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1
Laços entre a África e o mundo atlântico durante 
a era do comércio de africanos escravizados: 
Uma introdução
Carlos Liberato 
Mariana P. Candido 
Paul E. Lovejoy e 
Renée Soulodre-La France
O envio forçado e sistemático de mais de doze milhões de africanos para as 
Américas transformou profundamente tanto as regiões que receberam a mão 
de obra escrava como as sociedades africanas direta ou indiretamente atingi-
das pelo comércio de escravos. No início, as nações europeias transportaram 
muitos africanos escravizados para os espaços metropolitanos, mas o desen-
volvimento das atividades produtivas nas ilhas atlânticas e colônias america-
nas fizeram com que o grosso do tráfico fosse desviado para estas regiões.1 
1 A partir de meados do século XVI, a presença africana tornou-se signiicativa em alguns paí-
ses europeus. Ainda que em grande parte fossem escravos, muitos africanos ou residiam na 
Europa por vontade própria (como comerciantes, estudantes, diplomatas, etc.) ou tinham al-
cançado a liberdade depois de desembarcados (permanecendo no continente como trabalha-
dores livres). Segundo as estimativas, havia cerca de 100 mil indivíduos de origem africana na 
Espanha, 40 mil em Portugal, 10 mil na Grã-Bretanha e 4 mil na França. Ver Norma Myers, 
Reconstructing the Black Past: Blacks in Britain, 1780-1830 (Londres: Frank Cass, 1996), 6; 
Sue Peabody, “There are no Slaves in France”: The Political Culture of Race and Slavery in 
the Ancien Régime (Nova York: Oxford University Press, 1996), 4; A. C. de C. M. Saunders, 
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
2
Assim, a escravidão africana firmou-se como a base do sistema colonial em 
territórios muito distintos, como Cabo Verde, São Tomé, Brasil, Cuba, Peru, 
México, Santo Domingo, Colômbia ou Jamaica. As interações entre a África, 
as Américas e a Europa que, durante quase quatro séculos estiveram funda-
mentadas no comércio de africanos escravizados, também ajudaram a dar for-
ma aos parâmetros ideológicos e às divisões sociais que caracterizam o mundo 
contemporâneo. A escravidão atlântica e os movimentos para a sua abolição no 
século XIX tornaram-se aspectos fundamentais para a constituição de identi-
dades individuais e coletivas que despontaram ao longo do século XX nos três 
continentes. No século XXI, essas identidades, formadas num contexto de im-
perialismo e colonialismo europeu, estão sendo revistas e atualizadas para dar 
lugar às vozes que exigem o reconhecimento dos crimes praticados contra os 
africanos e seus descendentes, bem como a implementação das consequentes 
e necessárias políticas de reparação. No entanto, antes de mais nada, é preciso 
reconhecer o peso que o passado exerce sobre o presente. Tráfico, escravidão 
e abolição deixaram rastros de racismo e divisões sociais que permanecem 
sólidos no mundo atlântico de hoje. É por isso que esses temas continuam a 
suscitar debates na Europa, na África e nas Américas, com fortes repercussões 
nas políticas de inclusão ou exclusão das chamadas minorias sociais. O comér-
cio e o transporte compulsório de africanos escravizados continuam a atrair a 
atenção do público não especializado e de especialistas em simpósios, confe-
rências e projetos de investigação no campo das ciências humanas e sociais e 
têm como intuito discutir as possíveis soluções para os problemas relacionados 
à desigualdade, aos direitos humanos, à independência econômica e à identida-
de africana e afrodescendente.
O objetivo desse ensaio introdutório é o de apresentar uma síntese dos dados 
relativos ao movimento forçado de africanos através do Atlântico. Esse trabalho 
é essencial por dois motivos. Primeiro porque novas e importantes descobertas a 
respeito do volume do comércio transatlântico de africanos escravizados vieram 
à tona recentemente e, hoje, é possível alcançar uma visão muito mais completa 
do que a de uns poucos anos atrás. Segundo porque conhecendo em maior de-
talhe a origem, o destino e as quantidades dos africanos em seu movimento de 
dispersão pelo mundo atlântico é possível compreender como foram criados os 
A Social History of Black Slaves and Freedmen in Portugal, 1441-1555 (Nova York: Cam-
bridge University Press, 1982); Charles Larquié, “Les esclaves de Madrid à l’epoque de la 
decadence, 1650-1700”, Revue Historique 495 (1970): 47; e Charles Verlinden, L’esclavage 
dans l’Europe médiévale (2 vols., Gent: Rijksuniversiteit te Gent, 1977), II, 873 e 1021.
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
3
laços que uniram os destinos individuais e coletivos das pessoas de certas partes 
da África com aqueles das da Europa, das Américas e das ilhas atlânticas.2 A 
partir de uma perspectiva regional podemos examinar os padrões migratórios da 
África e, com isso, apresentar algumas das diferenças encontradas entre as várias 
regiões, especialmente entre a África Ocidental e a Centro-Ocidental.3
Após a publicação de inúmeros estudos sobre as dimensões e a direção do 
tráfico, agora parece claro que existiram essencialmente dois sistemas de co-
mércio de africanos escravizados: um no Atlântico Norte – centrado na região 
caribenha que, além das ilhas, incluía a América do Norte, os territórios sob do-
mínio espanhol e, em muito menor escala, a Amazônia portuguesa –, e o outro, o 
Atlântico Sul que enlaçava principalmente a África Centro-Ocidental ao Brasil. 
Os padrões de comércio eram marcadamente diferentes entre os dois “sistemas”. 
O comércio que cruzava o Atlântico a norte do Equador transportava uma popu-
lação escravizada muito mais diversificada regional e etnicamente que aquele do 
sul – quase exclusivamente ocupado com povos centro-africanos. 
Os estudos demográficos sobre o comércio atlântico de africanos escraviza-
dos foram fortemente influenciados pela publicação em 1969 do livro de Philip 
D. Curtin, The Atlantic Slave Trade: A Census. Curtin mostrou que as estima-
tivas existentes até então eram uma herança das sínteses produzidas no século 
XIX e que os dados apresentados por centenas de novas monografias não tinham 
sido capazes de corrigi-las. Essa situação dava margem a que se pensasse que as 
dimensões quantitativas do comércio de escravos ou eram bem conhecidas ou 
não poderiam ser conhecidas de todo. Assim, as estimativas disponíveis apresen-
tavam variações que iam 15 a 25 milhões de escravos desembarcados nas Amé-
ricas durante todo o período do tráfico atlântico.4 Em sua própria síntese e apesar 
de considerar existirem ainda muitos “buracos” nos dados, Curtin chegou à con-
clusão de “é muito pouco provável que o total verdadeiro [de africanos desem-
barcados nas Américas] será menor que 8.000.000 ou maior que 10.500.000”.5
2 Ver Gwendolyn Midlo Hall, Slavery and African Ethnicities in the Americas: Restoring 
Links (Chapel Hill: North Carolina Press, 2005).
3 Ver David Eltis e David Richardson, “A New Assessment of the Transatlantic Slave 
Trade”, in David Eltis e David Richardson, eds., Extending the Frontiers: Essays on the 
New Transatlantic Slave Trade Database (New Haven: Yale University Press, 2008).
4 Ver Philip D. Curtin, The Atlantic Slave Trade: A Census (Madison: Wisconsin 
University Press, 1969), xvi.
5 Philip D. Curtin, The Atlantic Slave Trade: A Census, 87.
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
4
Apesar das numerosas modificações feitas aos números parciais apre-
sentados por Philip Curtin, suas estimativas do total de importações nas 
Américas são impressionantemente acertadas.6 O estudo de Curtin também 
serviu para lançar um desafio aos pesquisadores do mundo inteiro no sen-
tido da descoberta do volume real do tráfico. Mais ainda: o entendimento 
dos padrões dessa migração forçada ajuda a análise do desenvolvimento 
interno das sociedades africanas durante a era do comércio atlântico de es-
cravos ao relacionar o volume das exportações às conjunturas locais.7 Con-
siderando-se que os29
em sua luta constante pela sobrevivência e autonomia, adotaram uma com-
binação de estratégias africanas e outras americanas para fortalecer as lide-
ranças. Entretanto, essa não foi a única estratégia disponível para escravos 
resistirem a opressão da escravidão. Renée Soulodre-La France explora 
as conexões históricas e comerciais entre a região da Alta Guiné e a Nova 
Granada no século XVII. Ao fazer uso de relatos dos tribunais do Santo 
Ofício, Soulodre-La France identifica o envio e consumo de noz de cola no 
que hoje seria a Colômbia e oferece novas perspectivas para o papel dos 
africanos como influentes na dispersão de novas práticas medicinais e de 
hábitos de consumo.
Na parte final, os capítulos de Mariana Candido, Robin Law, Elisée 
Soumoni e Paul Lovejoy nos trazem de regresso à África. Através da aná-
lise de uma comerciante de Benguela no final do século XVIII e começos 
do século XIX, Mariana Candido discute a atuação das mulheres africanas 
nas redes comerciais que ligavam o porto de Benguela ao mundo Atlântico 
e aos sobados localizados no interior da África Centro-Ocidental. Robin 
Law investiga a carreira comercial do famoso comerciante de escravos 
Francisco Félix de Souza, entre 1800 e 1849, no Reino do Daomé. As ati-
vidades de Souza iam desde o comércio de escravos até as intrigas políti-
cas para garantir benefícios para si, sua família e associados. Continuando 
na mesma região, Elisée Soumonni compara a formação das comunidades 
afro-brasileiras em Ajudá e Lagos em meados do século XIX. Sendo com-
binações de traficantes de escravos e ex-escravos africanos que retornaram 
à África, essas comunidades atestam a complexidade dos laços multilate-
rais criados durante a era do comércio atlântico de africanos escravizados. 
