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Gladys Sabina Ribeiro Edson Alvisi Neves Maria de Fátima Moura Ferreira (Organizadores) HANNA Diálogos entre Direito e História: cidadania e justiça Editora da UFF Editora da Universidade Federal Fluminense Niterói, RJ / 2009© 2009 by Gladys Sabina Ribeiro, Edson Alvisi Neves, Maria de Fátima Cunha Moura Ferreira (Organizadores) Direitos desta edição reservados à EdUFF Editora da Universidade Federal Fluminense Rua Miguel de Frias, 9 anexo sobreloja Icaraí CEP 24220-900 Niterói, RJ Brasil Tel.: (21) 2629-5287 Fax: http://www.editora.uff.br- E-mail: secretaria@editora.uff.br É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da SUMÁRIO Editora. (Alguns capítulos foram alterados do português de Portugal para português do Brasil) Respeitou-se a forma como OS autores organizaram as suas notas de erudição. Apresentação 9 Normalização: Caroline Brito de Oliveira Edição de texto e revisão: Rozely Campello Barroco Seção I Justiças, discursos jurídicos e jurisdição administrativa Capa e editoração eletrônica: Marcos Antonio de Jesus Supervisão gráfica: Káthia M.P. Macedo Parte I Teoria política, jurisdição administrativa e luta por direitos Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Capítulo 1 Princípios Gerais da Jurisdição Administrativa nos R484 Tribunais do Império 19 Ribeiro, Gladys Sabina; Neves, Edson Alvisi; Ferreira, Maria de Fátima Cunha Moura (organizadores) Edson Alvisi Neves Diálogos entre Direito e História: cidadania e justiça/ Gladys Sabina Ribeiro, Edson Alvisi Neves, Maria de Fátima Cunha Moura Ferreira (Organizadores) Capítulo 2 O Código Comercial, Tribunal de Comércio e a atividade Niterói: EdUFF, 2009. 400p.; 23cm bancária no Império brasileiro da segunda metade do XIX 35 Inclui bibliografias. Carlos Gabriel Guimarães ISBN 978-85-228-0518-1 1. História 2. Justiça Título II. Série Capítulo 3 Parlamento como local de luta pelos direitos do cidadão CDD 900 (1820-1834) 69 UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE Vantuil Pereira Reitor: Roberto de Souza Salles Vice-Reitor: Emmanuel Paiva de Andrade Capítulo 4 Para além da historiografia luzia: debate político Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Antonio Claudio Lucas da Nóbrega Diretor da EdUFF: Mauro Romero Leal Passos constitucional do Primeiro Reinado e conceito de governo Diretor Divisão de Editoração e Produção: Ricardo Borges representativo (1826-1831) 81 Diretora da Divisão de Desenvolvimento e Mercado: Luciene Pereira de Moraes Christian Edward Cyril Lynch Assessora de Comunicação e Eventos: Ana Paula Campos Comissão Editorial Parte II Justiças, discursos jurídicos e juízos Presidente: Mauro Romero Leal Passos Capítulo 1 A aguardar justiça: presos pobres em Portugal Ana Maria Martensen Roland Kaleff Gizlene Neder durante a Época Moderna 109 Heraldo Silva da Costa Mattos Maria Marta Lobo de Araújo Humberto Fernandes Machado Juarez Duayer Livia Reis Capítulo 2 Delito e punição: discurso médico, crime e os Luiz Sérgio de Oliveira Editora filiada à criminosos em Portugal na segunda metade do século XIX 123 Marco Antonio Sloboda Cortez Renato de Souza Bravo Alexandra Patrícia Lopes Esteves Associação Silvia Maria Baeta Cayalcanti das Editoras Universitárias Editora da UFF Tania de VasconcellosCAPÍTULO 1 DIÁLOGO ENTRE DIREITO E José Reinaldo de Lima diálogo entre direito e história dá-se entre duas disciplinas cuja au- tonomia foi estabelecida com mais clareza no século XIX, um século de verdadeiro rearranjo dos campos e métodos do saber. Ambas so- freram impacto do positivismo e no caso do direito no Brasil esse impacto foi notável. O campo metodológico é, pois, um lugar em que pode ocorrer diálogo. Há, porém, um nível em que O diálogo é ainda mais profundo, se tomamos como ponto de partida não as disciplinas, mas a ação humana, à qual direito e história se referem. Nessa esfera O que poderemos ver são as dimensões da ação: uma dimensão normativa e uma dimensão temporal. Encontramos, então, duas dimensões que pelo ponto comum da ação repercutem nas duas disciplinas. Direito e História são disciplinas ou saberes sobre a ação humana: buscam, pois, seus significados, seus sentidos. Ambas têm, portanto, uma dimensão hermenêutica. Ações desenvolvem-se no tempo, e ações são signifi- cativas. Ambas também lidam com tempo, de formas diferentes. Ao lidarem com O tempo, elas apresentam uma dimensão narrativa, já que a narração é a maneira inevitável de se inserir no tempo. Em seguida, procurarei apontar para essas dimensões do Direito e da História que as aproximam pelos seus problemas, não necessariamente pelos seus métodos ou objetivos, embora possamos afinal ver sempre uma relação entre todos esses elementos. Dimensão normativa, dimensão narrativa, dimen- são hermenêutica, dimensão temporal. Disse antes que século XIX foi o século da afirmação das disciplinas como nós as conhecemos hoje. Vale a pena dizer algo mais: direito tinha, a rigor, uma longa história. Se contarmos a partir do momento em que textos280 José Reinaldo de Lima Lopes 