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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI FUNDAMENTOS DA ECONOMIA PARA AS CIÊNCIAS SOCIAIS GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 4 1 A NATUREZA DA ATIVIDADE ECONÔMICA ....................................................... 5 1.1 Ação racional .................................................................................................... 6 1.2 Cálculo econômico ........................................................................................... 7 1.3 Economia capitalista ....................................................................................... 10 2 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO .................................................. 12 2.1 O início do pensamento econômico ................................................................ 13 2.2 O pensamento mercantilista ........................................................................... 14 2.3 Evolução do sistema econômico: do feudalismo ao capitalismo .................... 15 2.4 O pensamento marxista e o capitalismo ......................................................... 17 3 ORIGENS DO LIBERALISMO ECONÔMICO ...................................................... 18 3.1 Definição de liberalismo .................................................................................. 18 3.2 A origem do pensamento econômico.............................................................. 23 3.3 Liberalismo econômico ................................................................................... 24 4 OS FISIOCRATAS E A ESCOLA CLÁSSICA ...................................................... 26 4.1 Os fisiocratas .................................................................................................. 26 4.2 Evolução das escolas econômicas ................................................................. 30 4.3 A escola clássica ............................................................................................ 32 5 O SOCIALISMO NO PENSAMENTO ECONÔMICO DO SÉCULO XX ................ 35 5.1 Imperialismo ................................................................................................... 35 5.2 Teoria neoclássica .......................................................................................... 39 5.3 A crise de 1929 ............................................................................................... 43 5.4 Revolução Keynesiana ................................................................................... 46 6 MERCADO, ESTRUTURAS NOÇÕES DE MICROECONOMIA .......................... 47 6.1 Conceito de microeconomia ........................................................................... 47 3 6.2 Divisão do estudo microeconômico ................................................................ 48 6.3 Oferta .............................................................................................................. 49 6.4 Demanda ........................................................................................................ 51 6.5 Equilíbrio de mercado ..................................................................................... 52 6.6 Estruturas de mercado.................................................................................... 54 7 NOÇÕES DE MACROECONOMIA ...................................................................... 55 7.1 Definição de macroeconomia ......................................................................... 55 7.2 A Contabilidade Nacional ................................................................................ 58 7.3 Política econômica .......................................................................................... 60 7.4 Balanço de pagamentos ................................................................................. 62 8 CONJUNTURA ECONÔMICA .............................................................................. 64 8.1 Neoliberalismo ................................................................................................ 64 8.2 Mercado de trabalho ....................................................................................... 67 8.3 Distribuição de renda ...................................................................................... 71 8.4 Desenvolvimento econômico e mercado de trabalho ..................................... 74 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 78 4 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 1 A NATUREZA DA ATIVIDADE ECONÔMICA A ciência econômica teve sua origem na análise do preço nominal de bens e serviços. Seus primeiros estágios remontam às investigações sobre a cunhagem, que posteriormente se expandiram para estudos sobre os movimentos de preço. Elementos como dinheiro, preços nominais e outras questões relacionadas ao cálculo em termos monetários estão envolvidos nos problemas que deram origem à economia como disciplina científica. As tentativas de investigação econômica, que inicialmente eram evidentes em estudos de gestão doméstica e organização da produção, especialmente na agricultura, não avançaram significativamente nessa direção, tornando-se apenas pontos de partida para diversos campos da tecnologia e ciências naturais. Isso não foi coincidência. Somente através da racionalização proporcionada pelo cálculo econômico, baseado no uso do dinheiro, a mente humana pôde compreender e estabelecer as leis de sua própria ação. Segundo Amonn (1927), todas as investigações econômicas, tanto as dos economistas clássicos quanto as dos modernos, começam com o princípio econômico. No entanto, podemos observar que isso não fornece uma base clara para definir o objeto da economia. O princípio econômico é um princípio geral de ação racional, não específico para ação como componente do objeto da investigação econômica. Ele guia toda ação racional, independentemente de ser objeto de estudo de uma ciência. Portanto, separar o "econômico" do "não econômico" parecia 6 totalmente inútil, uma vez que os problemas econômicos tradicionais estavam em jogo. Por outro lado, era igualmente inviável separar as ações racionais com base nos objetivos imediatos para os quais eram direcionadas e limitar o objeto da economia apenas às ações voltadas para fornecer bens materiais à humanidade. Uma objeção significativa contra tal abordagem é que, em última análise, a produção de bens materiais não serve apenas para os fins tipicamente considerados econômicos, mas também para uma variedade de outros propósitos. Essa distinção entre os motivos da ação racional implica em uma dualidade automático, desconsiderando as crises e os ciclos econômicos. Dessa forma, conforme a Lei de Say, a oferta deve criar sua própria demanda, e a soma dos salários e dos ganhos retidos pelos consumidores deve equivaler à quantidade total de bens oferecidos no mercado. Como observado, os fundamentos econômicos e sociais dessa abordagem estão fundamentados nos princípios do liberalismo e do individualismo. A crença era de que um sistema de liberdade econômica, por meio de um mecanismo impessoal de mercado - a chamada Mão Invisível -, seria capaz de conciliar os interesses individuais. Por conseguinte, considerando que sua obra clássica abrange diversos pressupostos que se alinham ao neoliberalismo econômico contemporâneo, pode-se afirmar que as ideias de Smith estavam alinhadas aos interesses de poder da burguesia. Como defensor do liberalismo, ele defendia: 34 • A mais ampla liberdade individual; • O direito inalienável à propriedade; • A livre iniciativa e a livre concorrência; e • A não-intervenção do Estado na economia. No entanto, segundo Smith (1981), o Estado deveria desempenhar três funções: • Garantir a proteção da sociedade contra violência e invasões de outras sociedades independentes; • Assegurar, na medida do possível, que todos os membros da sociedade estejam protegidos contra injustiças e opressões perpetradas por qualquer um de seus membros, ou proporcionar uma administração justa; • Realizar e manter certas obras públicas, bem como criar e manter instituições públicas, cuja criação e manutenção não despertariam interesse individual ou de grupos, pois o lucro nunca cobriria os custos para tais indivíduos. No entanto, tais despesas muitas vezes poderiam beneficiar e reembolsar a sociedade como um todo. Em sua análise histórica e sociológica, Smith sustentava a crença de que, embora os indivíduos pudessem agir de maneira egoísta e focada em seus próprios interesses, havia uma força chamada "mão invisível" que, derivada da providência divina, conduzia esses conflitos em direção à harmonia. Dessa forma, sabe-se que a "mão invisível" representava o próprio funcionamento sistemático das leis naturais. O pensamento smithiano é fundamental, pois antecipou praticamente todos os problemas que se tornariam objetos de reflexão científica subsequente. A partir das contribuições de Adam Smith, surgiram diversas linhas de pesquisa que foram exploradas por outros economistas, incluindo Marx e Keynes. Entre os seguidores de Smith, destacam-se nomes como John Stuart Mill e Jean Baptiste Say. No entanto, é importante notar que alguns economistas daquela época, como Malthus, Karl Marx e Keynes, rejeitaram a lei formulada por Say. Thomas Robert Malthus, um renomado pensador inglês de sua época, permanece influente na história, especialmente por sua famosa tese sobre o crescimento populacional. Na sociedade contemporânea, seus seguidores são 35 conhecidos como neomalthusianos. Sua obra mais conhecida, "Ensaio sobre o princípio da população", publicada anonimamente em 1798, o tornou reconhecido globalmente. A ideia mais proeminente de Malthus afirmava que, enquanto a população tinha uma tendência de crescimento geométrico, os alimentos cresciam de forma aritmética. Embora essa perspectiva tenha sido atraente na época, é evidente que hoje enfrentamos desafios para pensar assim, considerando as transformações tecnológicas na agricultura e o sucesso dos métodos de controle de natalidade. Ambos Malthus e Ricardo foram significativamente influenciados por Adam Smith. Ricardo, o inglês que acumulou fortuna desde jovem ao operar na Bolsa de Valores, divergiu dos estudos de Malthus sobre população, pois não compartilhava da crença de que a demanda efetiva seria incapaz de se concretizar no mercado. Ricardo contribuiu com a valiosa pesquisa sobre a renda da terra. De acordo com seus ensinamentos, a expansão agrícola em terras menos férteis resultava na valorização da terra mais produtiva e, nas relações econômicas internacionais, na formulação da Teoria das Vantagens Comparativas. Ao analisar a produção, Ricardo concentrou-se em compreender a formação do valor com base nas horas de trabalho empregadas e sua distribuição. Na visão do autor, a troca de mercadorias estava diretamente vinculada às quantidades relativas de trabalho utilizadas em sua produção. Essa era a teoria do valor-trabalho, que começava a ser explicada com certos detalhes e que Adam Smith não conseguira superar. A relevância da contribuição de Ricardo para o entendimento da formação do valor na Economia só foi plenamente reconhecida a partir dos estudos de Karl Marx. 5 O SOCIALISMO NO PENSAMENTO ECONÔMICO DO SÉCULO XX 5.1 Imperialismo Durante a primeira metade do século XIX, o termo "imperialismo" foi inicialmente associado na França aos defensores do Império Napoleônico, e mais tarde, por volta de 1848, foi usado para criticar as ambições de Napoleão III de assumir o poder na França. Na Inglaterra, o conceito começou a ganhar destaque a partir da década de 1870, em meio às aspirações britânicas de estabelecer um império unificado com uma missão "civilizadora", na qual os europeus eram vistos como responsáveis por civilizar os povos considerados atrasados do mundo. 