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Modelos, planos e realizações urbanísticas em Porto Alegre

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Arquiteturarevista
ISSN: 1808-5741
arq.leiab@gmail.com
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Brasil
Estivalet Bello, Helton
Modelos, planos e realizações urbanísticas em Porto Alegre
Arquiteturarevista, vol. 2, núm. 2, julio-diciembre, 2006
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
São Leopoldo, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=193616283001
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Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal
Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto
Arquitetura Revista v. 2 nº 2, jul-dez 2006 
 
Modelos, planos e realizações urbanísticas em Porto Alegre 
Helton Estivalet Bello1 
O presente artigo investiga algumas manifestações da arquitetura na imagem da cidade, 
bem como realizações decorrentes das utopias surgidas desde o século XVIII até o 
presente. Procura também verificar a evolução do significado de modernidade no 
decorrer deste processo, ao confrontar idéias relacionadas com o Ecletismo e o 
Modernismo na arquitetura e também com os modelos de cidade a que estão associadas. 
A verificação empírica destas correlações é examinada através do planejamento urbano 
de Porto Alegre, Brasil. 
Palavras-chave: Porto Alegre, modernidade, planejamento urbano 
City models, urban planning and realizations in Porto Alegre, Brazil 
This paper investigates some manifestations of architecture in the city image and the 
realizations that emerged from the utopias since the 18th century until the present time. 
It also intends to verify the evolution of the concept of modernity along this process, 
confronting ideas connected to the Eclecticism and Modernism in architecture and also 
the city models they are associated with. The empirical verification of these correlations 
is examined through the urban planning of Porto Alegre, Brazil. 
Key words: Porto Alegre, modernity, urban planning 
 
A cidade é o objeto maior da cultura humana (Waisman, 1990, p. 32). 
Utopia e construção da cidade moderna 
No decorrer dos séculos XIX e XX, o surgimento de uma nova ordem urbano-industrial 
na América Latina caracterizou-se pela emergência de dois temas incorporados às 
transformações do período: os ideais de “modernidade” e de “progresso”. Esses dois 
mitos – que poderiam até ser caracterizados como complementares –, atravessaram o 
tempo e chegaram ao presente através de uma atualização de significados, sempre com 
um sentido voltado para a mudança. Contudo, os desdobramentos daí decorrentes 
muitas vezes não corresponderam a uma efetiva evolução da qualidade de vida urbana. 
Modernidade, progresso e, paradoxalmente, passado e natureza, ilustraram o discurso de 
afirmação das classes dominantes em várias nações, legitimado pelos demais setores 
sociais. Fundamentados nessas referências, produziram-se os sonhos sobre o destino 
coletivo, consubstanciados na cidade como centro do poder e das transformações. 
Assim, a modernidade representou a aspiração a uma nova forma de vida urbana, 
segundo uma idéia de cidade que se contrapôs à imagem da cidade existente (Pechman, 
1992, p. 37), num desejo de antecipar o futuro. A implantação desses novos valores, 
assumidos por todos como evidências do progresso, correspondeu à vontade de 
transformação do cenário da cidade, num processo de substituição do “tradicional” pelo 
“moderno”. 
As mudanças necessárias para a modernização da sociedade ocidental foram também 
caracterizadas pelo surgimento das utopias, concebidas enquanto projeções de uma vida 
coletiva e de um ambiente urbano renovados. O século XIX foi particularmente pródigo 
na produção dessas representações do futuro, chegando a ser considerado como “a idade 
de ouro das utopias” que, por sua vez, podem ser consideradas como a origem do 
urbanismo moderno (Andrade, 1993, p. 4). 
O pensamento utópico do século XIX agregou novos significados e desdobramentos ao 
conceito original daquela Utopia imaginada por Morus em 1516, no sentido de reforçar 
a hipótese de se tornar um projeto executável, isto é, como o primeiro estágio de uma 
transformação real no destino de uma sociedade. Assim, a renovação da imagem urbana 
passou a se manifestar não só no campo abstrato, mas principalmente através do espaço 
físico, mediante a implantação de modelos decorrentes das cidades ideais ou mesmo das 
realizações urbanísticas do século XIX. 