0 diálogo entre Direito e História 281 jurídicos válidos e vigentes são tomados como objeto de estudo sistemático e refletido, pode-se contar a História do Direito desde século XI aproximada- Importantes elos nessa cadeia de estudos encontram-se em Motesquieu mente, quando nas incipientes universidades medievais, mais particularmente (1689-1755) que, além do celebrado Espírito das leis (1748), também escreveu as Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e sua decadência (1734). em Bolonha, OS fragmentos recuperados do Digesto, do Código e das Novelas de Não menos importantes são OS elos na obra do jurista Heineccius (Heinecken, Justiniano começaram a ser lidos e explicados pelos professores de Filosofia e de artes liberais. É nos séculos XVII, XVIII e XIX, porém, que se define a atual 1681-1741) que combina sua filiação ao Direito natural moderno (Elementa juris naturae et gentium de 1737), com obras de História da jurisprudência romana visão que temos do Direito. Consolidaram-se em seguida as disciplinas práticas (Antiquitatum romanorum jurisprudentiam illustrantium syntagma, de 1718, e que escaparam aos juristas: a Economia, a Filosofia moral no sentido mais Historia juris civilis romani ac germanici, de 1733). Nesta sequência, estudos estrito, O Direito natural filosófico, a Ciência da Política e da Administração. Ao de Gibbon (1737-1794) sobre O Declínio e queda do Império Romano (1776-1778) Direito fica reservado um campo importante, mas consideravelmente menor do encontram-se nesse gosto pelas antiquitates, entre as quais as antiquitates do que antes: O das obrigações positivas. Um movimento paralelo ocorreu no âm- direito romano. bito da História, com a separação da História propriamente dita de tudo que lhe era possivelmente vinculado mas não objeto da nova história científica. Dessa vaga setecentista procede a introdução da História do Direito pá- trio nas academias de muitos lugares na Europa, inclusive na de Portugal com O que chama a atenção no século XX é um novo movimento. Vou chamá- a reforma de 1772, história da qual se encarregará jurista Pascoal de Melo lo aqui de movimento em direção ao sentido. Não por acaso século XX é Freire. A História que Melo Freire engrossa está, porém, a meio caminho entre século da Linguística, da Semiótica, da Semiologia, do Pragmatismo, da Comu- classicismo dos ilustrados e jusnaturalistas e a nova História jurídica românti- nicação. Século em cujas primeiras décadas encontramos a linguística geral e comparada, e em cujo final nos aguardava a ética do discurso. ca, da qual seriam expoentes máximos na Alemanha Gustavo Hugo (1764-1844) e Frederico Carlos de Savigny (1779-1861). Disse romântica porque O pano de Esse é O terreno em que parece fértil constatar e desenvolver uma parte fundo sobre e para qual escrevem é da nação formada a partir do diálogo entre Direito e História. É disso que pretendo falar Para da aceitação do direito romano. O texto de Savigny (História do direito romano tanto, parto do que pode ser considerado um ponto central do Direito, a tarefa na Idade Média) é até hoje uma poderosa e estupenda fonte, de historiografia da interpretação. Creio que esta é também uma tarefa central da História pro- muito precisa e claramènte documentada. Para não falar na obra de Theodor priamente dita. Em torno do tema da interpretação pretendo, portanto, indicar Mommsen (1817-1903), primeiramente estudante de Direito e finalmente histo- elementos capazes de permitir maior debate entre campos hoje tão distantes. riador acadêmico, grande classicista da Universidade de Berlin. Há quem diga, entre OS historiadores do pensamento jurídico, que é nos Só por aí já se poderia ver quanto História e direito percorreram cami- juristas humanistas do século XVI francês que a História moderna começa a nhos quando não paralelos pelo menos próximos. ser construída. De fato, aqueles franceses, na sua maior parte calvinistas que Há, contudo, uma especial diferença. A História do século XIX em diante estudaram em Bourges, para onde se mudara italiano Alciato, aplicaram faz um esforço para abandonar seu papel de magistra vitae. É difícil saber sobre Direito as técnicas filológicas desenvolvidas pelos humanistas italia- quanto esforço é bem-sucedido, como é mais difícil ainda saber se esforço nos. O nome que primeiro surge nessa corrente francesa é de Guilherme não é ao fim e ao cabo uma ilusão. Seria possível refletir sobre a ação humana Budé (Budeus), fundador do Colégio de França. Ele é seguido por Francisco sem refletir sobre bem em última instância? possível fazer qualquer Conanus, Francisco Hotman e Hugo Donellus. espécie de narrativa histórica, mesmo a da História natural, sem alguma ideia Seja porque fossem franceses, a quem Imperador romano dos alemães de finalidade? Como se sabe, essa era uma das prementes dificuldades com não podia validamente dar ordens, seja porque fossem modernos e conside- que se vira espírito de Kant que, na sua terceira crítica, a Crítica da faculdade rassem OS medievais rudes e pouco capazes, humanistas franceses