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Considerações sociopolíticas sobre a avaliação psicológica David Daniel Pereira Chagas Milena da Silva Cardoso Lara Faculdade de Ciências da Saúde de Unaí Unaí, 2021, novembro FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE UNAÍ Considerações sociopolíticas sobre a avaliação psicológica: como as avaliações psicológicas são afetadas pelas relações de poder David Daniel Pereira Chagas Milena da Silva Cardoso Lara Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Orientador: Prof. Me. Vinícius Vieira, Unaí, 2021, novembro Resumo O objetivo do presente estudo é investigar a relação dos instrumentos de avaliação psicológica considerando questões sociopolíticas na sociedade, levando em consideração a teoria das relações de poder de Michel Foucault e a existência de grupos minoritários e não minoritários na medida em que podem ser afetados de formas diferentes por uma avaliação psicológica. Esse projeto de pesquisa busca a importância de construir testes psicológicos com o máximo de confiabilidade possível para que a psicologia venha a usufruir destes de forma a prestar serviços à sociedade de forma não-tendenciosa e sendo realizada de maneira inclusiva, buscando os reflexos de fenômenos da sociedade na estruturação de avaliações psicológicas. A metodologia utilizada se refere a uma revisão bibliográfica descritiva de como avaliações psicológicas estão relacionadas com as estruturas de poder. A metodologia utilizada se refere a uma revisão bibliográfica descritiva de como avaliações psicológicas estão relacionadas com as estruturas de poder. O projeto de pesquisa é fundamentado por um referencial teórico a respeito de conceituação de avaliação psicológica, teste psicológico, relações de poder, confiabilidade, e posteriormente relaciona os temas anteriormente pautados. Palavras-chave: Avaliação psicológica, teste psicológico, relações de poder, confiabilidade. Abstract The aim of this study is to investigate the relationship of psychological assessment instruments considering sociopolitical issues in society, considering Michel Foucault's theory of power relations and the existence of minority and non-minority groups as they can be affected in different ways. different by a psychological assessment. This research project seeks the importance of building psychological tests with as much reliability as possible so that psychology can take advantage of them to provide services to society in a non-biased way and being carried out in an inclusive way, seeking the reflections of elements of the society in the structuring of psychological plans. The methodology used refers to a descriptive literature review of how psychological assessments are related to power structures. The research project is based on a theoretical framework regarding the conceptualization of psychological assessment, psychological testing, power relationship, trust, and relate the previously mentioned themes. Keywords: Psychological assessment, psychological test, power relations, reliability FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE UNAÍ GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA Considerações sociopolíticas sobre a avaliação psicológica: como as avaliações psicológicas são afetadas pelas relações de poder Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação em Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Psicologia. Orientador: Prof. Me. Vinícius Vieira. Monografia aprovada pela seguinte banca examinadora: Unaí, 25 de novembro de 2021 Orientador: Prof. Me. Vinícius Vieira Faculdade de Ciências da Saúde – Unaí, MG 1º Examinadora: Esp. Thayná Xavier Faculdade de Ciências da Saúde – Unaí, MG 2º Examinadora: Profa. Ma. Rayanne Azevedo Faculdade de Ciências da Saúde – Unaí, MG Unaí, novembro de 2021 Dedicamos este trabalho primeiramente a todas as energias que nos regem e protegem nesse universo e permitiram que chegássemos até aqui, à nossa turma que sempre se uniu nos momentos mais variados, a todos os que passaram por ela e em nosso coração temos os que não puderam permanecer conosco nessa jornada. Em especial, dedicamos esse trabalho a nossa eterna líder, Kiany, essencial para que mantivéssemos nossa estrutura e força enquanto turma. CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA: COMO AS AVALIAÇÕES PSICOLÓGICAS SÃO AFETADAS PELAS RELAÇÕES DE PODER 7 Agradecimentos Acreditamos no poder da amizade, da parceria e da confiança, seja essa relação no plano terreno ou espiritual. Nenhum passo