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E-book do Vet UFMG Aspectos teóricos e aplicados a ginecologia equina Autores Profa. Dra. Monique de Albuquerque Lagares Ms. Natalia de Castro Alves Med. Vet. Jade Raquel Dias Farias Med. Vet. Marina Morra Freitas 2022 1 Prefácio O presente e-book é um registro do trabalho de alunas da Pós-Graduação em Ciência Animal da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e por mim, a professora orientadora, e coordenadora do Laboratório de Biotecnologia da Reprodução e Técnicas de Reprodução Assistida, BioART Lab da Vet UFMG. Esse material foi elaborado para suprir informações sobre aspectos aplicados à reprodução da égua e oferecer uma base teórica da fisiologia da reprodução para melhor entendimento da área aplicada. O II Curso de Ginecologia Equina com Ultrassonografia realizado em fevereiro de 2022 foi nossa grande inspiração. Esperamos que seja de grande utilidade para a rotina de quem tem interesse na área de ginecologia equina. Boa leitura e aprendizado! Belo Horizonte, 3 de fevereiro de 2022 Monique de Albuquerque Lagares Professora Titular do Depto. de Clínica e Cirurgia Veterinária da UFMG 2 Sumário 1. Anamnese, Histórico, Exame Clínico Geral 5 2. Anatomia do Sistema Reprodutor da Fêmea Equina 6 2.1 Exame da genitália externa 6 2.1.1 Inspeção da vulva 7 2.2 Exame da genitália interna 10 2.2.1 Inspeção do assoalho vaginal com espéculo vaginal 13 2.2.2 Inspeção da cérvix com espéculo vaginal 13 3. Controle endócrino do ciclo estral da égua 14 3.1 Sazonalidade reprodutiva da égua 17 3.1.1 Melatonina 18 3.1.2 Ciclo circadiano 20 3.2 Comportamento de estro 20 3.3 Manipulação do ciclo estral - Programa de luz 21 3.4 Reconhecimento materno da gestação 23 3.4.1. Endocrinologia da gestação 24 3.4.2. Destruição dos cálices endometriais 25 4. Exame do sistema reprodutivo por palpação retal 27 5. Exame do sistema reprodutivo com ultrassonografia 27 6. Técnicas complementares do exame ginecológico equino 30 6.1 Cultura microbiológica uterina 30 6.2 Citologia uterina 30 6.3 Biópsia uterina 33 7. Manipulação hormonal da sazonalidade 34 7.1 Protocolos hormonais 36 8. Modelos de fichas ginecológicas equina 40 9. Referências bibliográficas 42 3 Lista de figuras e tabelas Fig 1: Desenho esquemático do sistema reprodutor da égua (1) ovários, (2) cornos uterinos, (3) corpo uterino, (4) ligamento largo, (5) infundíbulo, (6) cérvix, (7) vagina, (8) artérias uterinas, e (9) artérias ovarianas. Fig.2: Conformação vulvar Fig.3: Aparelho de metal (vulvômetro) para mensuração e determinação do comprimento e ângulo de inclinação vulvar da égua (Índice de Caslick). Fig. 4: Índice de Caslick = comprimento vulvar em cm x ângulo de inclinação em graus. Interpretação: Valorescorreta dos lábios vulvares (Fig.2 e 5) predispõe a urovagina e a pneumovagina (BRADECAMP, 2011). Estas são decorrentes da entrada de urina e ar no ambiente uterino, ocasionando graus de inflamação e infecção que podem comprometer os índices de fertilidade. Na avaliação ginecológica são importantes as informações referentes a fatores hereditários, escore corporal do animal, idade, número de partos, e índice de Caslick (Fig.3 e 4), o qual é um indicativo para a realização de correção cirúrgica vulvar. Sequência do exame ginecológico equino 1. Exame da genitália externa ● Inspeção: Avaliação da conformação vulvar 2. Exame genitália interna ● Uso de espéculo vaginal para avaliação da abertura e coloração da cérvix, e coloração, umidade e presença de secreção vaginal ● Palpação retal para avaliação de ovários quanto ao tamanho, presença de folículos (tamanho e consistência), útero (consistência, simetria e espessura) e cérvix (espessura e consistência) 7 ● Ultrassonografia para avaliação de ovários quanto à presença de folículos (tamanho e ecogenicidade), corpo e cornos uterinos (presença de líquido, vesícula embrionária e edema uterino), e espessura da cérvix. Fig. 1: Desenho esquemático do sistema reprodutor da égua (1) ovários, (2) cornos uterinos, (3) corpo uterino, (4) ligamento largo, (5) infundíbulo, (6) artérias uterinas, e (7) artérias ovarianas. 