trataram de julgar, sugeria, para não dizer que postulava, a absoluta necessidade da textos do corpus iuris como documentos históricos. Sua herança foi passada categoria de função ou de finalidade para sequer articular algum juízo sobre à escola elegante holandesa, do século XVII e ao uso moderno das pandectas mundo. Quando se lê OS historiadores contemporâneos, mesmo os que recu- (usus modernus pandectarum) dos alemães do século XVIII na linha de Samuel sam a História mestra da vida, não se pode deixar de fazer de seus textos e suas Stryk (1640-1710) narrativas algo de crítica ao passado que recontam. Assim fazendo, procedem282 José Reinaldo de Lima Lopes diálogo entre Direito História 283 como se narrar a História fosse um acerto de contas com passado. Essa dimensão, que se pode controlar, talvez não se possa evitar totalmente, já que a exequibilidade completa? Creio que nada disso se explica senão funcional- toda narrativa é de certo modo reconfigurar passado. mente, mais ainda, senão teleologicamente. Para Direito e para juristas esse abandono da História mestra da Ora, se é assim, uma parte da História do Direito é um aprendizado a da nunca parece ter chegado. E se compreende. Mesmo valendo-se da respeito das intenções quais eram, e como se apresentavam como ideologias pensamento propriamente jurídico não pode deixar de ser prático. Saber Di- ou ideários, e também um aprendizado sobre as intenções fracassadas, além reito é em última instância saber que fazer em determinadas de um aprendizado das segundas intenções, as intenções ocultas, disfarçadas, e sabê-lo em função de normas jurídicas. Mas saber que fazer é orientar-se na escondidas. E é também um aprendizado que só pode ocorrer a partir de ação. Ora, não é possível agir sem uma ideia de finalidade. Agir sem finalidade certo ponto de vista, também ele intencional, também ele finalista, também é simples movimentar-se. Nossos corações movimentam-se sem ele, confessemos, normativo. O estranhamento que temos e devemos ter com mas não cada um de nós com pessoa. Nossos corações se movimentam, nós relação ao Direito passado é um estranhamento normativo, um estranhamento agimos. Agir, portanto, é sempre escolher agir. Isso não se faz sem a noção ele- em primeira pessoa. Como podiam viver sob um regime liberal e ainda assim mentar do fim, ou do bem. De modo que, se direito é uma disciplina da ação, admitir certas formas que hoje nos parecem incompatíveis com liberalismo. não é possível fazer direito sem levar em conta finalidades. Se a finalidade na Não é um julgamento, no sentido de um juízo de condenação ou de absolvição ação é bem, aquilo para que a ação tende, OS juristas jamais, a despeito do das gerações que nos precederam, mas um juízo sim, e um juízo formado por que possam dizer, deixam de pensar em finalidades. Normas e regras deixam- nossos próprios fins. se compreender pela sua finalidade, para aquilo para que servem, para onde Trata-se de uma espécie de confronto de grandes sentidos, confronto dirigem a ação humana. de grandes articulações de sentido. Creio que a História do Direito de modo Nesse ponto, portanto, a história dos conceitos jurídicos, ou melhor dito preeminente é essa história da força de certas ideias, de como certas ideias ainda, a história dos institutos jurídicos, é uma história de tomadas de decisão vieram a ser "centrais para certas sociedades ao longo da história", conforme finalísticas. A História do Direito é, nesse aspecto, uma história de intenções. a expressão de Charles Taylor. Se toda história é compreensão da motivação Daí porque, para os juristas, fazer a História de seu saber é fazer a história de humana (outra vez, a ideia é de Taylor), a História do Direito é também essa decisões tomadas em função de algum fim, cujos resultados foram avaliados em tentativa de compreender a motivação que nos leva a predicar de algumas função de algum bem, de decisões tomadas em função de fins que mudaram, ações, atividades ou estados de coisas que são proibidas, permitidas, obriga- disputadas para dar a predominância a outros fins, a outros bens, a outros tórias. E como algumas ações, atividades ou estados de coisa são constitutivos sentidos. Dado que se procura apreender sentido dessas intenções e decisões para as vidas das sociedades e dos seres humanos. elas devem ser compreendidas no contexto: um contexto discursivo, em que se O século XX trouxe novidades que afetaram também História e Direito, disputa próprio significado das decisões e de seus fundamentos, e um contexto outra vez de modo paralelo. Ambas as disciplinas foram afetadas pela auto- social, em que a disputa apela para consenso de grupos sociais distintos. nomização de novas áreas: a Sociologia e a Economia. O estudo da sociedade Com isso, a História do Direito confunde-se um pouce com próprio separado das instituições políticas e das instituições jurídicas e distinto da Direito. Nenhum instituto jurídico poder ser absolutamente compreendido moral repercute, a meu ver, nas duas disciplinas, assim como estudo da ação sem que seja explicado ou