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VI Congresso Internacional em Ciências da Saúde Única Capítulo de Livro SAÚDE E DIREITOS HUMANOS — REVISÃO CRÍTICA SISTEMATIZADA DA LITERATURA Elias Araújo do Nascimento1 1Mestre em Tecnologias Emergentes em Educação – Must University (e-mail: eliasaraujo.ean@gmail.com) Resumo: A presente obra trata sobre a relação entre saúde e direitos humanos representa um eixo estruturante das políticas públicas e da pesquisa em saúde global contemporânea, ao reconhecer que o bem-estar físico e mental não é apenas resultado de intervenções biomédicas, mas também da concretização de direitos sociais, civis e políticos. Este estudo tem como objetivo realizar uma revisão crítica sistematizada da literatura publicada entre 2000 e 2025, a fim de identificar avanços, desafios e lacunas na efetivação do direito à saúde, considerando os contextos nacionais e internacionais. A metodologia baseou-se em uma revisão narrativa sistematizada, com busca em bases de dados como PubMed, SciELO, WHO e OHCHR, além de documentos normativos e relatórios técnicos de organizações multilaterais. Foram incluídas publicações em português, inglês e espanhol que abordassem explicitamente a relação entre saúde e direitos humanos, resultando em um corpus diversificado de estudos empíricos, análises normativas e revisões teóricas. Os resultados evidenciam que, embora o marco jurídico internacional, especialmente o Comentário Geral nº 14 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, tenha consolidado o direito à saúde como obrigação estatal progressiva, a implementação prática permanece desigual. Questões como o subfinanciamento dos sistemas públicos, as desigualdades de gênero e raça, a vulnerabilidade de migrantes e povos indígenas, e os efeitos das mudanças climáticas continuam a comprometer o princípio da universalidade. A revisão indica que políticas públicas baseadas em direitos produzem avanços em equidade, participação e transparência, mas enfrentam obstáculos relacionados à judicialização, à falta de indicadores robustos e à influência de interesses econômicos globais. Discussões recentes ampliam o debate ao incorporar temáticas como bioética, governança participativa, saúde digital, justiça ambiental e decolonialidade, evidenciando a necessidade de abordagens interdisciplinares e sensíveis à diversidade cultural. Conclui-se que a efetivação do direito à saúde requer integração entre ciência, ética e política, sustentada por mecanismos de accountability e participação social, a fim de reduzir as desigualdades estruturais e promover uma governança democrática capaz de garantir a dignidade e o bem-estar como valores universais e indivisíveis dos direitos humanos. Palavras-chave: Bioética; Direitos humanos; Equidade; Governança; Saúde. Área temática: Saúde e Direitos Humanos. Abstract: The relationship between health and human rights represents a structuring axis of public policies and contemporary global health research, recognizing that physical and mental well-being is not merely the result of biomedical interventions but also the outcome of the realization of social, civil, and political rights. This study aims to conduct a systematic critical review of the literature published between 2000 and 2025, identifying advances, challenges, and gaps in the implementation of the right to health within national and international contexts. The methodology was based on a systematized narrative review, including searches in databases such as PubMed, SciELO, WHO, and OHCHR, as well as normative documents and technical reports from multilateral organizations. Publications in Portuguese, English, and Spanish that explicitly addressed the relationship between health and human rights were included, resulting in a diverse corpus of empirical studies, normative analyses, and theoretical reviews. The results show that, although the international legal framework — particularly General Comment No. 14 of the UN Committee on Economic, Social and Cultural Rights — has consolidated the right to health as a progressive state obligation, its practical implementation remains uneven. Issues such as underfunding of public health systems, gender and racial inequalities, the vulnerability of migrants and Indigenous peoples, and the effects of climate change continue to undermine the principle of universality. The review indicates that rights-based public policies promote advances in equity, participation, and transparency, yet face obstacles related to judicialization, the lack of robust indicators, and the influence of global economic interests. Recent discussions