2.1.1 Vulva O sistema reprodutor da égua é responsável pelo sucesso da fertilização, apresentando interação entre o sistema nervoso central e o sistema endócrino. A vulva (fig. 2) apresenta importância contra infecções uterinas, tendo função de mecanismo de defesa. Dessa forma, se faz necessário conhecimento anatômico para garantir o sucesso da fertilização. 8 Fig.2: Conformação vulvar (Acervo pessoal) (Caslick 1937) Fig.3: Aparelho de metal (vulvômetro) para mensuração e determinação do comprimento e ângulo de inclinação vulvar da égua (Índice de Caslick). 9 Fig. 4: Índice de Caslick = comprimento vulvar em cm x ângulo de inclinação em graus. Interpretação: Valoresa uma excitação tônica de seus neurônios (Fig. 12). O impulso nervoso é transmitido ao hipotálamo na região do núcleo supraquiasmático (Williams et al. 2012), encaminhando para o gânglio cervical superior. Assim, o sinal excitatório é convertido em inibitório pelos neurônios pré-sinápticos. As fibras adrenérgicas pós-sinápticas respondem reduzindo a secreção de norepinefrina que influencia na glândula pineal, resultando em diminuição da secreção de melatonina (Senger, 2012). A baixa secreção de melatonina excita os neurônios (Arg)(Phe)-amida peptídeos (RFRP) que aumentam a secreção de RFRP-3 (Angelopoulou et al., 2019; Kanasaki et al., 2018). O RFRP- 3 atua diferente em sazonalidade de dia longo e curto. Em dias longos, o RFRP-3 estimula o agrupamento de neurônios de Kisspeptina no hipotálamo, que secretam altos níveis de kisspeptina- 10, que age nos neurônios de GnRH e estimula a liberação de FSH e LH (Senger, 2012). 18 Fig. 12: Esquema de liberação dos hormônios gonadotróficos e pineal, luz, égua 3.1.1 Melatonina A melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina) é um neurotransmissor da família das indolaminas, produzida principalmente pela glândula pineal (Lerner et al., 1958), mas também pode ser produzida em outros locais como a pele e os ovários (Rocha et. al., 2011). Na glândula pineal, no decorrer de um dia, a melatonina é formada a partir do triptofano quando a luminosidade diminui (Goldman e Darrow, 1983). O triptofano entra na via biossintética e sob ação da enzima triptofano-5-hidroxilase é convertido em 5-hidroxitriptofano. Esse segue sendo oxidado pela enzima 5-hidroxitriptofano descarboxilase, originando a seratonina, que sob ação da N-acetiltransferase recebe um grupo acetil formando a N-acetilseratonina, que por sua vez 19 é submetida a ação da acetilseratonina-O-metiltransferase, sendo metilada e assim formando a N- acetil-5-metoxitriptamina (melatonina) (Rocha et. al., 2011, Fig. 13). Um dos mecanismos de ação da melatonina é a ligação em receptores associados à membrana plasmática. Esses são chamados de MT1, MT2 e MT3. Os dois primeiros são encontrados em mamíferos (Rocha et. al., 2011) e o MT3 em pássaros e anfíbios (Talpur et. al., 2018). O MT1 e o MT2 são pertencentes a família de receptores ligados à proteína G. Já o MT3 pertence à superfamília RZR/ROR, que são receptores nucleares. Os receptores MT1 podem ser encontrados na pars tuberalis na adenohipófise (Malpaux et al., 1996) e no núcleo supraquiasmático do hipotálamo (Talpur et al.,2018). Já o MT2 é encontrado na retina dos mamíferos (Talpur et al.,2018). Fig. 13: Via Biosintetica da melatonina. Quando diminui a incidência de luz, a retina capta a alteração de luminosidade e por impulso nervoso encaminha o sinal para o núcleo supraquiasmático que leva para o gânglio cervical superior. Por vários estímulos, aumenta a produção de norepinefrina, aumentando a produção de N-acetiltransferase e, consequentemente, a produção de melatonina (Deguchi e Axelrod, 1972). 