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História da Rússia Czarista A história da Rússia czarista é um processo complexo de formação estatal, expansão territorial e tensões socioeconômicas que se desenrolou entre a consolidação do Principado de Moscou e o colapso do Império Russo em 1917. Do ponto de vista técnico, o regime czarista caracteriza‑se por uma autocracia personalista, onde o monarca — o czar — detinha prerrogativas legislativas, executivas e judiciais, embora, na prática, essas prerrogativas fossem mediadas por uma rede de instituições burocráticas, interesses nobiliárquicos e estruturas eclesiásticas. Essa combinação entre absolutismo formal e dependência de corporações sociais explica tanto a resiliência quanto as fragilidades do sistema. A gênese do poder czarista passa pelo declínio da Rus’ de Kiev e pela ascensão de Moscou como centro político a partir dos séculos XIV–XV. Ivan IV, o Terrível, adotou o título de czar no século XVI, simbolizando a continuidade imperial e a pretensão de liderança ortodoxa sobre os territórios eslavos. A centralização promovida por Ivan buscou reduzir a autonomia dos boiardos e criar um aparato estatal capaz de impor tributos e recrutar exércitos permanentes, embora isso tenha exigido políticas coercitivas e episódios de violência institucionalizados, como os oprichnina. A crise demográfica, política e sucessória no início do século XVII — a chamada Era dos Problemas — pôs em evidência as fragilidades do sistema dinástico e social. A estabilização ocorreu com a subida da dinastia Romanov em 1613, que inaugurou um longo período de construção imperial. Os Romanov combinaram expansão territorial (Sibéria, Cáucaso, Polônia, Báltico) com a consolidação de um Estado fiscal-militar. A colonização da Sibéria exemplifica a dinâmica de fronteira: empresas de comerciantes, concessões de terras e repressão indígena viabilizaram a incorporação de vastas regiões. No plano institucional, o czarismo desenvolveu uma burocracia que era, ao mesmo tempo, moderna em procedimentos e arcaica em representatividade. Sob Pedro I (o Grande) houve uma reforma decisiva: ocidentalização dos aparelhos do Estado, criação de um Exército regular, modernização naval, introdução de uma administração por colegiados e a Tabela dos Cargos (Table of Ranks) que reconfigurou o acesso à nobreza por mérito burocrático e militar. A fundação de São Petersburgo não foi apenas urbanística; foi um projeto geopolítico e simbólico de virada para a Europa. A economia czarista manteve-se largamente agrária e dependente de servidão até meados do século XIX. O sistema de servidão russa, diferente de formas ocidentais de servidão e de trabalho assalariado, ancorava a produção agrícola em obrigações compulsórias dos camponeses ao proprietário. Essa estrutura impôs limites ao desenvolvimento industrial e urbano, criando um atraso relativo em relação às potências ocidentais. As pressões internas, agravadas pela derrota na Guerra da Crimeia (1853–1856), forçaram a elite a repensar reformas estruturais. As Grandes Reformas de Alexandre II (1860–1870) representaram uma tentativa técnica de modernização: emancipação dos servos em 1861, reforma judicial, reorganização do exército, incentivos ao desenvolvimento ferroviário e criação dos zemstvos (autarquias locais) para administrar educação e saúde. Essas medidas modernizaram parcialmente o Estado, mas deixaram intactas desigualdades fundiárias e criaram novas tensões: os camponeses receberam parcelas insuficientes, os nobres compensados e a urbanização acelerou a formação de proletariado industrial politicamente combativo. No final do século XIX e início do XX, a industrialização ampliou divisões sociais e o espectro político fragmentou‑se entre conservadores, liberais, populistas (narodniks) e socialistas marxistas. As políticas reacionárias de Alexandre III e Nicolau II, combinadas com crises econômicas, derrotas militares (Guerra Russo‑Japonesa, 1904–1905) e a fraqueza institucional para integrar as demandas sociais, precipitaram convulsões. A Revolução de 1905 obrigou a concessões limitadas — a Duma e reformas constitucionais parciais — sem resolver o núcleo autoritário do regime. Culturalmente, a Igreja Ortodoxa e a ideologia do messianismo eslavo deram legitimidade simbólica ao czarismo, ao mesmo tempo em que a diversidade étnica do império e as políticas de rusificação geraram resistência nacionalista em diversas periferias. O czarismo, portanto, foi um regime que praticou modernização seletiva: adotou técnicas e instituições europeias quando conveniente, mas preservou uma estrutura agrária e hierárquica que impediu a formação de consensos liberais sustentáveis. O colapso final do regime em 1917 foi resultado de uma combinação de erros estratégicos, guerra prolongada, desintegração econômica e perda de apoio das elites e das forças armadas. Ainda hoje, a história czarista permanece determinante para compreender as continuidades do Estado russo: centralização, ênfase em ordem e segurança, e uma relação complexa entre modernização técnica e controle político. PERGUNTAS E RESPOSTAS: 1) O que definia a autocracia czarista? R: A concentração de poderes no monarca, sustentada por burocracia, exército, oligarquias locais e legitimidade religiosa. 2) Qual foi o impacto de Pedro, o Grande? R: Modernização administrativa e militar, ocidentalização cultural e criação de um Estado mais centralizado e profissionalizado. 3) Por que a servidão persistiu tanto na Rússia? R: Economia agrária dependente, interesses nobiliárquicos, e ausência de mercado de trabalho urbano suficiente para substituí‑la. 4) As reformas de Alexandre II resolveram os problemas do império? R: Reformas criaram modernização parcial, mas deixaram desigualdades fundiárias e geraram novas tensões sociais. 5) Quais fatores principais levaram ao fim do czarismo em 1917? R: Guerra, crise econômica, perda de legitimidade política, radicalização social e falha em implementar reformas efetivas.