Neste período, operou-se nas cidades uma ampla mudança, tornando o cidadão o 
espectador e principal beneficiário de uma radical transformação morfológica e 
funcional do ambiente urbano. Surgia um novo cenário construído, uma inovadora 
concepção de vias e de espaços abertos, um redimensionamento funcional e estrutural, 
assumido como um ideal coletivo de modernidade. Não por acaso, a cidade de Paris, 
berço do Iluminismo e palco da Revolução Francesa, passou a ser a “Cidade-Luz”, 
capital da modernidade do século XIX, através de uma ampla intervenção em termos de 
embelezamento, circulação e infra-estrutura, comandada pelo prefeito Haussmann entre 
1853 e 1870. A reforma de Paris alimentou a utopia da transformação de grande parte 
das metrópoles do velho e do novo mundo ocidental, tornando-se o modelo mais 
veiculado e utilizado na modificação da fisionomia das metrópoles até meados do 
século XX. Inúmeros autores reconheceram que a capital francesa foi referência de 
modernização não só para cidades européias, como Berlim, Barcelona, Madri e Roma 
(Rossi, 1995, p. 197), mas também para cidades americanas, como Chicago (Choay, 
1980, p. 30), Buenos Aires e Havana (Segre, 1991, p. 80). 
Na construção das capitais brasileiras verifica-se a mesma influência. Muitas vezes a 
aplicação parcial do modelo, como na implantação de apenas um boulevard, foi evento 
suficiente para transformar uma cidade em referência nacional de modernização. Assim 
ocorreu com a Avenida Central no Rio de Janeiro, em 1904, sob a gestão do prefeito 
Pereira Passos. Pelo menos até os anos 1930, a haussmannização foi seguida em 
diversos projetos urbanísticos no Brasil, como no Plano da Cidade do Rio de Janeiro, de 
Alfred Agache, em 1928, e no Plano de Avenidas de São Paulo, do prefeito Prestes 
Maia, em 1930, ambos não executados. 
Na Inglaterra, em oposição ao impacto negativo da Revolução Industrial na estrutura 
urbana, surgia a Cidade-Jardim, proposta por Ebenezer Howard, em 1898. O modelo foi 
largamente adotado na Europa e América, principalmente na expansão periférica das 
cidades sob a forma dos chamados “bairros-jardim” (Segre, 1991, p. 257). Tal 
fenômeno também se generalizou no Brasil, principalmente na implantação de 
loteamentos residenciais pela iniciativa privada. No caso pioneiro do bairro Jardim 
América em São Paulo, o projeto foi desenvolvido entre 1913 e 1919 por Barry Parker, 
autor do plano de cidades-jardim inglesas como Letchworth e Hampstead Garden, 
juntamente com Raymond Unwin. 
Com o surgimento do Movimento Moderno, assumido como vanguarda perante o 
ecletismo arquitetônico e os modelos urbanísticos anteriores, a idéia da metamorfose do 
meio urbano tornou-se quase uma obsessão. A indústria foi o tema gerador de uma 
visão de cidade voltada completamente para o futuro, a partir da crença nas 
possibilidades do desenvolvimento tecnológico. Contudo, apesar dessa vanguarda 
propor um novo modelo, mais uma vez foram evocados os mesmos mitos de aspirações 
passadas: a cidade do Movimento Moderno, ou modernista, foi também denominada de 
modelo progressista (Choay, 1979, p. 8). 
Seguindo essa corrente, o Plan Voisin de Le Corbusier (1925) foi um singular exemplo 
da absoluta incompatibilidade entre duas concepções de cidade: no coração de Paris, 
reformulada pelo modelo de Haussmann, abria-se um grandevazio para a inserção de 
torres de 60 andares, rodeadas por áreas verdes e autopistas. Na realização do IV 
Congresso Internacional de Arquitetura Moderna - CIAM (1933), esse modelo ficou 
definitivamente formulado através da Carta de Atenas, passando a influenciar o 
planejamento e a estruturação das cidades do mundo ocidental. Em essência, os 
princípios básicos propunham uma “cidade funcional” (tema do Congresso) através do 
atendimento das necessidades humanas então consideradas como essenciais: habitação, 
circulação, trabalho e recreação. 
