Outro micronutriente que recebe uma atenção especial das autoridades em saúde pelo mundo é o iodo. A deficiência de iodo é deletéria em qualquer idade. Pode contribuir para o aumento da mortalidade infantil. É responsável pela redução do crescimento e desenvolvimento, acarretando atraso no desenvolvimento cerebral, baixa estatura, dificuldades motoras, da fala e da audição, apatia etc. (BRASIL, 2007; KRAUSE; MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2005). O bócio é uma das manifestações da deficiência de iodo. É popularmente conhecido como “papo”. A falta do micronutriente no organismo faz com que a glândula tireoide apresente um tamanho bem maior que o normal, por acúmulo de precursores dos hormônios T3 e T4. É comum em regiões endêmicas de carência de iodo. Uma das manifestações mais graves da deficiência de iodo é o cretinismo. Ocorre como uma consequência da baixa presença dos hormônios tiroidianos, tendo uma das causas a falta de iodo no período pré-natal e pós-natal. É uma condição que desencadeia grave comprometimento do sistema nervoso central e retardo mental irreversível (BRASIL, 2007; KRAUSE; MAHAN; ESCOTT- STUMP, 2005). 142 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA A quantidade de iodo necessária para as funções corporais é bem pequena. Porém o organismo não tem a capacidade de armazenar esse oligoelemento, dependendo diretamente na alimentação. A quantidade de iodo nos alimentos depende do solo, pastagens, localização geografia distante dos mares, tempo de colheita, uso de fertilizantes, entre outros (BRASIL, 2007; KRAUSE; MAHAN; ESCOTT-STUMP, 2005). As principais fontes alimentares de iodo são encontradas no Quadro 17. QUADRO 17 – FONTES ALIMENTARES DE IODO FONTE: Brasil (2007), Krause e Mahan e Escott-Stump (2005) e Cozzolino (2005) Na tentativa de reduzir e prevenir o bócio endêmico, causado pela deficiência de iodo, desde 1953, a legislação brasileira prevê a iodação do sal de cozinha. O sal de cozinha foi o ingrediente escolhido para adição de iodo, pois é universal em termos de consumo. As mudanças no padrão alimentar nas últimas décadas, caracterizada por aumento do consumo de alimentos industrializados e consequentemente maior ingestão de sal, provocou a necessidade de revisão sobre as doses do iodo no sal. Anteriormente, a faixa aprovada era de 20 a 60 mg/kg de sal. A resolução RDC 23/2013 altera a faixa de iodação do sal no Brasil. A Diretoria Colegiada da Anvisa aprovou a adoção de novos valores para a adição de iodo no sal para consumo humano no Brasil. A faixa aprovada de iodo no sal é de 15mg/kg a 45 mg/kg (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA, 2013). ALIMENTOS FONTES DE IODO • Alimentos de origem marinha como ostras,moluscos, mariscos e peixes de água salgada). • Leite e ovos também (oriundos de animais que tenham pastado em solos ricos em iodo ou que foram alimentados com rações que continham o nutriente). • Vegetais oriundos de solos ricos em iodo. • Sal iodado. TÓPICO 3 — SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL NA INFÂNCIA 143 REFLEXÕES SOBRE A SUPLEMENTAÇÃO DE FERRO NA POPULAÇÃO INFANTIL Karla Amaral Nogueira Quadros Eugênio Marcos Andrade Goulart INTRODUÇÃO A deficiência de ferro caracteriza-se pela redução da quantidade total de ferro do organismo e a insuficiência de seu fornecimento para suprir as necessidades dos tecidos e a formação de hemoglobina dos eritrócitos. A anemia por deficiência de ferro (ADF) decorre do fornecimento insatisfatório de ferro à medula óssea, com consequente redução da concentração sanguínea de hemoglobina. Silva et al. ressaltam que a anemia por deficiência de ferro é uma carência nutricional de grande prevalência em diversas populações do mundo e os seus principais malefícios na infância são os déficits no desenvolvimento mental e psicomotor, alterações comportamentais, diminuição da resistência às infecções e desaceleração dos processos de crescimento. Pereira et al. descrevem inúmeras funções orgânicas comprometidas com a instalação da anemia e que resultam de deficiências em relação ao transporte de oxigênio aos tecidos, às reações de oxidação e redução, à imunidade humoral e celular, à síntese de ácido desoxirribonucleico (DNA), à síntese de neurotransmissores da mielina, entre outras atividades vitais, que alteram o desenvolvimento físico e mental infantil. Várias são as definições de anemia ferropriva ou ADF, sendo consenso considerá-la4 um processo patológico no qual a concentração de hemoglobina contida nos eritrócitos encontra-se baixa, advinda da carência nutricional, com repercussões relevantes para o desenvolvimento infantil, especialmente em decorrência da magnitude de sua prevalência, o que determina a necessidade de políticas públicas para sua prevenção e controle no Brasil. Pereira et al. fazem referências às condições socioeconômicas como responsáveis pelo desenvolvimento de anemia e as carências nutricionais, principalmente relacionadas à deficiência de ferro e de vitamina A. São fatores principais determinantes da ADF: baixo nível escolar materno; falta de saneamento básico, de rede de esgoto e de tratamento de água; curta duração do aleitamento materno exclusivo; diarreia e precário estado nutricional. LEITURA COMPLEMENTAR 144 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA A anemia ferropriva em crianças, segundo Monteiro et al., é dos principais problemas nutricionais enfrentados na saúde pública, sendo necessária a implementação de ações para impedir os seus efeitos em países em desenvolvimento. A Organização Mundial de Saúde estima que a anemia afeta cerca de 30% da população mundial, sendo que a metade dessa prevalência pode ser atribuída à deficiência de ferro. Em crianças entre seis meses e dois anos a prevalência de anemia supera 50%. A saúde pública tem alicerçado suas propostas de intervenção em relação à anemia como processo saúde-doença, o que limita as possibilidades de ação para solução do problema, devido à sua visão predominantemente curativa e não preventiva. Os autores alertam para a necessidade de se considerar os processos e condições sociais e econômicas, as deficiências qualitativas e quantitativas alimentares e a deficiência do saneamento ambiental, reforçando a relevância da saúde pública centrada não só no indivíduo, mas na coletividade, para melhorar os diferentes processos sociais e biológicos. As organizações internacionais de defesa da saúde abordam essa visão social, sugerindo três estratégias para prevenção da ADF: educação nutricional, fortificação de alimentos e suplementação com ferro. De acordo com tais estratégias, o Brasil tornou obrigatória a fortificação das farinhas de trigo e milho com ferro e ácido fólico a partir de 2004 e implantou a suplementação preventiva com sulfato ferroso para grupos vulneráveis a partir de 2005. Cardoso et al. acreditam serem necessárias intervenções para o controle da prevalência da ADF, pela magnitude da deficiência nutricional e pelo conhecimento de seus efeitos na qualidade de vida e por sua morbimortalidade. Apesar de várias estratégias adotadas em vários países, há consenso internacional de que os programas para prevenção e controle da ADF não têm sido efetivos. A centralização de intervenções na suplementação dietética com ferro passa a considerar não apenas a eficácia, mas também a efetividade, ou seja, a capacidade de produzir os efeitos desejados sob condições esperadas de uso. A suplementação medicamentosa com ferro é estratégia indispensável de prevenção da ADF, no entendimento de Silva et al. Existem várias propostas de dosagens profiláticas de ferro para prevenção da anemia nos primeiros anos de vida, tendo como modelo o da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos comitês de Pediatria e de propostas específicas de órgãos oficiais de muitos países, como o do Ministério da Saúde (MS) do Brasil. Apesar da relevância deste tema, continua sendo controverso o conhecimento sobre benefícios e possíveis malefícios da quantidade necessária de ferro para a suplementação da dieta na infância. TÓPICO 3 — SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL NA INFÂNCIA 145 MATERIAL E MÉTODO Este estudo buscou identificar as publicações relacionadas aos benefícios e malefícios da utilização das diferentes dosagens profiláticas de ferro para oferecer subsídios para o trabalho da equipe de saúde na busca de melhoria da qualidade do atendimento prestado. Os artigos foram localizados nas bases de dados LILACS, SCIELO e MEDLINE, no período de junho a dezembro de 2009, utilizando-se as palavras- chave: anemia, benefícios e ferro. Posteriormente foram submetidos à leitura exploratória, interpretativa e seletiva. REVISÃO DA LITERATURA O ferro é um nutriente essencial para o funcionamento de diversos processos bioquímicos, como reação de transferência de elétrons, regulação do crescimento e diferenciação celular, transporte de oxigênio e outros. Constitui- se também em potente pró-oxidante celular, de modo que seu excesso pode ser prejudicial aos diversos processos celulares. A anemia associada à deficiência de ferro determina redução da concentração de hemoglobina no sangue, o que prejudica o transporte de oxigênio tecidual, reduz a capacidade de trabalho e o desempenho físico. Podem ocorrer atraso do desenvolvimento psicomotor e alterações de comportamento quando a deficiência de ferro acontece nos primeiros dois anos de vida. Silva et al. referem que o possível efeito da suplementação com ferro sobre o crescimento pode associar-se a alterações causadas no sistema imune, que repercutem no risco de morbidade. O tratamento com ferro medicamentoso deve ser utilizado em todas as crianças com diagnóstico clínico-laboratorial de anemia, dado que correções so- mente alimentares não corrigem a anemia. A via de administração medicamen- tosa do ferro deve ser, preferencialmente, a oral, reservando-se a forma parenteral para os casos em que essa via é intolerável. O sulfato ferroso é formulação prefe- rencial, por seu baixo custo e alta biodisponibilidade. A correção da anemia iden- tificada pela diminuição da hemoglobina verifica-se, usualmente, em seis sema- nas, mas a reposição das reservas de ferro requer quatro a seis meses adicionais, devido à diminuição da absorção de ferro à medida que a anemia é controlada. O Manual Operacional do Programa Nacional de Suplementação de Ferro do Ministério da Saúde aconselha a suplementação diária com sais de ferro, na forma clássica de administração nos programas voltados para a prevenção da anemia, na dose de 1 mg/kg peso/dia ou 5 mL de xarope semanal, apresentação de 125 mg/5 mL até os 24 meses de vida. E para tratamento, dosagem de 3 mg/ kg/dia. As crianças prematurasdevem receber 2 mg/kg/dia até os 12 meses e, posteriormente, continuar com a prescrição de crianças a termo. 