36 Os estudos sobre o imperialismo ganharam destaque científico baseados em duas abordagens principais. A primeira considera o imperialismo a partir do contexto do capitalismo, enquanto a segunda reconhece a existência do fenômeno antes mesmo do surgimento do sistema econômico capitalista. Na segunda abordagem, algumas interpretações tendem a minimizar a responsabilidade do capitalismo nas consequências do imperialismo do século XIX, sugerindo que o sistema atuou apenas como regulador ou intensificador dos efeitos do conceito. No entanto, outras análises indicam que formas de dominação imperial podem ter ocorrido em períodos anteriores, mesmo que não tenham sido explicitamente denominadas como imperialismo (MARIUTTI, 2013). Andrade (1999) analisa o imperialismo desde os tempos da expansão colonial do século XV, observando que o domínio de estados sobre outros já ocorria na antiguidade, com povos mais poderosos subjugando aqueles com tecnologia menos avançada. O autor cita diversos impérios antigos, como os egípcios, romanos, francos, chineses, mongóis, maias, astecas, incas, bem como os reinos africanos de Mali, Songai e Benin, entre outros, como exemplos desse fenômeno. Lênin (2011) também aborda o tema, destacando que a política colonial e o imperialismo não são exclusivos da era moderna do capitalismo, pois já existiam em períodos anteriores, como Roma, que baseada na escravidão, praticava políticas coloniais e imperialistas. Isso demonstra que o imperialismo, como forma de dominação política, não é um conceito novo, mas sim uma continuação de relações de dominação antigas com novas características. Entre a era antiga e o colonialismo, que começou no século XIV, ocorreu o período da Idade Média, caracterizado por uma redução significativa das atividades urbanas e comerciais. Esse período iniciou-se após o declínio do Império Romano e terminou com o ressurgimento dessas atividades, impulsionado pelas Cruzadas, pelo surgimento da burguesia, pela formação dos Estados Nacionais e pelo fortalecimento da monarquia. A Idade Moderna iniciou-se no século XV e foi marcada pelas grandes navegações e pelo surgimento do mercantilismo, eventos considerados por muitos estudiosos como o início da globalização (SILVA; LOPES JUNIOR, 2008) e do acúmulo do capital primitivo (MARX, 1996), que posteriormente resultaria no desenvolvimento do capitalismo. 37 Entretanto, é importante destacar que os continentes fora da Europa foram mais gravemente afetados pela corrida imperialista, que atingiu seu ponto máximo entre 1870 e 1914. Entre esses continentes, a África foi a mais prejudicada, com apenas duas nações independentes, Libéria e Etiópia, antes do início da Primeira Guerra Mundial (HOBSBAWN, 2002). As principais potências imperialistas incluíam Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Bélgica, Rússia, Estados Unidos e Japão, todas as quais expandiram consideravelmente seus territórios, como destacado por Lênin (2011). Conforme Hobsbawn (2002), o principal impulso por trás da divisão das áreas ainda não colonizadas do mundo por parte das potências europeias era de natureza econômica. As nações industriais visavam expandir seus mercados e encontrar novos consumidores para seus produtos, especialmente diante das crises de superprodução. A exportação maciça para os países menos desenvolvidos era vista como uma forma de controlar essas crises. Essa busca por novos mercados resultou na dominação de povos menos avançados tecnologicamente, cujo papel era fornecer matérias-primas e absorver os produtos excedentes da Europa. Além da exploração econômica, o excesso de protecionismo também se tornou uma questão problemática durante esse processo, com os europeus adotando medidas para limitar a entrada de produtos concorrentes e garantir seu domínio em determinados territórios, gerando rivalidades entre as potências colonizadoras. Durante a fase do imperialismo, que coincide com a era monopolista e financeira do capitalismo, a busca por novas colônias e a imposição de políticas protecionistas refletem práticas monopolistas, como observado por Lênin (2011). Segundo Hobsbawm (2002), a corrida imperialista visava não apenas fortalecer o orgulho nacional ao conquistar territórios, mas também desviar a atenção das massas descontentes. No entanto, essa expansão colonial teve consequências negativas para as classes trabalhadoras das metrópoles imperialistas, uma vez que a industrialização nas colônias criava uma mão de obra proletária barata em comparação com a dos países metropolitanos. É importante destacar que os movimentos operários de esquerda muitas vezes relegavam as questões coloniais a segundo plano. De acordo com Arendt (2012), Hobson foi pioneiro ao abordar o imperialismo de forma crítica em sua obra "Imperialism: A Study", publicada em 1902. Ele 38 argumentava que os pesados investimentos no mercado externo estavam gerando problemas econômicos e sociais no mercado interno inglês. Hobson propunha que, em vez de direcionar capital para a economia externa, os recursos deveriam ser investidos internamente, visando uma distribuição mais equitativa de renda para estimular o consumo e impulsionar o crescimento econômico sem a necessidade de expansão externa. Embora as ações imperialistas do final do século XIX fossem predominantemente motivadas por interesses econômicos, Hobson (1902) argumentava que havia uma variedade de razões para tal expansão, que iam além do capitalismo. Ele via o patriotismo, a aventura, o militarismo, a política e a filantropia como fatores mais influentes do que o próprio sistema econômico. Hobson propunha uma reforma do sistema capitalista, defendendo a distribuição dos excedentes em forma de salários para combater a superprodução de capitais acumulados nos países industrializados. No entanto, ele acreditava que essa solução era apenas uma resposta temporária, causando uma anomalia que seria resolvida por meio de uma reforma mais ampla do sistema político, visando uma distribuição de renda mais justa por meio de políticas democráticas. No entanto, ele observava que essa idealização enfrentava obstáculos significativos, uma vez que o governo, controlado por grandes empresas monopolistas, perpetuava o ciclo de acumulação de capital em detrimento da distribuição equitativa de recursos. A contribuição mais significativa entre os pensadores marxistas é encontrada na obra de Lênin (2011), "Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo". Enquanto Hobson buscava soluções reformistas liberais para conter o avanço imperialista, Lênin acreditava que a única maneira de interromper o imperialismo era por meio da queda do sistema econômico capitalista, por meio de uma revolução. Os autores marxistas discordavam de Hobson quanto à solução para eliminar o imperialismo, argumentando que a necessidade de expandir para novos territórios decorria da incapacidade do sistema capitalista de reproduzir o capital de maneira suficiente internamente, especialmente devido ao crescimento do monopólio nas relações capitalistas da época. Lênin (2011) identifica cinco características fundamentais do imperialismo sob uma perspectiva marxista: 39 1) a concentração da produção e do capital levando a um grau tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro” da oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do mundo entre as potências capitalistas mais importantes (LÊNIN, 2011, p. 219). A partir das definições de Lênin, torna-se evidente que o capitalismo evoluiu para uma fase de monopólios, indicando um estágio mais avançado do sistema. Esses monopólios se fundem, criando o capital financeiro e uma elite privilegiada na acumulação de capitais. Esses capitais financeiros são então exportados, tornando- se mais lucrativos que as mercadorias devido à rapidez das transações. Os monopólios internacionalizam-se através das exportações, estabelecendo filiais em colônias conquistadas. Por fim, os territórios ainda não ocupados são divididos entre as nações imperialistas. É importante destacar que os dois significados do termo imperialismo analisados até agora servem como base para um novo imperialismo contemporâneo, adaptado às mudanças nas relações econômicas, políticas e sociais trazidas pela globalização do século XXI. 5.2 Teoria neoclássica A Teoria Neoclássica surge como uma evolução da Teoria Clássica, em meados de 1870. Ela mantém a política do liberalismo econômico, defendendo a não interferência do governo na economia, ou seja, uma economia de mercado livre. A Teoria Neoclássica busca resolver questões não resolvidas anteriormente, como a escassez de recursos naturais e as necessidades humanas ilimitadas. Ela busca estabelecer modelos matemáticos para prever o comportamento de consumidores e produtores. Uma de suas contribuições significativas é a definição do valor dos bens com base na utilidade, que representa a satisfação das necessidades humanas (BLAUG, 1999). Serão abordados alguns dos principais fundamentos que embasam essa teoria, como a Teoria do Equilíbrio Geral e o papel da racionalidade dos agentes econômicos, a interligação dos Neoclássicos com o conceito de Utilidade Marginal, e o conceito de "Homo Economicus" e sua maneira de tomar decisões (BLAUG, 1999). 40 Um dos princípios centrais é a neutralidade da moeda, que implica que ela não possui valor intrínseco, sendo apenas um meio de facilitar a troca de bens e serviços. Sob essa perspectiva, não ocorre o acúmulo de dinheiro, pois toda renda é direcionada para a compra de bens e serviços. Os neoclássicos também assumem o princípio do pleno emprego, onde a economia opera em equilíbrio automático, com todos os recursos sendo empregados, e crises são evitadas devido à autorregulação do mercado (LAUTZENHEISER; HUNT, 2012). A teoria do equilíbrio geral de Walras assume que as variáveis econômicas interagem, levando o sistema a um estado de equilíbrio através das forças do mercado livre. Tanto as empresas quanto os consumidores agem de forma racional para maximizar seus lucros e sua satisfação. A abordagem neoclássica dos problemas econômicos que são adotadas neste estudo é estática, seguindo o princípio de "ceteris paribus", onde as análises são realizadas considerando um ambiente sem mudanças. Embora existam outros modelos que examinem mudanças no equilíbrio geral por meio de choques externos, opta-se por utilizar apenas "ceteris paribus" para avaliar os efeitos de uma decisão, mantendo todos os outros fatores constantes (LAUTZENHEISER; HUNT, 2012). Devido à premissa do pleno emprego, não há desemprego involuntário, já que todos os trabalhadores dispostos a trabalhar pelo preço de mercado encontrarão emprego. Os fatores de produção, como trabalho, recursos naturais e capital, são avaliados com base em sua utilidade no mercado. Os salários são determinados pela lei da oferta e da procura, sendo flexíveis. Embora o trabalho seja geralmente visto como desagradável, é realizado porque os ganhos financeiros possibilitam a compra de bens e serviços, gerando utilidade. O capital é considerado um recurso no qual o benefício atual implica em abdicar do consumo de uma quantidade maior de bens no futuro (LAUTZENHEISER; HUNT, 2012). Os neoclássicos reconhecem a existência de externalidades, que são impactos secundários, positivos ou negativos, da produção ou consumo de bens e serviços sobre agentes econômicos ou o meio ambiente, que não estão diretamente envolvidos na transação. Uma externalidade positiva ocorre quando uma ação beneficia um agente sem que ele tenha interação direta com outro, como empresas que inadvertidamente geram benefícios para terceiros. Uma ONG que oferece serviços sociais colabora indiretamente com o governo, reduzindo seus custos. Em 41 contrapartida, uma externalidade