20 3.1.2 Ciclo circadiano O ciclo circadiano dura aproximadamente 24 horas. E é sincronizado através da variação de claro: escuro (Maywood et al, 2007). A produção da melatonina está relacionada ao ritmo circadiano que está sob controle de um relógio endógeno (Goldman e Darrow, 1983). A produção da melatonina ocorre sob influência direta do sistema nervoso central (Maywood et al, 2007). 3.2 Comportamento de estro Éguas são animais de ciclo reprodutivo sazonal, sua atividade reprodutiva é determinada pelo estímulo de luz. A égua só aceita o acasalamento no período do cio ou estro, demonstrando receptividade ao garanhão, elevação da cauda e micção com odor característico (Fig. 14 e 15). Durante o diestro, a égua rejeita o garanhão, podendo se demonstrar agitada, morder e dar coices. A rufiação das éguas pelo garanhão pode ser feita levando-se a égua ao tronco, onde o garanhão fará a corte para detecção do cio ou levando-se o garanhão ao piquete onde as éguas se encontram. Neste caso, as éguas no cio (estro) se aproximam dele, levantam a cauda, urinam e contraem o clítoris. Fig. 14: Rufiação das éguas pelo garanhão. As éguas que estão no cio (estro) se aproximam do garanhão, levantam a cauda, urinam e contraem o clítoris. 21 Fig. 15: Comportamento da égua e ovários correspondente durante o estro e diestro (Adaptado de Guinter, 1992). 3.3 Ciclo estral - Programa de luz Conceito de dia longo A égua precisa de 14-16 horas de luz para ciclar. Estende-se o dia no período de dias curtos, colocando a égua na luz na baia antes do anoitecer até completar as 16h de luz. Conceito de noite curta A “noite” para o animal deve terminar mais cedo. O animal deve ser estabulado e exposto à luz, após 9,5-10 horas do início do período escuro. Pode-se usar uma lâmpada fluorescente ou incandescente de 100w e 200w. É indicada para fase de transição e éguas que precisam ciclar fora da estação de monta. 22 A ovulação da égua ocorre cerca de 24 a 48h antes do comportamento característico do estro terminar. Deve-se ter em mente o momento ideal para inseminação da égua (Fig. 16), de forma que, se for inseminada de 12 a 14h após a ovulação, por ainda apresentar sinais de cio, poderá levar à falhas no desenvolvimento embrionário, devido a viabilidade do óvulo (Raz e Raz 2012). Fig. 16: Momento ideal para monta natural e inseminação artificial com sêmen fresco ou resfriado. Adaptado de Raz e Raz 2012. 23 3.4. Reconhecimento materno da gestação A migração da mórula e blastocisto jovem (Bl) para o útero ocorre em torno de 6 dias pós fecundação, principalmente o Bl. Após a fertilização, a mórula ainda aprisionada no istmo superior inicia a produção de Prostaglandina- E (PGE). A PGE é responsável pelo relaxamento da tuba uterina que permite a descida do embrião até o útero. A recuperação embrionária na transferência de embriões (TE) ocorre no d7. Os oócitos somente descem para o útero com o relaxamento da tuba-uterina promovido pela produção de PGE pelo embrião. Se for encontrado um oócito degenerado no lavado uterino é recomendável lavar o útero novamente para se encontrar o embrião. No útero o embrião produz E2 e PGE para aumento da contratilidade uterina, e uma molécula menor que 10 kd, cuja função é bloquear os receptores de ocitocina uterino. Para isso , o embrião se move pelos cornos uterinos e corpo do útero. Isso é possível, devido a formação de uma cápsula glicoproteica, acelular, produzida pelo trofoblasto situada entre o trofoblasto e a zona pelúcida (ZP) do embrião. Esta cápsula só se forma no útero. A mobilidade embrionária ocorre até d16 (Fig. 17), quando aumenta o tônus uterino e ocorre a fixação da vesícula embrionária. O embrião produz E2 e PGE para aumento da contratilidade uterina e uma molécula menor que 10 kd, cuja função é bloquear os receptores de ocitocina uterino. Fig. 17: Mobilidade embrionária d14 24 3.4.1. Endocrinologia da gestação A fonte de progestágenos durante a gestação é o corpo lúteo (CL) primário no início (d0 a 40). Os CLs secundários se formam também secretam progesterona (d40 a d180). Do d 60 a termo a unidade feto placentária é que mantém a gestação com a produção de