146 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA Alves e Moulin aconselham a administração de facilitadores da absorção do ferro, como carnes e vitamina C, concomitante com o ferro terapêutico. E advertem sobre agentes inibidores, como refrigerantes e chás. A equivalência da efetividade da suplementação diária e semanal é discutida por Monteiro et al. e Pereira et al., entretanto, esses dados são pouco conhecidos. Para Gillespie et al., a suplementação com ferro como medida preventiva tem grande chance de sucesso quando dirigida para grupos específicos como gestantes, lactantes e pré-escolares. Para suplementação de escolares aconselha- se a realização de rastreamento e não a cobertura de toda a população, dado que isso é usualmente desnecessário, impossível e caro. DISCORDÂNCIAS QUANTO À SUPLEMENTAÇÃO COM FERRO NA POPULAÇÃO INFANTIL Vários estudos vêm sendo realizados desde 1993 com a finalidade de se conhecer os malefícios e benefícios da suplementação com ferro em crianças não anêmicas, entretanto, os malefícios não são divulgados ou foram omitidos, considerando-se que só se tem benefícios com essa estratégia. BENEFÍCIOS Em 1993, Angeles et al. iniciaram as discussões sobre os benefícios da suplementação de ferro em crianças não anêmicas, mas sem discuti-los. A seguir, Soemantri et al. e de Thu et al. não encontraram diferenças nos efeitos das suplementações com ferro no estado nutricional de crianças não anêmicas. As consequências advindas da deficiência de ferro nos primeiros anos de vida foram mencionadas por Monteiro et al. como relevantes para o crescimento e desenvolvimento infantil, enfocando prejuízo no desenvolvimento cognitivo e baixo rendimento escolar. Os mesmos autores destacam a fortificação de alimentos com ferro e distribuição de suplementos medicamentosos com sais de ferro pela rede pública de saúde como duas intervenções com mais possibilidade para controlar a anemia ferropriva em crianças. No entanto, em países em desenvolvimento, alimentos fortificados com ferro são caros e, por isso, pouco utilizados pela maioria da população. A necessidade da suplementação de ferro via medicamentosa tornou-se responsabilidade do governo. Na pesquisa de Iannotti et al. as variações entre os benefícios e malefícios da suplementação com ferro variaram em função dos níveis iniciais da hemoglobina e dos indicadores do estado nutricional de ferro utilizados. Os efeitos benéficos da suplementação com ferro têm sido comprovados principalmente entre crianças anêmicas, embora a suplementação com dosagens profiláticas de ferro possa atingir grande número de crianças não anêmicas. TÓPICO 3 — SUPLEMENTAÇÃO NUTRICIONAL NA INFÂNCIA 147 Em consonância com Monteiro et al. Pereira et al. salientam, além dos prejuízos cognitivos da carência, o retardo no crescimento e desenvolvimento motor e mental, a diminuição da atividade física, sentimento de insegurança, fadiga e desatenção. O conteúdo e a frequência no oferecimento das doses profiláticas de ferro não influenciaram o crescimento das crianças não anêmicas na pesquisa realizada por Silva et al. Entretanto, os lactentes apresentaram, em geral, melhoria nos índices peso/idade e peso/comprimento. Os autores enfatizaram que os benefícios da suplementação com ferro sobre o crescimento poderiam ser embasados pela melhoria do apetite, da ingestão alimentar e, consequentemente, do fortalecimento do sistema imune, acarretando diminuída morbidade. POSSÍVEIS MALEFÍCIOS Alguns dos primeiros trabalhos a exporem os possíveis malefícios da suplementação de ferro na dieta de crianças não anêmicas foram os de Yip et al. e de Gillespie et al., que detectaram a necessidade de tratamento adequado, evitando a sobrecarga de complementação com ferro, devido ao seu excesso influir na absorção de outros minerais (ex.: zinco). Ademais, a sobrecarga crônica de ferro (hemocromatose ou talassemia) poderia influir na carcinogênese. Consideraram ainda que o consumo acidental de ferro por crianças provocou intoxicação. Dijkhuizen et al. e Sachdev et al. discutiram sobre a ausência dos efeitos esperados com a suplementação de ferro, não se tratando de benefícios ou malefícios. A estratégia de suplementação de ferro em países distintos, conforme Dewey et al., tem pontos maléficos em comum, como na Indonésia e na Suécia, em que lactentes sem deficiência de ferro tiveram menos ganho de peso e de comprimento e circunferência da cabeça. Em Honduras, onde as crianças apresentavam pior estado nutricional de ferro, a suplementação teve efeito negativo sobre o ganho de comprimento apenas em lactentes não anêmicos. Alertaram para o risco de prejuízos à saúde causados pela suplementação diária com ferro em crianças menores de seis meses, devido à imaturidade da regulação do metabolismo ferruginoso. Alguns prováveis prejuízos causados pela suplementação com ferro foram citados por Fischer et al., como a inibição competitiva em relação à absorção do zinco, necessário ao processo de crescimento. Aludiram à inexistência de evidências em relação à suplementação de ferro alimentar e à diminuição nos níveis séricos de zinco. Leão et al. recomendam que o uso indiscriminado de ferro em doses mais altas que as referidas, que só devem ser empregadas para tratamento na anemia ferropriva, não é isento de riscos. 148 UNIDADE 2 — ASPECTOS NUTRICIONAIS ATÉ AOS DOIS ANOS DE VIDA Devido às suas propriedades químicas, Iannotti et al. advertem que o ferro não é eliminado facilmente do corpo, possui alto poder oxidativo e pode causar danos na absorção e/ou no metabolismo de outros nutrientes e supressão na atividade das enzimas. Observaram que entre crianças com deficiência de ferro a suplementação associou-se à melhora da concentração de hemoglobina e à redução nos déficits cognitivos e desenvolvimento motor. Mas em crianças não anêmicas houve prejuízo no ganho de peso e os efeitos sobre a altura foram inconclusivos. CONCLUSÕES Existem controvérsias sobre a relação entre benefícios e os malefícios da suplementação com ferro entre as crianças. Esta revisão buscou refletir sobre o conhecimento e a prática de profissionais de saúde em relação à suplementação dietética de ferro em crianças, objetivando orientar como proceder em relação não só quanto aos seus benefícios, mas também aos seus malefícios. Visou a minimizar os prejuízos da sua não suplementação, bem como da suplementação desnecessária e como executá-la de forma adequada. Este tema possui grande relevância, por se tratar de administração de medida em criança, em fase inicial da vida, considerada apenas quanto ao seu benefício, mas que pode se associar a riscos imponderáveis e malefícios irreversíveis. Poucos são os trabalhos sobre os possíveis malefícios da suplementação com ferro, concluindo-se que o ferro profilático deve ser usado naquelas situações recomendadas pelo Ministério da Saúde e Sociedade Brasileira de Pediatria, mesmo com as ressalvas de possíveis malefícios, até que novas recomendações sejam publicadas. São necessários mais estudos e divulgação dos seus resultados sobre a temática, a fim de orientar os profissionais quanto à melhor assistência a ser prestada de forma individualizada. FONTE: <http://rmmg.org/artigo/detalhes/1819>. Acesso em: 30 maio 2020. 149 RESUMO DO TÓPICO 3 Neste tópico, você aprendeu que: • As características dos alimentos fortificados. • A finalidade de fortificar ou enriquecer alimentos. • Os critérios para a fortificação de alimentos. • A suplementação de micronutrientes na infância. • A importância da suplementação profilática de ferro. • As políticas públicas, programas e estratégias para a prevenção da anemia ferropriva. Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem pensando em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao AVA,e veja as novidades que preparamos para seu estudo. CHAMADA 150 1 Além de alguns critérios para que um alimento possa ser fortificado com algum nutriente, é preciso que algumas caraterísticas e regras sejam respeitadas. De acordo com o estudo proposto, quais são? 2 Do que trata a estratégia NutriSus? 3 A legislação brasileira prevê a incorporação de iodo ao sal de cozinha no Brasil desde 1953. Esta determinação veio em decorrência à endemia de bócio causado por deficiência deste mineral. Por que o sal foi o ingrediente escolhido como parte de uma estratégia para diminuir a deficiência de iodo na população brasileira? 4 Sobre o zinco nos primeiros anos de vida é correto afirmar: a) ( ) O aleitamento exclusivo garante um aporte adequado de zinco até aos 6 meses de vida. b) ( ) Hábitos alimentares inadequados podem interferir no aporte de zinco corporal das crianças. c) ( ) A presença de grandes quantidades de fitatos podem interferir negativamente na absorção do zinco. d) ( ) A suplementação de zinco para crianças desnutridas é importante para favorecer o ganho de peso corporal. AUTOATIVIDADE 151 UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • descrever os métodos de avaliação nutricional de pré-escolares, escolares e adolescentes; • aplicar os métodos de avaliação do estado nutricional em pré-escolares, escolares e adolescentes; • conhecer os referenciais antropométricos recomendados pela OMS (2006, 2007) utilizados para realizar a avaliação nutricional em crianças e adolescentes; • conhecer as necessidades nutricionais em relação à energia, macro e micronutrientes na infância e adolescência; • identificar as características relacionadas ao crescimento e desenvolvimento de cada fase da infância e da adolescência; • reconhecer os comportamentos alimentares comuns na infância e na adolescência; • identificar as características da inapetência infantil. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade, você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR TÓPICO 2 – NUTRIÇÃO DO ESCOLAR E DO ADOLESCENTE TÓPICO 3 – SITUAÇÕES COMUNS NA INFÂNCIA Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 152 153 UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO O processo de crescimento e desenvolvimento de crianças é dependente de uma alimentação e nutrição adequadas em todas as fases. A saúde na infância e no futuro também são reflexos tanto dos aspectos quantitativos como qualitativos dos alimentos consumidos nesta fase da vida. A infância também é um momento importantíssimo na formação dos hábitos alimentares dos indivíduos. Vários fatores podem influenciar nas escolhas e preferências alimentares de um indivíduo. A família desempenha um papel fundamental neste processo. Os pais são os responsáveis pela introdução alimentar. O padrão alimentar da criança também é definido através das práticas alimentares familiares, os alimentos oferecidos e até mesmo pela atitude e escolhas feitas pelos pais e outros membros da família. As crianças que estão tanto na fase pré-escolar como na fase escolar, além da influência da família, também estão sujeitas a influências de outros grupos de convivência. Estão incluídos os coleguinhas do convívio em ambiente escolar desde do jardim de infância até o nível fundamental, dos vizinhos, e também das informações e propagandas vinculadas nos meios de comunicação. Cada fase tem suas particularidades em relação ao ritmo de crescimento, as demandas energéticas com atividades físicas, ao processo de aprendizado e preferências alimentares. Com isso as necessidades energéticas e de nutrientes também são específicas e vão se alterando com o passar dos anos. A realidade brasileira sobre hábitos alimentares está muito aquém do considerado adequado tanto para adultos como para crianças. Vivenciamos os extremos da inadequação nutricional. De um lado, muitas crianças ainda são portadoras de subnutrição, tanto primária como secundária, muitas sofrem de algum tipo de deficiência de micronutrientes e por outro, tem sido constatado o crescimento da presença do excesso de peso entre crianças e adolescentes. A abordagem nutricional principalmente na fase pré-escolar abrange muito mais que a criança. Envolve todo o entorno de sua vida, principalmente a família. Tanto para grupos como para atendimento individual os pais ou cuidadores são agentes importantíssimos neste processo. TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 154 Caro acadêmico! Você consegue perceber quanto são desafiadores e ao mesmo tempo instigantes os processos nutricionais nesta fase? Um aprendizado consistente focado tanto nos aspectos biológicos, físicos, como nos aspectos psicológicos, culturais, sociais e afetivos implicados no processo alimentar na infância e adolescência são fundamentais para o futuro nutricionista desenvolver suas habilidades e realizar seu trabalho com maestria. O que você acha de iniciar o enfrentamento deste delicioso desafio estudando a nutrição para o pré-escolar? 