negativa ocorre quando a ação de um agente transfere custos para outros. Um exemplo seria a poluição ambiental gerada por indústrias (LAUTZENHEISER; HUNT, 2012). Quando se trata de outras formas de externalidades, o indivíduo afetado é essencialmente um observador passivo dos custos ou benefícios envolvidos. Os economistas introduziram uma categoria separada para descrever esses efeitos na utilidade dos indivíduos, pois eles não tomam medidas diretas nessas situações. Quando um indivíduo age, ele busca maximizar sua própria utilidade marginal, enquanto uma externalidade é o impacto das ações de um indivíduo na utilidade de terceiros (VIEIRA, 2019). Os neoclássicos, também conhecidos como marginalistas, atribuem valor aos bens e serviços com base na utilidade, que reflete a satisfação ou prazer que os agentes experimentam ao consumir cada unidade de um bem específico. Esse princípio se estabeleceu como um pilar da doutrina econômica nos países capitalistas até o final dos anos 1920, sustentando a ideia de concorrência perfeita e negando a existência de crises econômicas, as quais eram consideradas apenas como eventos acidentais ou resultados de erros (LAUTZENHEISER; HUNT, 2012). Os consumidores possuem preferências completas, o que significa que estão cientes de todas as possíveis combinações de bens e serviços disponíveis e podem compará-las, expressando suas preferências ou indiferença entre elas. Consequentemente, eles agem de forma totalmente racional ao buscar maximizar sua satisfação dentro das restrições impostas por seus recursos financeiros limitados, através da escolha de uma determinada combinação de bens e serviços (LAUTZENHEISER; HUNT, 2012). Os neoclássicos aplicam o conceito de utilidade marginal para determinar tanto o que produzir quanto a quantidade a ser produzida. A maximização dos lucros está relacionada ao custo ou benefício proporcionado pela última unidade de cada fator de produção empregado. Na margem, a utilidade de cada fator indica seu valor, que está associado à sua escassez relativa (LAUTZENHEISER; HUNT, 2012). Consequentemente, conforme a teoria neoclássica, a valoração de um fator é inversamente proporcional à sua disponibilidade: quanto mais escasso for o fator demandado, maior será seu valor. Na esfera econômica, o indivíduo toma decisões considerando apenas a si. Ao seguir a restrição orçamentária e a regra de otimização, 42 o agente avalia seus próprios desejos representados por preferências consistentes ou funções de utilidade, o que lhe permite determinar qual opção deve escolher (PRADO, 1996). Os neoclássicos adotam uma abordagem microeconômica que enfatiza o papel do indivíduo, da firma e do mercado de concorrência perfeita. Além disso, introduzem o conceito do "homo economicus", que emerge após a Teoria da Utilidade. Nessa concepção, os agentes são considerados extremamente racionais em suas escolhas de consumo e tendem a seguir padrões de comportamento previsíveis. O "homo economicus" está constantemente avaliando custos e benefícios para suas decisões, optando apenas por aquelas que considera vantajosas, visando maximizar lucros e minimizar prejuízos (PRADO, 1996). Ainda segundo Prado (1994): (...) os agentes, em primeiro lugar, precisam ser pensados como racionais. Mas isto não é tudo. Enquanto eles são racionais, em segundo lugar, ela se obriga a pensa-los como perfeitamente racionais. Isto é, ela precisa supor que os agentes saibam tudo o que precisam saber para tomar decisões bem determinadas. Assim, tem de admitir que eles conhecem as suas preferências, as suas dotações, todos os bens trocados no mercado e os seus preços, ainda que não tudo (eles não conhecem, por exemplo, as preferências dos outros agentes) (PRADO, 1994, p. 9-10). Diferentemente da Teoria Clássica, os neoclássicos afirmam que o valor de uma mercadoria não está ligado ao trabalho necessário para produzi-la, mas sim à sua utilidade e escassez. Assim, produtos considerados úteis, porém abundantes, tendem a ter menos valor, o que também se aplica a bens e serviços com menor demanda. Na era moderna, surgiu a ideia de modelar matematicamente o comportamento humano na sociedade, com a teoria neoclássica representando um exemplo significativo desse ideal científico de compreensão da conduta humana (PRADO, 1996). A teoria neoclássica enfatiza a análise a partir do indivíduo, com consumidores buscando constantemente maximizar sua satisfação em suas escolhas. Racionalidade, nesse contexto, implica agir com justificativas sólidas e utilizando toda a informação disponível para alcançar objetivos específicos de maneira consistente. Desde sua origem, a economia neoclássica tem sido dominante no estudo da economia moderna. A influência do princípio da racionalidade tem sido tão 43 preponderante que alguns argumentam que qualquer teoria econômica que não se baseie na maximização da utilidade é inviável (BLAUG, 1999). Apesar de ser atualmente a abordagem econômica mais difundida e ensinada, a escola neoclássica, representada por figuras como Léon Walras, Carl Menger, Alfred Marshall, Irving Fisher, entre outros, é criticada por sua distância da realidade das escolhas dos agentes econômicos. Uma das críticas é dirigida à suposição de que todos os indivíduos agem de maneira racional, ignorando a influência de outras forças que podem levar as pessoas a fazer escolhas irracionais devido à vulnerabilidade da natureza humana a essas forças (BLAUG, 1999). Com base nas informações apresentadas anteriormente, identificar os princípios subjacentes à Teoria Neoclássica. Seu principal pilar é a premissa da racionalidade dos agentes econômicos, que tomam decisões visando maximizar sua utilidade, sem serem influenciados por fatores externos, e possuindo total conhecimento das consequências de suas escolhas. Na próxima seção, será discutida a Teoria Comportamental, que explora como os agentes econômicos tomam decisões com base em uma racionalidade limitada e considera os diversos fatores que influenciam essas decisões. 5.3 A crise de 1929 Até aproximadamente 1920, os Estados Unidos mantiveram uma posição dominante, enquanto a Europa estava ocupada com a reconstrução de suas indústrias e cidades após a Primeira Guerra Mundial. Durante esse período nos EUA, o acesso ao crédito era facilitado para pequenos investidores que desejavam comprar ações na Bolsa de Valores. Enquanto isso, os grandes investidores se especializavam em operações de compra e venda de ações, muitas vezes acumulando grandes fortunas rapidamente. No entanto, no final dos anos 1920, as nações europeias haviam completado a reconstrução de suas economias, o que resultou em uma redução significativa nas importações de produtos industriais e agrícolas dos Estados Unidos. Como resultado, as indústrias norte-americanas, cujas vendas já estavam em declínio, começaram a acumular um excesso de estoque de produtos. Em 1928, houve um aumento significativo nos investimentos em ações, apesar da queda na produção mencionada anteriormente. Surpreendentemente, o 44 preço das ações na Bolsa de Valores de Nova York permanecia alto, o que era considerado um paradoxo. Esse cenário era mantido pelos especuladores, que realizavam operações financeiras visando lucros através da compra e venda de títulos, cujos valores oscilavam conforme o desempenho do mercado. Esse fenômeno foi um dos principais impulsionadores da propagação da crise, pois existia uma grande discrepância entre o preço esperado das ações e o valor real dos ativos das empresas. Grieco (1999) comenta sobre essa situação da seguinte maneira: A especulação nas Bolsas começou a crescer desenfreadamente. Nos Estados Unidos, o índice de ações cresceu de 100 (1926) para 291 em setembro de 1929. Os preços das ações industriais em Londres subiram de 120 (1927) para 150 (1929) e na Alemanha de 40% no mesmo período. Ocorreram aumentos substanciais, nos demais centros europeus, dos preços de novas subscrições ou de emissões puramente especulativas. As primeiras falências começaram a surgir na Europa antes do que nos Estados Unidos. Rotschild viu-se obrigada a retirar fundos de Nova York para salvar seu banco vienense. Bancos da City e investidores particulares começaram a vender suas ações americanas, deslanchando o processo da Grande Depressão (GRIECO, 1999, p. 171). Com a redução do consumo na Europa e a subsequente queda na produção, o desemprego começou a aumentar rapidamente. Entre os anos de 1929 e 1933, milhões de pessoas ficaram desempregadas, e essa tendência continuou até os primeiros meses de 1933. Durante esse período, aproximadamente um em cada quatro americanos estava desempregado. No setor agrícola, os impactos foram igualmente devastadores. Com a redução das exportações, os grandes proprietários não conseguiram pagar as dívidas contraídas anteriormente para adquirir terras e equipamentos. Além disso, foram obrigados a arcar com altas taxas para armazenar os grãos, o que resultou em acumulação de dívidas e falências. Frieden (2008) também descreve essa situação de insatisfação no campo americano: O sofrimento era ainda mais pronunciado entre os países e cidadãos que se especializaram na produção de matérias-primas e produtos agrícolas, cujos preços caíram duas a três vezes mais que os de outros bens, e naquele ano as hipotecas de cerca de 200 mil fazendas foram executadas. O número de execuções foi de dez a 12 vezes maior que o normal; em alguns estados, foram tomadas de 25% a 30% de todas as fazendas, entre 1928 e 1934. Os Estados Unidos, como quase todos os países, foram atingidos por muitas falências na área agrícola e descontentamento social no campo (FRIEDEN, 2008, p. 197). 45 Em outubro de 1929, as empresas dos Estados Unidos, a maioria das quais tinha ações na Bolsa de Valores de Nova York, juntamente com milhões de investidores americanos que também possuíam essas ações, perceberam a desvalorização e começaram a vender freneticamente. Isso resultou em uma queda vertiginosa nos valores dos títulos. Um clima de desespero se instaurou generalizadamente. Desemprego em massa, falências e pobreza foram os resultados da desordem na economia dos Estados Unidos. O temor de investir se disseminou amplamente, inclusive entre os empresários, que deixaram de aportar recursos em suas empresas. A crise afetou severamente todos os setores econômicos. Os agricultores chegaram ao ponto de destruir suas colheitas, uma vez que os preços dos produtos não cobriam os custos de transporte. Isso resultou em escassez de alimentos e, consequentemente, provocou a disseminação da fome entre a população americana. Não demorou muito para que os efeitos da crise se propagassem pelo resto do mundo, dada a importância da economia americana na economia global. Consequentemente, os bancos dos Estados Unidos cessaram a concessão de linhas de crédito para países estrangeiros e deixaram de renovar empréstimos. Durante o ápice da crise, era raro observar países mantendo relações comerciais ativas. Na tentativa de proteger suas próprias economias, os países elevaram as tarifas alfandegárias, o que resultou em uma redução ainda maior do comércio internacional. Durante os primeiros três anos da Grande Depressão (1929 a 1932), os Estados Unidos registraram uma queda de um terço em seu Produto Interno Bruto (PIB). Os salários sofreram uma redução de 42% em seu poder de compra, enquanto a renda dos agricultores caiu 68%. O desemprego atingiu níveis alarmantes, com um em cada quatro trabalhadores se encontrando desempregado (KURONUMA, 2010). A significativa taxa de desemprego causou um impacto devastador na sociedade dos Estados Unidos. Com uma população acostumada ao consumo excessivo, os cidadãos norte-americanos viram-se sem recursos financeiros para gastar, ao passo que os bancos também enfrentavam dificuldades para conceder