dessa caminhada seria dado sem esses três elementos, sem todo o suporte recíproco que houve não apenas entre nossa dupla, mas entre nossa turma e a todos que participaram de nossa vida fora do contexto acadêmico. Agradecemos ao nosso Professor Orientador e Mestre Vinícius Vieira, que nos mostrou que a humanidade não é só possível, como também imprescindível na prática profissional; sua sensibilidade é necessária e contagiante, e temos orgulho de tê-lo na orientação de nossa monografia. DAVID CHAGAS: todos os dias eu aprendo o que significa família, e família vai muito além de um laço sanguíneo. Agradeço então, primeiramente, à minha família, à família que eu escolhi, ainda que parte dela já tivesse sido designada a mim por um laço sanguíneo, e isso inclui todas as energias que me regem e protegem e a amigos que se mostraram família. Sandstrom não é meu sobrenome de registro, mas é importante para mim, e é quem eu verdadeiramente sou, e é a partir da independência desse sobrenome autodesignado que eu me senti capaz de escolher quem é minha família. Agradeço à minha dupla vital, Milena Cardoso Lara; sem ela nada disso seria possível. Agradeço à Zendaya Coleman e Hunter Schafer por me ajudar a entender quem eu sou em minha concepção de gênero. MILENA CARDOSO LARA: Agradeço primeiramente a Deus, que me deu forças para continuar essa jornada, agradeço ao meu marido, companheiro e acadêmico Luiz Carlos Lara que esteve comigo antes e durante o processo de formação e me formou também como pessoa, agradeço para além da minha família aos meus pais, agradecendo também aos amigos e familiares, e agradeço ao David (Sandstrom e Chagas) por todos os momentos difíceis nos quais nos apoiamos e estivemos juntos, e feliz em estarmos juntos até agora. CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 8 Sumário INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 9 JUSTIFICATIVA ........................................................................................................................... 9 1 PROBLEMA DE PESQUISA ................................................................................................... 12 2 OBJETIVOS .............................................................................................................................. 12 2.1 OBJETIVO GERAL ................................................................................................... 12 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ..................................................................................... 12 3 METODOLOGIA ...................................................................................................................... 13 3.1 ÁREA DE ABRANGÊNCIA .....................................................................................13 3.2 AMOSTRA ................................................................................................................. 13 3.3 PROCEDIMENTOS ................................................................................................... 13 3.4 MÉTODO ................................................................................................................... 14 REFERENCIAL TEÓRICO ......................................................................................................... 15 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA ....................................................................................... 15 A IMPORTÂNCIA DA CONFIABILIDADE NA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA ...... 17 A BIOPOLÍTICA COMO FERRAMENTA DE OPRESSÃO PARA FOUCAULT ....... 18 ADAPTAÇÃO DE INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA ................. 21 ANÁLISE DE RESULTADOS .................................................................................................... 23 CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 24 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................ 24 Referências .................................................................................................................................... 