Soumonni e Law mostram como a chegada dos retornados alterou o cená-
rio político e comercial dessa zona da África Ocidental e como as comu-
nidades que aí formaram se acomodaram ao contexto africano graças ao 
seu hibridismo cultural. Os brasileiros retornados adaptaram-se às socieda-
des costeiras sem renunciar à sua identidade atlântica. No último capítulo 
dessa coleção Paul Lovejoy reconsidera a origem de Catherine Mulgrave-
Zimmermann, destacando os problemas metodológicos que historiadores 
encontram ao estudar biografias de agentes africanos durante o período do 
comércio transatlântico de escravos.
A coleção Laços Atlânticos reúne ensaios sobre as conexões entre a 
África e o mundo atlântico e traz questões que interessam a todos aqueles 
que se interessam pela história da escravidão africana. As contribuições 
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
30
desse volume refletem o debate mais recente de um leque variado de es-
pecialistas residentes nas Américas, África e Europa. Como não poderia 
ser de outra forma, a complexidade dos temas tratados exigiu o uso de 
métodos e fontes diversas. Em comum, os capítulos dessa coleção evitam 
uma percepção reducionista do Atlântico como uma extensão da Europa. 
Os colaboradores desse volume vão muito mais além e não só mostram as 
sobrevivências culturais africanas nas Américas mas também como os afri-
canos, apesar de restrições de toda sorte, tiveram um papel decisivo no de-
senvolvimento socioeconômico das sociedades atlânticas. Esperamos que 
os capítulos desse volume possam indicar novos caminhos para pesquisas 
futuras que procurem mostrar a importância de incluir a participação da 
África e dos africanos em qualquer estudo sério sobre o mundo Atlântico.escravos eram uma mercadoria peculiar, que constituía 
tanto uma perda de força de trabalho para as sociedades locais como um 
produto cujo valor podia ser trocado no mercado internacional, sua expor-
tação distorceu o processo histórico africano de uma maneira igualmente 
peculiar. Vários pesquisadores tentaram analisar a natureza dessa distor-
ção. Walter Rodney viu esse processo em termos de subdesenvolvimento, 
onde a sangria demográfica seria o elemento essencial da estagnação téc-
nica e das distorções das economias africanas pré-coloniais.8 John D. Fage 
enfatizou as repercussões políticas e econômicas do tráfico mas, ao mesmo 
tempo, procurou minimizar o peso de suas consequências demográficas no 
desenrolar da história africana.9 Joseph Inikori argumentou que o comércio 
de escravos retardou o desenvolvimento econômico, apontando as graves 
perdas demográficas como o fator central.10 Paul Lovejoy relacionou o co-
6 Ver Paul E. Lovejoy, “The Volume of the Atlantic Slave Trade: A Synthesis”, Journal of 
African History 23 (1982): 473.
7 Ver, por exemplo, para uma análise desse impacto, Edward Reynolds, Stand the Storm: 
A History of the Atlantic Slave Trade (Nova York: Allison & Busby, 1985).
8 Walter Rodney, How Europe Underdeveloped Africa (Londres: Bogie-L’Overture 
Publications, 1972).
9 Ver John D. Fage, A History of Africa (Londres: Hutchinson, 1978), 244-288; e, do 
mesmo autor, “Slavery and the Slave Trade in the Context of West African History”, 
Journal of African History 10, 3 (1969): 393-407.
10 Joseph E. Inikori, “Introduction”, in Joseph E. Inikori, ed., Forced Migration: The Impact 
of the Export Slave Trade on African Societies (Londres: Hutchinson, 1981), 20; Joseph 
E. Inikori, “Measuring the Atlantic Slave Trade: An Assessment of Curtin and Anstey”, 
Journal of African History 17, 2 (1976): 197-223; Joseph E. Inikori, “Measuring the Atlantic 
Slave Trade: A Rejoinder”, Journal of African History 17, 4 (1976): 607-627; e Joseph E. 
Inikori, “The Origin of the Diaspora: The Slave Trade from Africa”, Tarikh 5, 4 (1978): 8.
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
5
mércio de exportação de escravos à consolidação de um modo de produção 
baseado na escravidão na própria África.11
Em 1999, trinta anos depois da publicação do livro de Curtin, um gru-
po liderado por David Eltis, Stephen Behrendt, David Richardson e Herbert 
Klein, tornou público uma base de dados em CD-Rom contendo informa-
ções sobre aproximadamente 27 mil viagens de navios negreiros através do 
Atlântico.12 Cerca de dez anos depois, e graças ao trabalho de uma equipe 
internacional, uma nova versão da base de dados foi disponibilizada online 
sob o título de Voyages: The Transatlantic Slave Trade Database. Nela estão 
contidas informações sobre mais de 35 mil viagens ocorridas entre os sécu-
los XVI e XIX, nas quais 12.521.336 africanos foram embarcados à força. 
Estima-se que, destes, 10.702.656 chegaram vivos ao seu porto de destino.13
Em relação às quantidades de africanos escravizados transportados por 
cada um dos países envolvidos no comércio transatlântico, estima-se que 
os navios de bandeira portuguesa e, depois de 1822, também brasileira 
foram responsáveis pelo embarque nos portos africanos de 5.848.265 indi-
víduos ou 46,7 por cento do total. Em segundo lugar aparecem os navios 
de bandeira britânica que transportaram 3.259.440 africanos escravizados, 
perfazendo 26 por cento de todos os embarques estimados. Bem próxi-
mos uns dos outros, encontram-se os navios franceses, que embarcaram 
1.381.404 pessoas (ou 11 por cento) e os de bandeira espanhola / uruguaia, 
que deixaram a África com 1.061.524 indivíduos a bordo (ou 8,4 por cento 
do total). Os demais 7,9 por cento foram embarcados em navios de bandei-
ra holandesa, norte-americana e dinamarquesa / portos do Báltico.
11 Paul Lovejoy, Transformations in Slavery: A History of Slavery in Africa (Nova York: 
Cambridge University Press, 1983).
12 Ver David Eltis, Stephen Behrendt, David Richardson e Herbert Klein, eds., The Atlantic 
Slave Trade: A Database on CD-Rom (Cambridge: Cambridge University Press, 1999).
13 Ver Eltis et al., Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database. Disponível em: www.
slavevoyages.org. Último acesso: 22/05/2015. Deve ser notado o fato de que as estimativas 
totais, como era de esperar-se, diferem dos números absolutos da base de dados. Desse 
modo, os números absolutos mostram um total de 10.147.907 indivíduos embarcados 
(em 33.366 viagens) e 8.752.593 desembarcados (em 33.047 viagens), descontando-se as 
perdas causadas por todo tipo de infortúnios, desvios e apreensões que, de alguma maneira, 
impediram os navios de deixarem a África ou de completarem a viagem. Segundo as 
estimativas, cerca de 10.800 africanos foram embarcados para a Europa e outros 178.900 
indivíduos foram destinados a outras regiões do continente africano.
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
6
Tabela 1 
Africanos embarcados segundo a bandeira dos navios, 1501-1866
Espanha / 
Uruguai
Portugal / 
Brasil
Grã-
Bretanha
Holanda E.U.A França
Dinamarca 
/ Báltico
Total
1501-1525 6.363 7.000 0 0 0 0 0 13.363
1526-1550 25.375 25.387 0 0 0 0 0 50.763
1551-1575 28.167 31.089 1.685 0 0 66 0 61.007
1576-1600 60.056 90.715 237 1.365 0 0 0 152.373
1601-1625 83.496 267.519 0 1.829 0 0 0 352.843
1626-1650 44.313 201.609 33.695 31.729 824 1.827 1.053 315.050
1651-1675 12.601 244.793 122.367 100.526 0 7.125 653 488.064
1676-1700 5.860 297.272 272.200 85.847 3.327 29.484 25.685 719.674
1701-1725 0 474.447 410.597 73.816 3.277 120.939 5.833 1.088.909
1726-1750 0 536.696 554.042 83.095 34.004 259.095 4.793 1.471.725
1751-1775 4.239 528.693 832.047 132.330 84.580 325.918 17.508 1.925.314
1776-1800 6.415 673.167 748.612 40.773 67.443 433.061 39.199 2.008.670
1801-1825 168.087 1.160.601 283.959 2.669 109.545 135.815 16.316 1.876.992
1826-1850 400.728 1.299.969 0 357 1.850 68.074 0 1.770.979
1851-1866 215.824 9.309 0 0 476 0 0 225.609
Total 1.061.524 5.848.265 3.259.440 554.336 305.326 1.381.404 111.041 12.521.336
Fonte: Eltis et al., Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database. 
Disponível em: . Último acesso: 22/05/2015.
A Tabela 2 mostra os números relacionados à sangria demográfica repre-
sentada pelo comércio de escravos segundo as regiões de embarque. Nela, po-
de-se ver que a África Ocidental e a África Centro-Ocidental foram as regiões 
das quais a esmagadora maioria dos africanos escravizados foram levados. 
Moçambique, outras regiões e ilhas do Oceano Índico tiveram uma partici-
pação muito menor e, especialmente, nas cinco últimas décadas do tráfico, 
intensificando-se durante a sua fase ilegal. Entre 1501 e 1575, o maior nú-
mero de africanos escravizados originou-se nos portos da África Ocidental, 
em particular da região da Senegâmbia e Rios da Guiné. Nesse período, um 
número estimado de 112.134 escravos foram embarcados na África Ociden-
tal, em comparação com o número de 12.999 deportados da África Centro-O-
cidental. A partir de 1576, a proporção de escravos vendidos nos portos da 
África Centro-Ocidental aumentou, atingindo, no período entre 1576 e 1675, 
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
7
a 946.346 indivíduos. O século XVIII assistiu a uma impressionante expansão 
do comércio de escravos e esse impulso só seria refreado em 1807, quando o 
Parlamento Britânico decretou sua ilegalidade no Atlântico Norte. A Tabela 2 
mostra que, entre 1675 e 1800, foram vendidos mais africanos escravizados 
nos portos da África Ocidental do que naqueles localizados na África Cen-
tro-Ocidental. Os números indicam que durante o século XVIII o aumento na 
importação de mão de obra escrava deve-se a demanda no Caribe e não apenas 
ao Brasil. Nesse período, cerca de 4.5 milhões de africanos deixaram os portosda África Ocidental, enquanto pelos portos da Africa Centro-Ocidental foram 
exportadas 2.658.544 pessoas. No século XIX, principalmente após 1807, o 
tráfico atlântico voltou a concentrar-se nos portos da África Centro-Ocidental, 
em cujo circuito foram introduzidos os escravos provenientes de Moçambique 
e, em menor escala, de outras regiões do sudeste africano.