empréstimos. Essa redução drástica no consumo foi um dos principais fatores agravantes da Grande Depressão do século XX. 46 5.4 Revolução Keynesiana John Maynard Keynes (1883-1946) nasceu em Cambridge, Inglaterra e iniciou sua obra em tempos de grande depressão econômica, com alto desemprego de mão de obra e fatores de produção em crise. Para muitos, as conquistas de Keynes simbolizaram uma revolução na Teoria econômica, dando um novo sentido a compreensão da necessidade de intervenção do Estado na economia. Keynes teoriza que o emprego é influenciado pelo volume de produção e pela demanda eficiente, composta por bens de consumo (C) e bens de investimento (I). O consumo é influenciado pela renda (Y), isto é, C = f (Y), enquanto a aplicação (I) depende das expectativas de lucro futuro (E) e da taxa de juros (i), ou seja, I = f (E, i). Dessa forma, Y = C + I em uma economia sem comércio exterior e governo (pressuposto simplificador do modelo). É importante ressaltar que a renda é definida pelos gastos dos consumidores e investimentos. O consumo permanece constante, e o nível de renda é influenciado pelo investimento, sendo este o elemento central para compreender a instabilidade do sistema capitalista na totalidade (ALENCAR, 2013). Keynes argumentou em sua obra que o desemprego se deve à falta de demanda, salários mais baixos para os trabalhadores, a redução no consumo resulta na diminuição da propensão para investir, e até mesmo no declínio do nível de produção, tornando-se desfavorável para o modelo. Para Keynes, não existe uma força autorreguladora na economia, como defendem os argumentos clássicos. Ele sustenta que a igualdade entre investimento e consumo é o fator que levaria ao pleno emprego. Logo, ressalta-se que não é vantajoso para o modelo, apenas para a economia, ou seja, se as pessoas decidirem economizar, diminuirão investimento e renda nacional. A respeito disso, o consumo também é importante no modelo keynesiano. Outra proposição defendida por Keynes envolve o conceito do multiplicador de emprego, que implica na criação de oportunidades de trabalho em uma determinada área. Nessa abordagem, os salários recebidos pelos empregados são direcionados para a compra de bens de consumo, gerando uma demanda adicional. Isso, por sua vez, resulta na contratação de mais pessoas para atender a essa demanda, gerando mais empregos e reduzindo o desemprego e a capacidade ociosa (ALENCAR, 2013). 47 O paradigma keynesiano exerceu impacto na formulação da política econômica de diversos países capitalistas, os quais almejavam alcançar o pleno emprego e promover o bem-estar da população. Com o decorrer do tempo, a economia passou a enfrentar desafios, incluindo questões relacionadas à dívida interna e externa, desemprego, inflação e crescentes dificuldades econômicas (LAGE; MILLIONE, 2009). 6 MERCADO, ESTRUTURAS NOÇÕES DE MICROECONOMIA 6.1 Conceito de microeconomia A Microeconomia, também conhecida como Teoria dos Preços, examina como os preços são determinados nos mercados, isto é, como as interações entre empresas e consumidores influenciam na definição do preço e da quantidade de um determinado bem ou serviço em mercados específicos. Enquanto a Macroeconomia se concentra no comportamento agregado da economia, abordando variáveis globais como consumo total, renda nacional e investimento global, a análise microeconômica se preocupa com a determinação dos preços de bens e serviços (como produtos agrícolas, automóveis) e dos fatores de produção (como salários, aluguéis, lucros) em mercados específicos. Segundo Vasconcellos e Garcia (2019) a Teoria Microeconômica não deve ser confundida com economia de empresas, pois possui uma abordagem diferente. Durante a Microeconomia se dedica ao estudo da interação entre oferta e demanda na determinação dos preços de mercado, isto é, os preços resultantes da relação entre consumidores e empresas que produzem um determinado bem ou serviço. Na análise empresarial, a determinação do preço de venda de um produto se fundamenta principalmente nos custos de produção, refletindo a perspectiva contábil- financeira. Já na esfera da Microeconomia, o enfoque recai sobre as dinâmicas do mercado em sua totalidade. Dessa forma, aspectos como liderança, motivação, gestão de recursos humanos e estratégias de marketing são de competência da Administração de Empresas, diferenciando-se do escopo da Microeconomia. Na análise econômica dos custos de produção, há uma distinção da abordagem contábil. Ao mesmo tempo em que a contabilidade se concentra nos custos efetivamente incorridos, os economistas consideram não apenas esses custos, mas também os custos de oportunidade, que são as oportunidades sacrificadas. Isso 48 significa que os custos de produção do ponto de vista econômico incluem não apenas os gastos financeiros diretos (custos explícitos), mas também o valor dos insumos que a empresa utiliza, mesmo que sejam de sua propriedade (custos implícitos), como se fossem alugados ou comprados no mercado. Os consumidores são os agentes da demanda que buscam adquirir bens ou serviços para maximizar sua utilidade. Por outro lado, as empresas são estruturas criadas pelos empresários para combinar os fatores de produção e gerar produtos ou serviços de forma eficiente. Essas empresas são responsáveis por parte da renda, que pertence às famílias, incluindo os donos dos negócios. Logo, as empresas são locais onde a produção é organizada, e a renda gerada pertence aos empresários e trabalhadores (VASCONCELLOS; GARCIA, 2019). 6.2 Divisão do estudo microeconômico Segundo Vasconcellos e Garcia (2019), a teoria microeconômica consiste nos seguintes tópicos: • Análise da demanda: a busca por um produto ou serviço é categorizada em teoria do consumidor, que analisa a demanda individual e a teoria da demanda de mercado. • Análise da oferta: a disponibilidade de um bem ou serviço é dividida em oferta da firma individual e oferta de mercado. A análise da oferta da firma engloba a teoria da produção, que estuda as relações entre as quantidades físicas produzidas e os fatores de produção, e a teoria dos custos de produção, que considera os preços dos insumos. • Análise das estruturas de mercado: com base na interação entre demanda e oferta de mercado, o preço e a quantidade de equilíbrio de um determinado bem ou serviço são estabelecidos. No entanto, esses valores são influenciados pela estrutura específica do mercado, que pode variar de competitiva, com várias empresas atuando na produção do produto, à concentrada, com poucas ou até mesmo uma única empresa dominando o mercado. Vasconcellos e Garcia (2019) citavam que ao examinar as estruturas de mercado, são considerados os impactos da oferta e da demanda tanto no mercado de 49 bens e serviços quanto no mercado de fatores de produção. As categorias das estruturas de mercado para bens e serviços incluem: • Concorrência perfeita; • Concorrência imperfeita ou monopolística; • Monopólio; • Oligopólio. Já os tipos de arranjos encontrados no mercado de fatores de produção são: • Concorrência perfeita; • Concorrência imperfeita; • Monopsônio; • Oligopsônio. No mercado de fatores de produção, a busca por recursos produtivos é denominada demanda derivada, pois a demanda por insumos, como trabalho e capital, é influenciada pela procura pelo produto final da empresa no mercado de bens e serviços. 6.3 Oferta A oferta refere-se às diversas quantidades de bens ou serviços que os produtores estão dispostos a disponibilizar no mercado em um determinado período. Assim como a demanda, a oferta é influenciada por diversos fatores, incluindo o próprio preço do bem, os custos dos insumos de produção e os objetivos dos empresários. Ao contrário da função demanda, a função oferta demonstra uma relação direta entre a quantidade ofertada e o nível de preços, mantendo constantes os demais fatores, princípio conhecido como a “lei geral da oferta”. A escala de oferta de um bem X pode ser expressa como a relação entre as quantidades ofertadas e os preços correspondentes, considerando uma série de diferentes valores de preço. Conforme a Figura 1: 50 Figura 1 - Escala de oferta Fonte: https://encurtador.com.br/bhq15. Gráfico 1 - Curva de oferta do bem X 51 Fonte: https://encurtador.com.br/bhq15. De maneira algébrica, a equação representativa da oferta é expressa como: A quantidade ofertada (Q0) é uma função do preço (P). Nessa equação: - Q0 representa a quantidade disponibilizada de um produto ou serviço durante um determinado intervalo de tempo. - P denota o valor do produto ou serviço. A relação positiva entre a quantidade ofertada de um produto e seu preço é explicada pelo fato de que um aumento no preço de mercado, mantendo-se as demais variáveis constantes, aumenta a lucratividade das empresas, incentivando-as a aumentar sua produção. Além do preço do produto, a oferta de um bem ou serviço é influenciada pelos custos dos insumos de produção (tais como matéria-prima, salários e custo da terra), pelas mudanças tecnológicas e pela entrada de novas empresas no mercado. A relação entre a oferta de um produto e o custo dos insumos de produção é tipicamente inversa, o que significa que um aumento nos custos dos fatores de produção, como salários ou custo das matérias-primas, tende a reduzir a quantidade ofertada do produto, mantendo-se os demais fatores constantes. Por outro lado, a relação entre a oferta e o progresso tecnológico é positiva, pois avanços tecnológicos geralmente aumentam a eficiência na utilização dos recursos de produção, levando a um aumento na oferta do produto. Da mesma forma, há uma relação positiva entre a oferta de um bem ou serviço e o número de empresas que o oferecem no mercado, pois uma maior concorrência tende a aumentar a disponibilidade do produto. A quantidade ofertada do bem X é determinada por uma função que considera o preço de X, os custos dos insumos de produção, o nível de avanço tecnológico e o número de empresas presentes no mercado. Esses fatores influenciam diretamente a oferta do produto, sendo que alterações em cada um deles podem afetar a quantidade disponível do bem no mercado. 6.4 Demanda Os consumidores buscam aumentar sua satisfação consumindo bens e serviços que atendam às suas necessidades e gostos pessoais, visando alcançar um 52 maior nível de utilidade. Conforme Souza (2009) destaca, quanto mais úteis e agradáveis forem os produtos consumidos, melhor será a experiência do consumidor. Por sua vez, a demanda ou procura refere-se à quantidade de um determinado bem ou serviço que os consumidores desejam adquirir a um preço específico, como definido por Vasconcellos e Garcia (2016). É importante notar que a expressão "desejam adquirir" implica uma intenção de compra, um desejo de adquirir, e não necessariamente a ação de compra em si. Portanto, não se deve confundir o conceito de demanda com o ato de comprar. A demanda de mercado representa a quantidade total de um produto que todos os compradores em um mercado estariam dispostos a adquirir a um determinado preço, conforme definido por Hall e Libermann (2003). Estes conceitos estão intrinsecamente ligados às decisões dos consumidores, que dependem de uma variedade de fatores, como preço, renda e preferências individuais, como apontado por Vasconcelos e Oliveira (2008). É importante notar que tanto a palavra "escolha" quanto a palavra "preço" são significativas nesses conceitos, indicando a análise de como os preços são determinados em mercados competitivos. A relação inversa entre preço e quantidade demandada, onde um aumento no preço leva a uma redução na quantidade demandada e vice-versa, é tão comum que os economistas a denominaram de “Lei geral da demanda”. No conceito apresentado, destaca-se a análise isolada do preço variável, enquanto as demais variáveis permanecem constantes (coeteris paribus). Os fundamentos da demanda têm como princípio fundamental o conceito de utilidade, que representa o nível de satisfação que os consumidores atribuem aos bens que desejam adquirir. 