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P718d Pinheiro, Armando Castelar TEXTO 2 Direito, economia e mercados / Armando Castelar Pinheiro, Jairo Saddi. Rio de Janeiro Elsevier, 2005 Capítulo 1 Onde a Economia Encontra Direito A Importância do Estudo Conjunto do Direito e da Economia A relação entre economistas e juristas sempre foi marcada por diferenças não raro intransponíveis, tendo sido alvo de piadas e ácidas recriminações mútuas. Aliás, as troças sobre advogados e economistas, distorcendo a ima- gem do profissional do direito ou do economista, proliferam não apenas nos Estados Unidos e na Europa, como também entre nós. É conhecida, por exemplo, a aversão que John Maynard Keynes tinha por advogados: certa vez, durante a reunião de Bretton-Woods, ilustre economis- ta britânico teria afirmado que os advogados eram os únicos na face da terra que transformavam a poesia em prosa e a prosa em jargão! Em outra ocasião, afirmou que o Mayfair (o navio que conduziu pioneiros colonizadores ao Novo Mundo) deveria ter atracado "packed with numa referência mui- to pouco elogiosa à quantidade de advogados existentes naquele país. Mesmo assim, pai dos economistas liberais, Adam Smith, foi professor de Jurisprudence, tradicional matéria de Direito, ainda que tampouco ele tivesse uma opinião muito enaltecedora sobre a profissão. Shakespeare, ao que também tinha pouco apreço pela categoria. Na peça Henrique VI, um dos rebel- des, Dick, o Açougueiro, sugere que sejam liquidados todos os advogados! Me- nos radical, mas ainda no século passado, uma charge no The New York Times mostrava a seguinte justificativa dada por um profissional do Direito: "Sou um membro da profissão legal, mas não um advogado no sentido Os economistas igualmente são alvo fácil de piadas para advogados. Uns alegam que economistas são como "profetas do passado" ou "engenhei- ros de obras feitas", já que não é incomum ouvirmos a crítica de que eles estariam sempre prevendo passado e tratando de temas do óbvio ou do incompreensível. Outros alegam que economistas são futurólogos que inva- riavelmente se equivocam em suas projeções do futuro. Em defesa da catego- ria dos economistas, mas ainda em tom de ironia, já se sugeriu que a única coisa que não se ensina na faculdade de Economia é tolerar tolos.Direito, Economia Mercados ELSEVIER Capítulo 1: Onde a Economia Encontra Direito 5 ELSEVIER Todos conhecemos outras piadas com evidente sentido de diversão; no do sistema judicial é aplicar direito, ele só está preparado para decidir entre entanto, conflito entre as duas profissões é sério e merece reflexão. É certo legal e o ilegal. Evidentemente, sistema judicial não pode ser insensível ao que ocorre no sistema econômico. Mas só pode traduzir essa sensibilidade nos limi- que, na opinião dos juristas, foram os economistas (e, na opinião dos econo- tes de sua capacidade operativa. Quando acionado, máximo que pode fazer é mistas, juristas) que alargaram as divisões e diferenças entre as duas profis- julgar se decisões econômicas são legalmente válidas. Se for além disso, a Justiça sões. George Stigler faz um alerta sobre a dificuldade de comunicação que exorbitará, justificando retaliações que ameaçam sua autonomia. Como os juízes existe entre as duas disciplinas: poderão preservá-la, se abandonarem limites da ordem jurídica? Por isso, "Enquanto a eficiência se constitui no problema fundamental dos a quando os tribunais incorporam elementos estranhos ao direito, eles rompem justiça é o tema que norteia os professores de Direito (...) é profunda a diferença sua lógica operativa e comprometem os marcos legais para funcionamento da entre uma disciplina que procura explicar a vida econômica (e, de fato, toda a ação própria racional) e outra que pretende alcançar a justiça como elemento regulador de todos Além disso, não se pode ignorar que os sistemas jurídico e econômico estão os aspectos da conduta humana. Essa diferença significa, basicamente, que eco- umbilicalmente ligados ao sistema político. E nosso sistema político privile- nomista e o advogado vivem em mundos