Tabela 2 
Africanos embarcados segundo região de origem, 1501-1866
África Ocidental África Centro-Ocidental
Moçambique e
África Oriental Total
# % # % # %
1501-1525 12.726 95,2 637 4,8 0 0,0 13.363
1526-1550 46.538 91,6 4.225 8,4 0 0,0 50.763
1551-1575 52.870 86,6 8.137 13,4 0 0,0 61.007
1576-1600 47.493 31,1 104.879 69,9 0 0,0 152.373
1601-1625 30.379 8,6 322.119 91,3 345 0,1 352.843
1626-1650 73.781 23,4 241.269 76,6 0 0,0 315.050
1651-1675 193.352 39,6 278.079 56,9 16.633 3,5 488.064
1676-1700 411.598 57,1 293.340 40,7 14.737 2,2 719.674
1701-1725 745.580 68,4 331.183 30,4 12.146 1,2 1.088.909
1726-1750 911.581 61,9 556.981 37,8 3.162 0,3 1.471.725
1751-1775 1.264.981 65,7 654.984 34,0 5.348 0,3 1.925.314
1776-1800 1.136.340 56,5 822.056 40,9 50.274 2,6 2.008.670
1801-1825 764.656 40,7 929.999 49,5 182.338 9,8 1.876.992
1826-1850 553.553 31,2 989.908 55,8 227.518 13,0 1.770.979
1851-1866 38.664 17,1 156.779 69,4 30.167 13,5 225.609
Total 6.284.093 50,1 5.694.574 45,4 542.668 4,5 12.521.336
Fonte: Eltis et al., Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database. 
Disponível em: . Último acesso: 22/05/2015.
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
8
O fluxo do comércio estava dividido entre o Atlântico Norte e o Atlântico 
Sul, em parte devido aos padrões oceânicos de ventos e correntes que antes 
da invenção dos barcos a vapor muito influenciaram a formação de rotas 
comerciais.14 O comércio no Atlântico Norte envolvia portos europeus for-
mando o clássico comércio triangular entre os mercados da Europa (produtos 
manufaturados), África (mão de obra escravizada) e Américas (açúcar, tabaco, 
algodão, café, cacau, minérios). O Atlântico Sul, por sua vez, era um comércio 
essencialmente bilateral, entrelaçando os portos da África Centro-Ocidental e 
os do Brasil.15 O comércio bilateral também existiu entre os portos brasilei-
ros e os da África Ocidental, em particular os localizados na costa da Alta 
Guiné, como Cacheu e Bissau, ou na Baía do Benim, como Ajudá.16
14 Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes: Formação do Brasil no Atlântico Sul, 
séculos XVI e XVII (São Paulo: Companhia das Letras, 2000).
15 Manolo Florentino, Em costas negras: Uma história do tráico atlântico de escravos 
entre a África e o Rio de Janeiro, séculos XVIII e XIX (São Paulo: Companhia das 
Letras, 2002); Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes. A formação do Brasil 
no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII (São Paulo: Companhia das Letras, 2000); José C. 
Curto, Álcool e escravos: O comércio Luso-Brasileiro do álcool em Mpinda, Luanda 
e Benguela durante o tráico atlântico de escravos (ca.1480-1830) e o seu impacto nas 
sociedades da África Central Ocidental (Lisboa: Vulgata, 2002); Mariana P. Candido, 
Fronteras de esclavización: Esclavitud, comercio e identidad en Benguela, 1780-1850 
(Cidade do México: El Colegio de México, 2011); Arlindo Manuel Caldeira, Escravos e 
traicantes no império português: O comércio negreiro português no Atlântico durante 
os séculos XV a XIX (Lisboa: Esfera dos Livros, 2013); e Roquinaldo Ferreira, “A 
supressão do tráico de escravos em Angola, ca.1830-ca.1860”, História Unisinos 15, 1 
(2011): 3-13.
16 Para mais sobre o assunto ver António Carreira, As companhias pombalinas de Grão-
Pará e Maranhão e Pernambuco e Paraiba (Lisboa: Presença, 1983), 57; Walter 
Hawthorne, From Africa to Brazil: Culture, Identity, and Atlantic Slave Trade, 1600-
1830 (Cambridge University Press, 2010); Philip J. Havik, Silences and Soundbites: 
The Gendered Dynamics of Trade and Brokerage in the Pre-Colonial Guinea Bissau 
Region (Munster: LIT Verlag Münster, 2004); Gerhard Seibert, “Creolization and Creole 
Communities in the Portuguese Atlantic: São Tomé, Cape Verde, and the Rivers of 
Guinea and Central Africa in Comparison”, Proceedings of the British Academy 178 
(2012): 29–51; Pierre Verger, Fluxo e reluxo do tráico de escravos entre o Golfo do 
Benin e a Bahia de Todos os Santos, do séculos XVII ao XIX (São Paulo: Corrupio, 
1987); Robin Law, “A carreira de Francisco Félix de Souza na África Ocidental, 1800- 
1849”, Topoi 2 (2001): 9-39.
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
9
Na costa da África Centro-Ocidental as principais áreas de embarque 
eram Luanda e Benguela, sob domínio português, e a região do Loango e 
Cabinda, ao norte do rio Congo, que esteve sob domínio português, holan-
dês, inglês e francês. Um olhar atento sobre o comércio atlântico indica a 
emergência de um modelo de comércio bilateral, onde os produtos produ-
zidos e exportados da Europa não recebiam muita atenção. Os negocian-
tes estabelecidos no porto de Luanda, o principal porto de embarque de 
africanos escravizados em todo o continente, mantinham laços estreitos 
com a elite comercial carioca e baiana.17 Benguela e Loango tiveram de-
senvolvimento semelhante. No caso de Benguela, as correntezas marítimas 
e o sistema de ventos no Atlântico sul favoreceram o desenvolvimento do 
porto como um entreposto comercial, além de funcionar como centro de 
reparos e reabastecimento de navios.18 
Como pode ser visto na Tabela 3, o Brasil recebeu a maioria dos afri-
canos escravizados. Estima-se que, pelo menos, 4.864.373 africanos te-
nham desembarcado com vida nos portos brasileiros, sem contar, é claro, 
17 Ver Joseph C. Miller, Way of Death: Merchant Capitalism and the Angolan Slave 
Trade, 1730-1830 (Madison: University of Wisconsin Press, 1988); Beatrix Heintze, 
Angola nos séculos XVI e XVII: Estudo sobre fontes, métodos e história (Luanda: 
Kilombelombe, 2007); Roquinaldo Ferreira, “Dinâmica do comércio intracolonial: 
Gerebitas, panos asiáticos e guerra no tráico angolano de escravos, século XVIII”, in 
João Luís Ribeiro Fragoso, Maria de Fátima Gouvêa e Maria Fernanda Bicalho, eds., O 
Antigo Regime nos trópicos: A dinâmica imperial portuguesa, séculos XVI-XVIII (Rio 
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001), 339-378; Roquinaldo Ferreira, “O Brasil e a 
arte da guerra em Angola, sécs. XVII e XVIII”, Estudos Historicos 1, 39 (2007): 3-21; 
Mariana P. Candido, “South Atlantic Exchanges: The Role of Brazilian-Born Agents in 
Benguela, 1650-1850”, Luso-Brazilian Review 50, 1 (2013): 53-82; Mariana Candido, 
“Negociantes baianos no porto de Benguela: Redes comerciais unindo o Atlântico 
setencentista”, in Roberto Guedes, ed., África, brasileiros e portugueses, séculos XVI-
XIX (Rio de Janeiro: Maud, 2013), 67-91.
18 Para maiores detalhes sobre o funcionamento do comércio de escravos na África Cen-
tro-Ocidental, ver José C. Curto, “A Quantitative Reassessment of the Legal Portuguese 
Slave Trade from Luanda, Angola, 1710-1830”, African Economic History 20 (1992): 
1-25; José C. Curto, “The Legal Portuguese Slave Trade from Benguela, Angola, 1730-
1828: A Quantitative Re-Appraisal”, África 17, 1 (1993/94): 101-16; José C. Curto, “Lu-
so-Brazilian Alcohol and the Legal Slave Trade at Benguela and its Hinterland, 1617-
1830”, in Hubert Bonin, ed., Négoce blanc en Afrique Noire: L’évolution du commerce à 
longue distance en Afrique Noire du 18e au 20e siècle (Paris: Société Française d’Histoire 
d’Outre-Mer, 2001); Herbert Klein, “The Portuguese Slave Trade from Angola in the 18th
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
10
aqueles que foram introduzidos pelo contrabando ou cuja documentação 
tenha sido perdida. Esse número corresponde a 46,1 por cento do total de 
10.538.225 de escravos desembarcados nos portos americanos. O Cari-be Britânico ocupa o segundo lugar em termos de africanos importados, 
com um total de 2.318.252 desembarques que correspondem a 22,1 por 
cento do total. Em terceiro lugar, aparece a América Espanhola onde de-
sembarcaram 1.292.912 africanos vivos, perfazendo 12,3 por cento da 
estimativa de todos os desembarques. As colônias francesas receberam 
1.120.216 escravos em seus portos, alcançando o quarto lugar com 10,6 
por cento dos desembarques. Segundo essas projeções, os 942.472 afri-
canos desembarcados com vida nos portos americanos equivalem a 8,9 
por cento do total e foram distribuídos entre as colônias holandesas da 
América do Sul e do Caribe (444.727 africanos ou 4,2 por cento do total 
de desembarques), a América do Norte (388.747 indivíduos ou 3,6 por 
cento do total) e as possessões dinamarquesas no Caribe (108.998 de-
sembarques ou 1,1 por cento).