No Brasil, o Estado foi o grande patrocinador da afirmação da vanguarda modernista 
comandada pela chamada “escola carioca” (Segawa, 1998, p. 103) – composta por 
Lúcio Costa, Niemeyer e Reidy, entre outros –, cuja qualidade das realizações 
transformou-se em expressões da identidade de uma nação moderna, amplamente 
reconhecida no exterior. Obras como o Ministério da Educação no Rio (1936), o 
Pavilhão do Brasil na Exposição de Nova York (1939) e as realizações da Pampulha em 
Belo Horizonte (1943), culminaram com o projeto e a construção de Brasília (1958), 
marco da consagração da arquitetura e urbanismo modernista no País, hoje reconhecida 
como Patrimônio da Humanidade. 
Embora a diversidade dos modelos e planos mencionados, em todos se percebe uma 
característica em comum: o caráter deliberado de diferenciação – ou mesmo de negação 
– relativo à cidade herdada, o que representa muitas vezes a reestruturação do ambiente 
construído mediante a desestruturação da preexistência. Tal mudança de paradigma no 
processo de construção urbana pode ser caracterizada como uma efetiva “revolução 
ambiental” da cidade, correspondendo à idéia de modernidade e de progresso presente 
em cada época e lugar. Essa revolução ambiental constitui-se numa figura sempre 
presente no imaginário coletivo, se admitirmos a cidade como obra permanente da 
sociedade. Assim, a construção da cidade futura converte-se em um padrão onde se 
encadeiam as várias etapas de um processo contínuo, que parte da utopia (cidade ideal), 
para instaurar modelos (cidade-paradigma), que podem ser adotados em planos ou 
projetos (cidade virtual) e que resultam em uma obra construída, com eventuais 
deformações e/ou adaptações relativas às etapas anteriores (cidade real). 
Porto Alegre: positivismo, modernismo, ambientalismo 
O Plano Geral de Melhoramentos de 1914, atribuído a João Moreira Maciel, foi o 
primeiro projeto urbano para o conjunto da cidade de Porto Alegre, constituindo-se no 
maior legado da administração positivista em termos urbanísticos. Tratava-se de um 
instrumento fundamental para transformações modernizadoras que iriam se consolidar 
logo adiante, suplantando a estrutura e a imagem urbana de herança colonial. 
No mandato de Otávio Rocha (1924/28), generalizou-se a prática da cirurgia urbana, 
com os canteiros de obra tomando conta do centro. Além da ampliação na escala das 
obras de infra-estrutura, a cidade foi sendo higienizada através do rompimento dos 
becos, dando espaço, literalmente, ao surgimento de boulevards. O título de 
“remodelador” dado a Otávio Rocha pela opinião pública (Mauch, 1992, p. 41) 
demonstrava que seu papel foi semelhante ao desempenho de Haussmann em Paris. Em 
complementação às obras viárias e de infra-estrutura, intensificou-se a implantação de 
áreas verdes com a arborização das ruas, ajardinamento de praças e o início do 
tratamento paisagístico do Campo da Redenção (Souza e Damásio, 1993, p. 142). No 
caso da Avenida Borges de Medeiros, inaugurada em 1932, viabilizou-se um franco 
acesso entre a zona sul e o centro, sendo construído o primeiro viaduto da cidade, 
tratado de forma monumental. Para os cidadãos da época, a obra resumiu a imagem de 
uma Porto Alegre moderna (Pesavento, 1991, p. 70). 
Tais operações evidenciavam um amplo projeto de transformação da imagem e estrutura 
da cidade. De acordo com um plano estabelecido, foram enfrentados os problemas de 
trânsito, higiene e equipamentos da capital com uma explícita intenção estética, ou seja, 
colocando a beleza do panorama construído como um fator imprescindível na imagem 
urbana resultante. 