6.5 Equilíbrio de mercado Segundo Fernandez (2009) o equilíbrio de mercado ocorre quando a quantidade demandada (representada por Xd) é igual à quantidade ofertada (representada por Xs), o que é denotado como X*. Este estado resulta de um processo de ajuste do preço: Xd = Xs = X* 53 Na figura 2 o equilíbrio de mercado é representado pelo ponto de interseção entre as curvas de oferta e demanda, denotado como ponto E. Nesse ponto, as coordenadas são x* e p*, indicando que a quantidade demandada é igual à quantidade ofertada, ou seja, x*. Não há motivo para que o preço p* seja modificado neste ponto. Figura 2 - O mercado do bem x Fonte: https://encurtador.com.br/lHUZ5 Observação: A curva de oferta possui uma inclinação positiva devido ao aumento dos custos à medida que a produção se expande. Isso ocorre porque alguns insumos são fixos e não podem ser facilmente aumentados. Para demonstrar que o ponto E é o equilíbrio do mercado, considera-se uma situação em que o preço de mercado excede temporariamente o equilíbrio, denotado como p’ > p*. A esse preço mais alto, a quantidade demandada é xd' e a quantidade ofertada é xs'. Nesse cenário, todos os vendedores encontrarão compradores, resultando em um excesso de oferta (ES = xs' - xd'). Isso leva alguns vendedores a reduzir os preços para evitar excesso de estoque, o que eventualmente estabiliza o preço de mercado de volta ao nível de equilíbrio p*. Um raciocínio similar se aplica a uma situação em que o preço temporariamente cai abaixo do equilíbrio, por exemplo, p'' A maximização do lucro envolve a produção de uma quantidade Q ao preço P, resultando em lucro zero devido ao equilíbrio entre preço e custo médio. Apesar da empresa manter certo poder de monopólio devido à sua marca única no mercado, a entrada de novas empresas e a concorrência levaram os lucros a se reduzirem a zero. Essa análise é descrita por Pindyck e Rubinfeld (2010). 7 NOÇÕES DE MACROECONOMIA 7.1 Definição de macroeconomia Conforme Mankiw (2008), a Macroeconomia aborda o estudo amplo da economia, englobando o crescimento da renda, as flutuações nos preços e na taxa de desemprego. Seu objetivo é fornecer políticas para aprimorar o desempenho econômico e elucidar eventos econômicos. Segundo Blanchard (2007), ela se concentra nas variáveis econômicas agregadas. Krugman e Wells (2007), em seu glossário, a definem como o campo da economia que investiga a expansão e a 56 contração da economia como um todo. Dornbusch e Fischer (1991) explicam que a Macroeconomia analisa o comportamento global da economia, considerando período de recessão e recuperação. Simonsen e Cysne (2007) utilizam uma metáfora para descrever a Macroeconomia, comparando-a ao estudo da floresta em contraste com a Microeconomia, que se concentra nas árvores. Carvalho et al. (2008) definem a Macroeconomia como o campo da economia que analisa o comportamento humano em uma escala agregada, examinando o impacto das ações humanas nos principais agregados econômicos, como o mercado de trabalho e o consumo de bens e serviços. A busca por uma definição precisa e completa da Macroeconomia entre os grandes autores revela-se desafiadora e talvez um tanto frustrante. No entanto, a qualidade das definições não reflete necessariamente a excelência de seus textos. Isso pode ser atribuído ao fato de que esses autores priorizam o desenvolvimento de ferramentas e conceitos dentro de suas respectivas áreas de atuação macroeconômica, em vez de se concentrarem exclusivamente em definições. É essencial enfatizar a importância das aplicações práticas na Macroeconomia, uma vez que, através delas a disciplina adquire significado e relevância. No passado, houve um período em que se buscava matematizar a economia, assemelhando-a à física e buscando compreender a natureza por meio de leis matemáticas, sem necessariamente considerar suas aplicações práticas. No entanto, é essencial reconhecer que a Macroeconomia está inserida no campo das Ciências Sociais Aplicadas, e são justamente as aplicações práticas que fundamentam sua existência e validade. De acordo com Mankiw (2008), Keynes destacou a necessidade de um economista possuir habilidades que vão além da simples análise econômica. Segundo ele, um economista deve ser versado em matemática, história, política e filosofia. Além disso, deve manter-se distante das influências externas e permanecer íntegro em suas convicções, assim como um artista. Porém, ao mesmo tempo, deve estar ciente das realidades práticas e políticas do mundo, semelhante a um político. Cada governo e época histórica enfrentam desafios econômicos únicos, que podem variar desde inflação, déficit público, recessão até o gerenciamento de choques na oferta ou demanda. Uma definição ampla pode não ser suficiente, já que os problemas econômicos surgem de maneira específica em cada contexto. A 57 Macroeconomia está em constante evolução, evidenciando ser uma disciplina ainda em desenvolvimento. Na década de 1970, a Macroeconomia era considerada uma disciplina consolidada, mas os choques do petróleo de 1973 e 1979 trouxeram desafios inesperados. A ocorrência simultânea de inflação e recessão, conhecida como estagflação, pegou os economistas de surpresa e abalou sua credibilidade. No entanto, ao longo do tempo, foram encontradas explicações para esse fenômeno, restaurando a confiança na capacidade da Macroeconomia de lidar com novos desafios. A seguir, estão listados os mercados da macroeconomia: Mercado de bens e serviços: esse mercado é responsável por determinar o nível geral de produção da sociedade, bem como o preço pelo qual esses bens manufaturados são trocados. Os custos marginais representam o valor adicional de produzir uma unidade extra de um bem ou serviço, uma vez que os custos fixos já foram amortizados. Mercado de trabalho: Nesse mercado, a determinação do número total de trabalhadores disponíveis para o trabalho e o salário, ou seja, o valor do trabalho, era estabelecida. Esse mercado de trabalho era composto pela soma dos mercados específicos de cada setor: agricultura, indústria e serviços. Naquela época, a atividade econômica garantia o pleno emprego, englobando até mesmo mulheres e crianças de cada lar que pudessem contribuir com mão de obra adicional, dada a demanda inesgotável, como observado durante as primeiras e segundas revoluções industriais. Mercado monetário: este mercado deve considerar a relação de demanda e a oferta de moeda na economia, responsável por suas decisões das taxas de juros fixadas pelo Banco Central. Mercado de títulos: o mercado analisa os níveis de renda e despesa dos agentes econômicos e determina quais desses ganham mais do que gastam (colocando-os em situação de superávit), assim como quais gastam mais do que ganham (colocando-os em situação de déficit). Mercado de divisas: o mercado está de olho em setores fora do Brasil, ou seja, as economias de outros países com os quais o país mantém relações comerciais com Brasil. É responsável pela definição de índices de exportação e importação de bens, geradores de entradas ou saídas de capital financeiro (SILVA; MARTINELLI, 2016). 58 7.2 A Contabilidade Nacional Segundo Heineck (2010) a Contabilidade Nacional, também conhecida como Contabilidade Social, é essencial ao fornecer insights sobre o desenvolvimento social de um país e os benefícios decorrentes do crescimento econômico para toda a população. Embora os termos Contabilidade Nacional e Contabilidade Social sejam frequentemente usados de forma intercambiável, neste contexto, preferimos utilizar o primeiro termo, pois nosso foco principal é analisar as ramificações econômicas da atividade produtiva. No entanto, reconhecemos que em estágios posteriores, essas consequências também podem influenciar a evolução dos métodos contábeis, permitindo a inclusão de medidas que abordem diretamente o bem-estar social. Isso envolve a consideração de um conjunto mais amplo de variáveis do que aquelas que são estritamente de natureza econômica. É indispensável que os estudantes de Administração Pública tenham a habilidade de distinguir entre a linguagem contábil e a linguagem de modelagem econômica. Um modelo econômico, que utiliza representações matemáticas, é uma construção teórica que descreve as relações entre variáveis econômicas por meio de gráficos e equações, as quais podem ser empiricamente testadas para prever os efeitos ou mudanças em um resultado. Em contraste, um modelo contábil trabalha com identidades matemáticas que representam igualdades entre duas ou mais variáveis teoricamente equivalentes, sem estabelecer ligações de causalidade entre elas. Como essas identidades são geradas do que vem antes, não há necessidade de confrontá-las empiricamente (HEINECK, 2010). É incumbência dos macroeconomistas e da teoria macroeconômica explicar a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) por meio de modelos teóricos que analisam e interpretam o comportamento das variáveis econômicas. Investigaremos a composição e formação dessas contas para compreender como elas fornecem os dados essenciais para a elaboração e aprimoramento dos modelos teóricos no âmbito da Macroeconomia. Em uma abordagem inicial, podemos definir a Contabilidade Nacional como um sistema contábil que possibilita a avaliação da atividade econômica em um período específico, oferecendo estatísticas e organizando eventos econômicos para uma 59 análise coesa. Ao contrário de outras áreas da Macroeconomia, a Contabilidade Nacional se concentra exclusivamente em eventos já ocorridos. A teoria macroeconômica concentra-se primariamente em dois principais objetivos: compreender o crescimento econômico ao longo do tempo e analisar as flutuações cíclicas. Essa teoria tem o propósito de quantificar variáveis e estabelecer métodos para monitorar esses fenômenos de forma sistemática. Os elementos essenciais, da atividade econômica, sendo objeto de análise da Contabilidade Nacional, são as transações financeiras resultantes da produção, oferecendo insights sobre o desempenho econômico ao longo do tempo. Os dados fornecidos pela Contabilidade Nacional facilitam comparações internacionais, incluindo taxas de crescimento do PIB em diferentes países e os principais indicadores macroeconômicos. Para garantir uma análise consistente, foi desenvolvida uma estrutura padronizada para apresentar as Contas Nacionais em todo o mundo, possibilitando uma avaliação conjunta das informações econômicas em diversas economias (HEINECK, 2010). Desde o período pós Segunda Guerra Mundial, as Nações Unidas têm elaborado manuais metodológicos para orientar a produção de estatísticas pelos órgãos oficiais de cada país. Quando o sistema existente não abrange determinadas informações, são desenvolvidas as chamadas Contas Satélites, conjuntos de estatísticas elaboradas para atender a objetivos específicos. De acordo com Heineck (2010) a Contabilidade Nacional é responsável por fornecer as principais métricas da economia, conhecidas como agregados macroeconômicos, que incluem a produção, o consumo, o investimento e a renda gerada e distribuída. Ela quantifica o resultado agregado das atividades econômicas individuais, que podem diferir dos planos prévios, como a demanda efetiva, considerando o comportamento de um conjunto de agentes econômicos. O produto total de uma economia em um período é determinado pela demanda agregada, ou seja, pelos gastos totais realizados pelos agentes econômicos durante esse intervalo de tempo. Os processos de geração de renda, produção e gastos podem ser rastreados por meio de um sistema contábil que registre e vincule as transações significativas a serem avaliadas ao longo do período analisado. 