Century”, Journal of Economic History 32, 4 (1972): 894-918; Joseph C. Miller, “Legal 
Portuguese Slaving from Angola: Some Preliminary Indications of Volume and Direc-
tion”, Revue Française d’Histoire d’Outre-Mer 62, 1 (1975): 135-76; Joseph C. Miller, 
“The Numbers, Origins, and Destinations of Slaves in the 18th Century Angolan Slave 
Trade”, in Joseph Inikori and Stanley E. Engerman, eds., The Atlantic Slave Trade: Effect 
on Economics, Societies, and People in Africa, the Americas, and Europe (Durham: Duke 
University Press, 1992); Roquinaldo Ferrreira, “Transforming Atlantic Slaving: Trade, 
Warfare and Territorial Control in Angola, 1650-1800” (Los Angeles: Tese de Doutora-
do UCLA, 2003); Roquinaldo Ferreira, “The Atlantic Networks of the Benguela Slave 
Trade, 1730-1800, in Trabalho forçado africano – Experiências coloniais comparadas 
(Porto: Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, 2006), 67-97; e Roquinal-
do Ferreira, “Atlantic Microhistories: Mobility, Personal Ties, and Slaving in the Black 
Atlantic World (Angola and Brazil)”, in Nancy Priscilla Naro, Roger Sansi-Roca, e David 
H. Treece, eds., Cultures of the Lusophone Black Atlantic (Nova York: Palgrave, 2007), 
99-128; Candido, Fronteras de esclavización; Roquinaldo Ferreira, Cross-Cultural Ex-
change in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade (Nova 
York: Cambridge University Press, 2012); Daniel B. Domingues da Silva, “The Supply 
of Slaves from Luanda, 1768–1806: Records of Anselmo Da Fonseca Coutinho”, African 
Economic History 38, 1 (2009): 53-76; e Daniel B. Domingues da Silva, “The Atlantic 
Slave Trade from Angola: A Port-by-Port Estimate of Slaves Embarked, 1701-1867”, In-
ternational Journal of African Historical Studies 46, no. 1 (2013): 105–122.
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
11
Tabela 3 
Escravos desembarcados segundo as principais regiões de destino, 
1501-1886
América 
do Norte
Caribe 
Britânico
Caribe 
Francês
América 
Holandesa
Caribe 
Dinamarquês
América 
Espanhola
Brasil Total
1501-1525 0 0 0 0 0 8.923 0 8.923
1526-1550 0 0 0 0 0 35.534 0 35.534
1551-1575 0 0 0 0 0 40.671 2.461 43.132
1576-1600 0 0 0 0 0 84.242 26.814 111.056
1601-1625 0 567 0 0 0 117.709 156.468 274.744
1626-1650 100 26.639 545 0 0 61.482 163.938 252.704
1651-1675 3.970 86.770 16.746 52.190 0 32.292 204.575 396.543
1676-1700 11.077 196.501 21.394 71.967 18.146 14.021 259.475 592.581
1701-1725 39.303 280.470 82.147 53.413 8.059 37.856 423.161 924.409
1726-1750 106.671 357.150 212.325 73.051 4.515 17.435 468.690 1.239.837
1751-1775 118.822 580.824 309.733 118.145 18.271 21.030 476.010 1.642.835
1776-1800 30.687 594.879 390.929 50.606 37.763 69.212 621.156 1.795.232
1801-1825 77.613 183.701 63.517 25.355 17.223 254.777 1.012.762 1.634.948
1826-1850 91 10.751 22.880 0 5.021 333.781 1.041.964 1.414.488
1851-1866 413 0 0 0 0 163.947 6.899 171.259
Total 388.747 2.318.252 1.120.216 444.727 108.998 1.292.912 4.864.373 10.538.225
Fonte: Eltis et al., Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database. 
Disponível em: . Último acesso: 22/05/2015.
Quando se considera a proporção dos escravos africanos nas Américas, 
vê-se que a população originária da África Centro-Ocidental constituiu um 
número considerável, representando 43,3 por cento de todos os desembar-
ques. A Tabela 4 mostra que a concentração de escravos centro-africanos 
no Brasil esse número sobe para 68 por cento do total. Na América Espa-
nhola e no Caribe Francês, cerca de 35 por cento dos africanos escraviza-
dos eram oriundos da África Centro-Ocidental. Na América do Norte, eles 
chegavam a representar 23 por cento da população africana escravizada e 
13,5 por cento no Caribe sob domínio britânico. O comércio de escravos 
para as colônias holandesas deve ter sido majoritariamente intra regional, 
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
12
ou seja, os comerciantes holandeses adquiriam escravos em outros merca-
dos americanos, principalmente naqueles sob domínio espanhol, ao invés 
de importá-los diretamente da África, o que reforçava o padrão migratório 
de centro-africanos. Esses números sugerem concentração da população da 
África Centro-Ocidental em diversos lugares da Américas, em especial no 
Brasil. No Brasil, dois terços da população africana escravizada havia em-
barcado em Luanda, Benguela, Cabinda ou Loango, resultando em grande 
concentração cultural de falantes de línguas bantu.
Tabela 4 
Proporção de escravos oriundos da África Centro-Ocidental (%)
América do 
Norte
Caribe 
Britânico
Caribe 
Francês
América 
Holandesa
Caribe 
Dinamarquês
América 
Espanhola
Brasil Total
22,9 13,5 36,0 40,4 13,9 35,4 68,0 44,3
Uma comparação entre o movimento da população da África Ocidental 
e o da Centro-Ocidental é necessária para uma melhor avaliação do signifi-
cado da migração forçada de africanos a partir dessas duas regiões, as que 
sofreram os maiores impactos demográficos. A África Ocidental encontra-
va-se dividida em numerosas zonas de comércio, cujas denominações va-
riaram muito segundo a época e o país europeu envolvido no tráfico. Para 
os primeiros portugueses, por exemplo, toda a costa africana compreendida 
entre a margem direita do Rio Senegal e a Nigéria era conhecida como “Rios 
da Guiné”. Com o passar do tempo e a perda de influência em muitas partes 
da região, essa denominação foi ficando restrita à zona entre o Rio Casaman-
sa e a Serra Leoa. Outros europeus, como espanhóis, franceses e ingleses, 
adotaram o termo “Guiné” para designar toda a costa africana e a dividiram 
em três grandes zonas: Alta Guiné (ou Guiné Superior, do Senegal à Ser-
ra Leoa), Guiné Própria (ou simplesmente Guiné, de Gana aos Camarões) 
e Baixa Guiné (ou Guiné Inferior, que englobava toda a região do Congo/
Angola). Na base de dados Voyages, a África Ocidental está dividida nas se-
guintes zonas: Senegâmbia (correspondendo ao Senegal, Gâmbia, Guiné-Bissau 
e ilhas da região), Serra Leoa, Costa do Barlavento (ou Windward Coast), 
Costa do Ouro, Baía do Benim e Baía de Biafra. Em relação à África Cen-
tro-Ocidental, cumpre fazer a distinção entre duas zonas que participaram 
mais ativamente do comércio de pessoas escravizadas, mas que são tratadas 
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
13
como uma região única na base de dados. A primeira localizava-se ao norte 
do rio Congo e tinha Cabinda e Loango como os seus principais portos. A 
segunda zona incluía todas as áreas sob domínio português, sendo Luanda e 
Benguela os portos mais ativos. Essas duas zonas perderam um número de 
pessoas semelhantes ao de todos os portos localizados no Golfo da Guiné, 
incluindo-se Ajudá, Calabar, Bonny, Elmina, Anomabu e Axim.19 
A África Ocidental foi a mais antiga região fornecedora de mão de obra 
escrava para o mundo atlântico. Ainda que os dados sobre o comércio de 
escravos relativos ao século XV não estejam incluídos nas estimativas da 
basede dados Voyages, sabe-se que entre 1450 e 1521 os navios europeus 
transportaram cerca de 156 mil escravos de toda a África. O crescimento 
desse comércio foi constante e, assim, comparando-se o volume anual de 
exportações do período de 1450-1465 com o de 1480-1499, vê-se que ele 
triplicou, passando de 900 a 2.200 escravos por ano. Entre 1450 e 1521, 
cerca de 60 por cento de todos os africanos escravizados foram embarca-
dos nos portos da Alta Guiné.20 As estimativas apresentadas na Tabela 2 
mostram que, entre 1501 e 1575, a África Ocidental foi responsável, em 
média, por cerca de 90 por cento de todos os embarques. No período sub-
sequente, de 1576 a 1675, a região foi suplantada pela África Centro-Oci-
dental em números absolutos, mas sua participação continuou importante 
com uma perda de mais de 86 mil pessoas a cada vinte e cinco anos. Essa 
situação mudaria novamente a partir do último quartel do século XVII, 
quando a África Ocidental voltou a ser a principal região no fornecimento 
de escravos para o Atlântico. Assim, entre 1676 e 1800, a região foi res-
ponsável pela exportação de quase 4,5 milhões de pessoas. Deve ser nota-
do que só na segunda metade do século XVIII, a África Ocidental exportou 
2.401.321 indivíduos, o que corresponde a uma sangria demográfica de 
quase 50 mil pessoas por ano. A partir do início do século XIX e particu-
larmente após a abolição decretada pelos ingleses do tráfico de escravos no 
Atlântico Norte em 1807, as atividades de exportação diminuem na região 
até extinguirem-se completamente.
19 Para uma deinição da África Ocidental, ver Eltis et al., Voyages: The Trans-Atlantic Slave 
Trade Database. Disponível em: . Último acesso: 25/11/2015.