2 AVALIAÇÃO NUTRICIONAL DO PRÉ-ESCOLAR A fase pré-escolar do desenvolvimento humano corresponde à fase que vai dos dois aos seis anos de idade. Lembrando que do nascimento aos dois anos, a criança é chamada de lactente. Dos sete aos dez anos é denominada de fase escolar e depois até aos 19, corresponde à adolescência. Apesar do termo pré-escolar, as crianças já costumam frequentar a escola nesta fase. Em cada fase, a criança apresenta características de crescimento e desenvolvimento específicas, mas é importante considerar que as vivências de cada fase anterior irão causar impactos na fase atual e, possivelmente, na vida futura da criança. Alguns aspectos importantes relacionados à alimentação e nutrição da criança na fase pré-escolar devem ser considerados para uma abordagem nutricional adequada e efetiva. Entre esses estão o processo de crescimento e desenvolvimento; a fisiologia do aparelho digestório; os aspectos relacionados à formação do comportamento alimentar; a atividade física e a integração social mais intensa da criança. O crescimento do ser humano é um processo complexo e envolve aspectos genéticos, endócrinos, psicossociais e nutricionais. É um indicador importante da saúde da criança. Reflete as condições de vida atual e passada da criança. Apesar do crescimento ser o resultado da confluência de vários fatores é importante para o estudo deste processo saber que é influenciado por fatores intrínsecos que compreende a herança genética e os extrínsecos que correspondem aos ambientais. O potencial genético de crescimento de cada indivíduo pode ou não ser atingido. Os fatores ambientais como alimentação, condições de saúde, tipo de habitação, condições de higiene e cuidados gerais com a criança podem favorecer o alcance deste potencial ou prejudicar (ROMANI; LIRA, 2004). IMPORTANT E TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 155 Apesar das variáveis que determinam o crescimento linear e de ganho de peso na infância e adolescência, é possível reconhecer e prever um padrão esperado. A avaliação do estado nutricional é uma ferramenta fundamental no acompanhamento da saúde e do crescimento na infância e adolescência e possibilita diagnosticar ou prevenir distúrbios nutricionais (ALBUQUERQUE, 2017). A velocidade de crescimento linear e ganho ponderal são menores na fase pré-escolar do que na fase anterior (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). Ocorre um declínio gradativo e pronunciado até os cinco anos de idade. Nesta fase, a criança cresce aproximadamente de cinco a sete cm por ano. Também na fase pré-escolar ocorre concomitantemente umaredução do apetite e menor interesse pela comida e maior curiosidade pelo ambiente. É muito frequente os pais ficarem ansiosos e muito preocupados com essas mudanças. Tanto os nutricionistas como os demais profissionais de saúde devem usar seus conhecimentos para esclarecer aos pais tais mudanças inerentes à fase de desenvolvimento. É interessante que o crescimento das diferentes partes do corpo, incluindo órgãos e tecidos, ocorrem em velocidades diferentes. No Gráfico 1 é possível ter uma ideia do percentual de crescimento de algumas partes do corpo. Apesar da velocidade de crescimento na fase pré-escolar ser mais constante, podem ocorrer oscilações. Em casos de alterações é importante fazer uma anamnese adequada, pois as avaliações em períodos curtos podem levar às interpretações equivocadas (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). DICAS UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 156 GRÁFICO 1 – CURVA DE CRESCIMENTO DE DIFERENTES PARTES DO CORPO FONTE: Adaptado de Brasil (2002) A avaliação nutricional individual da criança deve ser baseada em alguns parâmetros que são: • Anamnese clínica nutricional. • Avaliação da composição corporal através de dados antropométricos e padrões de referência. • Exame físico usados principalmente para detectar sinais de desnutrição (subnu- trição ou hipernutrição). • Exames bioquímicos. • Inquéritos alimentares. Antes de dar continuidade ao conteúdo sobre avaliação nutricional do pré- -escolar, é pertinente escorrer brevemente sobre o termo “Desnutrição”. Desnutrição é definida como um estado mórbido decorrente de deficiência ou excesso de um ou mais nutrientes essenciais. Reflete um estado nutricional inadequado comparado com um determinado referencial. A definição anteriormente mencionada refere-se a um conceito mais amplo e genérico e é comum o uso do termo desnutrição como sinônimo de subnutrição que será aplicado neste livro. A desnutrição causada por subnutrição de acordo com a Academy of Nutri- tion and Dietetic pode ser dividida em três grupos (MARTINS, 2018): TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 157 • Desnutrição relacionada a circunstâncias ambientais e sociais. Neste caso, ocorre uma diminuição da ingestão alimentar por falta de interesse ou acesso a alimen- tos e nutrientes. A oferta de alimentos para o organismo é limitada. Alguns auto- res a classificam como primária. • Desnutrição relacionada à doença ou injúria aguda. Neste caso, a criança tem aumento no gasto energético devido à presença de alguma patologia com infla- mação aguda e grave como pneumonia, injúria pulmonar aguda, grandes quei- maduras, infecções de feridas etc. Ocorre também uma redução na ingestão ali- mentar decorrente da doença. • Desnutrição associada à doença ou condição crônica. No caso de crianças, pode ser oriunda de inflamação crônica e insuficiências de órgãos. Um exemplo é a doença celíaca ou doenças inflamatórias intestinais. Quando a desnutrição do tipo subnutrição é decorrente da presença de uma doença é considerada secundária. Uma anamnese nutricional é de suma importância no intuito de realizar in- ferências acerca da adequação da alimentação da criança e do adolescente tanto em relação à quantidade como em relação à qualidade dos alimentos consumidos. Na prática clínica realizar uma anamnese nutricional muitas vezes é uma tarefa difícil. As informações sobre a alimentação da criança, principalmente dos lactentes e pré- -escolares, são transmitidas pelos pais ou responsáveis. A participação da criança maior na obtenção das informações sobre hábitos alimentares pode ser muito útil. A anamnese nutricional de crianças deve abranger as informações sobre as condições de saúde e sobre os hábitos alimentares pregressos e atuais. No caso de pré-escolares o profissional nutricionista deverá se informar sobre: • Os hábitos alimentares da criança: • o número e horários das refeições ao dia; • local onde realiza as refeições (na creche, na própria casa, casa de pa- rentes, restaurantes etc.); • os alimentos ingeridos com maior frequência nas refeições e a quan- tidade; • presença de alguma alergia alimentar ou aversão; • tabus e crenças alimentares que influenciam nas escolhas da família; O profissional nutricionista deverá apurar as informações de modo objetivo, porém a anamnese nutricional deverá ser a mais detalhada e completa possível. O nutricionista deverá estar preparado para ser um bom ouvinte. É fundamental não fazer julgamentos sobre hábitos alimentares inadequados. No momento da prescrição nutricional, poderão ser pontuados os “erros” e em seguida orientar os pais sobre a maneira mais adequada. IMPORTANT E UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 158 • é fundamental também perguntar aos pais ou responsáveis sobre os horários que a criança acorda e vai dormir; • Atividade física curricular e extracurricular (também inclui atividades de la- zer): • tipo de atividade; • quando for atividade desportiva questionar a modalidade; • tempo despendido para as atividades e horários; • Internações e doenças infecciosas, anemia e desnutrição (atual ou pregressa); • Risco de origem familiar do desenvolvimento de doenças crônicas não trans- missíveis. Para realizar a avaliação antropométrica de crianças na fase pré-escolar ou em qualquer outra idade é importante a utilização de um ambiente adequado, equipamentos aferidos e também o uso de técnicas adequadas. O profissional nu- tricionista deverá utilizar equipamentos que tenham controle de aferição perió- dica realizado por assistência técnica credenciada pelo INMETRO (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). Para a coleta do peso corporal de crianças acima dos dois anos deve ser utilizada balança mecânica ou digital, tipo plataforma para adultos capazes de medir valores de no mínimo 100 gramas. No momento da pesagem a criança de- verá estar com o mínimo de roupa possível e descalça. Deverá estar posicionada no centro da plataforma, de costa para o medidor, manter-se ereta, com os pés juntos e os braços estendidos ao longo do corpo. Deve-se manter parada até ao final da aferição (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). Quando a balança for digital, deverá estar ligada antes da criança ou ado- lescente subir no equipamento e deverá marcar zero (BRASIL, 2011). O mostra- dor digital deverá estar com os números (referentes ao peso) “parados” sem que fiquem se alterando. Para isso a criança deverá ficar parada. A Figura 1 ilustra uma balança tipo plataforma mecânica e a Figura 2 ilustra uma balança plataforma digital. As balanças digitais estão cada vez mais disponíveis nos serviços de saúde. FIGURA 1 – BALANÇA TIPO PLATAFORMA MECÂNICA FONTE: <https://www.saudeshop.com.br/balancas/balanca-antropometrica-mecanica-150-kg- -110-ch-welmy>. Acesso em: 29 jul. 2020. TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 159 FIGURA 2 – BALANÇA TIPO PLATAFORMA DIGITAL FONTE: <https://cdn.iset.io/assets/45712/produtos/167/thumb_230-230-balancawelmydigital. jpg>. Acesso em: 29 jul. 2020. Para medir a altura da criança com idade superior a dois anos o ideal é o estadiômetro de parede (Figura 3). O equipamento vertical deverá ser instalado em parede lisa sem rodapé. FIGURA 3 – ESTADIÔMETRO DE PAREDE FONTE: <https://images-americanas.b2w.io/produtos/01/00/img/21013/2/21013221_1SZ.jpg>. Acesso em: 29 jul. 2020. No momento da coleta da altura, a criança deverá estar descalça, sem adereços na cabeça. Deverá