interpretado finalistamente, teleologicamente, por humana orientada para a satisfação de necessidades, confrontada com a sua causa final. Uma regra ou uma instituição explicam-se, como se explicam escassez e sujeita a regras intencionais. No direito a repercussão é clara e na as ações em geral, pelos seus motivos, pela sua finalidade. Essa explicação teoria do Direito é também evidente. Um jurista cuja obra se destaca e ante- também vale para a explicação Histórica do Direito, para a explicação his- cede essa perspectiva é inicialmente Rudolf von Jhering. Vindo da tradição tórica dita interna: por que mudar as regras de sucessão? Por que permitir conceitualista da pandectística alemã, Jhering mostra novo espírito do seu que filhos adulterinos herdem em igualdades de condição com filhos tempo em duas obras particularmente valiosas: O espírito do direito romano e legítimos? Por que permitir ou proibir a primogenitura e o morgadio? Por que A finalidade no direito. 0 que se destaca em Jhering não é a preocupação com proibir ou permitir a formação livre de títulos de crédito e garantir-lhes ou não a questão social, coisa da qual a rigor passa longe. Se alguma coisa se pode dizer de Jhering é que seus textos são em grande medida uma celebração da284 José Reinaldo de Lima Lopes diálogo entre Direito e História 285 burguesia e da sociedade burguesa. que chama a atenção é abandono de Essa Filosofia pode estar centrada no problema do sentido da ação. toda pretensão jusnaturalista moral e a adoção de uma postura justificadora Ora, se sentido é um tema central do século XX, isso vem a acontecer no dos institutos jurídicos em função de sua capacidade de promover as mudan- bojo de um processo desenvolvido no tempo, cujos passos podem também se ças sociais exigidas pela modernidade. Essa posição metodológica de Jhering recuperados. antecipa ou inaugura as visões sociologistas, evolutivas e até darwinistas do 0 sentido de uma prática e sentido de um discurso encontram-se como direito, assim com as visões céticas derivadas da nova ciência Sua objetos centrais em não poucas escolas, mesmo que distantes e diferentes. herança é recolhida de forma especial em França, pelos autores que se vêem Bastaria aqui lembrar a Sociologia de Weber, uma Sociologia da compreensão, simultaneamente fascinados pelo Código Civil Alemão de 1896 (em vigor a na qual a ação social é apreendida pelo seu sentido, vale dizer pelo tipo de partir de 1900) e com problemas de adaptação dos conceitos jurídicos às motivo de que resulta. Tipos de racionalidade e tipos de direito na obra de Max situações de mudança social que a industrialização havia introduzido. Nessa Weber correspondem a tipos de respostas motivadas correspondem a tipos de esteira, Raymond Saleilles, mais germanófilo dos franceses, François Gény (no respostas pelo motivo. Compreendemos as respostas quando as enquadramos direito privado) e Leon Duguit (no direito público) e outros menos famosos em tipos de motivos e razões para obedecer ou para agir de modo geral. hoje representam gosto pela função social, pelo estudo da Sociologia, pelo O sentido é também condição de compreensão em Wittgenstein e realismo e objetivismo de Comte e Durkheim. Uma geração depois, a geração sentido como O permanente do discurso, do querer dizer. O que são OS jogos de que viverá a grande guerra de 1914-1918, a Revolução Russa, alemã e todas linguagem senão níveis de sentido, conjuntos de sentido, sentidos globais as outras revoluções do imediato pós-guerra, terá já incorporado e digerido a de práticas sociais? As confusões e sem-sentido acontecem quando mistura- função social do direito e dos institutos jurídicos em seus estudos. No entre- mos jogos, ou seja, quando não somos de dar sentido a certa prática, guerras nascem também os primeiros estudos relevantes da relação teórica pois ela não está bem inserida no campo, ou propriamente no jogo. Finalmen- entre Direito e Economia. Essa onda de sociologização também repercutiria te, tradições na Filosofia de Gadamer não seriam, afinal de contas, sentidos na História, como todos sabem, assim como deu origem, pelo diálogo com a solidificados, sentidos dados. E que dizer das premissas implícitas do direito Economia, à historiografia francesa da escola dos Annales. comparado senão que são OS sentidos mais básicos de uma experiência jurí- Com a sociologização do Direito veio também uma tentativa de nova dica, que de tão básicos não precisam ser nem mencionados por quem está historicização. Passou-se a a História para criticar OS institutos e imerso no ambiente e no jogo, mas que para os observadores externos são a soluções, para uma pá de cal nas esperanças de reformas políticas e jurí- peça jamais mencionada mas a única que pode pôr tudo em ordem. dicas como instrumentos de melhoramento definitivo e final das sociedades Historiadores e historiadores do Direito estão geralmente imersos nes- nacionais Para politizar de vez as instituições jurídicas, ses jogos em que personagens e os autores do entrecho jamais lhes dizem mostrando-lhes a falta de