20 Ver Ivana Elbl, “The Volume of the Early Atlantic Slave Trade, 1450-1521”, Journal of 
African History 38, 1 (1997): 31-75.
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
14
Segundo as estimativas apresentadas na Tabela 2, o número de embar-
ques nos portos da África Centro-Ocidental cresceu a partir das últimas 
décadas do século XVI. Entre o primeiro quartel do século XVII e o pri-
meiro do século XVIII, estima-se que a região da África Centro-Ocidental 
tenha perdido, em média, mais de 290.000 pessoas a cada vinte e cinco 
anos. Esse número aumentou exponencialmente após 1725, chegando a 
quase 557.000 indivíduos no segundo quarto do século XVIII. Entre 1751 
e 1775, novamente, o número de indivíduos exportados cresceu, chegando 
a mais de 650 mil no período. Nos últimos vinte e cinco anos do século 
XVIII, mais de 822 mil pessoas foram embarcadas nos navios ancorados 
nos portos de Luanda e Benguela. O volume e a escala de crescimento 
do comércio transatlântico cresceu no século XIX, excedendo o número 
de 900 mil pessoas exportadas no primeiro quartel e, entre 1826 e 1850, 
por pouco não alcançou o número de um milhão de africanos exportados. 
Especialistas na história da escravidão e comércio de escravos reconhecem 
que as estimativas disponíveis apontam para a importância da região da 
África Centro-Ocidental no mundo Atlântico. 
Ainda que os números gerais estejam bem assentados, os detalhes sobre 
a vida dos africanos transportados nos navios negreiros carece de mais 
investigação. Como se sabe, os proprietários e capitães desses navios, es-
pecialmente os de bandeira portuguesa/brasileira, não eram muito pródigos 
no registro de informações referentes ao sexo, idade e origem étnica dos 
escravos transportados. Apesar de tudo, é possível encontrar na base de 
dados Voyages estimativas que, baseadas nas informações existentes, ten-
tam apontar a proporção de homens, mulheres e crianças escravizadas que 
fizeram a travessia atlântica. Ao análisar essas estimativas sobre a distri-
buição sexual da população escravizada enviada às Américas fica evidente 
que uma proporção maior de mulheres foi exportada da região da África 
Ocidental do que dos portos localizados na África Centro-Ocidental. Isso 
quer dizer que, proporcionalmente, chegaram mais mulheres africanas ao 
Caribe e às áreas vizinhas do que ao Brasil, devido aos laços que uniam 
o comércio para os portos brasileiros aos portos da África Centro-Ociden-
tal. Apesar da imagem muito difundida do comércio transatlântico ter sido 
feito predominantemente com homens escravizados, os dados disponíveis 
revelam que um número alto de africanas também foi enviado às Américas. 
Como pode ser observado na Tabela 5, no último quartel do século XVII, as 
mulheres representaram quase 50 por cento de todos os escravos embarcados 
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
15
na África Centro-Ocidental. Número expressivo de mulheres também pode 
ser identificado para essa região nos períodos de 1651-1675 e 1776-1800.21 
Tabela 5 
Porcentagem de mulheres escravas no comércio atlântico, 1651-1864
16
51
-1
67
5
16
76
-1
70
0
17
01
-1
72
5
17
26
-1
75
0
17
51
-1
77
5
17
76
-1
80
0
18
01
-1
82
5
18
26
-1
85
0
18
51
-1
86
4
M
éd
ia
Senegâmbia 46,7 26,1 32,2 20,3 38,9 33,1 40,4 32,6 – 34,0
Serra Leoa – 21,7 31,2 20,0 41,3 34,7 31,6 30,2 – 33,5
Costa do Barlavento – – 67,1 39,5 42,7 34,5 28,4 32,1 – 36,7
Costa do Ouro 36,9 45,6 29,4 28,8 37,0 34,1 29,9 51,7 – 33,9
Golfo do Benim 41,6 41,0 34,9 40,5 42,1 36,5 28,5 35,2 30,1 37,6
Golfo de Biafra 51,1 51,3 48,0 24,6 41,2 42,8 35,3 35,4 – 41,7
África Centro-
Ocidental
44,2 49,6 27,2 37,2 32,3 34,9 33,8 26,4 23,6 32,4
África / Sudeste – – – 42,8 – 26,7 25,6 18,1 13,2 26,5
Não identiicada 15,6 46,5 39,6 20,4 42,3 34,7 32,4 – – 38,3
Média 45,3 41,1 32,7 33,1 38,4 36,8 32,8 32,5 25,3 36,0
Fonte: Eltis et al., Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database. 
Disponível em: . Último acesso: 22/05/2015.
Como pode ser visto na Tabela 6, as proporções relativas de crianças na 
migração forçada da África cresceu substancialmente ao longo do tempo e 
isso significa que um grande número dos africanos escravizados enviados 
para as colônias americanas estava composto por crianças. Assim, entre 
1660 e 1866, de um total de 8.474.599 escravos desembarcados nos portos 
americanos, 2.169.497 deles eram crianças. Isso significa que mais de um 
quinto de todos os africanos escravizados que chegaram com vida às Amé-
21 Para mais detalhes sobre a composição sexual dos africanos escravizados ver David 
Eltis e Stanley Engerman, “Was the Slave Trade Dominated by Men?” Journal of Inter-
disciplinary History 23 (1992): 237-57; e Eltis e Engerman, “Fluctuations in Sex and 
Age Ratios in the Transatlantic Slave Trade, 1663-1864”, Economic History Review 46 
(1993): 308-323. 
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
16
ricas eram crianças menores de quatorze anos. A Tabela 6 mostra que a im-
portância demográfica das crianças cresceu no período final do comércio 
transatlântico de escravos. No final do século XVII, a proporção de crian-
ças era de 11 por cento do total de desembarques, aumentou para 17 por 
cento no século XVIII e depois de 1807 chegou a 42, 6 por cento do total. 
Tabela 6 
Crianças africanas escravizadas no comércio atlântico, 1660-1866
Anos
Africanos 
embarcados
Africanos 
desembarcados
Crianças 
desembarcadas
Crianças (%)
1660-1699 557.011 449.987 49.999 11,0
1700-1749 2.179.440 1.839.655 312.741 17,0
1750-1807 4.214.213 3.684.180 851.456 23,1
1808-1866 2.812.101 2.500.777 1.065.331 42,6
TOTAL 9.762.765 8.474.599 2.169.497 25,6
Fonte: Eltis et al., Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database. 
Disponível em: . 
Último acesso: 22/05/2015.
A Tabela 7 mostra a média ponderada das crianças escravizadas por região 
de origem na África desde o final do século XVII até a extinção total do tráfico 
atlântico de escravos. Essa tabela demonstra nãosó que o número de crianças 
aumentou ao longo do tempo, mas também que esse aumento foi particular-
mente importante na África Centro-Ocidental, especialmente no século XIX. 
Tabela 7 
Média ponderada por região das crianças embarcadas, 1663-1867
Alta Guiné
Costa do 
Ouro
Golfo do 
Benim
Golfo de 
Biafra
África 
Centro-
Ocidental
África / 
Sudeste
Todas as 
regiões
1663-1700 0.054 0.109 0.128 0.110 0.217 – 0.122
1701-1809 0.252 0.116 0.169 0.210 0.281 – 0.227
1810-1867 0.404 – 0.327 0.359 0.530 0.501 0.461
Fonte: Eltis e Engerman, “Fluctuations in Sex and Age Ratios in the 
Transatlantic Slave Trade, 1663-1864”, 310.
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
17
A Tabela 8 permite uma comparação mais detalhada entre o embarque 
de crianças na África Centro-Ocidental e o de outras regiões da África. Ela 
mostra que a proporção de crianças exportadas da África Centro-Ocidental 
aumentou de forma constante a partir do final do século XVII. A maior par-
te do século XVIII, a proporção de crianças embarcadas chegou a 30 por 
cento. Entre 1776-1800, a proporção diminui para menos de 20 por cento, 
entretanto essa queda foi seguida por uma subida brusca e continua: nas 
primeiras décadas no século XIX, a proporção de crianças exportadas ul-
trapassou os 40 por cento e, para o período de 1826-1850 foi superior a 50 
por cento. Uma comparação entre as Tabelas 6 e 7 revela que um número 
maior de crianças foi enviadas da África Centro-Ocidental para o Brasil do 
que do resto do continente para outras regiões das Américas. O comércio 
transatlântico de escravos, especialmente no Atlântico Sul, foi progressi-
vamente atingindo cada vez pessoas mais jovens, resultando num grande 
número de crianças, e especialmente de meninos, escravizados.
Tabela 8 
Porcentagem de crianças africanas escravizadas no comércio 
atlântico, 1652-1863
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1652-1675 – – – 7,3 6,7 12,5 31,2 – 2,2 10,5
1676-1700 4,7 5,8 – 9,0 12,4 9,8 18,9 – 16,9 10,9
1701-1725 8,6 14,7 55,3 15,4 19,2 23,9 12,0 – 24,4 15,7
1726-1750 9,8 25,0 32,3 17,2 25,6 17,0 9,3 30,0 12,2 12,1
1751-1775 26,2 34,5 26,6 24,0 15,8 34,3 16,3 – 24,7 21,3
1776-1800 19,8 24,6 25,3 18,5 14,3 19,3 13,1 27,8 27,0 18,5
1801-1825 30,9 38,4 48,6 23,8 25,6 29,9 7,4 31,6 26,3 19,3
1826-1850 19,7 41,5 39,1 46,8 36,6 39,5 53,3 60,0 – 41,3
1851-1863 – – – – 17,4 – 39,3 55,6 – 29,2
Média 18,7 30,0 29,6 17,6 20,7 25,1 13,8 35,5 24,8 19,3
Fonte: Eltis et al., Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database. 
Disponível em: . Último acesso: 22/05/2015.