ficar de pé, no centro do equipamento, ereta, braços estendidos ao longo do corpo, a cabeça erguida com olhar fixado em um ponto na altura dos olhos. Cuidar para a criança não elevar o queixo. Os ossos dos calcanhares e a parte interna dos joelhos deverão se tocar. Os pés deverão ficar unidos formando um ângulo reto com as pernas. Deverão ficar em contato com o estadiômetro os calcanhares, as nádegas e os ombros (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). Após a coleta dos dados antropométricos, no casode pré-escolares e escolares é o momento de verificar os referenciais antropométricos, que em UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 160 pediatria são as curvas de crescimento. São instrumentos utilizados na prática para a avaliação das medidas corpóreas. Através destes referenciais antropométricos o profissional consegue classificar a criança dentro do padrão de normalidade ou anormalidade. Os dados da criança avaliada serão comparados com os dados estimados do referencial antropométrico. A Organização Mundial de Saúde recomenda a medida em escore z, tanto para estudos epidemiológicos como para atendimento clínico (ARAÚJO; CAMPOS, 2008). Os índices antropométricos recomendados pelo MS para a avaliação do estado nutricional de crianças no pré-escolar são: peso, estatura e IMC para idade. • Peso para idade Apesar de já ter sido comentado sobre os índices antropométricos em pediatria, vale ressaltar algumas características, vantagens e desvantagens de cada um deles para crianças. Como o peso é uma medida muito sensível, a utilização na avaliação ordenada possibilita a identificação de alterações precoces do estado nutricional. Lembrando que os referenciais antropométricos são tabelas e gráficos que reproduzem para cada idade e sexo, os diferentes valores das medidas corporais, considerados como normais. Tais valores são baseados em amostras de crianças e adolescentes avaliados como estando dentro da normalidade e sadios. São valores estimados, que são reunidos nem tabelas e gráficos e organizados sob a forma de percentil e escore z. DICAS Como já mencionado na Unidade 2 deste livro, a OMS disponibilizou o referencial antropométrico para crianças de zero a cinco anos em 2006. E para crianças e adolescentes entre cinco e 19 anos a organização disponibilizou o referencial antropométrico em 2007. Atualmente é recomendado pelo Ministério da Saúde (MS) do Brasil a utilização de tais referenciais. Recomendo a você, acadêmico, voltar à Unidade 2 deste livro para relembrar o conteúdo. NOTA TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 161 O uso isolado desta medida não é útil, para no caso de diminuição ou manutenção do peso em crianças, constatar se o agravo é atual ou pregresso. O indicador peso para idade não reflete qual compartimento do corpo está comprometido. Para classificar adequadamente o estado nutricional antropométrico em crianças devem ser utilizadas e associadas outras medidas antropométricas (ARAÚJO; CAMPOS, 2008). No caso de pré-escolares, escolares e também de adolescentes é fundamental utilizar também estatura, circunferência do braço e IMC. • Altura para idade Através do indicador altura para idade é possível verificar o crescimento linear da criança. Quando há a presença de desnutrição por subnutrição é um indicador importante para a classificação em aguda ou crônica (ARAÚJO; CAMPOS, 2008). • IMC para idade É um índice recomendado internacionalmente para detectar distúrbios nutricionais tanto para diagnóstico antropométrico individual como coletivo. É um bom indicador de gordura corporal (VITOLO, 2008). • Peso para estatura É um índice que reflete a harmonia entre as dimensões de massa corporal e estatura. Seu uso é recomendado pela OMS até aos cinco anos de idade. A seguir será apresentada a classificação do estado nutricional de pré- escolares e escolares junto a alguns exemplos (para pré-escolares) para que você possa ter uma visão mais prática da avaliação antropométrica em crianças. Vamos aprimorar o estudo sobre avaliação antropométrica do estado nutricional do pré- escolar através de exemplos? A classificação do estado nutricional antropométrico de acordo com os pontos de corte de peso para idade indicados para crianças na fase pré-escolar e escolar estão na Tabela 1. TABELA 1 – CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO ANTROPOMÉTRICO DE CRIANÇAS NA FASE PRÉ-ES- COLAR E ESCOLAR (0 A 10 ANOS) DE ACORDO COM OS PONTOS DE CORTE DE PESO PARA IDADE FONTE: Adaptada de Sociedade Brasileira de Pediatria (2009) Percentil Escore z Peso para idade (0 a 10 anos) Adequado ≥ percentil 3 e ≤ percentil 97 ≥ -2 e ≤ +2 Baixo peso ≥ percentil 0,1 e < percentil 3 < -2 e ≥ -3 Muito baixo peso < percentil 0,1 < -3 Peso elevado > percentil 97 > +2 e >+3 UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 162 Exemplo 1: menina com idade de quatro anos, com peso corporal de 14 kg. Utilizando o gráfico de peso por idade para o sexo feminino (Gráfico 2), recomendado pelo MS/OMS (2006), os pontos de corte do escore z é ≥ -2 e ≤ +2 (Tabela 1), como você pode observar no ponto indicado pelo símbolo “ ”. O diagnóstico antropométrico desta menina é de Peso adequado para a idade. GRÁFICO 2 – DISTRIBUIÇÃO DE ESCORE Z DO PESO PARA IDADE DE MENINAS DO NASCIMEN- TO AOS 5 ANOS FONTE: <https://www.who.int/childgrowth/en/>. Acesso em: 27 ago. 2020. Exemplo 2: menino, idade de quatro anos e oito meses, com peso corporal de 22 kg. Utilizando o gráfico de Peso por idade com critérios de percentis para o sexo masculino recomendado pelo MS/OMS (2006) (Gráfico 3), os pontos de corte do percentil são > percentil 85 e ≤ percentil 97 (Tabela 1), como você pode observar no ponto indicado pelo símbolo “ “ no gráfico. O diagnóstico antropométrico deste menino é de peso adequado para a idade. TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 163 GRÁFICO 3 – DISTRIBUIÇÃO DE PERCENTIL DO PESO PARA IDADE DE MENINOS DO NASCI- MENTO AOS 5 ANOS FONTE: <https://www.who.int/childgrowth/en/>. Acesso em: 27 ago. 2020. A classificação do estado nutricional antropométrico de acordo com os pontos de corte de estatura para idade recomendados pelo MS/OMS (2006) para crianças na fase pré-escolar e escolar estão na Tabela 2. TABELA 2 – CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL ANTROPOMÉTRICO DE ACORDO COM OS PONTOS DE CORTE DE ESTATURA PARA IDADE INDICADOS PARA CRIANÇAS DE 0 A 5 ANOS E DE 5 A 10 ANOS FONTE: Sociedade Brasileira de Pediatria (2009, p. 45) Exemplo 3: menina com três anos e quatro meses de idade e estatura de 105 cm. Utilizando o gráfico de estatura por idade com critérios de escore z para o sexo feminino recomendado pelo MS/OMS (2006) (Gráfico 4), os pontos de corte do escore z é ≥ -2 (Tabela 2) como você pode observar no ponto indicado pelo símbolo “ “ no gráfico. O diagnóstico antropométrico desta menina é estatura adequada para a idade. Estatura/altura para idade (de 0 a 5 anos e de 5 a 10 anos) Percentil Escore z Adequada ≥ percentil 3 ≥ -2 Baixa estatura ≥ percentil 0,1 e < percentil 3 < -2 e ≥ -3 Muito baixa estatura < percentil 0,1 < -3 UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 164 GRÁFICO 4 – DISTRIBUIÇÃO DE ESCORE z DA ALTURA PARA IDADE DE MENINAS DO NASCI- MENTO AOS 5 ANOS FONTE: <https://www.who.int/childgrowth/en/>. Acesso em: 27 ago. 2020. A classificação do estado nutricional antropométrico, de acordo com os pontos de corte do IMC para idade recomendados pela Organização Mundial de Saúde, para crianças na fase pré-escolar e escolar estão na Tabela 3 (BRASIL, 2008). TABELA 3 – CLASSIFICAÇÃO DO ESTADO NUTRICIONAL ANTROPOMÉTRICO DE ACORDO COM OS PONTOS DE CORTE DO IMC PARA IDADE (PRÉ-ESCOLAR E ESCOLAR) (MS/OMS, 2006, 2007) FONTE: Adaptada de Sociedade Brasileira de Pediatria (2009) IMC para idade (de 0 a 5 anos) Percentil Escore z Eutrofia ≥ percentil 3 e ≤ percentil 97 ≥ -2 e ≤ +2 Risco de sobrepeso > percentil 85 e ≥ percentil 97 > +1 e ≤ +2 Magreza ≥ percentil 0,1 e < percentil 3 ≥ - 3 e < -2 Magreza acentuada < percentil 0,1 < -3 Sobrepeso >Percentil 97 e ≤ percentil 99,9 < +2 ≤ +3 Obesidade > 99,9 > +3 IMC para idade (de 5 a 10 anos) Percentil Escore z Eutrofia ≥ percentil 3 e ≤ percentil 97 ≥ -2 e ≤ +2 Magreza ≥ percentil 0,1 e < percentil 3 ≥ - 3 e < -2 Magreza acentuada < percentil 0,1 < -3 Sobrepeso > percentil 85 e ≥ percentil 97 > +1 e ≤ +2 Obesidade >Percentil 97 e ≤ percentil 99,9 < +2 ≤ +3 Obesidade grave > 99,9 > +3 TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 165 Exemplo4: menina de cinco anos e seis meses, com peso corporal de 29 Kg e estatura de 112 cm. O IMC desta criança é de 23,11 Kg/m². Utilizando o gráfico do IMC para idade com critérios de escore z para o sexo feminino recomendado pelo MS/OMS (2006) (Gráfico 5) os pontos de corte do escore z é> +3 (Tabela 3) de acordo com a localização no gráfico como você pode observar no ponto indicado pelo símbolo “ “ no gráfico. O diagnóstico antropométrico segundo o índice IMC para a idade é de obesidade grave. GRÁFICO 5 – DISTRIBUIÇÃO DE ESCORE z DO IMC PARA IDADE DE MENINAS DO NASCIMENTO DOS 5 AOS 19 ANOS FONTE: <https://www.who.int/growthref/en/>. Acesso em: 27 ago. 2020. Caro acadêmico, tenha em mente que não se realiza diagnóstico de inadequação de crescimento em uma única consulta. Também é fundamental ao fazer a avaliação do crescimento de crianças, não considerar uma medida isolada como o peso por exemplo. É importante verificar a localização da medida em relação a curva (ascendente, constante ou descendente). Por exemplo, uma criança poderá apresentar o mesmo peso da última medida ou até um peso menor, porém esta criança pode ter tido algum agravo agudo de saúde. Neste caso pode ter ocorrido maior gasto energético por decorrência da presença de inflamação, febre etc. e também pode ter tido alteração de apetite como um sintoma da doença. É fundamental observar se teve parada do crescimento, o tempo entre a coleta das medidas e acompanhar se em uma próxima medida houve recuperação. IMPORTANT E UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 166 2.1 VELOCIDADE DE CRESCIMENTO A velocidade de crescimento (VC) é uma “ferramenta” útil para avaliar o crescimento de crianças além dos referenciais antropométricos. A VC é determinada pelo número de centímetros que a criança cresce por determinado período. O valor do comprimento para menores de dois anos ou altura para os maiores, mesmo quando abaixo dos valores de referência, principalmente, quando são utilizados padrões de percentil, não necessariamente represente problemas de crescimento. A VC pode apontar problemas de crescimento (ZEFERINO et al., 2003). A Tabela 4 apresenta a média de crescimento linear de crianças em centímetros. Existe uma diferença na VC entre os sexos. As meninas até quatro anos têm velocidade de crescimento discretamente mais elevada que os meninos. Durante próximos anos não há diferença na VC em relação ao sexo, até que no início da puberdade ocorre uma aceleração na VC e os meninos crescem de 10 a 12 cm/ano e as meninas 8 a 10 cm/ano (COUTINHO, 2011). TABELA 4 – CRESCIMENTO EM CENTÍMETROS NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA FONTE: Adaptada de Aquino (2011) e Sociedade Brasileira de Pediatria (2009) Convidamos você, caro acadêmico, a observar a Figura 4, que apresenta as mudanças nas proporções corporais desde o segundo mês fetal até a vida adulta. Como você pode constatar na primeira representação, no 2º mês fetal, a cabeça equivale à metade de todo o corpo. Já ao nascer, a proporção muda e a cabeça corresponde a 25% do tamanho total do corpo e na fase adulta somente a 10% (AQUINO, 2011). FIGURA 4 – PROPORÇÕES CORPORAIS DO 2º MÊS FETAL ATÉ A VIDA ADULTA FONTE: <http://revistadepediatriasoperj.org.br/detalhe_artigo.asp?id=553>. Acesso em: 27 ago. 2020. Faixa etária Crescimento aproximado em centímetros por ano 0 a 12 meses 25 cm 12 aos 24 meses 10 cm 3º e 4º anos 8 cm cada ano (16 cm total) Dos 5 aos 11 meninas e 13 meninos 5 a 6 cm TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 167 A medida de composição corporal, considerada complementar, mas que pode ser utilizada de forma isolada tanto para triagem como para diagnóstico do estado nutricional na infância é a circunferência do braço, como anteriormente mencionado na Unidade 2 deste livro. Vale ressaltar que uma das limitações do uso desta medida é impossibilidade de um diagnóstico mais global. Em algumas situações, o uso da medida do peso não é possível. No caso de crianças acamadas ou quando o peso corporal poderá estar superestimado pela presença de edema ou visceromegalias, a medida da circunferência do braço é útil na prática clínica. É importante avaliar o tipo de edema, pois quando for generalizado pode também interferir na medida da circunferência do braço. Na Figura 5 é possível visualizar a coleta da medida da circunferência do braço. A coleta da medida circunferência do braço deve respeitar as seguintes orientações (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009): • Medir preferencialmente o braço direito. • A criança deva estar com o braço relaxado. • O braço deverá estar flexionado em direção ao tórax, formando um ângulo de 90º. • O local da medição será o ponto médio entre o acrômio e o olecrano. • Após o ponto médio marcado a criança deverá estender o braço ao longo do corpo com a palma da mão virada para a coxa. • O profissional deverá utilizar uma fita métrica inelástica e milimetrada para contornar o braço no ponto médio. • É importante que a fita ao redor do braço fique ajustada, na mesma altura em toda a circunferência e deve-se evitar a pressão da pele ou qualquer folga. FIGURA 5 – COLETA MEDIDA CIRCUNFERÊNCIA DO BRAÇO FONTE: Diniz et al. (2018, s.p.) Para a classificação do estado nutricional através da circunferência do braço é indicada a utilização da tabela percentilar proposta por Frisancho (1990), encontrada na Tabela 5. Quando os valores estiverem abaixo do P5 (percentil 5) é uma indicação de maior risco de doenças e distúrbios nutricionais. Quando os valores estiverem acima do P95 sugere risco de doenças associadas com excesso de peso (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 168 TABELA 5 – PERCENTIS (P) DA CIRCUNFERÊNCIA DO BRAÇO EM CENTÍMETRO PARA SEXO MAS- CULINO DE ACORDO COM A IDADE FONTE: Adaptada de Frisancho (1990) Outra medida antropométrica que também pode ser usada para avaliar as proporções corporais é a circunferência muscular do braço (CMB). Tal medida é derivada da circunferência do braço (CB) e da dobra cutânea triciptal (DCT). Como é uma medida indireta do tecido muscular valores de percentis acima de P95 não refletem excesso de peso (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). Para a determinação da CMB utiliza-se a seguinte fórmula: Para a classificação do estado nutricional através desta medida é utilizada a referência proposta por Frisancho (1990), através dos valores percentilares encontrados na Tabela 6. Quando os valores de CMB estão abaixo do P5 é sugestivo de riscos de doenças e a presença de distúrbios nutricionais (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2009). Idade Sexo Masculino Sexo Feminino P5 P50 P95 P5 P50 P95 1 - 1,9 14,2 16,0 18,2 13,6 15,7 17,8 2 - 2,9 14,3 16,3 18,6 14,2 16,1 18,5 3 - 3,9 15,0 16,8 19,0 14,4 16,6 19,0 4 - 4,9 15,1 17,1 19,3 14,8 17,0 19,5 5 - 5,9 15,5 17,5 20,5 15,2 17,5 21,0 6 - 6,9 15,8 18,0 22,8 15,7 17,8 22,0 7 - 7,9 16,1 18,7 22,9 16,4 18,6 23,3 8 – 8,9 16,5 19,2 24,0 16,7 19,5 25,1 9 – 9,9 17,5 20,1 26,0 17,6 20,6 26,7 10 – 10,9 18,1 21,1 27,9 17,8 21,2 27,3 11 – 11,9 18,5 22,1 29,4 18,8 22,2 30,0 12 – 12,9 19,3 23,1 30,3 19,2 23,7 30,2 13 – 13,9 20,0 24,5 30,8 20,1 24,3 32,7 14 - 14,9 21,6 25,7 32,3 21,2 25,1 32,9 15 - 15,9 22,5 27,2 32,7 21,6 25,2 32,2 16 – 16,9 24,1 28,3 34,7 22,3 26,1 33,5 17 - 17,9 24,3 28,6 34,7 22,0 26,6 35,4 18 -24,9 26,0 30,7 37,2 22,4 26,8 35,2 CMB = CB (cm) – (0,314 x DCT TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 169 TABELA 6 – PERCENTIS (P) DA CIRCUNFERÊNCIA MUSCULAR DO BRAÇO EM CENTÍMETRO PARA SEXO MASCULINO DE ACORDO COM A IDADE FONTE: Adaptada de Frisancho (1990) Para a obtenção da prega cutânea tricipital é necessário identificar o local a ser medido, no caso o mesmo ponto médio usado para medir a CB. Neste ponto, o examinador deverá pegar com os dedos polegar e indicador da mão esquerda a prega formada pela pele e a camada de tecido adiposo subcutâneo, que deverá ser mantida até o final da coleta.Em seguida deverá ser pinçada esta área com o plicômetro para a realização da leitura. Repetir a pega com a pinça do glicômetro por três vezes. O valor final deverá ser uma média das três medidas. Os valores de dobras cutâneas tricipital e subescapular de referência distribuídas em percentis estão na Figura 6. São considerados valores dentro da normalidade entre o P5 e P95. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (2009), quando os valores estiverem entre P5 e P15 significa faixa de risco para desnutrição e quando estiverem entre P85 e P95 risco de excesso de peso. Idade (anos) Sexo Masculino Sexo Feminino P5 P50 P95 P5 P50 P95 1 - 1,9 11,0 12,7 14,7 10,5 12,4 14,3 2 - 2,9 11,1 13,0 15,0 11,1 12,6 14,7 3 - 3,9 11,7 13,7 15,3 11,3 13,2 15,2 4 - 4,9 12,3 14,1 15,9 11,5 13,6 15,7 5 - 5,9 12,8 14,7 16,9 12,5 14,2 16,5 6 - 6,9 13,1 15,1 17,7 13,0 14,5 17,1 7 - 7,9 13,7 16,0 18,0 12,9 15,1 17,6 8 – 8,9 14,0 16,2 18,7 13,8 16,0 19,4 9 – 9,9 15,1 17,0 20,2 14,7 16,7 19,8 10 – 10,9 15,6 18,0 22,1 14,8 17,0 19,7 11 – 11,9 15,9 18,3 23,0 15,0 18,1 22,3 12 – 12,9 16,7 19,5 24,1 16,2 19,1 22,0 13 – 13,9 17,2 21,1 24,5 16,9 19,8 24,0 14 - 14,9 18,9 22,3 26,4 17,4 20,1 24,7 15 - 15,9 19,9 23,7 27,2 17,5 20,2 24,4 16 – 16,9 21,3 24,9 29,6 17,0 20,2 24,9 17 - 17,9 22,4 25,8 31,2 17,5 20,5 25,7 18 -18,9 22,6 26,4 32,4 17,4 20,2 24,5 19-24,9 23,8 27,3 32,1 18,5 20,7 24,9 UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 170 FIGURA 6 – PERCENTIS DA DOBRA CUTÂNEA TRICIPITAL FONTE: Frisancho (1990, s.p.) A medida da dobra cutânea subescapular também poderá ser utilizada para complementar na avaliação. A coleta dos valores deve seguir as mesmas orienta- ções da coleta da dobra tricipital, porém o ponto de medição fica abaixo do ângulo inferior da escápula, onde seja possível observar um ângulo de 45º entre a escápula e a coluna vertebral. Os valores distribuídos em percentis podem ser encontrados no Manual de Avaliação Nutricional da Criança e Adolescente: Manual de orienta- ção do Departamento de nutrologia da Sociedade brasileira de pediatria. 2.1.1 Avaliação da altura em situações especiais Para a avaliação antropométrica de crianças com limitações físicas com idades entre dois a 12 anos, podem ser utilizadas as medidas de segmentos dos membros inferiores e superiores para estimar a altura através de equações TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 171 propostas por Stevenson (1995). As medidas dos seguintes segmentos são utilizadas nesta situação: • Comprimento do membro inferior que corresponde a distância entre o joelho e o tornozelo (CJ). • Comprimento superior do braço que corresponde a distância do acrômio até a cabeça do rádio (CSB). O membro superior deverá estra fletido a 90 graus. • Comprimento tibial que corresponde a distância da borda superomedial da tíbia até a borda do maléolo medial inferior (CT). Realizar a coleta com fita métrica inextensível. As medidas devem ser utilizadas nas seguintes fórmulas de Stevenson (1995) para obtenção da estatura estimada: • Fórmula que utiliza o comprimento do membro inferior - Desvio padrão (cm) ± 1,1 • Fórmula que utiliza o comprimento do braço - Desvio padrão (cm) ± 1,7 • Fórmula que utiliza o comprimento tibial - Desvio padrão (cm) ± 1,4 Um exame físico detalhado proporciona identificar dados importantes que possam estar relacionados com possíveis distúrbios nutricionais. Para avaliação física é importante para o nutricionista observar principalmente a pele e anexos no caso de desnutrição. O Quadro 1 apresenta alguns sinais que podem estar presentes na desnutrição. QUADRO 1 – SINAIS FÍSICOS COMUNS NA DESNUTRIÇÃO GRAVE E= (2,69 x CJ) + 24,2 E = (4,35 X CSB) + 21,8 E = (3,26 x CT) + 30,8 FONTE: Albuquerque (2017 s.p.) Maior frequência de qua- dros infecciosos Principalmente do trato gastrointestinal e trato respiratório Cabelos Opacos, finos e quebradiços Pele Aspecto adelgaçado, lentidão na cicatrização Mucosas Pálidas Abdômen Distendido (hepatomegalia) ou aumento produção de gases (intolerância alimentar secundária). Ex.: Baixa produção de lactose Estado geral Criança apática, sonolenta e indisposta para brincar ou outras atividades físicas UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 172 É importante salientar que muitas vezes a criança não se encontra na classificação antropométrica de desnutrição, mas poderá apresentar sinais de alguma deficiência de micronutrientes ou poderá já estar com risco ou apresentar baixo peso e ainda não ter sinais clássicos, com exceção da magreza evidente. A detecção de baixo peso crônico ou não poderá influenciar na presença ou não de sinais. DICAS A desnutrição infantil pode ser pregressa, crônica evolutiva ou atual. Vamos ver a diferença entre elas? • Desnutrição pregressa: neste caso, é preciso ter atenção, pois trata-se de uma criança que já foi desnutrida e teve um comprometimento da estatura, mas no momento da avaliação (atual), o peso está adequado para a estatura. Em nível de atendimento assistencial, a criança não deve ser classificada como desnutrida. Tal situação pode refletir desnutrição intrauterina ou presença crônica de desnutrição. A observação da estatura dos pais deve ser levada em consideração em crianças com “desnutrição pregressa”, pois a baixa estatura poderá ser de origem genética. • Desnutrição crônica evolutiva: presença de baixo peso e baixa estatura. A criança apresenta comprometimento importante tanto crônico como atual. • Desnutrição atual: a criança tem baixo peso, mas a altura está normal. Como não ocorreu comprometimento da altura é um indicativo que a deficiência nutricional é recente, atual. A permanência da criança em situação de baixo peso por tempo prolongado pode comprometer a altura. De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (2008), na presença de obesidade é importante observar os seguintes sinais físicos: • A distribuição da gordura corporal com excesso na região truncal ou abdominal devido ao risco cardiovascular. • A