racionalidade, voluntarismo e a positividade. A a única coisa que poderia fazê-los compreender tudo mais. historicização sociológica era também um elemento de crítica ao individua- A História está, pois, à procura de sentidos, mesmo que sentidos gerais. lismo metodológico dos juristas. Os sucessos dessas críticas é um objeto a Não importa que OS chamemos motivos dos agentes, espírito ou tendência, ou ser minuciosamente investigado, especialmente no Brasil. Mesmo assim, deve forças históricas. Todos são nomes para revelar esse "sentido" que se busca e fato ser mencionado para nos darmos conta desse paralelo entre direito e que qualquer um assume presume para encadear ações, para tornar even- história, paralelo no caso provocado pela nova força intelectual que a teoria tos humanos compreensíveis, para compreender instituições por dentro, para social e a Sociologia trouxeram no século XX. dar-se conta do das forças ou estruturas sociais. Tracei até aqui um paralelo entre as duas disciplinas, mas por força dis- Se a História deixa de ser magistra vitae, se ela pretende ser positiva ou so, estabeleci um esquema quase gráfico das distinções e da externalidade de crítica, não perde, por isso, seu caráter narrativo, ou pelo menos, não perde cada uma. Seria possível traçar-lhes agora uma genealogia mais interna, pró- necessariamente seu caráter narrativo. Se ela deixa de ser magistra vitae já é pria e ainda assim comum? Creio que se pode tentar isso com auxílio de uma duvidoso, pois afinal se a busca dos sentidos é, na esfera da compreensão da análise da Filosofia ou de uma das filosofias de base do século passado. ação, uma busca pela identidade e a identidade é sempre determinante nas eleições e escolhas, que ela não pode deixar de ser é narrativa. Compreensão286 José Reinaldo de Lima Lopes diálogo entre Direito e História 287 é, em certa medida, narração. Esse caráter procede a meu ver do próprio obje- com seu próprio passado... Prático porque diz respeito ao agir que em si to de compreensão da História, ou seja, ação humana. Mesmo que esta ação mesmo engloba produzir e fazer, poiésis e praxein. se estabilize em instituições sociais, como são a língua e as regras políticas e E Direito, tem algo de narrativo? Ou seu caráter normativo exclui jurídicas ou, enfim, todas as instituições da espécie, trata-se sempre de ações narrativas, transforma-o em pura ordem? É por alguma forma de narração que desenvolvidas no tempo e por seres humanos. Por isso mesmo suscetíveis de se busca seu sentido? Como sabemos, Direito lida em primeiro lugar com serem apresentadas e apreendidas sob a forma narrativa, isto é, colocadas em sentidos. Tanto assim que Pufendorf, no alvorecer do direito moderno, expli- encadeamentos de sentido expressos discursiva e cronologicamente. Esses cava a seus leitores e alunos que se OS objetos das ciências físicas surgem no encadeamentos nem sempre lineares, são discursivos e só podem ser compre- mundo por alguma forma de "criação", OS objetos das ciências morais (ética e endidos discursivamente no tempo. direito) surgem por "imposição", isto é, por atribuição de significado a coisas Qualquer ação é explicável em forma narrativa. Acompanho aqui uma (ações, eventos) que ocorrem no mundo dos homens. É possível expressar expressão usada por Alasdair MacIntyre sobre O caráter eminentemente nar- esses significados em frases de caráter narrativo também, mas significado rativo das humanidades e Ciências Sociais em geral, e muito especialmente, mesmo é jurídico, é normativo. em sua opinião, de qualquer teoria sobre a ação humana, particularmente as Será preciso distinguir. Quando se diz que a História é narrativa, pode-se teorias morais. A explicação é de fácil compreensão: quando se pergunta a al- entender que tanto a disciplina ou saber história são narrativos, quanto que a guém, particularmente, que está fazendo e por que está fazendo, em última ação histórica dos seres humanos e seus respectivos grupos sociais é narrativa, análise a resposta assume a forma de uma breve narração. O agente explica discursiva, autocompreendida como narrativa. Quando se diz, ou se sugere, que O sua ação tanto pelos antecedentes no tempo, quanto pelos consequentes no Direito é narrativo é preciso saber se nos referimos à disciplina ou saber jurídico tempo; tanto pelo que levou à ação na forma de um pedido, um comando, ou à aplicação mesma do Direito, a vida segundo regras, desde a decisão ordinária um sentimento que lhe veio anteriormente, quanto pelas consequências pre- e corriqueira de qualquer um que viva sob certas regras jurídicas, à decisão de vistas, previsíveis, esperadas ou esperáveis de sua ação. Isso tudo se combina uma autoridade encarregada de zelar pelo cumprimento das mesmas regras. na forma de um motivo. A própria pergunta pela identidade alheia, "quem é saber jurídico é narrativo apenas em sua remota consciência, e sua você?" ou "quem é ele?" responde-se com alguma narrativa abreviada, com a historicidade só aflora plenamente nos momentos de crise, nos momentos em inserção do sujeito não