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
18
Em conjunto, a migração forçada de mulheres e crianças é de grande 
importância para a dinâmica populacional do continente africano. No caso 
da África Centro-Ocidental, a remoção de um grande número de crianças 
sugere que as estruturas sociais e políticas das zonas próximas a Luanda 
e Benguela foram capazes de gerar crianças para a exportação. Deve-se 
notar que, apesar da sangria demográfica, essas sociedades foram capazes 
de continuar a exportar um grande número de pessoas, sendo algumas de-
las muito jovens – especialmente durante o último período do tráfico. Os 
estudos de José C. Curto, Roquinaldo Ferreira e Mariana Candido demons-
tram que as autoridades africanas locais e os agentes coloniais portugueses 
debateram ativamente a natureza daquilo que poderia ser considerada uma 
escravização “justa” e qual o tipo de proteção judicial que poderia ser ofe-
recida àqueles que tivessem sido escravizados “erroneamente”.22 Assim, 
os métodos de captura e escravização de indivíduos livres tanto podiam 
ser declarados legais como ilegais segundo a jurisprudência portuguesa e 
as normas da Igreja Católica. Nesse sentido, é provável que sempre tenha 
existido algum tipo de norma jurídica mais ou menos eficazes para aque-
les que se sentissem lesados em seus direitos. Em outras palavras, as pes-
soas que tivessem sido escravizadas de forma irregular poderiam recorrer 
à autoridade colonial para que sua liberdade fosse restabelecida. O grande 
número de crianças, principalmente de meninos, nas exportações da África 
Centro-Ocidental sugere existirem condições locais específicas que per-
mitiam às sociedades da região a manutenção de sua organização interna 
apesar da perda de crianças, especialmente de meninos. Ainda não está 
claro quais seriam essas condições. O fato dessas sociedades serem matri-
lineares pode ou não ter influenciado essa opção pela retenção de meninas. 
É sabido que a penhora humana era praticada no interior, porém pouco se 
sabe sobre a extensão em que a servidão por dívidas teria levado à escravi-
22 José C. Curto, “The Story of Nbena, 1817-1820: Unlawful Enslavement and the Con-
cept of ‘Original Freedom’ in Angola”, in Paul E. Lovejoy e David V. Trotman, eds., 
Trans-Atlantic Dimensions of Ethnicity in the African Diaspora (London: Continuum, 
2003), 44-64; Roquinaldo Ferreira, “Slaving and Resistance to Slaving in West Cen-
tral Africa”, in The Cambridge World History of Slavery, vol. 3 (Cambridge University 
Press, 2011); Mariana P. Candido, “African Freedom Suits and Portuguese Vassal Sta-
tus: Legal Mechanisms for Fighting Enslavement in Benguela, Angola, 1800–1830”, 
Slavery & Abolition 32, 3 (2011): 447-459; e Mariana P. Candido, “O limite tênue entre a 
liberdade e escravidão em Benguela durante a era do comércio transatlântico”, Afro Ásia 
47 (2013): 239-268.
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
19
zação e deportação dos indivíduos penhorados. No entanto, considerando 
o número de crianças envolvidas, é possível que a penhora tenha sido um 
caminho fácil para a escravidão e a venda para os mercados atlânticos.23 
A deportação de indivíduos do sexo masculino, incluindo meninos, era 
visível na população que residia nos centros coloniais urbanos de Angola. 
Segundo Joseph Miller:
a população africana [livre] da colônia... era majorita-
riamente feminina, inclusive já na faixa etária das crianças 
pequenas (1,2 menino para cada 1,5 menina ou uma relação 
entre os sexos de 80 para 100). O excedente feminino au-
mentava ainda mais entre os adultos jovens, onde havia 65 
homens para cada 100 mulheres (ou 1,02 homem para 1,56 
mulher). Entre os adultos, a desproporção tornava-se extraor-
dinária chegando a haver 50 homens para cada 100 mulheres 
(ou 0,47 para 0,93). Em outras palavras: nessa faixa etária 
existiam duas mulheres para cada homem, quando em outras 
circunstâncias o número de homens seria um pouco maior que 
o de mulheres.24
No final do século XVIII, as aldeias localizadas nas áreas próximas à 
costa de Angola estavam “repletas de mulheres e crianças, com um número 
de meninas pré-púberes muito maior que o de meninos”, devido à venda 
de crianças do sexo masculino ao comércio Atlântico e à retenção local de 
meninas como esposas ou dependentes.25 Um grande número de mulheres 
também era retido em sistema de escravidão local nos sobados e mesmo 
nos centros coloniais.26 Uma situação similar aconteceu no sudeste africa-
23 Jan Vansina, “Ambaca Society and the Slave Trade c. 1760-1845”, The Journal of 
African History 46, 1 (2005): 1-27; e Curto, “Experiences of Enslavement in West-
Central Africa.” 
24 Miller, Way of Death, 160. Para a sua análise, Miller utilizou-se do “Mappa de todos 
os moradores, e habitantes deste reino de Angola, e suas conquistas, tirado no im do 
anno de 1778”, publicado na revista Arquivo das Colónias 3 (1918): 175-178. Ver 
também John K. Thornton, “The Slave Trade in Eighteenth-Century Angola: Effects on 
Demographic Structures”,Canadian Journal of African Studies 14, 3 (1980): 417-427.
25 Miller, Way of Death, 163. 
26 Candido, Fronteras de esclavización.
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
20
no, especialmente em algumas áreas de Moçambique, onde a exportação 
de crianças foi até maior do que a da África Centro-Ocidental. 
Os dados da base de dados Voyages também lançam novas luzes so-
bre os padrões da migração forçada de pessoas desde a África Ocidental. 
Nessa região, as diferentes zonas do tráfico mostraram uma diversidade 
muito mais acentuada na exportação de crianças do que se acreditava an-
teriormente. Ao comparar-se os números apresentados na base de dados 
publicada em 1999 com os números atuais, vê-se que houve uma grande 
mudança, ainda que a tendência geral de aumento da proporção de crian-
ças a partir de 1807 tenha permanecido inalterada. Assim, se na versão de 
1999 a África Ocidental era mostrada como tendo exportado muito menos 
crianças que a África Centro-Ocidental, tanto proporcionalmente como em 
números absolutos, a base de dados atual mostra que a proporção de crian-
ças em muitas zonas era maior do que se pensava. Desta forma, todas as 
zonas da África Ocidental apresentaram maiores médias percentuais totais 
que a África Centro-Ocidental. É possível, no entanto, que esses números 
ainda não sejam definitivos, pois sabe-se que não era prática comum nos 
navios de bandeira portuguesa / brasileira o registro do sexo e da idade dos 
escravos embarcados. 
Em todo caso, na África Ocidental o comércio atlântico não era o único 
mercado para os escravos da região. Assim, como muitos outros escravos, 
as crianças capturadas ou penhoradas por dívida tanto podiam permane-
cer na região como ser vendidas para os mercados muçulmanos do nor-
te. O destino das crianças escravizadas no interior da região da Baía do 
Benim estava relacionado à dinâmica interna do mercado de escravos.27 
Da mesma forma, no século XIX, muitas crianças embarcadas na África 
Ocidental acabavam sendo levadas para a Serra Leoa, nos casos em que 
a marinha britânica capturava navios negreiros infringindo o Slave Trade 
Act de 1807. Muitas outras crianças escravizadas também acabavam fican-
do na própria África Ocidental, sendo vendidas nos mercados do interior, 
longe da costa. Em 1834, por exemplo, um comerciante muçulmano cha-
mado Soho, que estava fazendo negócios na confluência dos rios Níger e 
27 Para o comércio de crianças escravizadas na África Ocidental, ver William Allen e T. R. H. 
Thomson, A Narrative of the Expedition Sent by Her Majesty’s Government to the River 
Niger in 1841 (Londres: Richard Bentley, 1848), vol. I, 402-407; e William Cole, Life in the 
Niger, or The Journal of an African Trader (Londres: Sauders, Otley and Co., 1862), 31-34.
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
21
Benue, teria comprado ali “seis mulheres jovens, estando três delas com 
crianças de peito” e tinha a intenção de levá-las mais ainda para o interior 
e trocá-las por marfim, ao invés de vendê-las nos mercados da costa.28 Em 
muitos casos, as razões por trás da escravização não estavam relacionadas 
às demandas externas do mercado atlântico, mas sim por dinâmicas locais 
como, por exemplo, o sequestro e a exigência de pagamento de resgate. 
Esse foi o caso de um menino capturado em 1841 por assaltantes Felatah 
(fulas) em um local próximo à confluência do Níger e do Benue. A criança 
acabou sendo vendida aos traficantes de escravos porque os sequestrado-
res consideraram que o resgate oferecido pelos pais “não era suficiente.”29 
Também em 1841, James Macaulay, escravo liberto que retornou à terra 
natal, conseguiu localizar sua irmã e descobriu que dois filhos dela tinham 
sido capturados pelos Fulatahs e levados para o Califado de Sokoto, estan-
do a mãe ainda tentando negociar o resgate.30 Em 1863, a escrava fugitiva 
Elizabeth Alady relatou a missionários ingleses que ela e seu filho de três 
anos de idade, nascido em cativeiro, seriam vendidos juntos para pagar 
uma dívida de seu proprietário, o que a teria levado a empreender a fuga.31 
Os dados disponíveis indicam que tanto na África Ocidental como na 
África Centro-Ocidental um número elevado de meninos e meninas fo-
ram vendidos como escravos. Muitas dessas crianças foram vendidas nos 
mercados domésticos e retidos para atender as necessidades e interesses 
de grupos locais e por isso não chegaram a entrar no circuito do comércio 
atlântico de escravos. Ainda assim, a África Centro-Ocidental passou a 
exportar cada vez mais crianças escravizadas e, em sua maioria, do sexo 
masculino. Um padrão similar caracterizou a migração forçada a partir do 
sudeste da África, principalmente de Moçambique. A exportação de es-
cravos dessa região tornou-se significativa apenas a partir do último quar-
tel do século XVIII e o número de crianças, principalmente meninos, foi 
considerável, especialmente durante o século XIX. De fato, a proporção 
28 MacGreggor Laird e R.A.K. Oldield, Narratives of an Expedition into the Interior of 
Africa by the River Niger…1832, 1833, and 1834 (2 vols., Londres: Richard Bentley, 
1837), II, 312.
