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Prezados colegas, Dirijo-me a vocês com a finalidade de argumentar, a partir de princípios bioéticos e de evidências clínicas, sobre a necessária reconfiguração da prática dermatológica dirigida à população idosa. A pele do idoso é um órgão que exige avaliação clínica diferenciada: alterações fisiológicas (atrofia, fragilidade vascular, perda de elasticidade), comorbidades associadas e uso crônico de múltiplos fármacos colocam o indivíduo em situação de maior vulnerabilidade. Diante disso, a atuação do dermatologista transcende o domínio técnico e encontra terreno fértil para dilemas éticos que demandam decisões cuidadosas e baseadas em princípios da beneficência, não maleficência, autonomia e justiça. É imperativo reconhecer que a autonomia do idoso pode estar comprometida por déficits cognitivos transitórios ou permanentes, pelo medo ou por pressões familiares. A obtenção do consentimento informado deve, portanto, ser adaptada: informações claras, tempo adequado para reflexão e avaliação da capacidade decisória são requisitos mínimos. Quando a capacidade estiver limitada, a substituição de decisão por procurador legal ou decisão por equipe multiprofissional precisa respeitar a vontade preexistente do paciente, preferências previamente expressas e o princípio do melhor interesse, evitando paternalismos ou decisões motivadas por conveniência institucional. A beneficência e a não maleficência orientam escolhas terapêuticas específicas. Procedimentos invasivos, como biópsias e cirurgias para neoplasias cutâneas, exigem avaliação de risco/benefício que considere fragilidade, comorbidades cardiovasculares, risco anestésico e prognóstico global. Nem todo diagnóstico histopatológico que confirma uma lesão maligna deve conduzir automaticamente a intervenção agressiva; em pacientes com expectativa de vida limitada, opções conservadoras, monitorização ativa e cuidados paliativos cutâneos podem preservar qualidade de vida sem impor riscos desnecessários. Justiça distributiva é um princípio frequentemente tensionado: o idoso historicamente sofre exclusão de pesquisas clínicas e, paradoxalmente, corre risco tanto de subtratamento quanto de sobremedicalização. A exclusão automática de idosos de ensaios clínicos compromete a validade externa de evidências e perpetua incertezas sobre eficácia e segurança em faixas etárias mais avançadas. É eticamente justificável promover inclusão criteriosa, com salvaguardas adicionais de consentimento e monitorização, para assegurar que avanços terapêuticos sejam aplicáveis à população real atendida na prática clínica. O fenômeno do ageísmo merece atenção: pressupostos negativos sobre capacidade de recuperação ou sobre o valor das intervenções estéticas podem levar a decisões discriminatórias. A dermatologia não deve relegar ao segundo plano intervenções que promovam bem-estar, autocuidado e identidade pessoal do idoso — procedimentos cosméticos e tratamentos para prurido crônico, por exemplo, muitas vezes impactam significativamente a qualidade de vida. A ética exige que avaliemos cada caso segundo critérios clínicos e preferências individuais, não por estereótipos etários. Outro campo ético contemporâneo refere-se ao uso de teledermatologia. Ferramenta valiosa para ampliar acesso, especialmente em áreas remotas, a telemedicina apresenta riscos de ampliar desigualdades para idosos com baixa literacia digital ou sem acesso a tecnologia. Assim, programas de teleatendimento devem incluir estratégias de inclusão digital, suporte técnico e atendimento presencial quando necessário, para não transformar conveniência tecnológica em barreira ao cuidado equitativo. A gestão de polifarmácia e interações medicamentosas é uma responsabilidade ética contínua. Corticoides tópicos, antissépticos e fotossensibilizantes, quando aplicados sem supervisão ou por longa data, podem causar danos relevantes. O dermatologista deve revisar periodicamente terapias prescritas por diferentes especialistas, coordenando-se com equipe interdisciplinar para minimizar iatrogenia e priorizar regimes simples, efetivos e alinhados às metas de tratamento expressas pelo paciente. Em pesquisa e ensino, há obrigação ética de preparar futuras gerações para lidar com essas complexidades: currículo que aborde avaliação de capacidade, comunicação com familiares, decisões sobre encerramento de tratamentos e cuidados paliativos cutâneos é imperativo. Protocolos institucionais devem incorporar critérios específicos para idosos, salvaguardando consentimento e promovendo enrolamento equitativo em estudos, sem expô-los a riscos desproporcionais. Concluo propondo uma agenda prática: 1) implementar treinamentos em bioética geriátrica para dermatologistas; 2) desenvolver diretrizes locais para consentimento adaptado; 3) promover inclusão criteriosa de idosos em pesquisas; 4) estabelecer comitês multidisciplinares para casos complexos; 5) avaliar impacto de teledermatologia em equidade de acesso. Essas medidas visam resguardar dignidade, minimizar danos e garantir que as decisões clínicas estejam alinhadas às preferências e ao contexto de vida do idoso. A dermatologia, enquanto especialidade que lida com visibilidade, identidade e sofrimento humano, não pode ser apática diante dos desafios bioéticos colocados pelo envelhecimento populacional. Defender práticas que conciliem ciência, compaixão e justiça é obrigação profissional e um imperativo moral. Atenciosamente, [Assinatura] PERGUNTAS E RESPOSTAS 1) Quais são os principais dilemas éticos em dermatologia geriátrica? Resposta: Autonomia x capacidade, risco/benefício de intervenções, inclusão em pesquisa e distributiva de recursos. 2) Como adaptar o consentimento informado para idosos com déficit cognitivo? Resposta: Avaliação da capacidade, linguagem simples, tempo para reflexão e envolvimento de procurador conforme vontade prévia. 3) Quando optar por tratamento conservador em câncer de pele em idosos? Resposta: Quando fragilidade, comorbidades ou expectativa de vida justificam priorizar qualidade de vida sobre intervenção curativa agressiva. 4) Teledermatologia é adequada para idosos? Resposta: Sim, se houver suporte técnico e alternativas presenciais para evitar exclusão digital e perda de qualidade assistencial. 5) Como reduzir riscos de iatrogenia dermatológica em idosos? Resposta: Revisão periódica de medicamentos, simplificação de regimes, coordenação interdisciplinar e monitorização próxima.