na espécie, cujo reconhecimento é imediato, mas com que se perde a clareza do sentido da norma. Cessante ratio legis, cessat et ipsa sua inserção em alguma comunidade ou instituição humana ("é filho de..."; lex. Se lançarmos um olhar meramente analítico que seja sobre a lógica das funcionário de..."; "é formado em..."), com a indicação do nome com O qual é chamado por outros... normas, narrativo encontra-se naquilo que Richard Hare chamou de frástico, a ação de que fala uma norma qualquer, muito especialmente as normas que se Ora, parece-me que a História pretende ser isto: uma compreensão parti- referem a ações para proibi-las, obrigá-las, permiti-las. Na ordem "feche a por- cular desses acontecimentos não "naturais", frutos claros de ações dos homens, ta", frástico é "fechar a porta", algo que se compreende de modo quase que não de forças cegas da natureza, ou desígnios de deuses; nem acontecimentos meramente descritivo. Ora, referindo-se a ações, normas dizem respeito àquilo naturais, nem acontecimentos sobrenaturais. Acontecimentos humanos, isto é, que pode ser narrado. Por isso, nos momentos de crise, em que a referência a ações humanas. Certo de que OS acontecimentos naturais podem ser também certas ações perde sua razão de ser, seja porque tais ações tipicamente já não narrados e encadeados sob signo da causalidade, apresentando-se como se praticam, seja porque tais ações não se compreendem da mesma maneira, o uma "história natural". Certo também de que os acontecimentos sobrenaturais caráter histórico-narrativo do saber jurídico se mostra com mais evidência. podem ser narrados sob signo da providência e do plano oculto dos deuses Exemplifico. Tomemos caso das ações que se esperam de um político, sob a forma de uma "história sagrada". A História humana, porém, é narrativa de alguém que age em nome de todos e, por isso, se pode dizer político, ou que mais propriamente e mais simplesmente, uma vez que, embora haja condições age naquela esfera reservada á política, a esfera das coisas comuns. Uma é a dentro das quais se faz, as condições criadas pela espécie, pelos grupos e pe- coisa que se espera de um rei medieval, outra a que se espera de um monarca los indivíduos da espécie tem um caráter agônico e prático. Agônico porque se absoluto. Essa distância entre dois papéis, ainda que ambos se possam trata de alguma forma de confronto com a natureza mesma, com outros, dizer políticos e ainda que ambos se possam dizer reis, cresce e se exponencia288 José Reinaldo de Lima Lopes diálogo entre Direito e História 289 nos momentos de crise, ou simplesmente de mudança. No século XVII essa mudança é significativa nesse ponto. Os novos monarcas das monarquias isto é, em forma obrigatória e que condiciona a validade de uma sentença ou nacionais não são como imperadores da Antiguidade Romana, nem como de um acórdão consiste em relatório, fundamento, dispositivo. relatório, reis medievais. É no século XVII que se estabelece então uma forma de enca- OS que na versão empobrecida e menor que costuma vir a público entre nós, é rar direito romano, que até então vinha sendo estudado como essencial apenas uma espécie de "certidão de objeto e pé" (como me disse um querido do Direito nas universidades: ressalta-se seu caráter histórico e começam aluno), contém a narração dos fatos, a narração do caso. Também as partes aparecer livros que tomam direito seletivamente. O caso mais exemplar, a levam ao juiz, ou a quem quer que seja terceiro que vai aplicar a norma de grande circulação e publicidade, é a obra de Jean Domat, As leis civis em ao caso, sua versão,-sua narrativa. As partes narram que se passou e ao sua ordem natural bem como seu Legum delectus. Nem tudo que procede do narrarem já montam suas estratégias de solução. Narrado fato, autor que direito romano é necessário ou utilizável pelos contemporâneos e, como ele pede algo em juízo acrescenta necessariamente uma interpretação jurídica do diz na apresentação das leis civis, a despeito das muitas coisas importantes fato. Essa narrativa do fato já qualifica. Não se trata apenas de um ato que OS romanos elaboraram em termos de Direito, muito perdeu a razão de de um movimento físico, de um evento natural trata-se de algum fato que ser, muito não se compreende, muito estava diretamente ligado a seus hábitos adquire sua dimensão normativa justamente ao ser narrado. Assim, autor mentais pagãos, de modo que apenas seletivamente se deve aproveitar aquele apresentará uma história em que informará como tiveram início, por exemplo, repositório histórico de normas. as relações comerciais entre ele e réu, como 0 réu se comportou, como ele Assim, embora o frástico das normas tenha um caráter narrativo, esse mesmo se comportou, como tal comportamento pode ser e na sua versão, frástico é, por isso mesmo, contingente, ele mesmo histórico. Ele não está na deve ser entendido como uma atitude de má-fé, ou de boa-fé, como tal ou esfera da lógica das normas, ele não resiste ao do tempo. Dessa forma, qual ação ou manifestação é e deve ser entendida como uma ação tipificada