diferentes e falam diferentes giou a confusão reinante entre Direito e Economia. Por exemplo, até por consi- Mais recentemente, foram os planos de estabilização econômica que au- derar os nossos tribunais superiores não como Cortes da federação com a fun- mentaram ainda mais o fosso entre advogados e economistas. É corrente a ção de controlar sistema constitucional, mas como simples tribunais de justi- crítica aos economistas que trabalharam para governos que, nos seus dife- ça de terceira ou quarta instância às partes, sistema judicial brasileiro apre- rentes planos de estabilização da moeda e programas de desenvolvimento, senta uma disfunção intrínseca grave. Num sistema democrático, resolver (e sistematicamente desprezaram as liberdades públicas e os direitos reformar) tal estrutura de solução de conflitos é imperativo e urgente. É comum dizer, por exemplo, que os economistas do governo sempre geram Inspirado em preceitos do século XIX, nossos tribunais ainda tendem a emprego para pelo menos uma profissão a dos advogados! Estes, por outro entender e interpretar os conflitos de modo arcaico. De acordo com Wald, lado, são vistos por aqueles como interesseiros e desprovidos de espírito cívi- precisamos de uma economia de mercado inspirada com direito, e um direito quando buscam na Justiça forçar governo a realizar pagamentos total- que considere as regras do mercado, na exata medida em que, "se houver um mente fora do alcance das contas públicas, ou entulhando Judiciário com mercado sem direito, teremos uma selva selvagem. Se, ao contrário, tivermos disputas já pacificadas pelos tribunais superiores, prejudicando todo país um direito sem o funcionamento do mercado, haverá a paralisação do país, e em busca de gordos honorários. não haverá Além disso, segundo esse autor, velho brocardo O embate entre Direito e Economia no Brasil cresceu na década de 1980 com fiat justitia, pereat mundus [faça justiça ainda que mundo pereça] não pode se a avalanche de planos econômicos e com a Constituição de 1988, que abriu para sobrepor à custa da existência dos mercados e da economia: "(...) de nada Poder Judiciário novas (e importantes) fronteiras. Além disso, alguns dispositi- adianta, pois queremos que a justiça prevaleça para que o mundo sobreviva, vos legais "abertos", no sentido de sua vagueza e abrangência, não raros no Direi- se desenvolva e to, foram celebrados na nova tornando a sua interpretação cada vez O Judiciário tem condão de aumentar déficit das contas do Estado. mais ampla. Da conjunção entre dispositivos abertos alguns dos quais dando sobretudo quando julga sem considerar a extensão no plano econômico, situa- a entender ser dever do Estado prover serviços públicos universais ao cidadão ção que se agigantou em especial no Supremo Tribunal Federal (STF). pro- e a crescente hegemonia do Poder Executivo resultou que há de mais nefas- blema parece ser insolúvel: se, por um lado, é preciso garantir que a justiça seja to no sistema moderno: um enorme déficit nas contas públicas, tanto interno feita no plano individual, por outro, não se pode chegar a ponto de falir como externo, sem a contrapartida do crescimento econômico. Estado (e a sociedade) para tanto. mesmo prof. José Eduardo Faria aquilata: José Eduardo Faria resume as diferenças num paradoxo complexo e quase "Por isso, tendo em vista a segurança do direito, não se pode cobrar economica- insolúvel: mente da Justiça aquilo a que ela não tem condições de atender juridicamente. "Na realidade, para neutralizar o risco de crises de governabilidade, não cabe ao Insistir em argumentos de ordem fiscal em detrimento de argumentos jurídicos, sistema judicial pôr objetivos como disciplina fiscal acima da ordem jurídica. como tem feito governo para pressionar o STF, é complicar as coisas. que os Zelar pela estabilidade monetária é função do sistema econômico. Como o papel responsáveis por essas pressões têm de entender é que crises de governabilidade6 "Direits, Esonomia e Mercados ELSEVIER Capítulo 1: Onde a Economia Encontra Direito 7 ELSEVIER não surgem apenas quando tribunais agem sem "realismo Elas O contraste entre essa posição dos magistrados e que, em geral, apren- também irrompem quando a Justiça, ao abandonar a lógica do legal versus ilegal, dem os economistas sobre como funciona Direito é significativo. É interes- abre caminho para a justaposição de suas esferas de competências com as dos sante observar, também, que são juízes e membros do Ministério Públi- sistemas econômico e político. Como verso e reverso de uma mesma moeda, a CO que, em tese, deveriam ser os guardiões máximos da lei e da erosão da certeza jurídica decorrente dessa indiferenciação entre Poderes é a inviolabilidade dos contratos grupo das elites brasileiras que propugna negação aos mercados da segurança legal que tanto reivindicam."⁵ com mais que a Justiça se afaste da mencionada lógica do legal Também na esfera microeconômica se observam diferenças críticas entre versus ilegal. economistas e operadores do Direito, porém com uma inversão das posições, A Tabela 1.1 reproduz as respostas de uma amostra estratificada de represen- com os primeiros defendendo respeito às leis, aos contratos e aos direitos de tantes de vários segmentos da elite brasileira àquela pergunta feita por Pinheiro propriedade, e segundos relativizando-o para fora da lógica do legal versus (2003) aos magistrados, em pesquisa realizada por Bolívar Lamounier e Amaury ilegal a que se refere José Eduardo Faria. Uma pesquisa baseada em uma amos- de Como se vê, respeito aos contratos, independentemente de suas tra com 741 magistrados brasileiros, das justiças estadual, federal e do Traba- conseqüências distributivas, é valor predominante entre as elites brasileiras. lho, realizada por Armando Castelar Pinheiro, revela que a maioria deles consi- As respostas dos membros do Judiciário e do Ministério Público destoam inteira- dera que as decisões judiciais no Brasil são ocasionalmente baseadas mais nas mente da concedida por outros segmentos, mesmo em grau, ainda que não em visões políticas do juiz do que em uma leitura rigorosa da lei, enquanto 20% sentido, dos representantes sindicais, religiosos e membros de ONGs. dos juízes acreditam que isso ocorre com freqüência e 4% que se trata de um fenômeno muito freqüente.⁶ É nas decisões envolvendo a privatização que a Tabela 1.1: Opção entre garantir cumprimento de contratos e a busca da justiça social, segundo o ponto de vista das elites visão política do magistrado influencia mais acentuadamente comportamen- Questão: "Na aplicação da lei, existe freqüentemente uma tensão entre que preci- to do juiz: de acordo com 25% dos entrevistados, nesses casos a "politização" sam ser observados, e os interesses de segmentos sociais menos privilegiados, que precisam das decisões é muito freqüente, e para 31% deles é algo freqüente. Em disputas ser atendidos. Considerando conflito que surge nesses casos entre dois objetivos especi- sobre a regulação de serviços públicos e contratos de trabalho e crédito, duas posições opostas têm sido defendidas: A. Os contratos devem ser sempre respeitados, independentemente de suas repercussões magistrados apontam que a tendência à politização das decisões judiciais é bem mais freqüente do que sugerem números acima. B. juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da justiça social justifica decisões que vio- A "politização" das decisões judiciais se observa igualmente na tentativa lem os contratos. de alguns magistrados de proteger certos grupos sociais vistos como a parte Com qual das duas posições o(a) senhor(a) concorda mais?" Concorda Concorda Outras Sem opinião mais fraca nas disputas levadas aos tribunais. Os próprios magistrados cos- mais com a mais com a respostas tumam se referir a esse posicionamento como um reflexo do papel de promo- primeira (A) segunda (B) ver a justiça social que cabe aos juízes desempenhar. Perguntados se levados Grandes empresários 72 15 7 6 a optar entre duas posições extremas respeitar sempre contratos, inde- Lideranças do segmento de 45 50 5 0 pendentemente de suas repercussões sociais, ou tomar decisões que violem pequenas e médias empresas os contratos, na busca da justiça social -, uma larga maioria dos entrevistados Dirigentes de entidades de 24 73 3 0 (73,1%) respondeu que optaria pela segunda alternativa. Essa ampla maioria representação sindical contrasta com a proporção elevada, mas minoritária, de magistrados para Senadores e deputados federais 44 39 17 0 quais "o compromisso com a justiça social deve preponderar sobre a estrita Executivos do governo federal 77 15 8 0 aplicação da lei".