broaden the debate by incorporating themes such as bioethics, participatory governance, digital health, environmental justice, and decoloniality, highlighting the need for interdisciplinary and culturally sensitive approaches. It is concluded that the realization of the right to health requires integration among science, ethics, and politics, supported by mechanisms of accountability and social participation, in order to reduce structural inequalities and promote democratic governance capable of ensuring dignity and well-being as universal and indivisible values of human rights. Keywords: Bioethics; Human rights; Equity; Governance; Health. Thematic Area: Health and Human Rights. INTRODUÇÃO A relação entre saúde e direitos humanos configura-se hoje como eixo orientador de políticas públicas e pesquisas acadêmicas, na medida em que reconhece a saúde não apenas como resultado de intervenções biomédicas, mas como expressão de direitos legais, sociais e políticos. O conceito de “direito à saúde” tem fundamento em instrumentos internacionais e em normativas que o transformam em obrigação estatal progressiva, exigindo políticas públicas que garantam acesso, qualidade e equidade nos serviços de saúde (OHCHR, 2008; WHO, 2023). Esta revisão busca sistematizar criticamente a literatura contemporânea sobre saúde e direitos humanos, identificando avanços, lacunas metodológicas e implicações para pesquisa e política. Conduzimos uma revisão sistemática narrativa dos principais relatórios internacionais, artigos revisados por pares e documentos de organizações de direitos humanos publicados entre 2000 e 2025. As bases consultadas incluíram WHO, OHCHR, PubMed/PMC, The Lancet (especialmente comissões e dossiês temáticos), Human Rights Watch e relatórios de comissões internacionais. Critérios de inclusão: (a) tratar explicitamente a relação entre saúde e direitos humanos; (b) apresentar dados empíricos, análise normativa ou recomendações de política; (c) estar em inglês, português ou espanhol; (d) publicação entre 2000–2025. Procedeu-se extração padronizada de dados e avaliação crítica da qualidade metodológica segundo adaptações de checklists de revisão narrativa. Fontes centrais incluem General Comment No.14 (CESCR, 2000), relatórios da WHO sobre UHC (WHO, 2023) e literatura sobre determinantes sociais (Marmot, 2010; Marmot, 2014). A fundamentação jurídica do direito à saúde assenta-se em instrumentos como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a interpretação contida na General Comment No. 14, que define obrigações de respeitar, proteger e cumprir. Esse marco estabelece componentes normativos (disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade — AAAQ) que servem de critérios para avaliação de políticas públicas. No entanto, a transformação de normas em práticas efetivas permanece desigual entre países, dependente de recursos, governança e pressões sociais (CESCR, 2000; OHCHR, 2008). A UHC é frequentemente tratada como veículo operacional do direito à saúde, mas autores críticos apontam ambiguidades na sua implementação: metas de cobertura não garantem automaticamente equidade nem atenção aos determinantes sociais, e algumas políticas de UHC têm priorizado eficiência econômica em detrimento de princípios de não discriminação e participação social (Nygren-Krug, 2019; WHO, 2025). Evidências recentes mostram que, apesar de progresso em coberturaformal, gastos catastróficos e lacunas de acesso persistem, sobretudo em populações marginalizadas (Lozano et al., 2020; WHO, 2025). OBJETIVO O objetivo é analisar, de forma crítica e sistemática, evidências empíricas e documentos normativos sobre a operacionalização do direito à saúde nas últimas duas décadas, com ênfase em desigualdades, cobertura universal, determinantes sociais e accountability. Busca-se também refletir sobre os instrumentos jurídicos e políticos que moldam práticas de proteção dos direitos humanos na saúde, avaliando sua efetividade em diferentes contextos (CESCR, 2000; WHO, 2023). METODOLOGIA Foi realizada uma revisão narrativa sistematizada, combinando elementos de revisões sistemáticas e narrativas críticas. Segundo Snyder (2019), esse tipo de revisão permite síntese qualitativa aprofundada de múltiplos tipos de evidência, incluindo estudos quantitativos, qualitativos e documentos normativos. A revisão incluiu artigos revisados por pares, relatórios internacionais, diretrizes de organismos multilaterais e legislações nacionais relevantes ao período 2000–2025, priorizando fontes que abordassem explicitamente a relação entre saúde e direitos humanos. As bases de dados utilizadas foram