na saber história ajuda jurista a aproveitar de sua própria tradição apenas que cláusula X ou Y do contrato, ou no artigo X ou Y da lei aplicável. lhe parece ou que parece à sua própria sociedade e a seus contemporâneos O que faz então réu? Uma estratégia é negar OS fatos. Negados fatos, sensato, útil, compreensível, necessário, justo ou bom. Creio que é assim processo se converte em uma espécie de atividade de reconstrução histórica que se pode compreender a explicação que Leibniz dá no seu Novo método de da "verdade dos fatos". Deve-se estabelecer fato. Como, diferentemente da ensinar e aprender direito do papel da História na disciplina jurídica. Divide ele academia, essa busca pela verdade não é infinita, processo desenvolve-se a "scientia" do Direito em quatro partes (níveis, esferas, ângulos): OS textos segundo regras que permitem ou não a realização de certas provas e, reco- propriamente ditos (a didática), a História e origem das leis, a interpretação nhecendo-se que estabelecimento da verdade dos fatos é em geral apenas dos textos (exegese), e a polêmica (ou decisão de casos): Sé a didática (co- "provável", pódem ser admitidas presunções baseadas ou "no que geralmente nhecimento dos textos legais) e a polêmica (exercício de aplicação das leis acontece" (em geral definidas pelos juristas de presunções iuris tantum, isto aos casos) são propriamente ciência jurídica. As outras duas, a histórica e a é, apenas provisórias e por força da lei), ou presunções iure e de iure (contra exegese são antes pressupostos para exercício da ciência jurídica do que as quais não se admitem provas) porque não visam propriamente estabelecer constitutivas específicas dessa ciência. Isto significa, a meu ver, que a História fatos, mas impor limites de ação (assim, por exemplo, a famosa presunção é um elemento crítico, um elemento que dá inteligibilidade ao corpo legal, de violência nas relações sexuais de adultos com menores de certa idade, em embora ela mesma seja outra coisa. que não se está realmente falando de violência, mas se trata de verdadeira No entanto, a meu ver, há outro elemento narrativo importante e interno interdição, ou a presunção de vulnerabilidade do consumidor, em que não se na prática jurídica. Outra vez, aqui com todo O cuidado que as aproximações está falando de fatos particulares, mas da determinação do sistema jurídico interdisciplinares requerem, é preciso proceder com alguma calma. Esse para que OS fornecedores respondam sempre pelos acidentes industriais). elemento está no seguinte: toda aplicação de uma norma ocorre em alguma réu pode, entretanto, escolher outra estratégia: não nega fatos, mas situação ou caso concreto precedida por uma narrativa. O caso, a questão, lhes dá outra versão, ou, se quisermos outra interpretação, outro significado conflito a ser resolvido só pode ser expresso por forma narrativa. Não por jurídico. Esse outro significado jurídico virá inserido em outra narrativa, outra acaso a estrutura de uma decisão judicial, hoje transformada em forma legal forma de expor que realmente aconteceu, e que permitirá ver quais as inten- ções, quais OS "verdadeiros sentidos" jurídicos encontrados nos fatos.290 José Reinaldo de Lima Lopes diálogo entre Direito e História 291 Nesses termos, pode-se dizer que há sempre algo de narrativo e de histó- Esse poder de fazer novas todas as coisas, entre cristãos atribuído rico no exercício mesmo da razão jurídica. Esta, como disse com razão Leibniz, a seu deus antropomórfico (e, na bela expressão de São João Crisóstomo, não se especifica por ser exegética, coisa que muitas outras disciplinas são, deus "amigo dos homens", theos philanthropos), não será mesmo um poder mas se especifica por ser prática, isto é, orientadora de ações determinadas. E humano, O poder de controlar sua própria memória? Poder de ampliá-la e como a razão prática está implicada necessariamente com contingente, com poder de impor-lhe institucionalmente um limite? Creio que sim. Há no Direito que pode ser ou não ser, com concreto como diz a linhagem clássica da algo assim e esse algo é tradição da anistia, do esquecimento. Sem dúvida, filosofia ninguém delibera sobre geral, mas sobre particular, há, nesse Direito dispõe para o futuro e, sem dúvida, pretende dirigir e mudar que há exercício, um lugar para diálogo com a História, e um lugar para O diálogo de vir. Mas a vingança, a permanente lembrança dos males passados é, como com a compreensão do particular. dizia Hannah Arendt em À condição humana, uma perpetuação do velho e da Gostaria de terminar essa série de sugestões sobre as possíveis cone- violência. É preciso tratar do passado para ir para futuro. xões entre História e Direito fazendo referência também à dimensão temporal Não se confunda, porém, esse tratar do passado como um conformar-se em que ambas as disciplinas estão inseridas. Tentando definir a história, Bloch com a injustiça, com erro com as indignidades que se fizeram. Observemos disse que se tratava da "ciência dos homens no tempo". Definindo O próprio aqui a estrutura do perdão