progesterona (P4). Note que a P4 produzida pela unidade feto placentária não entra em contato com a circulação sanguínea materna (Fig. 18) Fig. 18: Fontes de progestágenos durante a gestação Dr. Douglas Antczak descobriu os cálices endometriais a partir do d25 até 36 d da prenhez (100 anos de comemoração da descoberta no Annual Review of Animal Biosciences (Antczak et 25 al., 2013). No d37 as células do cinturão coriônico invadem o endométrio. No d40 células do cinturão coriônico se transformam em células dos cálices endometriais secretoras de eCG. No d50 célulasdos cálices endometriais maduro desencadeiam uma resp. cel. do sistema imune materno. O eCG tem estímulo luteotrófico induzindo à ovulação e luteinização de folículos >20mm de diâmetro. Consequente a secreção de eCG pelos cálices endometriais há formação dos CLs secundários a partir de d3-40 gestação. Aumenta o número de folículos grandes (>20 mm) de d20 a d60 de gestação. 3.4.2. Destruição dos cálices endometriais O antígeno de histocompatibilidade paterna classe 1 (MHC-1) são genes que codificam, informações p/ tipo de ptns na superfície das células de cada indivíduo. As células do cinturão coriônico expressam alta concentração de MHC-1. A expressão do antígeno MHC classe I pelo trofoblasto invasivo equino é importante para a tolerância maternal ao concepto equino. No entanto, a invasão dessas células no endométrio faz com que o MHC1 desencadeia uma resposta imune pelos linfócitos levando a destruição dos cálices endometriais aos d120 de gestação e redução do estímulo luteotrófico do eCG levando a regressão dos CLs primários e secundários (d120-150). Não há resposta imune contra a maioria da placenta epitélio-corial não invasiva, permitindo que a gestação seja levada a termo. As células do cinturão coriônico do trofoblasto invadem o endométrio e formam os cálices endometriais após o d36 pós-ovulação. No d70-80 os cálices endometriais começam a degenerar e os linfócitos invadem e os destroem. A concentração de progesterona cai e a placenta passa a manter a gestação com a produção de progesterona (5 alfa- pregnanes). (Fig. 19) (Modificado de Ginther, O.J Reproductive biology of the mare- Basic and applied aspects- 2a. Edição, 1992). 26 Fig. 19: Endocrinologia da gestação 27 4. Exame do sistema reprodutivo com palpação retal A palpação retal em equinos é um dos principais exames na rotina do manejo reprodutivo. De forma geral, consiste na introdução da mão e do braço do médico veterinário pelo reto do animal. O objetivo é, literalmente, palpar órgãos e estruturas do trato reprodutivo equino. Para isso, é preciso que o profissional tenha conhecimento amplo sobre a anatomia interna do animal. Dessa forma, poderá garantir mais precisão no diagnóstico. Com a palpação retal para avaliação reprodutiva da égua, o médico veterinário pode reconhecer estruturas do sistema reprodutivo, identificando a cérvix, o útero e ovários, a presença de folículos ovarianos, identificando a fase do desenvolvimento folicular, e realizar diagnóstico gestacional. Além disso, por meio desse exame é possível predizer sobre o nível de desenvolvimento do feto. Etapas durante o exame de palpação retal: 1. Cérvix: espessura, consistência e direção 2. Ovários: tamanho e presença de folículos (tamanho e consistência folicular) 3. Útero: espessura, tônus e simetria 5. Exame do sistema reprodutivo com ultrassonografia A partir do exame do sistema reprodutivo com ultrassonografia é possível acompanhar e monitorar a evolução do ciclo estral, as condições do útero, o desenvolvimento embrionário, o tempo de gestação (Tabela 1 e 2) e a existência de anomalias gestacionais. O exame consiste na avaliação da cérvix, útero (presença de edema, cistos, líquido, secreção e gestação), folículos (diâmetro e ecogenicidade, Fig. 20), corpo lúteo (tamanho e ecogenicidade) e gestação (presença, tempo e normalidade, Fig. 21). 