60 Portanto, dado que lidamos com transações financeiras, ressaltamos que a moeda é imprescindível na quantificação dos indicadores macroeconômicos, destacando a importância da estabilidade monetária para uma nação. Um alto nível de instabilidade monetária exigiria ajustes frequentes no Sistema de Contabilidade Nacional. 7.3 Política econômica Segundo Heineck (2010) a incorporação de atividades da sociedade pelo governo, seja por meio de entidades estatais, empresas de economia mista ou órgãos públicos responsáveis por funções essenciais, não está no escopo da política econômica. Embora o governo possa exercer grande influência na sociedade ao assumir certas atividades comerciais, como ocorreu historicamente no bloco socialista, essa forma de intervenção é considerada uma questão política e não um componente da política econômica. Portanto, o foco é compreender o impacto que o governo pode ter por meio de ferramentas de política econômica, tais como taxas de juros, impostos e decisões de investimento na sociedade. Se considerarmos que essa forma indireta de intervenção governamental pode ser eficaz, a primeira questão a ser levantada é se as autoridades devem utilizá-la para corrigir desequilíbrios nos ciclos econômicos de curto prazo e promover o equilíbrio e desenvolvimento econômico de longo prazo. Há um acordo entre economistas de que políticas públicas devem guiar o desenvolvimento econômico, especialmente em países em desenvolvimento. O equilíbrio econômico de longo prazo é alcançado através dos mecanismos de ajuste do mercado nas economias capitalistas, enquanto a política econômica age na administração dos acertos ou erros resultantes das decisões de curto prazo (HEINECK, 2010). Segundo Lacombe (2004) analogamente às instruções de primeiros socorros dos paramédicos, na Macroeconomia, é essencial lembrar da regra fundamental de evitar causar danos adicionais ao tentar salvar a situação. Manter o estado do sistema econômico sem deterioração após uma crise é um feito admirável. Quando em dúvida, é preferível aguardar a intervenção adequada, em vez de intervir desastrosamente. Essa comparação resulta em duas correntes de pensamento na macroeconomia: 61 • Os ativistas macroeconômicos defendem que as autoridades devem realizar intervenções na economia, vendo-as como positivas. • A corrente que se baseia na teoria de Adam Smith sustenta que a economia segue seu curso natural, com ciclos, recessões e expansões, sendo parte intrínseca do funcionamento normal da sociedade. Nessa perspectiva, a “mão invisível” do mercado é vista como capaz de restaurar um estado de progresso nas relações econômicas. Pode-se concluir que o consenso deve adotar uma posição intermediária entre as duas correntes mencionadas. Isso significa evitar tanto uma abordagem de “deixe fazer” que poderia causar danos significativos à sociedade na tentativa de provar que ela pode se recuperar sozinha após uma crise, quanto uma intervenção excessiva por cada pequeno desvio do curso econômico. Os economistas geralmente costumam chamar de tentativa de fazer a sintonia fina da economia, e há consenso em sua impraticabilidade. Uma abordagem interessante é a implementação de estabilizadores automáticos na economia, como o seguro-desemprego. Durante períodos de recessão, quando o desemprego aumenta e a renda da população diminui, parte dessa perda de renda é compensada pelos benefícios oferecidos aos desempregados. À medida que a economia se estabiliza, esses benefícios são gradualmente substituídos pelos salários, resultando em oscilações menores na renda e no consumo da população em comparação com as flutuações no emprego. Nesse cenário, pode-se escolher intervir na economia através de duas alternativas: • Na intervenção discricionária, há uma adaptação flexível, em que as autoridades ajustam os instrumentos e a intensidade conforme as circunstâncias e o juízo prudente. • Na intervenção baseada em regras rígidas, são utilizadas formulações matemáticas, restringindo a capacidade das autoridades de agir com flexibilidade, enquanto, ao mesmo tempo, reforça a confiabilidade na atuação do governo. 62 De acordo com Heineck (2010), a eficácia da política econômica depende da definição de metas e utilização de instrumentos viáveis. Por exemplo, é ineficaz o governo buscar aumentar a arrecadação de impostos por meio de políticas fiscais se não possui confiança na capacidade institucional de fazê-lo. Da mesma forma, não faz sentido propor alíquotas elevadas de impostos sem garantir que organizações e a população tenham condições de pagá-las. No entanto, essa capacidade de pagamento pode variar, como durante períodos de guerra, onde as pessoas compreendem a necessidade e estão dispostas a pagar impostos mais altos. 7.4 Balanço de pagamentos O balanço de pagamentos é um registro contábil que documenta todas as transações econômicas entre um país e outros durante um período específico. Sua principal função é analisar a situação financeira internacional de um país. Se houver um saldo negativo em uma das contas, isso indica que os pagamentos enviados para o exterior excederam as receitas recebidas dos agentes estrangeiros pelas transações associadas a essa conta. O balanço de pagamentos torna-se uma ferramenta essencial na análise econômica, ao proporcionar uma visão detalhada da dinâmica dos fluxos de recursos materiais e financeiros entre os agentes econômicos internos e externos de uma economia específica (HEINECK, 2010). Assim como em qualquer plano contábil, o balanço de pagamentos da Contabilidade Nacional é composto por um conjunto de contas agregadas que podem ser subdivididas em várias outras contas, conforme as necessidades de análise específicas. Existem quatro contas analíticas que constituem a estrutura do balanço de pagamentos. Essas contas são: • Conta-corrente, são registrados todos os fluxos comerciais de bens e serviços, bem como os pagamentos e recebimentos de renda relacionados ao capital e trabalho. Além disso, inclui transferências unilaterais entre países e o restante do mundo. • Conta de capital, são registradas as transações unilaterais de ativos tangíveis, financeiros e intangíveis entre residentes e não residentes. • Conta de investimento: nela são documentados todos os movimentos de capital entre o país e outras nações. 63 • Correções e ajustes: devido às flutuações monetárias, ao final de cada período, é comum ocorrerem discrepâncias entre os totais das contas de investimento, capital e financeira. Essa conta é responsável por efetuar as correções necessárias para equilibrar as entradas e saídas de recursos, garantindo a integridade contábil entre os registros de débito e crédito. A conta-corrente é composta por quatro subcontas: balança comercial, balança de serviços, balança de renda e transferências unilaterais de renda. A balança comercial registra as transações de compra e venda entre residentes e não residentes do país. Todos os valores são registrados com base no valor FOB (Free on Board), ou seja, livre de custos adicionais como frete, comissões e seguros, os quais são registrados na subconta de balança de serviços. Na subconta de balança de serviços, são registradas as receitas e despesas relacionadas à prestação de serviços em transações entre residentes e não residentes. O balanço de rendas documenta as receitas e despesas associadas aos rendimentos do trabalho e do capital em transações entre residentes e não residentes, incluindo salários pagos por residentes a não residentes e vice-versa. As transferências unilaterais de renda referem-se a receitas ou despesas sem contrapartida, ou aquisição de bens, podendo ser compreendidas melhor ao relacionar seu conceito ao de doações (HEINECK, 2010). A segunda conta mencionada é a conta de capital, onde são registradas as transferências unilaterais de ativos tangíveis, financeiros e intangíveis entre residentes e não residentes. A distinção entre as transferências da conta-corrente e da conta de capital reside no envolvimento dos direitos de propriedade sobre os ativos. Nesse caso, há uma contrapartida envolvida na transação, na qual os bens são transferidos entre nacionais e estrangeiros. Essa situação não se aplica às rendas geradas pela troca de pagamentos pelo aluguel de um fator de produção. Essas rendas, por exemplo os aluguéis, são registradas na conta-corrente como exportações e importações de serviços. O aluguel pode ser uma forma de remuneração pelo uso temporário de máquinas, equipamentos e imóveis para produção, devolvidos após o término do uso. Da mesma forma, o pagamento de salários pelo uso da mão de obra, seja operacional ou gerencial, é contabilizado dessa maneira. Após o término do período de uso da mão de obra, sua 64 capacidade operacional retorna à propriedade daqueles que a detinham, como os trabalhadores, gerentes e empreendedores. Outra conta é a financeira, que serve principalmente para registrar transações monetárias. Ela documenta os movimentos de capital entre residentes e não residentes, e a partir dela são derivadas quatro subcontas adicionais: • Investimento direto: refere-se aos movimentos de capital associados à aquisição de participação em longo prazo por parte de investidores não residentes em um negócio. É importante distinguir esses movimentos das transferências unilaterais de renda ou da atividade econômica residente. O interesse envolve a compra de participações acionárias, a obtenção de empréstimos ou outras formas de investimento entre as empresas-mãe e suas subsidiárias • Investimentos em carteira: referem-se às transações financeiras relacionadas a investimentos de curto prazo, tais como ações no mercado financeiro, debêntures e outros títulos de renda fixa e variável. • Derivativos e outros investimentos: é uma categoria residual que engloba qualquer fluxo financeiro que não se enquadre nas outras contas mencionadas. Esses investimentos incluem quatro principais grupos: créditos comerciais, empréstimos, moedas e depósitos, além de outras operações. Segundo Heineck (2010) é importante observar que a conta financeira está intimamente ligada à conta-corrente, já que cada tipo de investimento na conta financeira corresponde a uma conta correspondente na subconta de balanço da renda. Nessa subconta, são registrados os juros e outras despesas financeiras associadas aos fluxos de capital registrados na conta financeira. Enquanto os movimentos de entrada e saída de capitais são registrados na conta financeira, os custos associados a esses movimentos, como os juros, são contabilizados no balanço de rendas. 