⁷ A proporção de juízes que concordam com a segunda op- Membros do Judiciário e do 7 61 32 0 Ministério Público ção ("o juiz tem um papel social a cumprir, e a busca da justiça social justifica Imprensa 52 32 16 0 decisões que violem contratos") também varia conforme a área a que se Religiosos e ONGs 22 53 22 3 refere a e é mais forte em disputas que envolvem direitos do consumi- Intelectuais 50 30 18 2 dor, meio ambiente e disputas trabalhistas e previdenciárias. Por outro lado, Total 48 36 14 2 os magistrados posicionaram-se majoritariamente a favor da necessidade de respeitar contratos quando se trata de causas comerciais. Fonte: Lamounier e Souza (2002).8. Direito, Economia Mercados ELSEVIER Capítulo 1: Onde a Economia Encontra Direito 9 ELSEVIER Seja qual for a origem histórica de tais diferenças, e talvez exatamente por mutação, e não poderia ser diferente para os operadores do Direito. Por um causa delas, é inegável que atualmente se compreende a necessidade de am- lado, não é mais ele quem administra monopólio do acesso da Justiça, pliar as fronteiras entre uma e outra ciência humana como ponto de partida tampouco pode ser considerado um elemento causador de tumultos, ganan- para encaminhar debate.⁹ Quer pela justificativa da estabilidade econômi- cioso e pernóstico. Seu papel mudou radicalmente para a sociedade e para as ca, hoje reconhecida como imprescindível a um sistema legal eficiente, quer empresas. Muito mais do que um formalizador de decisões ex ante, advoga- por meio da estabilidade das normas e do respeito aos contratos, igualmente do é fundamental para agregar valor ao acionista e evitar riscos que possam reconhecidos como fundamentais ao desenvolvimento econômico, é preciso colocar em xeque negócio em si. "Parte desses riscos resulta da expropria- pôr mãos à obra e aproximar as duas áreas. Por óbvio, ainda restam muitas ção que pode ocorrer por atos do Príncipe, insuficientemente controlado ou arestas a ser aparadas, e as dificuldades de comunicação a que se refere Stigler mesmo coadjuvado pelo Poder Judiciário, no que Bacha, Arida e Rezende mostram a extrema dificuldade com que confluem os significados e os insti- denominam risco jurisdicional, agregando ao panorama empresarial um ris- tutos jurídicos, assim como os conceitos da teoria econômica. que se mostra mais agudo, com a tão propalada crise da justiça e do Judi- Está claro que, para juristas, mundo mudou, e muito. Além disso, ciário."¹¹ confirma-se a impressão comum de que os advogados não exercem mais Poder Judiciário acabou se tornando uma alternativa ainda mais dis- papel que antes lhes era reservado. Desde que Bolimbroke criou, e tante para a solução dos conflitos. Emerge desse fato, como principal causa, Montesquieu sistematizou, a tripartição dos Poderes, a administração da Jus- descolamento da lei para a sociedade. Se, por um lado, é contrato que tiça passou a ser função do juiz que julga, do promotor que representa a define as regras entre as partes (a lei somente prevalece naquilo que conflitar sociedade, e do advogado que defende os interesses de seus clientes. Por com os contratos), no mundo atual dos negócios são os tribunais arbitrais certo, este modelo não pode mais se aplicar nos dias de hoje.