Prévia do material em texto
Ilustríssimo(a) Gestor(a) Público(a), Escrevo-lhe como quem descreve uma paisagem que é ao mesmo tempo mapa e promessa: a contabilidade de previdência pública. Não é apenas um conjunto de lançamentos, mas um espelho que reflete, com alguma dureza e muita responsabilidade, as escolhas intergeracionais de uma sociedade. Nesta carta argumento que a contabilidade previdenciária deve ser entendida e praticada como instrumento de transparência, de gestão de riscos e de justiça distributiva, pois sua má interpretação não apenas encobre problemas fiscais como também adia decisões éticas sobre quem suportará os custos das aposentadorias. A argumentação central é simples: contabilidade de previdência pública não existe para confirmar se o Estado "tem dinheiro" hoje, mas para revelar, de forma técnica e compreensível, as obrigações futuras e as fontes para seu atendimento. Sob a ótica dissertativa, cabe demonstrar que o reconhecimento adequado dos passivos atuariais, a mensuração por premissas atuariais realistas e a apresentação de demonstrativos que integrem fluxo de caixa, ativo e passivo são condições mínimas para a credibilidade do sistema. Sem isso, políticas públicas ficam condenadas ao improviso; decisões eleitorais podem sacrificar sustentabilidade por imediatismo; e os beneficiários, presentes e futuros, tornam-se peças de um jogo cujo tabuleiro é invisível. Argumento, ademais, que o princípio da prudência contábil precisa ser adaptado à natureza própria da previdência: aqui, prudência não significa ocultamento de obrigações por critérios conservadores de mensuração que falseiem a realidade; ao contrário, exige clareza sobre hipóteses demográficas, econômicas e sobre o regime de financiamento—se contributivo, de repartição ou capitalizado. A contabilidade deve acolher a técnica atuarial como sua aliada, assegurando que ajustes de premissas, como expectativa de vida, taxa de desconto e salários projetados, sejam objeto de explicitação e sensibilidade. Assim, não se busca assustar com números, mas facultar decisões informadas. Vale enfrentar o contraexemplo: há quem sustente que reconhecer integralmente o passivo atuarial seria politicamente paralisante. Respondo que a verdadeira paralisia decorre do ocultamento. Prefiro um diagnóstico crítico que impõe reformas graduais e pactuadas do que um remédio ilusório que posterga o colapso. A contabilidade, nesse sentido, funciona como um farol: ilumina rotas de ajuste e sinaliza pedras no caminho. A comunicação pública dessas informações — em linguagem técnica para especialistas e em síntese acessível para a cidadania — fortalece a legitimidade das escolhas. Adoto, como proposta prática, a institucionalização de relatórios periódicos que combinem balanço previdenciário, demonstração de fluxo de benefícios e projeções atuariais de curto, médio e longo prazos. Recomendo também a padronização de premissas, ou ao menos a exigência de divulgação das hipóteses adotadas e de cenários alternativos. Por fim, defendo mecanismos de governança: comitês atuariais independentes, fiscalização contábil especializada e auditoria externa que certifique a consistência das premissas e dos cálculos. No plano humano, convido a imaginar a previdência como um rio que atravessa gerações. Se desviarmos suas margens sem transparência, uma margem secará e o outro lado sofrerá inundações. A contabilidade é o mapeamento do leito desse rio: se feita com rigor e linguagem clara, permite obras de contenção e de distribuição de água; se negligenciada, o curso se perde e a escassez se espalha. Concluo afirmando que a contabilidade de previdência pública é ferramenta de cidadania. Mais do que números, ela traduz responsabilidades éticas: quem deve e quem recebe, quanto e quando. Imploro, portanto, por coragem técnica e política para adotarmos práticas contábeis que espelhem a realidade atuarial e favoreçam decisões equânimes e sustentáveis. Uma nação que conta bem seu futuro é uma nação que se dá a chance de envelhecer com dignidade. Atenciosamente, Um profissional comprometido com a transparência fiscal e o pacto intergeracional PERGUNTAS E RESPOSTAS 1) O que diferencia a contabilidade previdenciária da contabilidade financeira do setor público? Resposta: A contabilidade previdenciária foca no reconhecimento e mensuração de obrigações de longo prazo (passivos atuariais) e na compatibilização entre receitas e responsabilidades futuras, enquanto a contabilidade financeira registra entradas e saídas correntes. 2) Por que a técnica atuarial é essencial para essa contabilidade? Resposta: Porque projeta fluxos de benefícios e contribuições com base em hipóteses demográficas e econômicas, permitindo mensurar passivos com critério técnico e testar cenários. 3) Quais riscos decorrem de premissas atuarais irrealistas? Resposta: Subestimação de passivos, surpresas fiscais, aumento abrupto de déficits, deslocamento de custos para gerações futuras e perda de confiança pública. 4) Como a transparência contábil contribui para a sustentabilidade previdenciária? Resposta: Ao informar claramente passivos, premissas e cenários, facilita o debate público, legitima reformas e reduz incerteza para gestores e beneficiários. 5) Que medidas de governança melhoresam a qualidade da contabilidade previdenciária? Resposta: Comitês atuariais independentes, auditorias externas regulares, padronização de relatórios e divulgação de análise de sensibilidade e cenários. Ilustríssimo(a) Gestor(a) Público(a), Escrevo-lhe como quem descreve uma paisagem que é ao mesmo tempo mapa e promessa: a contabilidade de previdência pública. Não é apenas um conjunto de lançamentos, mas um espelho que reflete, com alguma dureza e muita responsabilidade, as escolhas intergeracionais de uma sociedade. Nesta carta argumento que a contabilidade previdenciária deve ser entendida e praticada como instrumento de transparência, de gestão de riscos e de justiça distributiva, pois sua má interpretação não apenas encobre problemas fiscais como também adia decisões éticas sobre quem suportará os custos das aposentadorias.