Em meados da década de 1930 colocava-se a necessidade de um novo plano para 
ordenar o crescimento da capital. Sob esta orientação, Edvaldo Paiva e Ubatuba de 
Faria, integrantes do quadro técnico da Prefeitura, elaboraram uma pré-proposta em 
1935, que partia do Plano Maciel e propunha soluções viárias fortemente influenciadas 
pelo Plano Agache para o Rio e pelo de Prestes Maia para São Paulo (Porto Alegre, 
1964, p. 17). De 1938 até 1943, foi desenvolvido outro “plano diretor” para a cidade 
pelo arquiteto Arnaldo Gladosch, contratado pelo Município ao escritório Agache do 
Rio, justificando o prestígio e a influência exercidos pelo urbanista francês no contexto 
nacional. 
Seguindo a mesma orientação dos planos anteriores, Gladosh apresentou três propostas 
de intervenção na estrutura da cidade. Enfatizava a organização do sistema viário em 
avenidas perimetrais e radiais, incluindo a abertura das Avenidas Farrapos e Salgado 
Filho, além do prolongamento da Avenida Borges de Medeiros. No entanto, devido à 
falta de estrutura técnica e administrativa da Prefeitura, o Plano acabou não sendo 
implantado na íntegra, reduzindo-se a uma lei de recuos e alinhamentos. Mesmo assim, 
ficou claro que a proposta de Gladosh visava à articulação dos espaços com base em 
traçados de origem barroca. Valia-se também de grandes eixos e pontos focais, 
buscando um sentido paisagístico para o conjunto, o que ainda se poderia considerar 
como ecos do longínquo modelo de Haussmann. 
É significativo observar que a adoção de um modelo de reestruturação e verticalização 
para a área central foi complementado por outro modelo na expansão periférica e 
horizontal da cidade. Vários bairros ou loteamentos residenciais construídos 
principalmente nos anos 1930 e 1940 representaram uma tradução da imagem da 
Cidade-Jardim para o contexto local. Em alguns desses espaços, hoje totalmente 
integrados à malha urbana da cidade, percebe-se um ambiente associado ao modelo de 
Howard, pelo traçado orgânico, construções isoladas em baixa escala e densa vegetação. 
Vila Jardim, Vila Assunção e Vila Conceição ilustraram essa tendência, como também a 
Vila do IAPI, cuja permanência de características originais em termos de tipologia 
arquitetônica e morfologia urbana lhe valeram o reconhecimento como Patrimônio 
Cultural de Porto Alegre. 
Após o final da Segunda Guerra Mundial iniciava-se um processo de redemocratização 
no Brasil. A industrialização crescente concorreu para acelerar o crescimento das 
metrópoles brasileiras, que atraíam cada vez mais a mão-de-obra do campo. A partir da 
metade da década de 1950, o “desenvolvimentismo” do presidente Juscelino 
Kubitscheck imprimiu um novo ritmo na vida nacional. Através do lema “50 anos em 
5”, JK promoveu a abertura do país ao capital estrangeiro e a internacionalização da 
economia, sem deixar de lado o ufanismo nacionalista existente desde a fase anterior. 
Capitalismo, nacionalismo e industrialização tornaram-se as palavras de ordem que 
mobilizaram o país, traduzindo os anseios por modernidade durante a época dos “anos 
dourados” (Pesavento, 1991, p. 94). 
Em Porto Alegre, uma vanguarda local afirmava-se a partir de 1949, por ocasião da 
formatura da turma pioneira do curso de arquitetura da Escola de Belas Artes. A 
disponibilidade de profissionais qualificados e sintonizados com o Movimento Moderno 
brasileiro foi decisiva para plasmar a nova linguagem no cenário da cidade. Em âmbito 
urbanístico, a influência já se fazia sentir desde 1951, quando os arquitetos Edvaldo 
Paiva e Demétrio Ribeiro organizaram uma proposta para a cidade sob a inspiração da 
Carta de Atenas. Este trabalho teve continuidade no anteprojeto do plano diretor 
organizado pelomesmo Edvaldo Paiva em 1954. 