¹⁰ que, potencialmente, substituem Judiciário como arena para a solução de Ao menos no que se refere ao advogado, garantiu-se a ele, no passado, conflitos. Ou seja, de modo geral, as empresas encaram o Poder Judiciário papel de intérprete da lei, dos direitos e dos deveres. A figura incontrastável como alternativa pouco eficiente, dotada de uma relação de- do bom orador e do hábil negociador perdurou por pelo menos 15 séculos, e sequilibrada, para ser acionada apenas em último caso. É morosa, extrema- está definitivamente superada. Reconhece-se, contudo, que advogado é mente ritualizada, imprevisível e cara. Sem contar que muitas vezes quem imprescindível para assegurar que os interesses de seus clientes não sejam ganha não leva. lesados, defendê-los se houver prejuízos e servir como intermediário em ne- Se fato concreto se resume à constatação de que ir aos tribunais se tor- gociações mais difíceis. Hollywood imortalizou as sintéticas frases Talk to my nou um caminho espinhoso e cheio de riscos para os agentes econômicos, lawyer ou ainda See you in court como sinônimos da importância instrumental acelerou-se, com isso, o processo de transformação da formação do advoga- do advogado, profissional essencial para a preservação de direitos fundamen- do, seja ele executivo da empresa responsável pela área jurídica, seja profis- tais objetivos e subjetivos, um dos elementos mais importantes da democra- sional liberal.que lhe presta assessoria. cia isso num país tão hostil à sua função. Além disso, ainda que não haja, nem nunca tenha havido, um Direito que No entanto, ao optar por trabalhar em hipóteses teóricas e condicionais não seja econômico, no dizer de Fábio Nusdeo, a divisão entre a ciência do que quase nunca se materializam, advogado era visto como uma espécie de Direito e a ciência da Economia vem se tornando menos rígida com as trans- chato necessário. E mesmo que pudesse ter razão em situações mais extre- formações que se observam na aplicação do campo de atuação do madas, seu papel na comunidade empresarial não era visto como construti- jurista passou a se constituir eminentemente por dispositivos de cunho Engasgando sempre com detalhes, com suposições irrealistas e com ques- gerencial, de matérias que envolvem interesses econômicos. Ora, Direito tões menores, era considerado moroso no que fazia e sua contribuição, no não pode deixar de perceber que seu papel e, por conseqüência, do advo- mínimo, modesta. Assim, na opinião de muitos, era uma das funções que gado, por si só, serve senão para criar regras de comportamentos que tute- mereciam ser urgentemente terceirizadas. lam a atividade humana, que tenham, em algum momento, valor moral e Essas visões, se representavam a imagem costumeiramente aceita do ad- valor econômico. vogado, se provaram equivocadas e distorcidas, distantes da realidade atual Do ponto de vista contemporâneo, os escândalos corporativos de gran- que se impõe aos negócios. Como em tudo, a sociedade está em constante des empresas como Enron, MCI e Parmalat mostraram que há um certo ende-10 Direito, Economia e Mercados ELSEVIER Capítulo 1: Onde a Economia Encontra Direito 11 ELSEVIER reçamento pessoal e moral que exige que o advogado adquira não apenas capacidade técnica ou de planejamento, mas também aquela de longo prazo, operador do direito consiga entender a lógica e o racional econômico que que inclua a responsabilidade social no foco da defesa de seu constituinte. norteiam a atividade empresarial, sua tarefa se simplifica. Todas as áreas do chamado empresarial" têm óbvios fundamentos econômicos, daí as Não por outra razão, a sabedoria prática, a técnica e o conhecimento jurídico vantagens de se conhecer a sua inspiração. precisam estar aliados aos efeitos de uma política corporativa motivada pelo longo prazo, pela responsabilidade social e pela credibilidade. Assim, o advo- presente livro didático pretende, de forma sintética, despretensiosa e gado deveria pensar e agir com uma espécie de reserva moral para questões sem esgotar o assunto, reduzir a distância entre os conceitos e a aplicação dos públicas que possam afetar a reputação e negócio em si. Tal atitude signifi- institutos jurídicos e a teoria econômica, ou, como preferimos, ocupar-se em alargar a fronteira entre as ciências do Direito e da Economia, dentro de uma ca ir mais longe: significa agir também como policial vigilante de políticas arriscadas e potencialmente devastadoras no longo prazo. Por essa razão, é nova visão funcional do advogado na sociedade e na empresa.