29 Allen e Thomson, Expedition to the River Niger, vol. 1, 92.
30 James Frederick Schön e Samuel Crowther, Journals of the Rev. James Frederick Schön 
and Samuel Crowther (Londres: Hatchard and son, 1842), 204.
31 Arquivo da Church Mission Society (CMS), Birmingham, Grã Bretanha, “Diário de 
James Thomas”, 6 de abril de 1864. 
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
22
de crianças exportadas do sudeste africano foi até mesmo maior que a da 
África Centro-Ocidental. De muitas formas, a incorporação do sudeste 
africano ao complexo comercial atlântico pode ser considerada como uma 
extensão do comércio entre o Brasil e Angola e fez parte da tendência 
de uma maior exportação de homens e, consequentemente, de meninos, a 
partir das regiões de povos falantes de línguas bantu. Como acontecia com 
a África Centro-Ocidental, a migração forçada a partir do sudeste africano 
dirigiu-se principalmente ao Brasil, ainda que a região também tenha suprido 
a demanda de algumas ilhas do Oceano Índico.
Combinadas, a África Centro-Ocidental e a região sudeste da África fo-
ram responsáveis pelo embarque de cerca da metade de todos os africanos 
levados pelo comércio atlântico, ou seja, pelo menos 6.237.242 pessoas de 
um total de 12.521.336 migrantes forçados. Em outros termos, pode-se afir-
mar que metade de todos os africanos escravizados falava uma ou mais das 
línguas bantu aparentadas entre si e que a maioria dessas pessoas era origi-
nária de sociedades matrilineares e, sendo assim, essas pessoas tinham uma 
bagagem cultural semelhante. O significado dessa homogeneidade cultural 
tem sido explorada pelos pesquisadores, porém mais pesquisas precisam 
ser feitas nesse campo. Essas duas regiões estabeleceram relações estreitas 
com o Brasil através do comércio de escravos e, como pode ser visto na Ta-
bela 9, a África Centro-Ocidental sozinha foi responsável pela entrada de 
aproximadamente dois terços de todos os africanos importados pelo Brasil 
e, quando os escravos do sudeste africano são adicionados a esse número, 
a proporção de pessoas da zona cultural banto excede os 70 por cento do 
total de desembarques. 
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
23
Tabela 9 
Total de africanos embarcados na África e desembarcados no Brasil, 
1501-1866
Brasil
Embarques Desembarques
Senegambia 125.508 109.108
Serra Leoa 10.036 8.835
Costa do Barlavento 6.884 6.161
Costa do Ouro 71.353 64.478
Baía do Benim 974.932 877.034
Baía de Biafra 141.823 122.617
África Centro-Ocidental 3.864.687 3.396.909
Moçambique / Sudeste 336.896 279.232
Total 5.532.118 4.864.374
Fonte: Eltis et al., Voyages: The Trans-Atlantic Slave Trade Database.
Disponível em:faces>. Último acesso: 22/05/2015.
O impacto dessa migração de falantes de línguas bantu no Brasil foi 
certamente importante. No entanto, a despeito da importância do Brasil no 
sistema do Atlântico Sul, a escala da migração desde a África Centro-O-
cidental era tão formidável que pessoas falantes de línguas bantu podiam ser 
encontradas praticamente em todas as regiões das Américas. De fato, cerca 
de um quarto de todos os africanos embarcados na África Centro-Ocidental 
não foram destinados ao Brasil, mas sim a outras partes, notadamente à Amé-
rica Espanhola e às colônias francesas. Relativamente poucos centro-africa-
nos foram para os territórios britânicos nas Américas, mas mesmo nessas 
colônias eram numerosas as pessoas que se identificavam com o Congo, 
Angola ou o interior da África Centro-Ocidental.
Os muitos africanos que foram parar em outras regiões das Américas 
devem ter saído da faixa litorânea ao norte do Rio Congo e viajado em 
navios de bandeira britânica, francesa ou holandesa. O padrão comercial 
seguido por essas nações era bem mais próximo do clássico modelo trian-
gular do que a troca bilateral predominante no Atlântico Sul, onde o Bra-
sil comercializava diretamente com a África. Dessa forma, a divisão do 
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
24
Atlântico em dois grandes sistemas de comércio divididos pelo Equador 
continua válida. No entanto, como todo sistema, o do norte e o do sul eram 
permeáveis às exceções; como são os casos dos comerciantes brasileiros 
que comercializavam diretamente com os portos da Baía do Benim e da 
Alta Guiné (principalmente os de Cacheu e Bissau), ao norte, ou o comér-
cio triangular praticado pela Companhia das Índias Ocidentais que, entre o 
final do século XVI e o início do XVII, enlaçava os mercados holandeses 
com suas conquistas angolanas e brasileiras. No entanto, apesar das exce-
ções, a existência de dois padrões de comércio é clara: um era dominante 
no Atlântico Norte e foi controlado em diferentes momentos por holande-
ses, franceses e, em especial, ingleses; e o outro cruzava o Atlântico Sul 
ligando a África Centro-Ocidental à América Portuguesa, no qual predo-
minaram os comerciantes portugueses e brasileiros sediados no Brasil. Os 
dados mais recentes sobre o volume, a organização e a direção do comércio 
de escravos demonstram claramente que a África Centro-Ocidental não só 
forneceu quase a metade de todos os africanos escravizados enviados para 
as Américas como também a grande maioria dos que foram parar no Brasil. 
Esses números demonstram a centralidade do comércio atlântico de escra-
vos para a história de Angola, incluindo-se não só as populações da costa 
como também as do interior. Por tudo isso, o comércio transatlântico de es-
cravos não foi “uma instituição marginal às margens do sistema Atlântico”, 
como argumentou Joseph C. Miller há 25 anos.32 De fato, a própria discus-
são de Miller sobre a natureza bilateral do comércio angolano-brasileiro 
contradiz a sua tese de marginalidade do intercâmbio. Como a demografia 
da migração forçada de africanos deixa evidente, é difícil ignorar a centra-
lidade da escravidão na região da África Centro-Ocidental. Assim, se para 
algumas regiões da África os dados numéricos indicam um caminho claro 
para as pesquisas futuras, para outras a trilha ainda é incerta e muito há que 
se descobrir sobre o peso da sangria demográfica e os efeitos do comércio 
atlântico nas histórias locais.
* * *
32 Joseph C. Miller, “A Marginal Institution on the Margin of the Atlantic System: The 
Portuguese Slave Trade in the 18th Century”, in Barbara Solow, ed., Slavery in the Rise 
of the Atlantic System (Cambridge: Cambridge University Press, 1991).
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
25
O volume Laços Atlânticos é o resultado de pesquisas realizadas nos 
últimos quinze anos sobre as relações da África com o mundo atlântico, 
especialmente de Angola com o Brasil. Durante todo o período do comér-
cio transatlântico de escravos, cerca de 4 milhões e 900 mil africanos de-
sembarcaram no Brasil, um número doze vezes maior que o total dos que 
chegaram com vida na América do Norte. Esse número é até maior que 
o de africanos transportados diretamente do continente para o Caribe e a 
América do Norte em conjunto.33 A maioria era oriunda de regiões da atual 
Angola, falantes de línguas bantu, como quimbundu, quicongo e umbun-
du. No Brasil, esses africanos eram identificados por “nações”, identida-
des recriadas, sendo conhecidos como “Angola”, “Congo” ou “Benguela”. 
Apesar da imprecisão desses termos, que refletem mais o porto de embar-
que que uma etnicidade africana, eles dão conta da grande concentração 
de indivíduos oriundos de regiões muito próximas, tanto geográfica como 
culturalmente.34 Um grande número de africanos escravizados também 
veio da Baía do Benim, também identificada como Costa dos Escravos em 
muitos documentos europeus. Entre esses incluíam-se falantes de várias 
línguas gbe, como o ewe, fon, allada. No Brasil, os africanos do Golfo da 
Guiné foram identificados, com o passar do tempo, como sendo iorubá ou 
nagô (oriundos da atual Nigéria), gêge ou mina (do Daomé) e malê (quan-
do islamizados). Independentemente das suas origens étnicas primordiais, 
os africanos muçulmanos viriam a constituir grupos importantes para a 
história brasileira e contribuíram para dar uma maior diversidade para a 
população escrava do país.35 
33 Segundo a base de dados Voyages, o número total de africanos desembarcados na América 
do Norte foi de 388,747 indivíduos. Ver . Último acesso: 22/05/2015; e David Eltis e David Richardson, Atlas 
of the Transatlantic Slave Trade (New Haven: Yale University Press, 2010), 257.
34 Para a discussão sobre a relação entre “nação” e origem africana, ver Mariza de Carvalho 
Soares, “A ‘nação’ que se tem e a ‘terra’ de onde se vem: Categorias de inserção social 
de africanos no Império Português, século XVIII”, Estudos Afro-Asiáticos 26, 2 (2004): 
303-330; e João José Reis, “Identidade e diversidades étnicas nas irmandades negras no 
tempo da escravidão”, Tempo 2, 3 (1996): 7-33.