28 Fig. 20: Folículos de égua de diferentes diâmetros e a presença de um corpo lúteo ao lado de vários folículos 29 Fig. 21: Imagens ultrassonográficas e desenhos esquemáticos do concepto correspondentes de acordo com dias após ovulação. Tabela 1: Características de desenvolvimento do concepto equino Prenhez Características de desenvolvimento do concepto equino 9-11 d Vesícula embrionária com blastocele 12-14 d Mobilidade do saco vitelínico entre os cornos uterinos 15-16 d Parada da mobilidade e fixação da vesícula no segmento posterior de um corno uterino 17-19 d Perda da forma esférica da vesícula embrionária 20-22 d Detecção do embrião ventralmente com atividade cardíaca 23-24 d Embrião-âmnio ascendem dorsalmente, saco vitelínico se retrai, alantóide se expande 25-27 d Saco vitelínico 75%, alantoide 25% 28-30 d Saco vitelínico 50%, alantoide 50% 31-33 d Saco vitelínico 25%, alantoide 75% 34-36 d Embrião ascende completamente, formação dorsal do cordão umbilical 37-45 d Cordão umbilical se alonga, unid. feto-âmnio desce ventralmente 50% 46-50 d Unidade feto-âmnio se posiciona ventral/dentro do saco alantóide 30 Tabela 2: Tamanho da vesícula embrionária em diferentes dias de prenhez 35-40 d Vesícula embrionária tamanho de uma bola de tênis 45-50 d Vesícula embrionária tamanho de uma toranja (“grapefruit”) 60-65 d Vesícula embrionária tamanho de uma bola de futebol de salão 100-120 d Vesícula embrionária tamanho de uma bola de vôlei 6. Técnicas Complementares de Exame Ginecológico equino Antes da coleta de amostras para exames laboratoriais é imprescindível a avaliação ultrassonográfica para atestado negativo de prenhez, pois os procedimentos são considerados invasivos (MCCUE, 2008). 6.1 Cultura Microbiológica Uterina A cultura microbiológica é considerada um dos exames mais importantes na reprodução equina pois está diretamente relacionado às taxas de prenhez, diante de um risco potencial de endometrite infecciosa, além de ser uma técnica barata e simples (LEBLANC, 2008). As amostras devem ser incubadas em ambiente aeróbico em 37 ºC por até 48 horas, visto que, microrganismos anaeróbios não são importantes na endometrite equina (RICKETTS & MACKINTOSH, 2016). As culturas são examinadas após 24 e 48 horas (RICKETTS, 2011). Testes de susceptibilidade a antimicrobianos podem ser realizados nos microrganismos cultivados. A terapia deve ser ajustada de acordo com os resultados da cultura e testes de susceptibilidade para determinar o melhor tratamento (MCCUE, 2008). 6.2 Citologia Uterina A avaliação citológica uterina de éguas envolve a coleta de material do endométrio e a sua interpretação. Este exame geralmente é realizado em éguas destinadas a reprodução e é uma 31 maneira prática, rápida e barata de diagnóstico de inflamação uterina (MCCUE, 2008;LEBLANC, 2008, KOZDROWSKI et al., 2015). A haste coletora pode ser do tipo swab, que é baseada em um algodão esterilizado na sua extremidade (Fig. 22 e 23), ou do tipo escova com cerdas de nylon estéreis (KOZDROWSKI et al., 2015). Fig. 22: Pinça para coleta de material para citologia uterina de égua Fig. 23: Partes da pinça para coleta de material para citologia uterina de égua (a) haste com mola com espaço para acoplar a haste com tipo swab, (b) haste de proteção do swab, (c) cobertura protetora do swab e (d) haste com swab acoplado. 32 Fig. 24: Corante citológico Panótico rápido Após a coleta da amostra é recomendado fazer imediatamente o esfregaço (LEBLANC, 2011) com o panótico (Fig. 24). As lâminas com os esfregaços devem ser deixadas secar ao ar ou, se a coloração for após 12h da coleta das amostras, utiliza-se um fixador para manter a arquitetura celular (FERRIS, 2016). A avaliação da inflamação (fig. 24) em esfregaços citológicos baseia-se principalmente em dois métodos: determinação do número de PMNs (neutrófilos) por campo e porcentagens de PMNs, presentes em relação às células endometriais (KOZDROWSKI et al, 2015). Brinsko et al., 2011 Acervo próprio Fig. 24: Preparação citológica (coloração com hematoxilina-eosina) (a) égua com endometrite