¹⁶ Pelas razões útil promovermos uma revisão do que aconteceu na chamada crise ética no que vamos debater aqui, o Direito é relevante para a Economia, e a Economia igualmente relevante para o Direito. mundo corporativo atual. Como alguns importantes diretores jurídicos fo- Vamos agora estudar o papel do Direito na Economia. ram implicados em tais escândalos, tanto por prática irresponsável da profis- são como por fraude mesmo, é preciso investigar a natureza e a causa da postura do advogado em cada caso. Se um dos importantes papéis do advo- Papel do Direito na Economia gado é ser o conselheiro-preventivo, o fato de ele não ter funcionado como Em que pesem as diferenças de ponto de vista, há um amplo reconheci- tal indica que há um problema, cuja solução está, em parte, no resgate da mento entre os economistas de que as leis, o Judiciário e o direito em geral dimensão moral que deveria fazer parte da carreira jurídica. E, curiosamen- exercem um papel essencial na organização da atividade econômica. Esse te, tais eventos mostraram a importância de entender Direito & Economia na reconhecimento, ainda relativamente recente, se deu em larga medida com a mesma sintonia, dentro de um espectro maior de ética.¹³ melhor compreensão do papel das instituições na economia e, em especial, Entretanto, a origem dessas transformações não é nova. Aliás, está no no desenvolvimento econômico, processo que ganhou corpo na década de Direito romano, quando, mediante a evolução da consciência social e de cir- 1990. North e Olson, por exemplo, apontam as instituições como o deter- cunstâncias de fato, se criou uma atividade voltada para a interpretação das minante mais importante (junto com as políticas econômicas adotadas) do normas de direito, desenvolvendo e adaptando o direito existente às necessi- sucesso de um país em desenvolver-se. Segundo Olson, "qualquer país pobre dades sociais. Assim, na Roma antiga havia os prudentes, aqueles que podiam que implemente políticas econômicas e instituições relativamente adequadas agir, não propriamente na defesa em juízo, esta confiada aos advogados, mas experimenta uma rápida retomada do Scully obtém evidên- na indicação das formas; os juriconsultos, que monopolizavam a atividade cias empíricas de que países com boas instituições são duas vezes mais efi- consistente em dar pareceres e soluções para as questões (a atividade de cientes e crescem três vezes mais rápido do que aqueles com instituições respondere, por escrito, scribere, a pedido dos magistrados ou particulares, ou ruins.¹⁸ decidir controvérsias, iudices); e os pretores, que administravam a justiça com Mais recentemente, o estudo de Shahid Burki e Guillermo Perry, Beyond poderes the Washington consensus: institutions matter, publicado pelo Banco Mundial em movimento de Law & Economics (a que vamos nos referir de agora em 1997, trata da reforma das instituições em certas áreas como a financeira, a diante como movimento de Direito & Economia) nasce como uma resposta a educacional e a judicial na América Latina e mostra que instituições fortes e todas essas (e outras) mudanças discutidas aqui. Surge inicialmente como respeitadas contribuem para o crescimento econômico. A igual conclusão uma disciplina de economia das faculdades de direito, mas logo mundo do chegaram Edward Glaeser, Rafael La Porta, Florêncio Lopez de Silanes e direito percebe os imensos benefícios que poderia trazer aos advogados ir Andrei Shleifer em Do institutions cause growth? (NBER, jun. 2004), com exem- além, com a construção de uma teoria econômica do direito que pudesse, em plos e provas concretas da história econômica recente. especial, dar respostas a um advogado que rapidamente muda de perfil.¹⁵ Foi com base nessa literatura que se desenvolveram estudos que elabo- Claro que o chamado "advogado do direito empresarial" não é exatamente ram e demonstram empiricamente a influência positiva que instituições le- um profissional de economia; no entanto, é inegável que, à medida que um gais (aqui entendidas como o sistema de normas e sistema Judiciário) efi-