Somente em 1959 o Plano Paiva foi implantado na cidade. Tratava-se do primeiro plano 
diretor de Porto Alegre na forma de uma legislação específica (Lei 2046/59). Assim, 
princípios básicos da doutrina modernista passaram a compor um instrumento legal 
através de parâmetros para a estruturação da cidade. Tais padrões consistiam na 
racionalização das atividades, das vias e na instituição de índices urbanísticos 
(densidade, potencial construtivo do lote, recuos e altura predial), que foram sendo 
aplicados segundo o crescimento das áreas urbanizadas. Embora a rigidez desses 
dispositivos caracterizasse um reducionismo na aplicação da Carta de Atenas, alguns 
aspectos da proposta de Paiva evidenciaram a predominância do repertório 
característico deste modelo. Na exposição de motivos, identificam-se referências ao 
conceito de “unidade de vizinhança” – equivocadamente denominado no Plano de 
“unidade de habitação” –, além da ênfase ao zoneamento discriminado de usos do solo 
(Porto Alegre, 1964, p. 27). 
Quanto ao tecido edificado, ficou evidente a associação da tipologia proposta com a 
imagem ideal da cidade modernista. Nesse sentido, a referência à “superquadra”, 
presente no projeto não executado do bairro residencial Praia de Belas, revelava 
claramente a eleição de Brasília como matriz da concepção. No decorrer da aplicação do 
Plano, incrementou-se a verticalização da cidade segundo o repertório da arquitetura 
moderna. Nesse período, Porto Alegre experimentou o maior crescimento edilício de 
sua história, o que alterou significativamente a morfologia urbana. Processava-se, 
novamente, uma revolução ambiental, que redefinia outra imagem do moderno na 
cidade. 
Com o advento do golpe militar de 1964, a democracia e os resquícios do 
desenvolvimentismo deram lugar ao “milagre brasileiro”. Num clima de ufanismo 
demagógico, o Estado promovia obras faraônicas em âmbito nacional, como a rodovia 
Transamazônica e a usina de Itaipu, postura que também acabou repercutindo na 
construção de muitas cidades do País. Em Porto Alegre, além do acelerado processo de 
verticalização das construções, a estruturação urbana acusou o surgimento de extensos 
conjuntos habitacionais do Banco Nacional da Habitação – BNH, em paralelo ao 
crescente processo de favelização nos vazios urbanos e na periferia. A postura 
tecnocrática dos governos autoritários prosseguiu nos anos 1970 com massivas 
intervenções em áreas consolidadas, o que repercutiu em alterações sem precedentes na 
morfologia da cidade. O centro perdeu sua fisionomia mais tradicional: os bondes 
deixaram de circular, a “Rua da Praia” tornava-se exclusiva de pedestres, surgiam vias 
perimetrais, viadutos e túneis (Pesavento, 1991, p. 113), que ampliaram as demolições 
do tecido histórico e saturavam a cidade de concreto aparente. Além disso, a construção 
do muro contra enchentes e da ferrovia ao longo da Avenida Mauá separou o porto do 
centro histórico e tornou o nome da cidade uma contradição, evidenciando uma crise de 
identidade sem precedentes. 
Em 1979, Porto Alegre ganhava um novo plano diretor, também implantado por uma 
legislação específica (Lei Complementar 43/79). Em relação ao plano anterior, o Plano 
Diretor de Desenvolvimento Urbano – 1° PDDU – trouxe principalmente algumas 
inovações metodológicas, pois não mais se tratava de um plano “de autor” e sim de uma 
proposta realizada por uma equipe de técnicos de variada formação, o que evidenciava o 
caráter multidisciplinar do instrumento. Também o aspecto participativo foi outra 
prerrogativa deste Plano, abrindo um pouco mais de espaço à representação de algumas 
entidades organizadas da sociedade civil na forma de Conselhos Municipais. 