presença de estrias. • Acanthosis nigricans (Figura 7) e hirsutismo relacionados com resistência à insulina. • Hepatomegalia que pode estar relacionada com esteatose hepática não alcoólica. • Infecção fúngica em regiões de dobras. • Edema. TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 173 FIGURA 7 – ACANTHOSIS NIGRICANS FONTE: <https://opas.org.br/wp-content/uploads/2018/04/Acantose-Nigricans-768x575.jpg>. Acesso em: 31 jul. 2020. O conteúdo sobre exames bioquímicos que são recomendados para a avaliação do estado nutricional encontra-se na Unidade 2. Para que o nutricionista obtenha informações mais precisas sobre a alimen- tação da criança e adolescente o nutricionista deverá utilizar os instrumentos elabo- rados e específicos como Recordatório de 24 horas; Registro alimentar e Frequência alimentar. O tipo de inquérito escolhido vai depender da idade da criança. Vitolo (2008) pontua que até aos sete anos de idade é a mãe que frequentemente fornece as informações sobre a alimentação da criança. A autora propõe que após essa idade a criança pode ser a principal informante de seus hábitos alimentares. A mãe poderá ajudar quando necessário. Inclusive, quando o paciente for adolescente, é aconse- lhável que os pais ou responsáveis não interfiram. Vamos conversar sobre como funcionam estes inquéritos alimentares na pediatria? • Recordatório de 24 horas É um inquérito alimentar no qual a mãe junto com a criança (dependendo da idade) relatam toda a alimentação ingerida nas 24 horas precedentes para um entrevistador, no caso o nutricionista. É importante anotar a hora que a criança acordou e foi dormir. O recordatório de 24 horas pode não refletir os hábitos alimentares frequentes,pois trata-se de apenas um dia e pode ser um dia atípico. Registro alimentar: constitui-se de um instrumento em que deverá ser preenchida uma planilha estruturada, contendo a alimentação consumida durante um período de três a quatro dias alternados, com dois dias de semana e um do final de semana. UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 174 Como pontos críticos deste inquérito alimentar estão a necessidade de um tempo e dedicação maior para o preenchimento, e possíveis modificações nas anotações com omissões de certos alimentos. Muitas vezes isso é motivado por receio de julgamento pelo profissional. • Frequência alimentar Consiste em uma lista de alimentos e as opções de número de vezes consumidos por um determinado período, geralmente semana ou mês. Na aplicação de qualquer um dos inquéritos acima é importante esclarecer para a mãe que em relação às quantidades, deverá ser informado ao profissional o que a criança comeu. Muitas vezes, as mães informam a quantidade oferecida (VITOLO, 2008). Outra questão importante relacionada à alimentação e nutrição é o desenvolvimento dentário. Apesar de ser o dentista o profissional responsável pelo cuidado da saúde bucal dos indivíduos, é pertinente que o nutricionista tenha pequenas noções sobre dentição na infância. A mastigação é um mecanismo muito importante na fisiologia da alimentação, pois permite a redução dos alimentos em partículas menores que facilitam a digestão no estômago e no intestino delgado. Também favorece a ação de enzimas que estão presentes na boca como a amilase salivar. O nutricionista deve atentar-se para o desenvolvimento adequado da dentição e saúde bucal, já que os dentes têm papel tão relevante na alimentação na infância. Segue uma breve explanação sobre o desenvolvimento dentário. As etapas do desenvolvimento dentário compreendem a mineralização, a erupção e a queda. No segundo semestre de vida tem início a mineralização dos dentes primários que continua até aos três anos de idade e dos dentes permanentes vai até aos 25 anos. Aproximadamente, aos seis a oito meses de idade começa a erupção dos dentes decíduos, primeiramente com os dentes incisivos centrais seguido dos laterais. Por volta dos 6 anos começa a mudança dos dentes primários pelos permanentes. A cronologia do desenvolvimento dentário é independente dos outros processos de crescimento. Algumas situações como a presença de hipotireoidismo e hipoparatiroidismo podem levar a um atraso. Distúrbios nutricionais podem causar alterações na coloração dos dentes ou malformação. O desenvolvimento dentário é fundamental para a evolução na oferta de alimentos que antes eram oferecidos amassados, passam a ser oferecidos em pedaços (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 175 3 NECESSIDADES NUTRICIONAIS DO PRÉ-ESCOLAR, DO ESCOLAR E DO ADOLESCENTE A fase pré-escolar é considerada um período crítico na vida da criança, é uma fase de transição entre a fase de lactente e a do escolar. Neste período, a criança que era totalmente dependente agora já começa a experimentar certa independência. A criança passa a ter interesse por atividades novas para ela. Ela já anda e gosta de explorar o ambiente que lhe cerca. É um período de sedimentação dos hábitos. Do ponto de vista biológico é uma fase caracterizada por uma diminuição na velocidade de crescimento, sendo inferior aos dois primeiros anos de vida com ganho de peso proporcionalmente menor que do o lactente (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). As necessidades energéticas para o pré- escolar também são proporcionalmente menores que do lactente. A seguir serão demonstradas algumas fórmulas preditivas para a obtenção das necessidades energéticas para pré-escolares, escolares e adolescentes. Um dos métodos para estimar as necessidades energéticas é o valor do requerimento energético estimado – EER, que é obtido através das seguintes fórmulas: • EER para meninos entre 3 a 8 anos de idade: • EER = 88,5 – (61,9 x idade [anos]) + PA x (26,7 x peso [Kg] + 903 x estatura [m]) + 20 [Kcal] • EER para meninas entre 3 a 8 anos de idade: • EER = 135,3 – (30,8 x idade [anos]) + PA x (10,0 x peso [Kg]) + 934 x estatura [m]) + 20 [Kcal] Em que: PA é o coeficiente de atividade física (disponível na Unidade II). • EER para meninos entre 9 a 18 anos de idade: EER = 88,5 – (61,9 x idade[anos]) + PA x (26,7 x peso[kg] + 903 x altura[m]) + 25 (kcal) O PA para essa faixa etária e sexo é: PA = 1 se sedentário PA = 1,13 se atividade leve PA = 1,26 se atividade moderada PA = 1,49 se atividade intensa • EER para meninas entre 9 a 18 anos de idade: EER = 135,3 – (30,8 x idade[anos]) + PA x (10 x peso[kg] + 934 x altura[metros]) + 25 (kcal) O PA para essa faixa etária e sexo é: PA = 1 se sedentário PA = 1,16 se atividade leve PA = 1,31 se atividade moderada PA = 1,56 se atividade intensa UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 176 Outro método corresponde às recomendações diárias de energia e proteína – RDA 1989, conforme Quadro 2 (IOM, 2005): QUADRO 2 – RECOMENDAÇÕES DIÁRIAS DE ENERGIA NE PROTEÍNAS PARA CRIANÇAS NA FASE PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE FONTE: Adaptado de Vitolo (2008) As calorias que devem ser consumidas pelas crianças na fase pré-escolar devem seguir a seguinte distribuição de macronutrientes: • Para crianças de 1 a 3 anos: • Carboidratos: 45 a 65% • Proteínas: 5 a 20% • Lipídios: 30 a 40% • Para crianças de 4 a 18 anos (pré-escolar, escolar e adolescentes): • Carboidratos: 45 a 65% • Proteínas: 10 a 30% • Lipídios: 25 a 35% As recomendações de proteínas para o pré-escolar por quilograma de peso corporal também são maiores que a do adulto como no caso do lactente. Os valores relativos às necessidades de gramas de proteínas por quilograma de peso corporal para pré-escolares e escolares são encontrados no Quadro 3. QUADRO 3 – NECESSIDADES DE PROTEÍNAS POR QUILOGRAMA DE PESO PARA CRIANÇAS NA FASE PRÉ-ESCOLAR, E ESCOLAR DE ACORDO COM RDA (1998) FONTE: Adaptado de Vitolo (2008) IDADE (anos) ENERGIA (Kcal) diária PROTEÍNAS Por Kg (Kcal) Gramas/dia 1 a 3 1300 102 16 4 a 6 1800 90 24 7 a 10 2000 70 28 MASCULINO 11 a 14 2500 55 45 15 a 18 3000 45 59 FEMININO 11 a 14 2200 47 46 15 a 18 2200 40 44 Idade (anos) g/Kg 1 a 3 1,2 4 a 6 1,1 7 a 10 1,0 TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 177 As recomendações de ingestão dos ácidos graxos essenciais ômega-3 e ômega-6 para pré-escolares, escolares e adolescentes é a seguinte (SOCIEDADE BRASILEIRA E PEDIATRIA, 2012): • Ácidos graxos W-6: • 1 a 3 anos = 5 a 10% do VCT • 4 a 18 anos = 5 a 10-% do VCT • Ácidos graxos W-3 • 1 a 3 anos = 0,6 a 1,2% do 0 VCT (até 10% de EPA e DHA) • 4 a 18 anos = 0,6 a 1,2 % do VCT (até 10% de EPA e DHA) Nesta fase ocorre uma exigência aumentada de proteínas justificada pelo rápido crescimento que ocorre com o estirão do crescimento. De acordo com as DRIs para essa fase a proporção de proteína da dieta deverá estar entre 10 a 30% (LAMOUNIER; WEFFORT, 2009). A recomendação de carboidratos de acordo com as DRIs (2002) deve corresponder 45 a 65% do VCT. A quantidade de fibras para meninos entre 9 a 13 anos é de 31 g/dia e entre 14 a 18 anos é de 38 g/dia. Para o sexo feminino a recomendação é de 26 g/dia (LAMOUNIER; WEFFORT, 2009). O percentual de gordura recomendado deve ser de 25 a 35% (LAMOUNIER; WEFFORT 2009). Em relação aos micronutrientes tanto as necessidades de vitaminas como minerais são baseadas nas recomendações das DRIs. Alguns destes micronutrientes merecem uma atenção especial nesta fase. • Como as necessidades energéticas estão aumentadas nesta fase ocorre uma necessidade proporcional das vitaminas que têm funções no metabolismo energético como as hidrossolúveis tiaminas, riboflavina e niacina. • O uso de contraceptivos orais e o hábito de fumar aumentam as necessidades de vitamina C. • As taxas elevadas de crescimento nesta fase que envolve altastaxas de replicação 25 a 35% do VCT importante também por tratar-se do início da fase reprodutiva. É interessante observar que as necessidades energéticas dos adolescentes estão aumentadas devido, principalmente, à velocidade de crescimento e também vão depender nível de atividade física (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). NOTA UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 178 • Como a vitamina A participa nos processos metabólicos de crescimento também é necessário ter atenção na ingestão de alimentos fontes desta vitamina na adolescência. • Outra vitamina lipossolúvel muito importante nesta fase é a vitamina D, principalmente por sua participação no metabolismo do cálcio. A massa óssea vai sendo constituída de forma gradual por toda a infância e ocorre um aumento acelerado na adolescência até a chegada da maturidade sexual o que aumenta as necessidades de cálcio neste período. O acúmulo de cálcio é triplicado, pois aproximadamente 50% da massa óssea é formada neste período. O cálcio da dieta é um dos fatores que determina a formação da massa óssea. Na adolescência, a necessidade de cálcio ao dia é e 1300 mg/dia. É importante que a alimentação tanto da criança como do adolescente disponibilize quantidades adequados deste mineral para diminuir o risco de osteoporose na vida adulta (OLIVEIRA et al., 2014). O aumento das necessidades de ferro na adolescência é decorrente do aumento do volume plasmático com maior massa eritrocitária e de mioglobina que está relacionada com o aumento da massa muscular. A necessidade de ferro para as adolescentes do sexo