aguda associada a Streptococcus. Produção de numerosos neutrófilos que são frequentemente degenerados e podem conter fagocitose bactérias juntamente com muitas células epiteliais degeneradas singulares, (b) citologia uterina sem presença de neutrófilos.33 6.3 Biópsia Endometrial A técnica de biópsia endometrial envolve a coleta de um pequeno fragmento de endométrio para avaliação histológica, sendo considerado um procedimento confiável e seguro para o diagnóstico e prognóstico da endometrite (SCHOON et al., 1997; KELLER et al., 2004). Fig. 24: Pinça de Yeoman para Biópsia Uterina A pinça ultrapassa a cérvix e ao adentrar no lúmen uterino é aberta e através da manipulação retal aproxima-se a parede uterina e apreende-se um fragmento que é exteriorizado após tração no sentido caudal da pinça. Os resultados da biópsia podem ser categorizados relacionando a maior chance de prenhez, a manutenção e desenvolvimento até o parto (Brinsko, 2011). ● Categoria I: 80% a 100% de chance. Endométrio ativo normal. Glândulas são numerosas, aleatoriamente dispersas e ativas. Células inflamatórias estão ausentes ou infrequentes na ocorrência. ● Categoria IIA: 50% a 80% de chance. Endometrite crônica com infiltração de linfócitos na lâmina própria ● Categoria IIB: chance de 10% a 50%. Periglandular generalizado, presença de fibrose. Glândulas aglomeradas (aninhadas) são distendidas e circundadas por algumas camadas de tecido conjuntivo. ● Categoria III: menos de 10% de chance. Fibrose periglandular frequente e generalizada. Nidificação de glândula (aglomeração) de fibrose. 34 7. Manipulação hormonal da sazonalidade A hormonioterapia apresenta inúmeros benefícios como diminuir o tempo entre ovulações, aumentar o número de ciclos, com melhor aproveitamento das éguas e garanhões na estação, e maior número de produtos. Os principais hormônios utilizados na reprodução da égua são os estrógenos, hCG, GnRH, progesteronas e prostaglandinas (Tabela 1). Tabela 1. Lista de hormônios utilizados na reprodução de éguas, ação, dose e utilização. Hormônio Ação Dose Utilização Estrógenos (E2) Hormônios esteróides associados aos sinais de estro, produzidos pelos folículos ovarianos e pela unidade feto-placentária. Hormônio derivado do colesterol. E2 fisiológico atinge pico em 1 ou 2 dias antes da ovulação. 0,5-1mg induz sinais de estro dentro de 3 a 6 horas Em éguas em anestro profundo é capaz de induzir sinais de estro Uso da égua como “manequim” para coleta de sêmen equino Análogos do GnRH (Strelin, Deslorelina, Sincrorrelin) Hormônio liberador de gonadotrofina Hormônio protéico. Liberado de forma pulsátil pelo hipotálamo. Estimula a hipófise a liberar as gonadotrofinas LH e FSH. Strelin: 1 mL (250 µg de Hitrelina) IM Sincrorrelin: 3,0 a 4,0 ml (750 a 1000 ug de deslorelina) IM Indutores da ovulação 35 hCG (Chorulon, Vetecor, Fertcor) Gonadotrofina coriônica humana. produzida por células da placenta humana. Em equinos age diretamente no folículo de forma semelhante ao LH. Dose: 1000 - 5000 UI IM IV SC Presença de folículo pré-ovulatório > 35mm e edema uterino Reduz a duração do estro Progesteronas (P4) Hormônio esteróide secretado pelas células luteínicas do CL, placenta e glândulas adrenais. P4 injetável - sincrogest 1,0 mL (150 mg de progesterona) em dose única IM Dispositivo uterino 3 ou 4 vezes de uso em vacas. Encerra sinais de estro, supressão de crescimento folicular e controle da ovulação. Supressão do comportamento de estro - Usado em éguas de competição e de corrida Melhora do tônus uterino em éguas selecionadas como receptoras de embriões Manutenção da gestação Sincronização do estro e da ovulação em éguas cíclicas para facilitar a implantação de programas de inseminação artificial e transferência de embriões Indução de ciclo artificial em receptoras de embriões em anestro 36 Prostaglandinas (PGF2a) PGF2α causa lise do corpo lúteo (luteólise) Retorno ao estro 3 a 4 dias após aplicação Dosagem e Administração 5 a 10 mg para dinoprost