Não obstante a tais inovações, no que se refere ao modelo urbanístico predominante, o 
1o PDDU ainda pode ser caracterizado como um desdobramento da influência da Carta 
de Atenas na construção da cidade, pois manteve sua fundamentação em alguns 
conceitos-chave presentes no Plano de 1959. A instituição das “unidades territoriais de 
planejamento” – UTPs (módulo espacial e estatístico) – visava um sistema permanente 
de planificação da cidade e constituía-se numa atualização do conceito de “unidade de 
vizinhança” (ainda erroneamente denominado “unidade de habitação”) existente no 
plano anterior. Além disso, a manutenção dos critérios de homogeneidade de uso e de 
hierarquização do sistema viário evidenciou a importância dada ao aspecto funcional, 
tão presente no modelo da cidade modernista. 
A exemplo do plano de 1959, o 1o PDDU também se valeu da aplicação dos regimes de 
aproveitamento, ocupação, recuos e altura das edificações. A tipologia arquitetônica 
induzida por estes padrões consagrou alguns elementos do repertório da arquitetura 
modernista, como pilotis, terraços, coberturas e afastamentos dos limites do terreno. No 
entanto, a generalização de tais elementos através de uma lei urbanística produziu um 
tecido urbano incoerente. Na busca daquela imagem ideal da superquadra de Brasília, a 
implantação do 1o PDDU acabou gerando uma progressiva descaracterização da quadra 
tradicional, pela prevalência de uma estrutura fundiária baseada no lote autônomo 
(Turkienicz, 1993, p. 197). 
Assim, paralelamente ao processo de desconstrução da quadra tradicional empreendida 
pela adoção do urbanismo progressista, prosseguiu também a substituição das 
permanências do ecletismo arquitetônico nesta etapa de estruturação da cidade. Apesar 
de o Plano ter instituído áreas e edificações para preservação, a pressão exercida pelos 
novos índices construtivos – invariavelmente superiores aos gabaritos das construções 
remanescentes – estimulou o surgimento de edificações com maior altura e volumetria, 
acelerando o processo de renovação dos edifícios, principalmente na área central da 
cidade. Na prática, revelava-se uma aversão à cidade pré-existente, pois a manutenção 
de edificações antigas resumiu-se à preservação de fachadas ou frações de prédios em 
muitos casos. 
Os conflitos da aplicação do PDDU na cidade, somados à forte pressão dos agentes 
empreendedores pelo incremento dos índices construtivos, provocaram a 
descaracterização da proposta original pelas alterações do legislativo em 1987. Isso 
culminou em um longo processo de reavaliação do dispositivo em vigor, encaminhando 
o surgimento de um novo plano urbanístico, o Plano Diretor de Desenvolvimento 
Urbano Ambiental – PDDUA (Lei Complementar 434/1999) –, que agregou novos 
conceitos e instrumentos de gestão e aumentou também o número de representantes em 
sua implementação. 
Nesse plano, a cidade tornou-se objeto de um planejamento estratégico, fundamentado 
nos eixos de estruturação urbana, mobilidade urbana, uso do solo privado, qualificação 
ambiental, promoção econômica, produção da cidade e sistema de planejamento. O 
modelo espacial previsto partiu do reconhecimento do “centro histórico” da cidade e 
propôs a expansão deste centro até a III Perimetral (“cidade radiocêntrica”), a partir de 
onde se definiram outros “tipos” de cidade com maior miscigenação de usos, ocorrendo 
inclusive a evocação da “cidade-jardim” em setores da zona sul. O PDDUA também 
incorporou em seu texto (e em sua denominação) uma especial atenção ao aspecto 
ambiental, aprimorando medidas para a preservação e qualificação do ambiente natural 
e construído através, por exemplo, da proposta de regulamentação das Áreas Especiais 
de Interesse Cultural (uma atualização e ampliação das antigas Áreas Funcionais de 
Interesse Paisagístico do plano anterior). 