26 CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 9 Considerações sociopolíticas sobre a avaliação psicológica INTRODUÇÃO A análise bibliográfica descritiva do presente tema tem como base o aprofundamento da discussão do que é levado em conta ao pensar a adaptação de instrumentos de avaliação psicológica, qual a importância de que haja confiabilidade em sua produção, e como estes instrumentos são afetados pelas relações de poder, uma vez que, ao serem realizadas avaliações psicológicas, existem aspectos subjetivos que são diferentes em cada cultura, mas ainda sim deve-se manter uma estrutura para que os testes sejam confiáveis e não-manipuláveis; para isso, se recorre à análise documental de arquivos do Conselho Federal de Psicologia e da International Test Comission a fim de alimentar a discussão sobre a construção da avaliação psicológica sem comprometer a confiabilidade da mesma; e à literatura de Michel Foucault sobre as relações de poder, tal como artigos que vêm a fazer análises de obras de Foucault. JUSTIFICATIVA Enquanto estudantes de psicologia, os autores do presente projeto fizeram várias pesquisas ao longo do curso dentro da rede pública estadual de ensino, da área organizacional, da psicologia social e da psicologia clínica, e uma vez sendo universitários, lidaram também com o processo de avaliação, tanto a autoavaliação, quanto a avaliação interpessoal, até o fato de CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 10 “serem avaliados”, reconhecendo assim a importância e o peso do que avaliar representa tanto pessoalmente quanto para a psicologia. A princípio, eram muito amplas as possibilidades de projeto de pesquisa, sendo que a psicologia dispõe de muitas possibilidades temáticas, porém, durante o processo de pandemia do COVID-19, foi apresentado, ao final de nossa formação, o fato de que as pesquisas de campo não poderiam ser realizadas durante certo período, o que filtrou a possibilidade de temas que viriam a surgir como interesse para o trabalho de conclusão de curso. Os pesquisadores desse trabalho se tornaram muito próximos ao longo da faculdade, começando por trabalhos em dupla e terminando em uma grande intimidade, se considerando enriquecidos pelas diferentes visões de mundo. Sendo o tema "considerações sociopolíticas sobre a avaliação psicológica" um grande ponto surge: a pluralidade de áreas nas quais a avaliação psicológica é utilizada. A psicologia escolar e a psicologia organizacional sempre foram áreas de interesse em comum entre os pesquisadores do seguinte trabalho, já que, ao longo da jornada, tiveram várias oportunidades de trabalhos acadêmicos e conhecemos ótimos profissionais nessas áreas. Os planos profissionais que fizeram parte da construção acadêmica dos autores dessa pesquisa passavam por várias áreas da psicologia, fosse pelos ideais em comum, a vida fora da faculdade envolvendo processos pessoais, preocupações sociais e defesa de causas, fazendo com que diversos temas fossem interessantes para a decisão de um trabalho de conclusão de curso. Durante as áreas de estágio, Milena passou para o estágio social e David para o estágio clínico, ainda que ambos quisessem estar também em contato com as áreas em que os outros estavam, e a diferença entre as experiências e os estágios não impediram que os pesquisadores trocassem diálogos muito importantes sobre a psicologia e a vida, e acabaram por optar ao tema CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 11 de "considerações sociopolíticas sobre a avaliação psicológica" após a pandemia, já que, antes, pensavam em um tema voltado para a pesquisa de campo na área escolar, que não seria viável durante a quarentena, mas ainda pensando em algo que queríamos que fosse relevante não apenas para nossa formação, mas possivelmente para a psicologia como um todo, ainda tocando em diferentes áreas, como a Escolar, Organizacional, Jurídica, Social, Clínica, e foi pensado em como testes psicológicos são importantes para a psicologia em todos esses contextos, já que as avaliações psicológicas são importantes para a psicologia do trânsito, por exemplo, e perpassam questões sociodemográficas, de escolaridade, e outras questões durante o cálculo de scores; da mesma forma que, enquanto na psicologia escolar, essas avaliações podem ser decisivas para o olhar que gestores, docentes e psicólogos tem sobre alunos e a forma de lidar com discentes com laudos e pensar a educação com base em processos diagnósticos. Avaliações psicológicas, na maior parte das vezes, servem para que decisões sejam tomadas ou respostas sejam dadas para algum desconforto social, se tornando assim um tema muito importante para ambos. CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 12 1 PROBLEMA DE PESQUISA Como as relações de poder podem afetar as avaliações psicológicas? 2 OBJETIVOS 2.1 OBJETIVO GERAL Apresentar as razões pelas quais as relações de poder devem ser levadas em conta durante avaliações psicológicas. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Conceituar a avaliação psicológica. Descrever como se dão as relações de poder. Relacionar o processo de avaliação psicológica às relações de poder. CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 13 3 METODOLOGIA 3.1 ÁREA DE ABRANGÊNCIA Avaliação psicológica, instrumentos de avaliação, relações de poder, sociopolítica. 3.2 AMOSTRA A amostra é composta por nove obras entre obras documentais e bibliográficas com as temáticas de avaliação psicológica e relação de poder. Foram pesquisadas as obras e artigos mais acessados e que mais se relacionavam com o tema dentro dos descritores da área da abrangência, tendo como uma lente de escolha tanto a popularidade ligada à relevância dos trabalhos, quanto a riqueza das obras expostas, tentando relacionar entre documentos oficiais de Conselhos de Psicologia e as teorias das relações de poder de Michel Foucault. Os critérios de exclusão foram baseados em delimitar e fechar cada vez mais o tema para que houvesse uma boa noção do que significa o biopoder, as relações de poder, como a avaliação psicológica é realizada e como se relaciona a avaliação psicológica com o poder exercido e influenciável da ciência psicológica. 3.3 PROCEDIMENTOS Leitura e análise de documentos e orientações do Conselho Federal de Psicologia (CFP) sobre avaliaçãoe testagem psicológica, leitura e análise de obras escritas sobre e por Foucault e as relações de poder, exclusão de obras que não se encaixavam bem na temática do artigo. CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 14 3.4 MÉTODO Nesse projeto, optou-se pela análise bibliográfica descritiva e a análise bibliográfica descritiva no que diz respeito aos objetivos específicos a serem alcançados no trabalho. Utilizando de palavras-chave e marcadores para pesquisas de artigo, além de mediação do orientador, David Chagas e Milena Lara filtraram os conteúdos com base no Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005), relevância de fenômenos sociais, e análise do processo histórico pelos quais a avaliação psicológica passou com ênfase no Brasil. A análise descritiva nesse sentido, cabe-se ao fato de que as avaliações psicológicas são um fenômeno de discussão entre a área de saúde mental, sendo assim, para Selltiz et al. (1965), a pesquisa descritiva busca descrever um fenômeno ou situação em detalhe, permitindo abranger características de um grupo, que nesse presente estudo, se trata da comunidade de saúde mental. CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 15 REFERENCIAL TEÓRICO AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA Segundo a plataforma virtual do Conselho Regional de Psicologia da Paraíba (2021), a avaliação psicológica caracteriza um processo investigativo amplo, que delimita ao psicólogo o objetivo de tomar uma decisão apropriada a ser programada a partir dos dados obtidos por procedimentos confiáveis da ciência psicológica (p.1). O Código de Ética Profissional do Psicólogo disponibilizado pelo Conselho Federal de Psicologia (2005), em seu Artigo 2º, faz referência à opressão, discriminação, exploração, violência, crueldade ou negligência no que é vedado ao psicólogo, e os demais tópicos chegam a parafrasear e/ou descrever isso algumas vezes, além de apresentar outras questões, e isso não somente sobre a avaliação psicológica, mas sobre toda a prática profissional dentro da psicologia (página 9). A avaliação psicológica costuma exercer papeis muito importantes na vida das pessoas que estão sendo avaliadas; normalmente, a avaliação psicológica requer um motivo, e os resultados dessa avaliação costumam ser decisivos para alguma área da vida, como a avaliação psicológica para a aquisição da Carteira Nacional de Habilitação, podendo também ocorrer de forma clínica durante um processo diagnóstico que pode ter caráter investigativo, como ocorre com muitos estudantes que apresentam algum desvio de ensino-aprendizagem, ou ainda pode ocorrer como processo final de uma seleção para uma vaga de emprego; isso faz com que o CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 16 processo de avaliação psicológica deva sempre ser realizada minuciosamente, com o maior cuidado possível. A partir disso, principalmente ao se tratar de um processo psicoterapêutico mais longo, o profissional da psicologia deve se atentar - apesar de poder parecer cotidiano, para possíveis diferenças culturais; sociodemográficas; questões de gênero, etnia e orientação sexual; e não com um cunho