feminino está relacionada com as perdas menstruais após à menarca (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012; GARANITO; PITTA; CARNEIRO, 2010). A quantidade de ferro recomendado através da dieta para adolescente (WEFFORT; LAMOUNIER, 2009) é de: • Faixa etária entre 9 a 13 anos: 8 mg/dia • Faixa etária entre 14 a 18 anos: • Sexo masculino: 15 mg/dia • Sexo feminino: 11 mg/dia. O zinco durante as fases de crescimento e desenvolvimento tem um papel muito relevante, pois atua no ganho ponderal, regeneração óssea e muscular e na maturação sexual. As recomendações diárias deste oligoelemento nesta fase é de 8 a 11 mg/dia (CIAMPO; CIAMPO, 2014). Todos os micronutrientes são importantes e essenciais em todas as fases do desenvolvimento humano, todavia, o cálcio, ferro e zinco têm demandas bem aumentadas nesta fase que se não atendidas podem causar grandes distúrbios nutricionais. NOTA TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 179 4 RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS PARA O PRÉ-ESCOLAR As divisões em períodos durante os processos de crescimento e desenvol- vimento de humanos acompanham tanto as alterações físicas como mentais. As formas de interações sociais e afetivas também vão alterando suas características com o passar dos anos. É necessário que o futuro nutricionista entenda as espe- cificidades de cada fase em todos os âmbitos tanto fisiológicos, mentais, sociais, psicológicas e afetivos para entender sobre os aspectos que influenciam e interfe- rem nas necessidades nutricionais e no comportamento alimentar até ao alcance da idade adulta. Na fase pré-escolar, que compreende entre 2 a 6 anos de idade, ocorrem alterações importantes relacionadas à alimentação das crianças que está associada a um ritmo de crescimento menor. Além da redução na velocidade de crescimen- to e concomitante diminuição do apetite comum após ao segundo ano de vida, de uma forma geral observam-se altos níveis de sedentarismo em crianças. Na vida contemporânea, o dispêndio de energia com atividade física é bem reduzido. As crianças passam muito tempo na frente das telas de televisão, computadores, ta- blets (PAIVA, 2010) e utilizam com muita frequência meios de transportes como carros e ônibus para se locomover. Algumas características físicas observadas a partir ao 2º ano de vida in- fluenciam nos padrões alimentares. A presença de vários dentes favorece a masti- gação e com isso a aceitação de alimentos que eram oferecidos na forma de papas. De acordo com Paiva (2010), na fase pré-escolar, principalmente, no início, ocorre a consolidação dos sistemas orgânicos. Os sistemas digestivos e metabóli- cos apresentam mais semelhanças com de adultos (VITOLO, 2008). As condições de comunicação vão evoluindo a partir dos dois anos acom- panhado da maturação progressiva da linguagem. O manuseio da linguagem e co- ordenação das ideias pelas crianças nesta fase está cada vez mais ordenada e clara. A relação com o meio ambiente, principalmente com os familiares e pes- soas próximas, fica mais intensa. A criança torna-se mais independente e com mais autonomia para realizar suas refeições. Surge o interesse em manipular ta- lheres e utensílios. Esse comportamento deverá ser estimulado (VITOLO, 2015). É uma fase importantíssima na formação os hábitos alimentares e con- sequentemente na saúde da fase adulta. Nesta fase, o comportamento alimentar é imprevisível e variável. O apetite varia muito e é dependente de fatores como idade, condição física e psíquica, padrão da ingestão anterior e até a tempera- tura ambiente. Em alguns períodos, a quantidade de alimentos ingeridos pode ser nula e em outros a quantidade pode ser grande. As preferências alimentares podem mudar em períodos muito curtos. O alimento que a criança adora hoje, amanhã pode ser inaceitável para ela (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIA- TRIA, 2012). UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 180 Alguns comportamentos em relação aos alimentos são bem comuns na fase pré-escolar. Entre elas está a dificuldade em experimentar novos alimentos ou desconhecidos, denominada de neofobia. Também a chamada “Picky/fussy eating”, que caracteriza a criança que se nega a ingerir uma variedade muito grande de alimentos, e pratica uma dieta alimentar com baixa variedade de ali- mentos. A dieta é pobre em alimentos fontes de fibras e vitaminas como A, C, E e ácido fólico (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). A apresentação da alimentação em relação à textura, cheiro e cor dos alimentos parece ser um fator de estímulo para a criança comer. A oferta dos alimentos preferidos pela criança tem sido citada como “regulador” do apetite (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). É bem sabido que as crianças têm preferências por alimentos com sabo- res doces e bem calóricos. Existe uma explicação para esse fato. O sabor doce é inato ao ser humano. Quer dizer já nascemos sabendo o que é um sabor doce. Os demais sabores precisam ser aprendidos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIA- TRIA, 2012). Diante deste panorama característico do pré-escolar quais são as recomendações nutricionais para a prática dietética direcionada para este público- alvo? Vamos conhecer o que é apresentado sobre o tema na literatura científica? Antes vamos conhecer os principais objetivos da alimentação e nutrição na fase pré-escolar. • Proporcionar e favorecer o crescimento e desenvolvimento adequado da criança. • Proporcionar condições para o desenvolvimento e funcionamento adequado do sistema imunológico • Garantir o aporte adequado de macro e micronutrientes. • Evitar déficits de nutrientes como proteínas, ferro, cálcio, zinco, vitamina A, C e D, entre outras. • Prevenir problemas de saúde na idade adulta que tenham relação com a deita. A quantidade de alimentos de que uma criança necessita é controlado por mecanismos fisiológicos de saciedade. É salutar que seja respeitado esses controles por parte da criança (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). DICAS TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 181 A oferta de alimentos organizada em refeições, incluindo os lanches, deverá ser realizada em horários fixos. É recomendado que o tempo entre uma refeição e outra seja o bastante para que na próxima refeição a criança sinta fome e aceite os alimentos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). Vitolo (2008) recomenda um intervalo entre as refeições de 2 a 3 horas.É contraindicado oferecer alimentos entre as refeições incluindo os lanches. O total de refeições ao dia para o pré-escolar deverá ser de 5 a 6 em horários regulares. Uma sugestão de distribuição das refeições de acordo com a Sociedade de Brasileira de Pediatria (2012) é: • 8 horas: desjejum; • 10 horas: lanche matinal; • 12 horas: almoço; • 15 horas: lanche vespertino; • 19 horas: jantar; • Um lanche antes de dormir. O ideal é que seja pelo menos 30 minutos antes. Crianças com refluxo deverão respeitar a orientação médica. Deverá ser estabelecido um tempo definido para que a criança realize sua refeição. Caso a criança não aceite os alimentos neste período, é aconselhável encerrar a refeição e oferecer novamente alimentos na próxima refeição (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). O volume da refeição oferecida deve ser pequeno, de acordo com o grau de aceitação da criança (VITOLO, 2008; SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). Encher o prato com porções de alimentos muito grandes não vai fazer com que a criança coma mais. Não se deve obrigar a criança a comer tudo que está no prato. O ideal é quando ela terminar, perguntar se a criança quer comer mais. Os sucos de frutas devem ser naturais e de preferência não adoçados. A quantidade máxima recomendada para o pré-escolar é de 150 ml ao dia. O ideal é que as frutas sejam consumidas na sua forma in natura. Estimular o consumo de frutas como sobremesa é indicado. Em relação à oferta de líquidos durante as refeições é preciso ter cautela. A ingestão de água, sucos, refrigerantes distendem o estômago o que pode interferir na sensação de saciedade e esse estímulo pode aparecer precocemente. É recomendado oferecer água à vontade entre as refeições. IMPORTANT E UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 182 O consumo de refrigerantes sempre é um assunto polêmico entre nutricionistas, principalmente, na infância. Vários estudos apontam para os prejuízos para a saúde relacionados à ingestão frequente de refrigerantes. Muitas vezes, os outros membros da família da criança consomem este tipo de bebida, situação que “instala” um empasse em relação às orientações nutricionais. A Sociedade Brasileira de Pediatria (2012), em suas orientações nutricionais, refere que os refrigerantes devem ser evitados, mas não precisam ser proibidos. Vitolo (2008) aconselha que as verduras e legumes devam estar presentes nas refeições, independente da aceitação ou não da criança. Os pais não devem obrigar a criança a consumir e devem evitar comentários ou julgamentos quando esses ou outros alimentos sobram no prato. Desde a infância, as crianças devem ser desencorajadas a ingerir quantidades excessivas de alimentos que tenham grandes quantidades de gordura, açúcar e sal. Existe associação entre o consumo destes alimentos com o maior risco de doenças crônicas não transmissíveis na fase adulta (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). Além da quantidade de gordura consumida, o tipo de gordura também deverá ser selecionado. Algumas recomendações sobre o consumo de gorduras devem ser seguidas, entre elas estão: • Limitar o consumo de gordura saturada e trans. • Dar preferência aos alimentos fontes de ácidos graxos poli-insaturados e monoinsaturados. • Evitar os alimentos industrializados e ou ultraprocessados como biscoitos recheados, salgadinhos fritos, sorvetes de massa, carnes gordas, pele de aves, embutidos etc. Esses alimentos têm em sua composição grandes quantidades de gordura saturada e colesterol. Cuidar com produtos alimentícios que contenham gordura vegetal hidrogenada, pois têm quantidades elevadas de gordura trans. • Ao preparar os alimentos deve-se não exagerar na adição de óleos para cocção, e uso de outras fontes de gordura como bacon, manteiga e margarina. • Evitar as preparações fritas e priorizar as preparações cozidas principalmente no vapor e assadas. Os alimentos ultraprocessados devem ser evitados em qualquer idade. O Guia alimentar para a população brasileira recomenda que a base da alimentação deverá ser de alimentos in natura ou minimamente processados (BRASIL, 2014). A sociedade Brasileira de Pediatria se posiciona em relação às bebidas à base de soja na infância, alertando para que o consumo não seja de forma indiscriminada. Justifica que o consumo em grandes quantidades reflete em uma ingestão excessiva de proteínas e pelo fato de a soja ser fonte de fitoestrógenos. Não estão bem esclarecidas as consequências futuras para saúde reprodutiva e para carcinogênese. TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR 183 Durante a infância e principalmente a partir dos seis meses de idade, quando tem início a alimentação complementar