Embora as prerrogativas de desenvolvimento urbano sustentável, algumas medidas 
adotadas no Plano – como o aumento de densidade e carregamento da infra-estrutura – 
induziram o incremento dos regimes urbanísticos, principalmente na área definida como 
cidade radiocêntrica, o que acarretou consideráveis impactosna morfologia urbana 
existente. A unidade de vizinhança, conceito tão caro ao PDDU, perdeu significado no 
PDDUA, pois se verifica o rompimento do tecido residencial de alguns bairros 
tradicionais da cidade por edifícios de até 20 pavimentos de altura, gerando conflitos 
entre moradores, agentes imobiliários e gestores municipais. Esta foi a tônica nos 
debates nas Conferências de Avaliação do PDDUA, indicando a necessidade de 
aprimoramento dos dispositivos de controle e de participação da população mais 
diretamente relacionada com as intervenções decorrentes da aplicação dos regimes em 
vigor nos vários setores da cidade. 
Conclusão 
Nos últimos 100 anos, Porto Alegre sofreu uma significativa mudança de padrões na 
arquitetura e estruturação urbana, refletindo concepções distintas de modernização. Este 
desenvolvimento divide-se em duas fases, cujo limiar é a chegada dos anos 50. Entre 
1914 e 1949, perdura a influência do modelo instaurado pela reforma de Paris na 
segunda metade do século XIX. Viu-se que o Plano Gladosh, concluído em 1943, 
seguia a versão de planos como o de Agache, no Rio, e Prestes Maia, em São Paulo, 
atualizando e ampliando idéias contidas da proposta urbanística de Maciel para Porto 
Alegre em 1914. Em paralelo, na escala das edificações, a transição do ecletismo 
historicista para a arquitetura déco marcou o ocaso da chamada “modernidade 
positivista” no cenário da cidade. Já nos anos 1950, o surgimento da primeira geração 
de arquitetos locais foi um evento emblemático na progressiva hegemonia da doutrina 
modernista na arquitetura e na adoção dos preceitos da Carta de Atenas. O modelo de 
cidade proposto pelo Plano Paiva em 1959 e pelo 1o PDDU em 1979 não conseguiu se 
sobrepor à cidade existente por inteiro. Na prática, apenas estabeleceu com o modelo 
precedente uma convivência marcada por conflitos morfológicos e tipológicos. Tais 
impactos prosseguiram na vigência do PDDUA que, apesar do discurso ambientalista e 
dos novos instrumentos de participação e de preservação, indicam ainda desequilíbrios 
entre inovação e permanência no construir da cidade. O aumento dos padrões de 
aproveitamento e de volumetria está a indicar o possível surgimento de outra revolução 
ambiental em Porto Alegre. 
Ao final de todo o processo, percebe-se a dicotomia, às vezes dramática, entre diferentes 
visões de modernidade estampadas na configuração urbana. Assim como em outras 
cidades brasileiras e latino-americanas, Porto Alegre exemplifica o caso de uma cidade 
onde um modelo de estruturação mais tradicional não se manteve e cujos modelos 
aplicados mais recentemente não se completaram. Apesar do desmonte do ambiente 
urbano construído na primeira metade do século XX, seus principais elementos ainda 
compõem a estrutura primária da cidade contemporânea, juntamente com realizações 
mais recentes. A consagração de algumas dessas permanências como Patrimônio 
Cultural indica a sua importância enquanto imaginário urbano, atuando como referência 
não só para o fortalecimento da qualidade ambiental e identidade coletiva, mas 
principalmente como fundamento de novos planos e projetos para a construção da 
cidade do presente e do futuro. 
NOTAS 
1
 Arquiteto, especialista em Restauração de Edificações e Conjuntos Históricos pela 
CECRE/UFBA, mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo PROPUR/UFRGS. 
Docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Caxias do Sul – 
UCS. Técnico da Prefeitura Municipal de Porto Alegre/Equipe do Patrimônio Histórico 
e Cultural – EPAHC/SMC. 
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