35 Nos últimos anos cresceu o número de historiadores brasileiros especializados no 
passado africano durante o período do comércio transatlântico. Ver, entre outros, Selma 
Pantoja, Nzinga Mbandi: Mulher, guerra e escravidão (Brasília: Thesaurus Editora, 
2000); João José Reis, Flávio dos Santos Gomes e Marcus Joaquim Carvalho, O 
alufá Ruino: Tráico, escravidão e liberdades no Atlântico Negro, c. 1822-1853 (São 
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
26
Nesse volume, além dos africanos das regiões Ocidental e Centro-Oci-
dental da África, há contribuições sobre os chamados “moçambiques”, gru-
po que se tornou importante no Brasil nas últimas décadas do século XVIII 
e na primeira metade do XIX. Os “moçambiques” eram oriundos do sudeste 
africano e formaram uma população de proporção significativa no Brasil 
que se auto-reconhecia e era reconhecida por outros grupos sociais como 
oriundos dos portos de Moçambique. Esses laços, criados durante o período 
do comércio de escravos, favoreceram uma interação contínua entre a Áfri-
ca e as Américas, que foi além das margens do Atlântico, como o caso dos 
chamados “moçambiques” demonstra. Assim, os tentáculos do tráfico atlân-
tico incluíam a ligação com o Oceano Índico, onde mercadorias, escravos e 
ideias circulavam de forma semelhante àquelas do Atlântico. 
As contribuições reunidas nesse volume exemplificam os trabalhos dos 
mais respeitados especialistas em escravidão e comércio de escravos na 
África, Brasil, Europa e América do Norte, reunidos pela primeira vez em 
português. São contribuições de acadêmicos que, assim como suas análi-
ses, cruzam o Atlântico. A metodologia e as análises são essencialmente 
comparativase interdisciplinares. Os ensaios e sua ordem são circulares, 
Paulo: Companhia das Letras, 2010); Marina de Mello e Souza, Reis negros no Brasil 
escravista (Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002); Mariza Carvalho Soares, Rotas 
atlânticas da diáspora africana: Da Baía do Benim ao Rio de Janeiro (Niterói: EdUFF, 
2007); Roquinaldo Ferreira, “Biograia, mobilidade e cultura no Atlântico: Angola, sécs. 
XVIII-XIX,” Revista Tempo 10, 20 (2006): 33-59; Roquinaldo Ferreira, Cross-Cultural 
Exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade 
(Nova Iorque: Cambridge University Press, 2012); Maria Cristina Cortez Wissenbach, 
“As feitorias de urzela e o tráico de escravos: Georg Tams, José Ribeiro dos Santos e os 
negócios da África Centro-Ocidental na década de 1840”, Afro-Ásia 43 (2011): 43-90; 
Mariana P. Candido, “Os agentes não europeus na comunidade mercantil de Benguela, 
c. 1760-1820”, Saeculum: Revista de História 29 (2013): 97-123; Mariana Candido, 
An African Slaving Port and the Atlantic World: Benguela and Its Hinterland (Nova 
Iorque: Cambridge University Press, 2013); e Daniel B. Domingues da Silva, “O tráico 
de São Tomé e Príncipe, 1799 a 1811: Para o estudo das rotas negreiras subsidiárias ao 
comércio transatlântico de escravos”, Estudos de História 9, 2 (2002): 35-51. Além das 
diversas contribuições nas coleções: Selma Pantoja e José Flávio Saraiva, orgs., Angola 
e Brasil nas rotas do Atlântico Sul (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, s/d.); Vanicléia 
Silva Santos e Eduardo França e Paiva, orgs, África e Brasil no mundo moderno (Belo 
Horizonte: Annablume, 2012); Roberto Guedes, org., África – Brasileiros e portugueses 
(Rio de Janeiro: MAUD, 2013); e Alexandre Vieira Ribeiro e Alexander Lemos de 
Almeida Gebara, orgs., Estudos africanos: Múltiplas abordagens (Niterói: UFF, 2013).
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos
27
partindo da África, chegando as Américas para depois retornar à África, 
repetindo o movimento de muitos africanos em séculos anteriores. 
Na primeira parte, são apresentadas as contribuições de Alberto Costa 
e Silva, Carlos Liberato e Rosa Cruz e Silva que discutem a problemáti-
ca interação entre o a África, as ilhas atlânticas e o Brasil. Costa e Silva 
indica a lacuna da historiografia brasileira que se concentra nas relações 
com Portugal e negligencia as contribuições da África.36 O autor analisa 
a formação de novas identidades a partir de vários exemplos, como os 
“crioulos” do terço de Henrique Dias lutando contra os holandeses na Áfri-
ca, a recriação de uma “pequena Angola” no quilombo dos Palmares ou as 
tradições e objetos sagrados daomeanos encontrados na Casa das Minas 
do Maranhão. Carlos Liberato desafia a ideia dos africanos como mão de 
obra não especializada e explora a contribuição africana para o desenvol-
vimento tecnológico da produção de panos no Arquipélago de Cabo Verde 
36 Nos últimos anos cresceu o número de historiadores brasileiros especializados no 
passado africano durante o período do comércio transatlântico. Ver, entre outros, Selma 
Pantoja, Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão (Brasília, DF: Thesaurus Editora, 
2000); João José Reis, Flávio dos Santos Gomes e Marcus Joaquim Carvalho, O alufá 
Rufino: Tráfico, escravidão e liberdades no Atlântico Negro (c. 1822-1853) (São Paulo: 
Companhia das Letras, 2010); Marina de Mello e Souza, Reis negros no Brasil escravista 
(Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002); Mariza Carvalho Soares, Rotas Atlânticas 
da Diáspora Africana: da Baía do Benim ao Rio de Janeiro (Niterói: EdUFF, 2007); 
Roquinaldo Ferreira, “Biografia, Mobilidade e Cultura no Atlântico: Angola, sécs. 
XVIII-XIX”, Revista Tempo 10, 20 (2006), 33-59; Roquinaldo Ferreira, Cross-Cultural 
Exchange in the Atlantic World: Angola and Brazil during the Era of the Slave Trade 
(Nova Iorque: Cambridge University Press, 2012); Maria Cristina Cortez Wissenbach, 
“As feitorias de urzela e o tráfico de escravos: Georg Tams, José Ribeiro dos Santos e 
os negócios da África centro-ocidental na década de 1840”, Afro-Ásia 43 (2011): 43-90; 
Mariana P. Candido, “Os agentes não europeus na comunidade mercantil de Benguela, 
c. 1760-1820”, Saeculum - Revista de História 29 (2013): 97–123; Mariana Candido, An 
African Slaving Port and the Atlantic World: Benguela and Its Hinterland (Nova Iorque: 
Cambridge University Press, 2013); e Daniel B. Domingues da Silva, “O tráfico de São 
Tomé e Príncipe, 1799 a 1811: para o estudo das rotas negreiras subsidiárias ao comércio 
transatlântico de escravos”, Estudos de História 9, 2 (2002): 35-51. Além das diversas 
contribuições nas coleções Selma Pantoja e José Flávio Saraiva, orgs., Angola e Brasil 
nas rotas do Atlântico Sul (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, s.d.); Vanicléia Silva Santos 
e Eduardo França e Paiva, orgs., África e Brasil no Mundo Moderno (Belo Horizonte: 
Annablume, 2012); Roberto Guedes, org., África – Brasileiros e Portugueses (Rio 
de Janeiro: MAUD, 2013); Alexandre Vieira Ribeiro e Alexander Lemos de Almeida 
Gebara, orgs. Estudos Africanos. Múltiplas abordagens (Niterói: UFF, 2013).
Carlos Liberato, Mariana P. Candido, Paul E. Lovejoy e Renée Soulodre-La France
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e a importância do seu comércio no trato dos Rios da Guiné. No último 
capítulo da primeira parte, Rosa Cruz e Silva investiga os efeitos do tráfico 
de escravos no interior de Benguela, mais especificamente nas regiões de 
Caconda e Quilengues no final do século XIX, destacando o papel crucial 
e desestabilizador dos comerciantes brasileiros. 
Na segunda parte, Manolo Florentino, Susan Herlin e José Capela ana-
lisam o comércio de escravos e seu funcionamento. O capítulo de Manolo 
Florentino dialoga com o de Rosa Cruz e Silva ao mostrar a preponderân-
cia dos investimentos brasileiros no tráfico, o que sem dúvida resultou na 
violência demonstrada por Cruz e Silva. Através de casos concretos, Flo-
rentino identifica negreiros cariocas que atuavam em Angola nos séculos 
XVIII e XIX. As relações transatlânticas envolviam Portugal mas estavam 
subordinadas ao comércio bilateral que caracterizava o comércio entre o 
Brasil e Angola. Susan Herlin analisa em seu capítulo a participação dos 
comerciantes brasileiros no comércio do Reino do Congo durante o pe-
ríodo final do comércio de escravos. Herlin mostra como os comerciantes 
brasileiros estabelecidos na África Centro-Ocidental foram essenciais para 
a organização, o financiamento e a execução das atividades do tráfico ile-
gal de escravos a partir do Reino do Congo e zonas vizinhas. José Capela 
analisa a participação de Moçambique no tráfico de escravos e mostra os 
mecanismos pelos quais o sistema atlântico estendeu suas fronteiras ao in-
corporar a região sudeste da África banhada pelo Oceano Índico. O ensaio 
de Capela mostra as limitações de categorias geográficas, pois o tráfico em 
costas moçambicanas operava de forma semelhante ao comércio de almas 
em Angola. Capela também revela como o comércio de escravos coman-
dado por brasileiros em Moçambique alterou a conjuntura política interna. 
Ainda na segunda parte, os capítulos de James Sweet, Jane Landers e 
Renée Soulodre-La France oferecem novas perspectivas sobre a influência 
cultural africana nas Américas. James Sweet apresenta um estudo sobre as 
cerimônias de adivinhação praticadas por centro-africanos no Brasil do sé-
culo XVII. Através da análise de documentação inquisitorial, Sweet mostra 
como esses adivinhos africanos exerciam o poder espiritual não só sobre 
outros africanos mas também sobre a classe senhorial no Brasil colônia. O 
capítulo de Jane Landers compara comunidades quilombolas na América 
espanhola e no Brasil. Landers analisa questões de liderança e organiza-
ção política e social das comunidades estabelecidas por escravos fugidos, 
mostrando as influências africanas. Segundo Landers, essas comunidades, 
Laços Atlânticos: África e africanos durante a era do comércio transatlântico de escravos

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