8 CONJUNTURA ECONÔMICA 8.1 Neoliberalismo O neoliberalismo, embora compartilhe algumas semelhanças com o liberalismo, apresenta uma abordagem atualizada e adaptada. De acordo com Sarlet 65 (2012), o liberalismo surgiu no século XVII, tendo seu ápice durante a Revolução Gloriosa (1688) na Inglaterra, seguida pela Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). Ao representar a luta da burguesia contra os privilégios da nobreza, o liberalismo limitou os poderes do monarca e promoveu uma série de ideias fundamentais defendidas por pensadores como Locke, Montesquieu, Rousseau, Smith e outros, cujas contribuições tiveram um impacto significativo na história da humanidade. A filosofia liberal propunha a separação entre o Estado e a sociedade, delineando claramente o que pertencia ao âmbito público e ao privado, visando limitar a intervenção estatal nos assuntos privados, o que resultou na ideia de um Estado mínimo. Além disso, defendia que o poder do Estado deveria ser legitimado pelo consentimento dos cidadãos, que teriam seus direitos individuais garantidos, como a liberdade de pensamento, expressão e religião (MARMELSTEIN, 2011). No decorrer do século XIX, a ideia de um Estado mínimo começou a ser questionada devido à persistência de desafios econômicos e sociais, apesar da implementação das principais ideias liberais nos principais centros urbanos europeus. Problemas como o aumento da pobreza e as crescentes desigualdades sociais permanecem sem solução. Em oposição ao pensamento liberal, surgem movimentos que lutam pela intervenção estatal, pelo fortalecimento da classe trabalhadora e pela garantia dos direitos coletivos. Após o colapso da Bolsa de Nova Iorque em 1929, houve uma revisão do conceito de Estado Mínimo. Nesse contexto, o capitalismo adotou uma nova abordagem, buscando reavaliar o papel do Estado na economia. Reconheceu-se a necessidade de conciliar eficiência econômica com liberdade individual, dando ênfase à justiça social. Como resultado, o Estado passou a intervir diretamente na economia para garantir a regulação econômica, inclusive investindo em empresas visando assegurar o pleno emprego (HOBSBAWN, 2002). Até meados dos anos 1970, a visão keynesiana do liberalismo se manteve predominante, porém uma nova crise global do capitalismo trouxe questionamentos ao Estado de “bem-estar social”. As dificuldades enfrentadas pelo Estado incluíam a incapacidade de responder plenamente às demandas por políticas sociais, o aumento do déficit público, o crescente endividamento público, a inflação e a crise fiscal. A estrutura do Estado de bem-estar social encontrava-se enfraquecido, uma vez que 66 houve um golpe final contra esse modelo com o colapso do Estado Socialista, resultante da desintegração da União Soviética e do desmembramento do Leste Europeu. Esses eventos contribuíram para o ressurgimento do Estado mínimo e dos princípios liberais, e originou o que é conhecido como neoliberalismo. De acordo com Anderson (1995), o neoliberalismo surgiu na Europa e na América do Norte como uma resposta ao Estado de bem-estar, opondo-se a qualquer interferência estatal nos mecanismos de mercado. Sua justificativa reside na proteção da liberdade econômica e política dos cidadãos. A ascensão do neoliberalismo ganhou destaque a partir da década de 1970, impulsionada pela crise do Estado de bem-estar social, caracterizada por altas taxas de inflação e baixo crescimento econômico. O neoliberalismo surgiu como uma alternativa ao Estado de bem-estar social keynesiano, propondo lidar com as crises fiscal e inflacionária por meio da desregulamentação do mercado financeiro e da integração dos capitais nacionais à economia globalizada. Suas políticas enfatizam a competição, a liberdade individual, o livre funcionamento do mercado e a estabilidade monetária, visando reduzir a intervenção estatal. Segundo Anderson (1995), o Chile foi pioneiro na adoção do governo neoliberal, seguido por nações como o Reino Unido, durante o mandato da ex-primeira-ministra Margareth Thatcher, e os Estados Unidos, na gestão do presidente Ronald Reagan. Essas políticas resultaram em uma tendência conservadora marcante nesses países, caracterizada por cortes significativos no financiamento de políticas sociais e pela diminuição do poder dos sindicatos. A doutrina neoliberal apresenta diversas características fundamentais, como apontado por vários autores, incluindo Anderson (1995). Essas características podem ser resumidas da seguinte maneira: • Defesa do livre mercado; • Ênfase no individualismo; • Concepção de liberdade associada à desigualdade; • Promoção de privatizações e desregulamentação econômica. Para o neoliberalismo, o mercado tem uma função importante, enquanto o Estado é relegado a uma função mínima de supervisão, incentivando a população a transformar suas necessidades em commodities. Sob essa perspectiva, o mercado é 67 considerado a única via para a realização dos interesses individuais, sem considerar outras variáveis como habilidades e oportunidades. Segundo Hobsbawn (2002, p. 554), o individualismo exacerbado é uma das consequências mais preocupantes das mudanças ocorridas desde o início do século XX até os anos 1990. A queda do comunismo e a ascensão do capitalismo resultaram na predominância das relações baseadas na lógica de mercado, onde o consumismo e importante, como aponta Bauman (2011, p. 83), destacando que o consumismo não se limita à mera sobrevivência, mas transforma os indivíduos em consumidores, relegando outros significados a um plano secundário. A busca incessante pela realização dos desejos revela uma lacuna no modelo do Estado Neoliberal, que exclui os marginalizados pelo sistema. Conforme apontado por Teixeira e Oliveira (1996), a sociabilidade neoliberal enfatiza o interesse próprio e o egoísmo como traços inerentes ao ser humano. Sob a ótica neoliberal, acredita-se que, ao buscar satisfazer seus próprios interesses, cada indivíduo contribui para o bem-estar coletivo, garantindo que todas as necessidades sejam atendidas. Nessa visão, o mercado assume um papel como o local onde as necessidades materiais são supridas e onde a liberdade econômica e política dos indivíduos é realizada. Os defensores do neoliberalismo confiam na suposta perfeição do mercado e em sua capacidade de coordenar recursos de forma eficiente, embora, na prática, o mercado não distribua recursos de forma equitativa. Desde o início, a doutrina neoliberal propôs ajustes e ideias para os países que a adotaram, especialmente em relação ao papel do Estado na sociedade. Uma crítica central do neoliberalismo ao Estado intervencionista aponta para a presença de medidas protetivas consideradas desnecessárias, que resultam em um Estado ineficiente, desperdiçador e paternalista, caracterizado por uma alta carga tributária e pela ocorrência de crises econômicas. A visão neoliberal preconiza um Estado com mínima intervenção no setor produtivo e, ao mesmo tempo, politicamente forte, buscando reduzir as despesas públicas e promover uma maior eficiência na gestão dos recursos. 8.2 Mercado de trabalho Os impactos da estratégia de crescimento neoliberal sobre o mercado de trabalho brasileiro foram imediatos. Segundo dados da Pesquisa Nacional por 68 Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as taxas de desocupação e subutilização da força de trabalho aumentaram significativamente a partir de 2015 e continuaram a subir até o primeiro trimestre de 2017. Durante esse período, a taxa de desemprego mais que dobrou, atingindo 13,9%, enquanto a taxa de subutilização cresceu 9,2 pontos percentuais, alcançando 24,1%. Apesar de uma recuperação gradual entre 2017 e 2019, as taxas permaneceram significativamente mais altas do que em 2014. Além disso, é importante notar que essa recuperação foi acompanhada por uma deterioração evidente na estrutura ocupacional. Após uma queda substancial nas ocupações, principalmente devido à redução dos empregos formais nos anos de 2015 e 2016, a recuperação nos três anos seguintes foi impulsionada pelo aumento do trabalho autônomo e pela criação de empregos informais (OLIVEIRA; AMORIM, 2022). Entre 2015 e 2019, aproximadamente 2,5 milhões de novos empregos foram criados, uma quantidade insuficiente para absorver os quase 8 milhões de indivíduos que entraram no mercado de trabalho. Como resultado, o número de desempregados aumentou em cerca de 5,3 milhões durante esse período. Essa análise revela que, embora haja sinais de recuperação no mercado de trabalho brasileiro a partir de 2017, essa recuperação só conseguiu compensar uma pequena fração - aproximadamente 10% - do aumento de desempregados registrado nos anos de 2015 e 2016. Nesse período, de 2015 a 2019, o número de trabalhadores desempregados aumentou aproximadamente 81,6%, alcançando quase doze milhões de desempregados em termos absolutos. Além disso, o desemprego adquiriu uma característica de longo prazo, refletindo a crescente dificuldade dos trabalhadores em encontrar emprego. Por exemplo, no primeiro trimestre de 2015 cerca de 32,8% dos desempregados estavam nessa condição há pelo menos um ano, enquanto no último trimestre de 2018 esse número subiu para 40,8%, e para 39,0% no mesmo trimestre de 2019. É importante notar que esses percentuais representam uma proporção maior sobre um número absoluto significativamente elevado (CALEIRAS; CALDAS, 2017). Segundo Oliveira e Amorim (2022) além do aumento do desemprego a partir de 2015, houve um crescimento significativo do contingente de trabalhadores inativos, uma manifestação adicional do agravamento das condições de emprego. Embora a taxa de inatividade tenha permanecido relativamente estável em torno de 37% da 69 população em idade ativa, entre 2015 e 2019, antes mesmo da crise pandêmica, houve um aumento expressivo no número absoluto de pessoas na força de trabalho potencial, saltando de 4,2 para 7,8 milhões. Simultaneamente, a proporção da força de trabalho potencial em relação ao total de pessoas fora da força de trabalho aumentou. Por exemplo, no último trimestre de 2014 7,1% das pessoas fora da força de trabalho estavam na força de trabalho potencial, enquanto no mesmo período de 2016 esse número aumentou para 10,8%. O pico foi alcançado no segundo trimestre de 2019 atingindo 13,5%, significativamente mais alto do que os níveis observados antes da implementação das políticas neoliberais. Além disso, de acordo com Oliveira na concepção da ação - de um lado, a ação motivada por razões econômicas e, de outro, a ação motivada por razões não econômicas - que é incompatível com a unidade essencial da vontade e da ação. Uma teoria da ação racional deve reconhecer essa ação como sendo unitária. 1.1 Ação racional Segundo Mill (2000) a ação motivada pela razão, compreensível apenas pela razão, tem um único objetivo: o grande prazer obtido ao agir individualmente. Nesse contexto, o termo "prazer" não se refere apenas ao prazer e à dor no sentido convencional, mas sim a tudo o que os indivíduos valorizam como desejável, tudo o que desejam e pelo qual se esforçam. Assim, não há mais distinção entre a ética nobre do dever e a ética vulgar hedonista. O conceito moderno de prazer, felicidade, utilidade, satisfação e afins abrange todos os objetivos humanos, independentemente de os motivos da ação serem considerados morais ou imorais, nobres ou desprezíveis, altruístas ou egoístas. Em geral, os seres humanos agem movidos pela insatisfação, uma vez que a completa satisfação os deixaria sem desejo ou motivação para agir. A ação surge da necessidade e do desejo de superar uma condição percebida como deficiente, visando satisfazer necessidades, alcançar satisfação ou aumentar a felicidade. Se os recursos naturais estivessem disponíveis em abundância, os seres humanos poderiam utilizá-los sem restrições, mas ainda assim teriam que lidar com limitações de capacidade e tempo (SCHUMPETER, 1908). Portanto, seria necessário economizar tempo e esforço, priorizando as necessidades mais urgentes e utilizando os materiais de forma eficiente para satisfazê-las. 7 A esfera da ação racional coincide com a esfera da ação econômica. Toda ação racional é, portanto, considerada econômica, e toda atividade econômica é uma forma de ação racional. No âmbito da racionalidade, cada ação é primariamente realizada pelo indivíduo, que é o único capaz de pensar, raciocinar e agir. A sociedade, por sua vez, surge da interação das ações individuais, como será discutido posteriormente. 