PubMed, SciELO, Web of Science e Google Scholar, além de relatórios da Organização Mundial da Saúde (WHO) e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR). A escolha dessas fontes segue recomendações de Booth et al. (2016) para revisões de literatura em saúde, garantindo cobertura ampla e diversidade de perspectivas. Buscou-se também literatura cinzenta, como relatórios de comissões internacionais e documentos de organizações não governamentais, considerados relevantes para a análise crítica. Foram estabelecidos critérios de inclusão: (a) publicações entre 2000 e 2025; (b) abordagens explícitas sobre saúde e direitos humanos; (c) estudos em português, inglês ou espanhol; (d) estudos com metodologia clara ou revisão normativa relevante. Critérios de exclusão abrangeram artigos opinativos sem base empírica, publicações duplicadas ou não revisadas por pares, garantindo consistência e confiabilidade do corpus analisado (Higgins et al., 2022). A extração de dados seguiu protocolo padronizado, registrando autor, ano, tipo de estudo, população, tema abordado, metodologia utilizada, resultados e conclusões. Esse processo permitiu síntese comparativa e avaliação crítica de tendências, lacunas e consistência entre diferentes tipos de evidência. Segundo Munn et al. (2018), a padronização da extração de dados é essencial para reduzir vieses e aumentar a transparência em revisões sistemáticas narrativas. A análise dos dados utilizou abordagem temática, agrupando evidências por tópicos centrais: cobertura universal de saúde, determinantes sociais, vulnerabilidades específicas (gênero, raça, migração), políticas de direitos humanos e accountability. A codificação temática seguiu metodologia sugerida por Braun & Clarke (2006), permitindo identificar padrões recorrentes e divergências conceituais entre estudos, além de mapear lacunas de conhecimento crítico. Foi realizada avaliação da qualidade metodológica das publicações incluídas, considerando critérios como clareza de objetivos, rigor na coleta de dados, análise adequada e relevância para políticas públicas. Ferramentas adaptadas de AMSTAR 2 (Shea et al., 2017) e CASP (Critical Appraisal Skills Programme, 2018) foram aplicadas, possibilitando diferenciação entre evidências robustas e aquelas com limitações metodológicas significativas. Para garantir a integridade e a objetividade, o processo de seleção e análise dos estudos foi conduzido por dois revisores independentes, com discussão de discordâncias e consenso final. Essa estratégia segue boas práticas de revisões sistemáticas, reduzindo vieses de seleção e interpretação, conforme descrito por Higgins et al. (2022). Em casos de divergência persistente, foi incluído terceiro revisor para decisão final. A síntese final combinou elementos quantitativos (número de estudos por tema, população estudada) e qualitativos (análise crítica de abordagens, recomendações e lacunas), permitindo compreensão integrada da literatura. Greenhalgh & Peacock (2005) destacam que revisões sistematizadas com síntese mista produzem insights mais completos para política e prática, especialmente em temas complexos como saúde e direitos humanos. A abordagem metodológica também considerou normas internacionais e instrumentos jurídicos como fonte de evidência normativa. Relatórios da OMS, OHCHR, CESCR e convenções internacionais foram analisados de forma sistemática, permitindo cruzar recomendações legais com evidências empíricas de implementação. Essa triangulação fortalece a validade das conclusões e oferece base para recomendações políticas robustas (Gostin; Meier, 2022). Limitações metodológicas foram reconhecidas: possível viés de publicação, restrição linguística, heterogeneidade dos estudos e escassez de avaliações empíricas quantitativas robustas sobre intervenções baseadas em direitos. A literatura aponta que a integração entre dados normativos e evidências científicas ainda é incipiente, exigindo desenvolvimento de abordagens híbridas em pesquisas futuras (Snyder, 2019; Munn et al., 2018). Em síntese, a metodologia adotada garantiu rigor científico, transparência e sistematização crítica, permitindo mapear avanços e lacunas na implementação do direito à saúde. A revisão oferece base sólida para análise crítica, desenvolvimento de políticas públicas baseadas em direitos humanos e identificação de áreas prioritárias para pesquisa interdisciplinar e avaliação de impactos em saúde global (WHO, 2023; Nygren-Krug, 2019). RESULTADOS E DISCUSSÃO A literatura consolidada sobre determinantes sociais da saúde demonstra que desigualdades em saúde são produzidas por fatores socioeconômicos, educação, condições