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Excelentíssimo(a) Senhor(a) Ministro(a), Dirijo‑me a Vossa Excelência na forma de carta argumentativa, sustentada por fundamentos científicos e por uma breve narrativa que humaniza os dados: nas últimas três décadas, a literatura climatológica e os relatórios do IPCC documentaram, com crescente robustez estatística, o aumento na frequência e intensidade de eventos hidrometeorológicos extremos associados ao aquecimento global antropogênico. Estes fatos não são mera abstração científica; recordo‑me de uma vila ribeirinha que visitei em pesquisa etnográfica — casas sobre pilastras, barqueiros contando anos sem safra, uma criança desenhando no chão marcas de água que subiram mais alto do que antes — ilustração viva de como mudanças de média climática se traduzem em vivências cotidianas de risco e perda. Do ponto de vista jurídico, o Direito dos Desastres e o Direito Climático encontram‑se em uma interseção crítica. O Direito dos Desastres tradicionalmente regula prevenção, preparação, resposta e recuperação, articulando competências administrativas, medidas de emergência e mecanismos de proteção social. Entretanto, a natureza cumulativa e abrangente das mudanças climáticas impõe uma reconfiguração normativa: é imprescindível integrar princípios de mitigação (redução de emissões) e adaptação (redução de vulnerabilidades) às obrigações de gestão de risco de desastres. Cientificamente, a capacidade de atribuição de eventos extremos — mediante técnicas probabilísticas e modelagens contrafactuais — fornece prova técnica que pode fundamentar pedidos de responsabilização e reparação, transformando evidência climatológica em elemento jurídico relevante. Argumento que três vetores devem orientar a reforma normativa e prática: (1) prevenção proativa e planejamento urbano resiliente; (2) responsabilização equitativa por perdas e danos; (3) inclusão de direitos humanos e participação comunitária nos instrumentos legais. Em primeiro lugar, prevenção exige que o ordenamento jurídico imponha padrões de uso do solo, normas de construção e mapas de risco atualizados cientificamente, aliados a mecanismos financeiros — seguros públicos, fundos de contingência e incentivos à infraestrutura verde — que viabilizem intervenções de mitigação e adaptação. Em segundo lugar, a responsabilização deve incorporar a ciência da atribuição em padrões probatórios menos rígidos para que vítimas de eventos extremos tenham acesso a reparação. Não proponho um ativismo judicial sem limites, mas sim regras claras sobre obrigação de diligência, dever de cuidado e contribuições financeiras proporcionais à responsabilidade histórica por emissões: princípios de equidade e capacidade devem permear decisões relativas a perda e dano. Em terceiro lugar, é imperativo reconhecer que normas técnicas isoladas não protegem populações vulneráveis se não houver participação social efetiva. A construção de políticas deve ser plural, com consulta a comunidades afetadas, inclusive indígenas e quilombolas, cujos conhecimentos tradicionais complementam modelos científicos e aprimoram soluções locais (por exemplo, sistematização de sistemas agroflorestais ou criação de corredores hídricos naturais). No plano internacional, nota‑se uma lacuna institucional: o regime jurídico dos refugiados não contempla deslocamentos causados exclusivamente por eventos climáticos lentos ou súbitos. Recomendo que o Brasil, em fóruns multilaterais, defenda instrumentos regionais de proteção complementar, bem como mecanismos financeiros inovadores — contribuições nacionais para um fundo de perda e dano ligado a transferências condicionadas e seguros paramétricos continentais. Do ponto de vista processual, proponho medidas concretas: celeridade processual em ações que visem proteção de direitos afetados por desastres; admissão de provas científicas de atribuição como perquirição especializada; criação de varas ou procedimentos especializados para litígios climáticos; e estímulo à mediação e compensação administrativa para agilizar restituições. A combinação de instrumentos ex post (reparação) com robustos instrumentos ex ante (redução de risco) é cientificamente a mais eficaz para diminuir custos sociais e econômicos a médio e longo prazo. Por fim, apelo a Vossa Excelência para que as reformas legais sejam orientadas por evidências e princípios éticos: precaução, equidade intergeracional e responsabilidade comum porém diferenciada. É possível e necessário construir um arcabouço jurídico que traduza o conhecimento científico em proteção efetiva, sem negligenciar histórias humanas — como a da criança que desenhou a cheia — que nos lembram o fim último do Direito: a proteção da vida digna. Agradeço a atenção e coloco‑me à disposição para colaborar na elaboração de propostas normativas e protocolos técnicos que articulem ciência, justiça e governança. Atenciosamente, [Assinatura] PERGUNTAS E RESPOSTAS 1) O que é Direito dos Desastres? Resposta: Ramo jurídico que regula prevenção, resposta, recuperação e mitigação de riscos, incluindo competências estatais, proteção social e normas de emergência. 2) Como a ciência de atribuição influencia litígios climáticos? Resposta: Permite quantificar a contribuição das emissões a eventos extremos, servindo como prova técnica para demandas de responsabilidade e reparação. 3) Os deslocados climáticos têm proteção internacional? Resposta: Parcialmente não; o regime de refugiados não abrange deslocamento climático, exigindo instrumentos regionais ou proteção complementar. 4) Que medidas normativas mais eficazes para reduzir riscos? Resposta: Integração de mapas de risco atualizados, normas de uso e construção resilientes, financiamento para adaptação e participação comunitária. 5) Como conciliar responsabilização e equidade? Resposta: Aplicando critérios de responsabilidade histórica e capacidade contributiva, mecanismos financeiros diferenciados e acesso facilitado a reparação para vulneráveis.