e somente o leite materno não supre mais todas as necessidades nutricionais das crianças, é preciso que os pais e profissionais de saúde tenham muita atenção em relação ao consumo dos micronutrientes. Entre os que mais apresentam casos de deficiência na infância estão o ferro, vitamina A, vitamina D e zinco. Tanto para menores de dois anos como para as crianças na fase escolar e pré-escolar é recomendada a oferta de alimentos fontes importantes de ferro, cálcio, vitaminas A D, C e também o zinco. Algumas práticas que favorecem um bom aporte destes nutrientes estão relacionadas a seguir: • Como fonte de ferro e cálcio a mãe deve oferecer à criança carnes de consistência macia e em pequenos pedaços. A criança deve ser encorajada a mastigar bem e engolir a carne evitando consumir somente o caldo. • Para suprir as necessidades de cálcio, além da porção de carne são recomendadas duas porções de leite ao dia e mais uma de ovo ou derivados de leite como o queijo. Além das carnes, leites e lacticínios em geral, outras boas fontes de cálcio incluem brócolis, feijão, gergelim, peixes como sardinha e salmão. • Como fonte de vitamina A deve ser ofertado, gema de ovo, o próprio leite integral e na forma de carotenoides a pró vitamina A encontrada nos vegetais como cenoura, abóbora, vegetais verdes entre outros. • As frutas cítricas, vegetais verdes, tomate e batata são fontes com boas concentrações de vitamina C. Devem ser oferecidas às crianças todos os dias, no mínimo uma fonte dessa vitamina. Quando a sobremesa for doce, a porção deve ser considerada como uma das preparações da refeição e não um extra ou “mimo”. Não é indicado relacionar a oferta de doces como uma recompensa ou prêmio pela ingestão dos outros alimentos (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012; VITOLO, 2015). As guloseimas como balas, doces em geral, salgadinhos devem ser evitados. No entanto, não devem ser proibidos. A Sociedade Brasileira de Pediatria (2012) alerta para o fato de que atitudes muito radicais de proibição possam despertar mais interesse por esses alimentos pela criança. É recomendado que os pais esclareçam as crianças sobre os prejuízos que tais alimentos podem trazer para a saúde. Os pais também podem deixar claro que quando consumidos devem ser em horários e quantidades que não interfiram no apetite da próxima refeição. Alguns alimentos podem provocar o engasgo com mais facilidade e devem ser evitados. Entre eles estão balas duras, pedaços grandes de cenoura, uva inteira, pipoca (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012), peixe com espinhas, entre outros. Deve ser evitada a monotonia alimentar que é caracterizada por uma alimentação sem variações dos tipos de alimentos e de preparações. A Sociedade UNIDADE 3 — NUTRIÇÃO DO PRÉ-ESCOLAR, ESCOLAR E ADOLESCENTE 184 Brasileira de Pediatria (2012) alerta que a monotonia alimentar é um fator que pode interferir negativamente no apetite e interesse da criança pelos alimentos oferecidos. A variedade de alimentos com diferentes cores, sabores e texturas fazem parte das características de uma alimentação equilibrada. Orientações sobre a dinâmica das refeições que incluem toda a família também devem ser disponibilizadas pelo nutricionista. Seguem algumas delas: • Oambiente onde serão realizadas as refeições deve ser tranquilo, limpo e organizado. Não deverá ter televisão ligada, nem outro tipo de distração. • É importante que a criança faça suas refeições juntamente com a família. Deve ser acomodada de forma confortável à mesa. A atenção da criança deverá estar direcionada ao momento da refeição e ato de comer. A criança deve ser estimulada a comer sozinha, porém é importante ter a supervisão de um adulto para evitar engasgo (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). • A criança poderá participar de tarefas que estão relacionadas com o preparo das refeições como as compras dos alimentos, escolha das receitas, preparação dos pratos etc. Sempre deverá ter a supervisão de um adulto e as tarefas que envolvem manipulação não deverão apresentar riscos à integridade da criança (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). É fundamental que os pais estejam conscientes que a prática alimentar deles tem impacto sobre a alimentação dos filhos. Neste sentido eles devem procurar ter hábitos alimentares saudáveis, o que favorece um aprendizado adequado provocado por imitação (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA, 2012). NOTA Caro acadêmico! Sugerimos a leitura do artigo intitulado: Qualidade da dieta de pré-escolares de 2 a 5 anos residentes na área urbana da cidade de Pelotas, RS, cujos autores são, Katharine Konrad Leal, Bruna Celestino Schneider, Giovanny Vinicius Araújo Franca, Denise Petrucci Gigante, Iná dos Santos e Maria Cecília Formoso Assunção. Você poderá ter acesso ao artigo integralmente no seguinte endereço: https://www.scielo. br/pdf/rpp/v33n3/0103-0582-rpp-33-03-0310.pdf. IMPORTANT E 185 Neste tópico, você aprendeu que: • O acompanhamento do crescimento na fase pré-escolar é de suma importância e possui protocolos a serem seguidos. • Todos os micronutrientes são importantes e essenciais em todas as fases do desenvolvimento humano, todavia, o cálcio, ferro e zinco têm demandas bem aumentadas nesta fase que se não atendidas podem causar grandes distúrbios nutricionais. • Existem diferenças em relação ao apetite, ganho de peso e crescimento na fase pré-escolar em relação ao lactente. • São utilizados referenciais antropométricos recomendados pelo OMS/MS para a avaliação do estado nutricional de pré-escolares, escolares e adolescentes. • Assim como para adultos, existem recomendações específicas de energia e nutrientes para pré-escolares, escolares e adolescentes. • Deve ser fornecido tanto para menores de dois anos como para as crianças na fase escolar e pré-escolar, alimentos fontes importantes de ferro, cálcio, vitaminas A D, C e também o zinco. • É de suma importância a participação da família na formação dos hábitos alimentares da criança na fase pré-escolar. RESUMO DO TÓPICO 1 186 1 Uma avaliação nutricional completa em qualquer idade deverá incluir vários parâmetros. Quais são os parâmetros que devem ser utilizados para realizar a avaliação nutricional do pré-escolar? 2 A recomendação em relação à ingestão de gorduras vai se modificando de acordo com a fase da vida de um indivíduo. Em nossos estudos podemos constatar que nos primeiros meses de vida as necessidades lipídicas são maiores quando comparadas a outras fases. Quais são as orientações em relação ao consumo de gorduras para as crianças acima de dois anos? 3 A velocidade de crescimento deve ser utilizada na avaliação do crescimento de crianças. Essa ferramenta é importante para distinguir se a altura do pré- escolar coletada na hora da avaliação nutricional que está abaixo do valor de referência reflete problemas de saúde, como desequilíbrios nutricionais. O valor em centímetros por período de tempo relativo ao crescimento linear abaixo do recomendado deve ser investigado, pois é um indicativo da presença de algum problema. Sobre o exposto, analise as sentenças a seguir: I- A velocidade de crescimento é a mesma para ambos os sexos em todas as fases de crescimento. II- Meninas até os quatro anos têm velocidade de crescimento discretamente menor que os meninos. III- O valor da altura de um menino de 3,5 anos abaixo dos valores de referência do padrão de percentil de altura para idade, pode ser decorrente de fatores genéticos. A velocidade de crescimento é uma ferramenta pouco útil para auxiliar no diagnóstico nutricional desta criança. IV- Alguns fatores podem interferir na velocidade de crescimento do pré- escolar, entre estes destaca-se a desnutrição energético proteica crônica. V- Sempre que houver desequilíbrio nutricional na fase pré-escolar ocorrerá prejuízo na altura. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas. b) ( ) As sentenças I, IV e V estão corretas. c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas. d) ( ) As sentenças I, III e V estão corretas e) ( ) Somente a sentença IV está correta. 4 Mudanças no padrão de crescimento são características da fase pré-escolar. Com essas mudanças o padrão alimentar também é observado. As crianças nesta fase apresentam uma diminuição do apetite, já após ao segundo ano de vida. Por outro lado, o desenvolvimento dos órgãos e sistemas desta fase, influenciam na aceitação de maior variedade de alimentos e também AUTOATIVIDADE 187 da consistência destes. Todas essas mudanças devem ser levadas em consideração pelo nutricionista na hora de fazer as orientações aos pais. Sobre o exposto, analise as sentenças a seguir: I- Como é comum a criança na fase pré-escolar ingerir uma quantidade de alimentos relativamente menor quando comparada à fase anterior de desenvolvimento, algumas atitudes dos pais em relação às refeições devem ser encorajadas. A sociedade brasileira de Pediatria (2012) salienta a importância de definir um tempo para que a criança realize suas refeições. Ao término deste tempo definido, deve-se encerrar a refeição e oferecer alimentos a criança somente na próxima refeição. II- A quantidade de alimentos, oferecido em cada refeição, deve ser de acordo com a aceitação da criança. Recomendam-se volumes pequenos de alimentos no prato. Caso a criança aceite mais, servir novamente. III- Na fase pré-escolar a criança demonstra maior independência, inclusive na hora das refeições. A criança tende a demonstrar interesse em usar os talheres para se alimentar. É muito importante que os pais ou cuidadores estimulem tal comportamento. IV- É importante que mesmo que a criança aceite somente pequenos volumes de alimentos em determinada refeição, os pais ou cuidadores, insistam e ofereçam o alimento até a criança aceitar todo a quantidade que está no prato. As crianças tendem a ter muito interesse pelos estímulos externos do ambiente também na hora da refeição o que provavelmente interfere na aceitação de quantidades adequadas de alimentos. V- O tempo da refeição deve sempre ser determinado pela criança, independentemente da situação. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas. b) ( ) As sentenças I, IV e V estão corretas. c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas. d) ( ) as sentenças I e III estão corretas. e) ( ) As sentenças I, II e V estão corretas. 188 189 UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO A fase de desenvolvimento infantil, denominada de escolar, compreende a faixa etária de sete até dez anos. É considerada uma fase de transição entre a infância e a adolescência. A criança, nesta fase, se torna cada vez mais independente. As relações sociais com pessoas da mesma idade e com adultos estão em franco desenvolvimento (MENEZES; MEIRELLES; WEFFORT, 2011). Além da família, a escola passa a ocupar um papel relevante na estabilidade da saúde, tanto física como mental da criança (SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDITRAI, 2012). Neste período, as crianças têm mais segurança e mais independência em relação às funções motoras. Ela passa a aumentar a prática de atividade física informal como andar de bicicleta, patins, skate etc. Esse fato influencia no aumento