discriminatório, mas com um olhar sensível a diferenças comportamentais que podem surgir através dessas questões, o que acaba sendo respaldado na Resolução CFP nº 07/2003 citada na Cartilha de Avaliação Psicológica do Conselho Federal de Psicologia (2007), que afirma: “os resultados das avaliações devem considerar e analisar os condicionantes históricos e sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para atuar não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses condicionantes que operam desde a formulação da demanda até a conclusão do processo de avaliação psicológica” (página 8). Durante a avaliação psicológica, caso a pessoa que está avaliando opte pela aplicação de testes, se faz relevante a observação das questões anteriormente mencionadas antes de decidir que teste aplicar, uma vez que é sugerida na Cartilha sobre Avaliação Psicológica do CPF – Conselho Federal de Psicologia (2007) verificar se aquela(s) pessoa(s) tem condições físicas e psíquicas para a realização do teste, tal como a verificação de dificuldades específicas que podem ocorrer fisicamente ou psiquicamente (página 16). Tudo isso ocorre pelo fato de que, para além da acessibilidade, se faz necessária a sensibilidade profissional com relação à testagem e à avaliação psicológica, já que se trata de seres humanos sendo avaliados, tendo suas subjetividades e sendo sencientes. Cada ser humano tem sua própria vivência e se sente pertencente ou não a grupos diferentes, ainda quando dentro de um mesmo contexto social. Todas essas questões são de CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 17 extrema relevância ao realizar um tipo de avaliação que é capaz de mudar a vida de uma pessoa, e para além disso, a forma como é conduzida a avaliação psicológica espelha a visão da ciência psicológica para a sociedade, e se um profissional que domina a ciência psicológica ignora fatores que são seu objeto de estudo e atuação, esse profissional espelha na sociedade que esses fatores são passíveis de serem ignorados. A IMPORTÂNCIA DA CONFIABILIDADE NA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA As principais propriedades de medida durante a aplicação de instrumentos de avaliação psicológica são a confiabilidade e a validade, sendo a confiabilidade definida por Souza et al. (2017) como “a capacidade em reproduzir um resultado de forma consistente, no tempo e no espaço.” e a validade como a “propriedade de um instrumento medir exatamente o que se propõe.” (Souza et al., 2017). Ainda que possa ser redundante, o contexto sociodemográfico, geográfico, étnico-cultural etc. pode influenciar a avaliação psicológica quando adaptações não são cuidadosamente feitas. O singular momento de adaptação, se não for cuidadoso, pode ferir a confiabilidade e a validade de um teste, o que deixaria não-assegurada a qualidade dos resultados e, por fim, faria com que o teste pudesse até mesmo ser descontinuado. Uma avaliação confiável se propõe a analisar e verificar o mesmo ponto, e uma avaliação válida se propõe a se concentrar em um ponto específico, logo, uma avaliação confiável e válida deve tanto analisar, verificar, quanto se concentrar no que ela se propõe (Souza et al., 2017). Para Souza et al. (2017), a confiabilidade pode também significar fidedignidade de forma a obter resultados de forma consistente no espaço e tempo por diferentes observadores, ou seja, ainda que diferentes avaliadores façam adaptações para um mesmo contexto, um teste confiável CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 18 e fidedigno deveria ser capaz de produzir resultados coerentes, precisos, estáveis, equivalentes e homogêneos. Para que um teste seja confiável, é necessário que haja essa equivalência de resultados e medidas, e enquanto um instrumento de avaliação é criado, devem ser pensados diferentes contextos, pois se uma avaliação é aplicada para um contexto para o qual não foi pensada, dificilmente essa avaliação seria confiável, já que a confiabilidade depende também do contexto (Souza et al., 2017). A BIOPOLÍTICA COMO FERRAMENTA DE OPRESSÃO PARA FOUCAULT Um teórico sociopolítico muito conhecido pelos estudos das estruturas e relações de poder é Michel Foucault, que abordava a loucura, a sexualidade, a disciplina, o poder, a punição, o desenvolvimento humano, a dominação, as instituições, entre outros temas. Em um artigo de reflexões teóricas d’As relações de poder em Michel Foucault, os autores Ferreirinha e Raitz (2010) destacam que seus estudos não tinham como objetivo criar uma teoria de poder, “mas