e do esquecimento contida na Escritura: é depois do Direito, dizia O jurista romano que a força das leis consiste em proibir, de um listado de erros claramente atribuídos a alguém que se proclama o obrigar, permitir. Esse proibir, obrigar e-permitir está sempre voltado para esquecimento. Mesmo que tudo isso tenha sido feito, ainda assim é preciso ir futuro. Se quero dar diretivas para a ação não é racional dá-las para passado. para a frente e deixar para trás as coisas "que já passaram". Reconhecimento Daí a afirmação permanente dos juristas: as leis obrigam para futuro, as leis da injustiça, superação da injustiça. retroativas são irracionais. Mas se obrigam para futuro é porque resultam da Nisso vive-se neste momento no Brasil uma discussão em que juristas e experiência passada. O que proíbem, permitem ou obrigam é algo que pode historiadores se colocam lado a lado. Refiro-me, claro está, a mais um episódio acontecer e que de fato já aconteceu. O Direito está, portanto, envolvido sem- de anistia, a anistia que completa seus 30 anos. O regime militar inaugurado pre com essa dimensão tensa de passado e futuro. em 1964, cerca de 45 anos atrás, permanece como um cadáver insepulto, pois a E com relação ao que aconteceu Direito tem vários mecanismos de anistia foi passada não sobre crimes reconhecidos, não sobre coisas das quais tratamento. Nessa altura da história gostaria apenas de lembrar um deles, se falaram, mas às pressas. O resultado aí está: até hoje há temor de tocar no que hoje adquire grande importância. Trata-se da anistia, do olvido, do es- assunto, pois não foi com base na justiça, não foi com base no reconhecimento quecimento institucional. O Direito não tem poder, que nem O próprio Deus da verdade, que se realizou indispensável esquecimento da anistia. Toda vez tem, como dissera São Tomás, de fazer com que passado desapareça. Não. que esta discussão for interrompida, não percebem alguns que ela faz apenas O passado está lá. Mas, assim como Deus, tem esse poder de fazer que as estiolar ainda mais tecido da convivência política brasileira. Há espaço hoje coisas passadas não contem mais. É uma espécie de esquecimento, talvez para um diálogo real e prático para juristas e historiadores nesse âmbito de seja um equivalente do perdão. No grande livro da Consolação do segundo nosso passado. Os juristas, porém, não devem, a meu ver, tornar-se vingado- Isaías, ouve-se uma fala divina: res, prolongarem com seu instrumento retórico, uma vingança hoje tardia e deslocada. Claro que, no Brasil, isso não será fácil, visto que OS juristas nunca Não vos lembreis mais dos acontecimentos de outrora, não recordeis tiveram treinamento acadêmico ou prático em disputas e argumentos morais mais as coisas antigas, porque eis que fazer uma obra nova, que já profundos. Deixaram-se e deixam-se, na maior parte das vezes, levar pela be- vem; não a vedes? Vou abrir uma vereda no deserto e fazer correr riachos leza do discurso, antes que pela sua verdade. Creio, ainda assim, que campo pela estepe! (Is. 43, 18-19). está aberto para que dialoguem com historiadores para estabelecimento da verdade dos fatos, ainda que com a finalidade de se imporem, como convém, No último livro da Escritura cristã também se promete uma nova criação, limite de não darem continuidade a coisas velhas. uma nova fundação: "O que estava assentado no trono disse: Eis que eu faço novas todas as coisas!"292 José Reinaldo de Lima Lopes Notas Trata-se de texto preparado para leitura, que conservou sua forma de conferência e seu caráter de oralidade. Professor da Faculdade de Direito da USP e Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. CAPÍTULO 2 QUANDO HISTORIADORES ADVOGAM. Uso PARTIDÁRIO DO PASSADO NA HISTÓRIA DE PEDRO TAQUES Samuel Rodrigues Barbosa¹ A história tem um comércio tão íntimo, tão familiar e tão frequente com a jurisprudência como a alma tem com corpo.² comparação entre historiador e O juiz é um topos da literatura con- A temporânea de metodologia da História. Em uma palestra de 1914, Marc Bloch sentenciava: "Somos juízes de instrução encarregados de um grande inquérito ao passado. Tal como OS nossos confrades do Palácio de Justiça, recolhemos testemunhos e, com a ajuda destes, procuramos re- construir a realidade".³ A comparação entre historiador e juiz lhe serve de fio condutor para a apresentação de algumas regras de crítica dos documentos. Historiadores e juízes são confrades no exercício probatório. Carlo Ginzburg entra no debate do "linguistic turn" da historiografia com a seguinte caução: se é verdade que a dimensão retórica da narrativa não pode ser desprezada, é preciso tirar todas as consequências disso, O que significa salientar um dos capítulos centrais da retórica as provas. Tal como juiz, historiador tem nas provas duplo acesso à referência exterior aos textos e à verdade.⁴ Por último, Ricoeur explora outro aspecto do topos. juiz é terceiro no processo, não é parte, mas elabora seu juízo com imparcialidade. Com- parar historiador com juiz põe em discussão controverso problema da imparcialidade.⁵