trometamina (10 a 20 µg/kg) IM IV SC *Efeitos colaterais: sudorese, diarreia ou desconforto abdominal por até 20 minutos Manipular ciclos estrais. Tratar infecções uterinas. Sincronizar éguas para transferência de embriões Interromper gestações precoces (até 60 dias) *Utilizar para luteólise 3-4 dias após ovulação (CL já apresenta receptores) 7.1 Protocolos hormonais Alguns protocolos hormonais têm sido usados com o objetivo de adiantar a ciclicidade, sincronizar a ovulação para a inseminação artificial e em éguas doadoras e receptoras na transferência de embriões (Fig. 25). Na inseminação artificial (IA) com sêmen fresco e resfriado as IAs devem ocorrer em dias alternados a partir do momento da detecção de um folículo pré- ovulatório até o ocorrer a ovulação. Para isso pode ser administrado GnRH (250 µg de Histrelina) ou HCG (1000-5000 UI) no dia da detecção do folículo pré-ovulatório ( > ou = 35 mm de diâmetro) e avaliação do momento de ovulação a partir de 24h após a indução ou IA 24h após a administração de GnRH ou HCG. No caso do uso de sêmen congelado, a IA deve ocorrer até seis horas pós-ovulação. Para isso, quando a égua apresentar um folículo pré-ovulatório faz-se a administração de GnRH ou HCG,e após 24h deve ser avaliado se ocorreu a ovulação, quando então deve ser realizada a IA. Se não tiver ocorrido a ovulação, deve-se reavaliar a cada seis horas se houve a ovulação, quando então deve ser realizada a IA. Na transferência de embriões é necessária a sincronização da ovulação entre a égua doadora e a receptora. A receptora deve estar a partir do dia 4 da ovulação até preferencialmente dia 7 para 37 receber o embrião da doadora. A doadora geralmente é lavada para recuperação embrionária a partir do dia 7 até o dia 10 da ovulação. Nas figuras 25A e 25B foram mostrados esquemas de sincronização das receptoras e doadoras. É possível utilizar éguas acíclicas ou mulas como receptoras de embriões (Fig 25C). No entanto, nas doadoras é utilizado protocolo hormonal usual para ovulação e inseminação artificial (25B), e em receptoras acíclicas pode-se utilizar diversos protocolos utilizando aplicações de estrógeno por 3-4 dias (10-20 mg) e progesterona (1500 mg) no D0, no dia da transferência de embrião e a cada 7 dias após a transferência (Fig 25C). Em bovinos tem sido usada rotineiramente a IA em tempo fixo (IATF) devido a dificuldade de detecção do estro nesta espécie e para facilitar o manejo reprodutivo. Embora existam várias diferenças no ciclo estral da égua em comparação ao da vaca, como o momento e a duração do estro, tem se tentado desenvolver protocolos de IATF para equinos. Na figura 25 D foi esquematizado um protocolo, no qual foi utilizado implante de progesterona por 10 dias e aplicação de prostaglandina PGF2α (5mg) nos dias D0 e D10 para sincronizar folículos ovulatórios no D17- D18 e ovulação entre D19 e D20 com a utilização de indutores de ovulação. A) Éguas doadoras de embrião 38 B) Éguas receptoras de embrião C) Éguas receptoras de embrião - acíclicas 39 D) Inseminação em tempo fixo Figura 25: Protocolos de indução e sincronização da ovulação equina A) Éguas doadoras de embrião, B) Éguas receptoras de embrião, C) Éguas receptoras de embrião - acíclicas e D) Inseminação em tempo fixo. 40 8.0 Fichas de exame ginecológico (modelos) 41 42 9. Referências bibliográficas 1. Angelopoulou, E., Quignon, C., Kriegsfeld, L. J., & Simonneaux, V. (2019). Functional Implications of RFRP-3 in the Central Control of Daily and Seasonal Rhythms in Reproduction. Frontiers in Endocrinology, 10. doi:10.3389/fendo.2019.00183 2. Brinsko, S.P. et al. Manual of equinereproduction - 3a Edição, 2011 3. Castilho, C.; Garcia, J.M. Divergência no crescimento folicular: efeito na competência oocitária para produção in vitro de embriões - revisão.Archives of Veterinary Science, v. 10, n. 3, p. 17-23, 2005. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/avs.v10i3.5124. 4. 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