para identificar os sujeitos atuando sobre os outros sujeitos.” (página370, parágrafo 12). Foucault, para escrever sua obra, recorre a três pilares para explicar as relações de poder, sendo eles o discurso, o poder, e a subjetivação, e conclui que o poder não pode ser encontrado simplesmente a partir das instituições ou contratos, mas a partir da produção dos saberes e da verdade, existindo para Foucault um triângulo entre o poder, o direito e a verdade, forças que mobilizam diversas ações que vêm a exprimir cada item desse triângulo, e concluindo em as relações de poder serem, para Foucault, impossíveis de serem extintas, pois fazem parte do processo de reconhecimento do papel social de cada indivíduo (Ferreirinha e Raitz, 2010). Nesse sentido, compreende-se que as relações de poder não são simplesmente exercidas por quem ou o que tem poder, elas são também acatadas por quem ou o que é submisso nessa CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 19 relação, sendo possível durante esse processo a criação de uma tradição de poder que não mais é interior ao indivíduo, mas exterior e social. Para exemplificação, ao analisar a obra “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel, Foucault citado por Ferreirinha e Raitz (2010) ressalta que o príncipe “recebe seu principado por herança, por aquisição, por conquista, mas não faz parte dele, lhe é exterior; os laços que o unem ao principado são de violência, de tradição, estabelecidos por tratado com a cumplicidade ou aliança de outros príncipes” (página 376). Essa relação deve ser levada em conta quando se fala de períodos monárquicos, mas também pode ser analisada pelo viés de controle estatal, cujas consequências advém das relações de poder, sendo elas institucionais, mas também exteriores no que se refere à submissão da sociedade, já que a governamentabilidade depende de algo e/ou alguém para governar e ser governado. Segundo Ferreira Neto (2017), Foucault define em 1978 a subjetivação com o sentido da extração da verdade que é imposta a um sujeito por si mesmo (página 11). A partir da aceitação social da influência das instituições de poder e de hierarquização delimitada da “posse do poder”, a manifestação hierarquização passa a se subjetivar, e é a partir dessa subjetivação que mais externalizações surgem, podendo se tornar tão fortes a ponto de levar à criação de outra instituições, outros “saberes” e/ou outras “verdades”. O Estado então se torna uma ferramenta que tanto exerce poder quanto é submissa de alguma forma ao poder social, e sua estrutura é capaz de afetar a subjetividade e o reconhecimento individual e social das pessoas. Nas obras de Foucault, surge ainda o conceito de biopolítica, onde a vida biológica se converte em objeto de política; ou seja, a vida biológica é submissa numa relação de poder com o Estado, que é capaz de exercer poder sobre os corpos da mesma forma que sobre a vida sociocultural, e a vida biológica acaba então sendo controlada pelas instituições, e o único limite CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 20 do biopoder seria a morte. A biopolítica não aparece muitas vezes na literatura de Foucault, mas é um marco extremamente importante para a construção de teorias e conceitos como a Necropolítica. Para Foucault (1989): “o controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica.” (página 80). No descontentamento social na limitação do biopoder com a morte, surge então, paradoxalmente, uma solução a partir do “direito de matar” com a justificativa de uma “preocupação com a vida”, tendo questões como a execução da “legalização da morte” (como pena de morte, eutanásia ou aborto) como uma forma de prolongar outras vidas, aumentar outras vidas, e até multiplicar outras vidas. Com esse tipo de justificativa, na existência de alguns preconceitos, como o racismo, o Estado vem a legitimar o exercício do biopoder a respeito de quem deve viver e quem deve morrer (sendo esse o conceito de Necropolítica), e Foucault (2005) em 1975-1976, enxerga a função do racismo como a de “fragmentar” o sentido biológico ao qual se dirige o biopoder a partir do momento em que se hierarquizam as raças ou as qualificam como “boas” em detrimento de outras, defasando a relação de alguns grupos em relação a outros (página 215), e é por isso que a biopolítica deve ser analisada por um olhar crítico e de entendimento complexo que explicita que o biopoder, ainda que de forma discutida pela sociedade e com teor de segurança pública, pode ter um fundo violento que surge