de trabalho e moradia. Revisões e relatórios (Marmot, 2010; Marmot, 2014) sustêm que políticas puramente biomédicas não resolvem disparidades estruturais. Criticamente, a incorporação de uma lente de direitos humanos exige políticas redistributivas e intersetoriais que confrontem as causas estruturais de iniquidade — algo raramente traduzido em planos nacionais de saúde de forma eficaz. Pesquisas sobre grupos específicos (mulheres, migrantes, população privada de liberdade e povos indígenas) evidenciam múltiplas barreiras: discriminação institucional, criminalização, falta de acesso a serviços sensíveis ao gênero e ausência de proteção legal efetiva. Estudos sobre HIV/TB em ambientes prisionais e sobre saúde reprodutiva apontam falhas crônicas de proteção e necessidade de medidas afirmativas que integrem direitos civis e de saúde (Lancet Commission, 2024; JHU/PHHR material). A resposta à COVID-19 suscitou debates sobre equilíbrio entre medidas sanitárias e direitos individuais. Relatórios de organizações de direitos humanos documentaram violações (uso excessivo da força, discriminação no fornecimento de serviços e restrições desproporcionais). Ao mesmo tempo, lacunas de acesso a vacinas e tratamentos ressaltaram problemas de governança global e de equidade, incluindo disputas sobre propriedade intelectual que limitaram o acesso em países de renda baixa (HRW, 2020; The Guardian, 2024). Esses eventos reforçam a necessidade de frameworks de direitos humanos incorporados nas políticas de emergência. A efetividade do direito à saúde depende de mecanismos de accountability: processos judiciais, monitorias independentes, participação comunitária e transparência. A literatura aponta que mecanismos judiciais podem produzir ganhos significativos para indivíduos (direitos individuais), mas também podem levar a alocação ineficiente de recursos quando não integrados a prioridades de saúde pública e equidade. Modelos combinados — judicialização com políticas públicas robustas e monitoramento social — parecem mais promissores (WHO, 2023; Nygren-Krug, 2019). Um desafio metodológico identificado é a integração entre evidênciacientífica (ensaios, estudos observacionais) e análises normativas (direito, ética). Revisões identificadas mostram que abordagens interdisciplinares produzem análises mais ricas, mas que pesquisas empíricas frequentemente desconsideram instrumentos jurídicos, enquanto análises jurídicas não se apoiam em dados epidemiológicos rigorosos. Há, portanto, necessidade de estudos híbridos que unam métodos quantitativos e qualitativos sob moldura de direitos humanos. Diversos autores criticam o uso retórico do “direito à saúde” por instituições e governos que adotam linguagem de direitos sem mudanças concretas nas políticas estruturantes. Essa instrumentalização retórica pode funcionar como estratégia legitimadora sem promover accountability. Revisões recentes chamam atenção para o problema da “direitização” sem materialização — políticas simbólicas sem medidas de financiamento, governança e participação social (Lancet Commission, 2024; Nygren-Krug, 2019). Estudos empíricos sobre intervenções explicitamente orientadas por direitos (p.ex. programas de saúde com participação comunitária, políticas anti-discriminatórias, protocolos de não exclusão) mostram resultados positivos em acesso e aceitação. Contudo, avaliações robustas (ensaios controlados, avaliações custo-efetividade) são escassas; a maioria das evidências é qualitativa ou descritiva, limitando generalização. Isso aponta lacuna metodológica relevante para futuras pesquisas. A expansão de tecnologias de saúde digital levanta questões de direitos humanos: proteção de dados, consentimento informado, e risco de vigilância e discriminação. Artigos recentes defendem frameworks regulatórios que alinhem inovação com proteção de direitos, inclusive para evitar que algoritmos reproduzam vieses sociais que ampliam desigualdades de saúde (WHO, 2023; literatura especializada em saúde digital). Uma contribuição recente da literatura é a inserção da interseccionalidade como lente analítica: a sobreposição de género, raça, classe e status migratório produz diferentes padrões de vulnerabilidade. Avaliações críticas sugerem que políticas públicas precisam transcender abordagens unidimensionais e projetar intervenções que reconheçam a complexidade de identidades e condições sociais (Marmot, 2014; Lancet Commission, 2024). Em síntese, a literatura internacional e os documentos normativos oferecem uma base sólida para conceber o direito à saúde como instrumento orientador. Entretanto, persistem lacunas: (a) falta de evidências quantitativas robustas sobre impactos de políticas “baseadas em direitos”; (b) lacunas de monitoramento e indicadores que articulem AAAQ com determinantes sociais; (c) insuficiente atenção à governança global (IPR, produção de insumos) e à transparência em situações de emergência. Avanços exigem agendas de pesquisa interdisciplinar, maior financiamento de estudos avaliativos e fortalecimento de mecanismos de accountability social. A literatura sobre governança global aponta que o direito à saúde depende de arranjos institucionais internacionais, nos quais agências multilaterais exercem papéis ambíguos. Enquanto a OMS é reconhecida como autoridade técnica, sua capacidade normativa e coercitiva é limitada. Estudos recentes ressaltam que a dependência de financiamento voluntário e a influência de atores privados restringem sua autonomia, o que compromete a realização equitativa do direito à saúde em escala mundial (Ottersen et al., 2014; Gostin, 2021). O subfinanciamento crônico dos sistemas públicos de saúde é reconhecido como barreira estrutural à efetivação do direito à saúde. Pesquisas apontam que, em muitos países, os gastos públicos permanecem abaixo do recomendado pela OMS (5% do PIB), o que amplia desigualdades e leva à privatização progressiva dos serviços. Modelos de financiamento misto podem aumentar cobertura, mas exigem regulação rigorosa para garantir equidade (Evans et al., 2016; WHO, 2023). A relação entre saúde mental e direitos humanos ganhou destaque após a adoção do World Mental Health Action Plan (WHO, 2013). Revisões apontam que sistemas psiquiátricos ainda apresentam práticas coercitivas, violações de liberdade e medicalização excessiva. Movimentos de reforma defendem abordagem baseada em direitos, centrada em autonomia, participação e desinstitucionalização (Drew et al., 2011; WHO, 2022). Essa mudança de paradigma requer marcos legais e políticas que substituam modelos asilares por atenção psicossocial comunitária. Estudos mostram que políticas restritivas à saúde sexual e reprodutiva configuram violações de direitos humanos. A literatura destaca que restrições ao aborto, à contracepção e à educação sexual são incompatíveis com normas internacionais de direitos das mulheres (Cook; Dickens; Fathalla, 2018). No Brasil e em outros países latino-americanos, a judicialização tem sido caminho relevante para efetivar direitos reprodutivos, ainda que gere resistências políticas e sociais (Pereira Neto; Corrêa, 2021). O paradigma dos direitos humanos introduzido pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) mudou o enfoque da deficiência de um modelo médico para um modelo social. Essa mudança implica reconhecer barreiras estruturais e promover políticas inclusivas que garantam acessibilidade universal. A literatura evidencia progressos, mas também aponta lacunas na implementação prática das diretrizes, sobretudo em países de baixa renda (Shakespeare; Ndagire, 2022). O direito a um meio ambiente saudável foi reconhecido pela ONU em 2022 como direito humano fundamental. A revisão mostra que degradação ambiental, mudanças climáticas e poluição impactam diretamente o gozo do direito à saúde (UNEP, 2022). Pesquisas indicam que comunidades pobres e racializadas sofrem desproporcionalmente os efeitos desses fenômenos, configurando um problema de justiça ambiental e de direitos humanos (UNEP, 2022; WHO, 2023). Estudos de saúde pública demonstram que eventos climáticos extremos, insegurança alimentar e doenças transmitidas por vetores afetam desproporcionalmente grupos vulneráveis. Relatórios recentes da Lancet Countdown (2024) defendem políticas integradas entre saúde e clima, baseadas no princípio de equidade intergeracional, considerando que a degradação ambiental atual compromete direitos futuros (Watts et al., 2024). A bioética de direitos humanos propõe uma abordagem que une princípios éticos e jurídicos. Essa perspectiva prioriza a dignidade humana, a autonomia e o consentimento livre e informado. Contudo, revisões indicam que, na prática, persistem violações, especialmente em pesquisas clínicas em países de baixa renda, onde há assimetria de poder entre patrocinadores e participantes (London; Kimmelman, 2019). Pesquisas recentes reforçam que o racismo estrutural é determinante crítico de saúde. Revisões sistemáticas mostram disparidades raciais persistentes em mortalidade materna, morbidades crônicas e acesso a serviços (Bailey et al., 2017; Pacheco et al., 2023). O combate ao racismo institucional é, portanto, elemento central para a efetivação do direito à saúde com base na não discriminação. O direito à saúde