do imaginário social até chegar nas instituições, que vem a legitimar esse poder. O objetivo de se ressaltar as relações de poder e o biopoder no presente artigo é o de reconhecimento da psicologia como campo profissional relacionado com a ciência e o biopoder, CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 21 e a partir do momento em que a psicologia é legitimada como ciência, como ferramenta de transformação, mas também como ferramenta submissa ao Estado, a prática de profissionais da psicologia deve ser sempre pensada pelos próprios profissionais e pela sociedade para que a psicologia não se torne uma ferramenta de opressão para alguns grupos. ADAPTAÇÃO DE INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA Em 2019 foi publicado o Compêndio de Avaliação psicológica, que em seu quinto capítulo, escrito por Denise Ruschel Bandeira (2019), traz o fato de que a maioria dos instrumentos psicológicos surge de países falantes do idioma inglês, ou são escritos em língua inglesa. Um dos motivos para isso acontecer é que existe muito apoio financeiro em pesquisa nos países de língua inglesa e o inglês é considerado por muitos países uma língua universal, e fora disso, outros países com bom financiamento, ainda que não sejam países que tem o inglês como língua nativa, acabam publicando instrumentos de avaliação psicológica em inglês em prol da universalização (página 129). O Brasil, por outro lado, não tem inglês como língua nativa, e segundo Bandeira (2019) o número de instrumentos de avaliação psicológica produzido em português brasileiro não consegue atender toda a demanda do país, além do apoio financeiro em pesquisa não ser algo tão recorrente na ciência brasileira e o investimento em instrumentos brasileiros de avaliação psicológica não ser uma forte realidade das editoras brasileiras, e sendo assim, o Brasil acaba recorrendo a adaptações de instrumentos de avaliação psicológica de outras culturas, que, mesmo que o Brasil produzisse instrumentos parecidos, são importantes para o estudo transcultural e CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 22 para o entendimento de que avaliações psicológicas devem ser adaptadas para diferentes culturas ainda dentro de um mesmo país (Bandeira, 2019, página 129-130). O território brasileiro é extenso, e tanto em tamanho quanto em cultura é extremamente vasto, a linguagem tem fortes diferenças que são notáveis em cada região, assim como as estatísticas sobre etnia, religião, economia e educação são muito variáveis entre norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul. Todos esses fatores influenciam na construção de sujeito dos habitantes, nas verdades e saberes produzidos, no estilo de vida, e no que cada parte do país considera como “normal”. Se os instrumentos de avaliação psicológica se fazem adaptados por questões transculturais entre países, com certeza essas adaptações também podem ser pensadas em um âmbito nacional, como já é feito com alguns instrumentos. O nome que Bandeira (2019) nomeia para esse processo no Compêndio de Avaliação Psicológica é “processo de adaptação transcultural” (página 130), e há preocupação com níveis de escolaridade de diversas regiõesdo país, o que inclusive é tema de estudo da ITC - Comissão Internacional de Testes (International Test Comission), que publicou inclusive um Guia de Tradução e Adaptação de Testes (2017), destacando que, apesar de um processo existente de adaptação transcultural, é necessário certo rigor no que diz respeito às diretrizes propostas para serem seguidas no mundo inteiro tanto em avaliações psicológicas quanto educacionais para que haja equivalência, confiabilidade e validade do mesmo teste em múltiplas linguagens e culturas, sendo necessário que, ainda que haja adaptação de linguagem, seja respeitada a estrutura do instrumento original, tal como suas escalas, materiais, formatos etc (International Test Comission, 2017, páginas 8-9). Outra questão importante de se pensar tanto nacionalmente quanto internacionalmente, é a de que um dos pré- requisitos para a adaptação de um instrumento de avaliação no ITC é que a pessoa a adaptar o instrumento deve ter tanto conhecimento profundo da cultura do instrumento original quanto da CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 23 cultura para qual está sendo adaptado, para que haja equivalência cultural, para que não haja a falta de familiaridade com linguagens ou vivências (ITC, 2017, página 9). Se isso não ocorre, as relações de poder entre quem produz, quem aplica e quem é submetido às avaliações, sejam elas escolares ou psicológicas, podem se tornar tanto centradas no academicismo quanto acabarem por ser negligentes sobre o fator de humanidade que deve ser considerado sempre que se avaliam pessoas que nem sempre partilham da mesma cultura. ANÁLISE DE RESULTADOS Dentre os desafios da escrita sobre o tema se destaca a falta de material em língua portuguesa sobre a adaptação de avaliações psicológicas e é sugerido aos pesquisadores e cientistas da área de avaliação e testagem psicológica a construção de materiais sobre razões pelas quais instrumentos de avaliação psicológica foram descontinuados na lista de testes desfavoráveis na plataforma SATEPSI, que atua com o CFP na fiscalização e processo informativo de instrumentos seguros na avaliação psicológica. Seria de relevância, ainda, que as informações constassem na própria plataforma, uma vez que isso auxiliaria outros pesquisadores e cientistas a produzir instrumentos de avaliação psicológica sem cometer os mesmos erros que podem ter levado à descontinuação de muitos testes. Uma das coisas que pode ter sido um obstáculo para a falta de materiais em língua portuguesa, pode ser justamente a complexidade da escrita e de se traduzirem palavras de algumas línguas, como o alemão e o francês que possuem vários termos prolixos, mas que são incorporados na cultura dos países que tem essas línguas como nativas, fazendo com que muito do material, quando não são explicados os termos, careça de tradução literal, impedindo que a CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 24 informação se torne global e fazendo com que o processo de difusão de informação se torne mais lento. CONCLUSÃO A psicologia possui uma vantagem sobre outras áreas de estudos sociais quando se diz respeito às avaliações psicológicas, pois apenas profissionais da psicologia são autorizados a aplicar testes psicológicos, e sendo assim, instrumentos de medida psicométrica desempenham um papel muito importante para a prática profissional, e mesmo quando a aplicação de testes não é algo tão presente no cotidiano de profissionais da psicologia, a importância dos testes psicológicos para a ciência psicológica é evidente. Se faz possível concluir ao longo do referencial teórico que existem medidas preventivas de violência e opressão na construção dos instrumentos de avaliação psicológica, mas ainda sim o academicismo acaba sendo por si só um instrumento que afasta a discussão de como essas avaliações são feitas desde o momento em que a adaptação transcultural ganha complexidade por dificuldades de investimento e divulgação. É esperado que, com esse trabalho, seja possível fomentar essa discussão e ampliar o material dessa temática, encorajando pesquisadores e cientistas da psicologia e outras áreas da educação a produzir materiais que tornem acessível discutir e aproximar a sociedade de forma não-violenta e não-opressora tanto da psicologia, quanto do âmbito acadêmico e de pesquisa, e não apenas aproximar pessoas que já possuem vivência no campo científico. CONSIDERAÇÕES FINAIS CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 25 Quando a avaliação psicológica não é sensível, ela pode acabar se tornando uma ferramenta de violência, abuso de poder e opressão, e apenas discutindo, divulgando, e gerando materiais sobre essa temática é possível que essa seja uma questão saudável e se torne cada vez mais pertinente dentro do âmbito profissional e científico. Não é preciso que algo seja academicista para que seja acadêmico; ou seja, não é preciso tratar a academia e a linguagem acadêmica como algo sempre formal e rígido para que seja rigoroso e a ciência seja feita; a academia não deve excluir a acessibilidade, pelo contrário, deve ser incentivada a aproximação da sociedade com a academia, e a linguagem é uma dessas ferramentas de aproximação. Quando a linguagem acadêmica se faz inteligível – ou seja, clara, compreensível, fácil de ser entendida, ainda que isso torne algumas escritas mais extensas, a informação circula com mais facilidade, e não há sentido em produzir informação se não há ninguém para acessá-la. CONSIDERAÇÕES SOCIOPOLÍTICAS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA 26 Referências Baptista, M. N., Muniz, M., Reppold, C. T., Nunes, C. H. S. S., Carvalho, L. F., Primi, R., ... Pasquali, L. (2019). Compêndio de Avaliação Psicológica. Petrópolis, RJ/Vozes. Recuperado de: Conselho Regional de Psicologia da Paraíba - CRP-13 PB. (2021). 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