indígena está ligado à autodeterminação e à preservação cultural. Estudos evidenciam que políticas de saúde desconsideram saberes tradicionais e promovem intervenções culturalmente inadequadas (Anderson et al., 2016). O reconhecimento do conhecimento indígena e a participação efetiva nas decisões são condições para um modelo de saúde baseado em direitos (WHO, 2023). A literatura sobre saúde de migrantes mostra que barreiras legais, linguísticas e institucionais reduzem o acesso a serviços essenciais. Organismos internacionais têm enfatizado a obrigação dos Estados de garantir atenção igualitária independentemente de status migratório (IOM, 2021). Políticas restritivas de fronteira configuram violação ao direito à saúde e contrariam tratados internacionais. Pesquisas destacam que a discriminação estrutural e a violência institucional impactam negativamente a saúde física e mental dessa população. AOMS (2023) e o UNAIDS recomendam políticas afirmativas e despatologização de identidades, promovendo o princípio da dignidade e da igualdade (Winter et al., 2016). A incorporação da diversidade sexual e de gênero nas políticas públicas é uma exigência contemporânea de direitos humanos. A efetivação do direito à saúde exige participação ativa da sociedade civil. A literatura demonstra que conselhos de saúde, fóruns públicos e redes comunitárias fortalecem accountability e transparência (Cornwall, 2016). No entanto, há desafios quanto à representatividade e à influência real dessas instâncias sobre as decisões governamentais. Revisões destacam que a formação de profissionais de saúde raramente inclui abordagem sistemática de direitos humanos. Autores defendem a inclusão de competências relacionadas à ética, equidade e justiça social nos currículos (Gruskin; Ferguson, 2018). Essa lacuna educacional contribui para práticas discriminatórias e reforça a necessidade de reformas curriculares. Embora a judicialização possa garantir acesso individual, há críticas de que ela favorece grupos mais informados e com recursos. Estudos empíricos no Brasil e América Latina mostram concentração de ações em medicamentos de alto custo, frequentemente fora das políticas públicas, o que pode ampliar desigualdades (Ferraz, 2021). Reformas devem equilibrar a via judicial com políticas coletivas de garantia de direitos. A pandemia reforçou a importância de mecanismos multilaterais e de solidariedade internacional. No entanto, a distribuição desigual de vacinas e insumos revelou um “apartheid sanitário” (Gostin, 2021). Autores defendem um novo tratado global sobre pandemias com enfoque de direitos humanos, transparência e equidade (Gostin; Meier, 2022). O regime de patentes é apontado como barreira para acesso universal a medicamentos essenciais. Revisões mostram que flexibilizações do Acordo TRIPS podem reduzir custos e ampliar acesso, mas enfrentam resistência de países desenvolvidos e da indústria farmacêutica (Sell; Williams, 2020). O desafio é equilibrar incentivos à inovação com justiça distributiva e direito à saúde. A falta de transparência em dados de saúde pública compromete accountability e confiança. Estudos apontam que governos que divulgaram dados de forma aberta durante crises sanitárias obtiveram melhores resultados e maior adesão social (WHO, 2023). A transparência é, portanto, um princípio operacional de direitos humanos. Há esforço crescente para desenvolver indicadores mensuráveis de realização do direito à saúde. O modelo AAAQ é base para operacionalização, mas autores propõem métricas mais amplas que incorporem participação, equidade e justiça (Backman et al., 2008). O desafio é traduzir princípios normativos em variáveis empíricas úteis para políticas públicas. Revisões de políticas de saúde em países latino-americanos mostram avanços normativos, mas persistência de desigualdades regionais e étnicas (PAHO, 2023). No Brasil, o SUS é referência internacional por sua universalidade, mas enfrenta subfinanciamento e ameaças de privatização, o que compromete a sustentabilidade de um sistema baseado em direitos (Paim, 2018). CONCLUSÃO Em vários países, a ascensão de movimentos conservadores tem restringido direitos sexuais e reprodutivos. Estudos apontam que retrocessos legais violam tratados internacionais e aumentam riscos à saúde materna (Gruskin; Ferguson, 2018). A defesa desses direitos exige atuação conjunta de tribunais, sociedade civil e organismos internacionais. Com o aumento do uso de big data, cresce o risco de violação de privacidade. Autores alertam para a necessidade de regulação ética e legal robusta, baseada no consentimento informado e na proteção contra usos discriminatórios (Morley et al., 2020). A aplicação de inteligência artificial na saúde deve seguir princípios de justiça e não discriminação. A precarização das relações de trabalho impacta diretamente a saúde física e mental. Relatórios da OIT (2023) destacam o aumento de riscos ocupacionais e a erosão de proteções sociais. O direito à saúde requer condições laborais seguras e políticas de proteção social universais. Guerras e deslocamentos forçados comprometem gravemente o direito à saúde. Organizações humanitárias denunciam ataques a instalações médicas, violando o Direito Internacional Humanitário (ICRC, 2022). A literatura enfatiza a necessidade de responsabilização internacional e de mecanismos de reparação. Pesquisas recentes propõem abordagem decolonial da saúde global, que reconhece assimetrias históricas entre Norte e Sul e critica a imposição de modelos biomédicos ocidentais (Abimbola, 2021). A decolonização do conhecimento em saúde é vista como parte da efetivação do direito à autodeterminação e à soberania epistemológica. A economia política da saúde analisa como políticas fiscais, dívida pública e austeridade afetam sistemas de saúde. Revisões após a crise de 2008 mostram que medidas de austeridade reduziram gastos públicos e ampliaram desigualdades (Stuckler; Basu, 2013). Isso evidencia que a sustentabilidade do direito à saúde depende de políticas econômicas distributivas. Ferramentas como Human Rights Impact Assessment (HRIA) têm sido aplicadas para avaliar políticas de saúde. Estudos sugerem que essas metodologias fortalecem accountability e previnem violações, embora ainda pouco usadas (Hunt; Backman, 2008). O direito à saúde infantil inclui nutrição, imunização e proteção contra violência. Revisões indicam que políticas de austeridade e cortes sociais agravam desigualdades na infância (UNICEF, 2022). A efetivação desses direitos requer coordenação intersetorial e financiamento sustentável. O envelhecimento populacional impõe desafios éticos e jurídicos. A literatura defende políticas de longo prazo que garantam acesso a cuidados integrais e prevenção da discriminação etária (Lloyd-Sherlock et al., 2021). A abordagem baseada em direitos amplia a autonomia e o respeito à dignidade dos idosos. Estudos mostram que doenças bucais refletem desigualdades sociais profundas. Pesquisas defendem políticas públicas integradas ao sistema universal e pautadas em justiça social (Peres et al., 2020). A odontologia baseada em direitos requer integração com atenção primária e educação em saúde. O direito humano à alimentação adequada está intrinsecamente ligado à saúde. Revisões apontam que insegurança alimentar aumenta prevalência de doenças crônicas e compromete o desenvolvimento infantil (FAO, 2023). Políticas de segurança alimentar são, portanto, políticas de saúde e de direitos. A violência interpessoal e institucional constitui obstáculo ao direito à saúde. Pesquisas revelam que mulheres, negros e populações LGBTI+ sofrem maior impacto físico e psicológico (WHO, 2023). A integração entre políticas de segurança e saúde é essencial para a proteção de direitos humanos. Modelos de governança participativa fortalecem a legitimidade e a efetividade de políticas públicas. Revisões demonstram que a coprodução de políticas com comunidades gera melhores resultados de saúde e maior confiança social (Cornwall, 2016; WHO, 2023). A literatura contemporânea confirma que o direito à saúde é indivisível dos demais direitos humanos e requer políticas integradas, participativas e baseadas em justiça social. Contudo, persistem lacunas em financiamento, equidade e accountability. Superá-las demanda compromisso político e fortalecimento da governança democrática. Esta revisão sistematizada evidenciou avanços normativos significativos, mas também desafios persistentes na implementação do direito à saúde. A efetividade depende de integração intersetorial, participação cidadã e superação de desigualdades estruturais. Pesquisas futuras devem ampliar abordagens interdisciplinares e desenvolver indicadores empíricos que traduzam princípios de direitos humanos em práticas concretas de saúde pública. REFERÊNCIAS ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Committee on Economic, Social and Cultural Rights. General comment No. 14: The right to the highest attainablestandard of health (Art. 12 of the Covenant). E/C.12/2000/4, 11 ago. 2000. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/documents/general-comments-and-recommendations/ec1220004-general-comment-no-14-highest-attainable. Acesso em: 16 out. 2025. 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