1.2 Cálculo econômico Toda ação racional dos seres humanos implica em trocar uma situação por outra, buscando maximizar a satisfação dentro das circunstâncias dadas. Isso envolve a alocação de recursos econômicos, tempo e esforço na direção que ofereça o maior benefício, enquanto se abre mão de satisfazer necessidades menos urgentes para atender às mais prementes. Essa é a natureza fundamental da atividade econômica, a prática de realizar trocas. Entretanto, a contabilização requer unidades específicas, e não há uma unidade para o valor de uso subjetivo dos produtos. A utilidade marginal também não oferece uma unidade de valor mensurável. O valor de duas unidades de um produto não é exatamente o dobro do valor de uma unidade, embora seja necessariamente maior ou menor (CUHEL, 1907). Os julgamentos de valor não são medidas, mas sim organização e classificação. Mesmo um indivíduo isolado que se baseie apenas em avaliações individuais pode ter dificuldade em fazer cálculos precisos em situações onde a solução não é evidente de imediato. Para facilitar seus cálculos, ele precisaria estabelecer relações de substituição entre os produtos. Geralmente, não é possível reduzir tudo a uma única unidade comum, mas talvez seja viável para o indivíduo isolado reduzir todos os elementos do cálculo para os produtos que podem ser avaliados imediatamente, como bens prontos para o consumo e não a utilidade do trabalho, com base nessa evidência. No entanto, isso só é possível em casos muito simples; para processos mais complexos e longos, seria praticamente impossível. Na economia de trocas, o valor objetivo de troca dos bens se torna a medida de cálculo, oferecendo três vantagens distintas. Primeiramente, permite calcular o valor estimado de todos os participantes envolvidos no negócio. O valor estimado subjetivo de um indivíduo não pode ser diretamente comparado com o de outros, mas 8 se torna comparável como um valor de troca, resultante da interação dos valores estimados subjetivos de todos os envolvidos na compra e venda. Em segundo lugar, esses cálculos fornecem um controle sobre o uso eficiente dos meios de produção, permitindo àqueles que desejam calcular o custo de processos complexos de produção verificar se estão trabalhando de forma tão econômica quanto os outros. Se não conseguirem realizar o processo com lucro sob os preços de mercado vigentes, isso indica que outros estão mais aptos a alocar os bens instrumentais de forma mais eficaz. Por fim, os cálculos baseados em valores de troca nos permitem reduzir valores a uma unidade comum, e uma vez que o mercado estabelece relações de substituição entre bens, qualquer bem desejado pode ser escolhido para essa finalidade. Em uma economia monetária, o dinheiro é o bem escolhido (MISES, 2013). Os cálculos monetários possuem limitações intrínsecas. O dinheiro não serve como critério absoluto de valor ou de preços, pois não mede o valor intrínseco dos bens. Os preços não são medidos em dinheiro, eles representam quantias monetárias. Apesar de algumas interpretações simplistas que consideram o dinheiro como um "padrão de pagamentos a prazo", ele, sendo um bem, não mantém um valor estável. A relação entre dinheiro e bens está em constante flutuação, tanto no que diz respeito aos bens quanto ao aspecto monetário. Geralmente, essas flutuações não são extremas, o que não afeta significativamente os cálculos econômicos, pois estes geralmente se concentram em períodos relativamente curtos nos quais a estabilidade do poder de compra da moeda não sofre alterações drásticas. Segundo Mises (2013) as limitações dos cálculos monetários geralmente surgem não porque são expressos em termos de uma média geral de troca monetária, mas porque se baseiam mais nos valores de troca do que nos valores de uso subjetivos. Por essa razão, todos os elementos de valor que não são facilmente quantificáveis em termos de troca são excluídos desses cálculos. Por exemplo, ao considerar a viabilidade econômica de uma usina hidrelétrica, não seria possível incluir no cálculo o impacto negativo na beleza das cachoeiras, a menos que a diminuição no valor resultante de uma redução no turismo seja levada em consideração. Tais considerações seriam essenciais ao decidir se o projeto deve ser realizado. 9 Reflexões desse tipo são muitas vezes rotuladas como "não econômicas", mas discussões sobre terminologia não são pertinentes. Nem todas as considerações devem ser classificadas como irracionais. Aspectos como a beleza de um local ou construção, a saúde de uma população, a reputação de indivíduos ou nações, embora não sejam objetos de transações comerciais, são motivos válidos para ação racional, pois as pessoas os consideram significativos. O fato de não serem facilmente quantificáveis em termos financeiros não diminui sua importância. Embora não sejam incluídos em cálculos monetários, esses bens morais são de grande valor e podem ser avaliados diretamente. Reconhecer sua importância pode ser desafiador, mas isso não é culpa da economia financeira; é simplesmente uma característica da vida. Mesmo em situações onde cálculos financeiros não são aplicáveis, tais escolhas são inevitáveis, tanto para indivíduos isolados quanto para comunidades socialistas. Pessoas verdadeiramente sensíveis não encontrarão dificuldade em lidar com essas decisões. Os cálculos monetários têm uma relevância específica para o cálculo econômico, sendo utilizados para orientar a administração e distribuição de bens de acordo com os princípios da economia. No entanto, sua aplicação é limitada ao considerar apenas os bens que são transacionados por dinheiro em determinadas condições. Portanto, a abrangência dos cálculos monetários pode ser enganosa, especialmente quando utilizada e Amorim (2022), o percentual de pessoas desalentadas na força de trabalho potencial aumentou significativamente ao longo do período. No início de 2015, esse percentual estava ligeiramente abaixo dos 40%, mas até o final do mesmo ano já havia subido para 50%. Essa tendência de aumento continuou até o final de 2019 chegando a um valor próximo de 60%. É importante observar que, durante o período analisado, os trabalhadores empregados enfrentaram uma tendência gradual, porém constante, de diminuição da proporção do rendimento proveniente do trabalho no rendimento total dos domicílios. Essa tendência foi acentuada pela crise pandêmica que se iniciou em 2020. O fenômeno citado não é surpreendente e serve como mais um indicador da desestruturação do mercado de trabalho brasileiro a partir de 2015. É inegável que a crise pandêmica agravou um quadro econômico e social já delicado, intensificando tendências negativas já presentes na economia e no mercado de trabalho brasileiro. As taxas de desemprego e subutilização da força de trabalho aumentaram consideravelmente ao longo de 2020. A taxa de desemprego subiu de 11,1% para 14,9% entre o último trimestre de 2019 e o terceiro trimestre de 2020, enquanto a taxa de subutilização aumentou de 23,0% para 30,4% no mesmo período. Embora tenha ocorrido uma reversão dessa tendência nos trimestres seguintes, a taxa de desemprego no último trimestre de 2021 voltou ao patamar elevado anterior à crise pandêmica. Durante esse período, a taxa de subutilização permaneceu cerca de 1,3 ponto percentual acima do nível pré-crise. Além do exposto anteriormente, a considerável perda de empregos ocorrida em 2020 não resultou em um aumento ainda maior do desemprego devido a uma 70 redução significativa da força de trabalho. Isso reflete a transição direta de trabalhadores empregados para a inatividade, um ponto que será discutido mais adiante. É importante destacar que em 2021 houve uma recuperação significativa no número de ocupações, o que foi suficiente para absorver a entrada ou retorno dos trabalhadores no mercado de trabalho e reduzir o número de desempregados em 2,4 milhões. No entanto, esse número ainda é pequeno considerando o contexto que inclui a crise econômica iniciada em 2015 e os efeitos da pandemia que atingiu o Brasil em 2020. O processo de recuperação do mercado de trabalho brasileiro deve ser analisado com cautela. Em primeiro lugar, os empregos com pouca ou nenhuma proteção social foram os que se recuperaram mais rapidamente, aumentando sua participação no mercado de trabalho nacional. Em segundo lugar, após uma redução na proporção de desempregados de longo prazo em relação ao total de desempregados em 2020, houve um rápido crescimento desse grupo, atingindo aproximadamente 50% em 2021. Além disso, o crescimento na ocupação foi acompanhado por um aumento tanto absoluto quanto relativo dos sub ocupados, que não tinham horas de trabalho suficientes. Durante o pico da pandemia, o número de trabalhadores sub ocupados por falta de horas trabalhadas ultrapassou os 8%, e mesmo após o relaxamento das restrições à mobilidade social, ainda não retornou aos altos níveis pré-pandemia. Adicionalmente, a crise pandêmica com suas dimensões sanitárias, sociais e econômicas, levou o governo a implementar medidas de isolamento físico e promover o teletrabalho, elevando a inatividade a um indicador-chave para monitorar o mercado de trabalho nacional durante esse período. Conforme observado, no segundo trimestre de 2020, a taxa de inatividade atingiu um nível significativo de 42,7%, em comparação com 37,3% no trimestre anterior, indicando que aproximadamente quatro em cada dez pessoas com 14 anos ou mais estavam inativas no início da pandemia. Gradualmente, no entanto, a taxa de inatividade diminuiu e se aproximou dos níveis já elevados registrados antes da crise. Um padrão semelhante foi observado na participação da força de trabalho potencial na população fora da força de trabalho. Nesse contexto, a pandemia surge como um agravante sério, mas não a causa dos problemas que já afetam o mercado de trabalho brasileiro há um longo período. 71 Em conclusão, é inegável que houve uma recuperação gradual do mercado de trabalho brasileiro ao longo de 2021, após os impactos adversos da crise pandêmica. Porém, a situação atual não é superior àquela antes da pandemia. Além disso, é evidente que, impulsionada por uma reforma trabalhista que legalizou a precariedade, essa recuperação deixou os trabalhadores vulneráveis e desprotegidos socialmente (OLIVEIRA; AMORIM 2022). 8.3 Distribuição de renda Desde os primórdios, o crescimento econômico dos países é um tema central na ciência econômica, e Adam Smith aborda o tema em sua obra seminal "A Riqueza das Nações", publicada em 1776. A distribuição da renda também tem sido um tema importante nas ciências sociais, incluindo a Economia. David Ricardo, outro economista clássico, considerou que o objetivo principal da Economia Política era explicar como o produto nacional é distribuído entre os proprietários de terra, os capitalistas e os trabalhadores, na forma de renda, lucros e salários, respectivamente. Esse problema é conhecido hoje como "distribuição funcional da renda". Enquanto as escolas clássica e marxista de pensamento econômico oferecem explicações distintas (embora complementares) para determinar salários, lucros (e juros) e renda da terra, associando cada uma dessas remunerações a diferentes classes sociais, a escola neoclássica procura unificar a explicação da remuneração dos fatores de produção com base nos conceitos de produtividade marginal e equilíbrio de mercado. Dentro da abordagem neoclássica, os temas centrais do desenvolvimento econômico foram temporariamente subjugados durante as primeiras décadas do século XX, em favor do que agora é reconhecido como microeconomia. No entanto, esses temas recuperaram sua relevância após a Grande Depressão de 1929 e a "revolução" keynesiana dentro da corrente neoclássica. Por outro lado, na perspectiva marxista, a distribuição da renda sempre permaneceu como um tema destaque, como evidenciado pela polêmica em torno da "Doutrina da Miséria Crescente" de Marx. Em comparações internacionais, os países latino-americanos, incluindo o Brasil, são notáveis pela alta desigualdade na distribuição de renda. Essa desigualdade é atribuída à formação e evolução socioeconômica das antigas colônias de Portugal e Espanha. Um fator-chave foi a alta concentração da posse de terra, 72 especialmente quando a economia desses países estava centrada na produção e exportação de produtos primários. No caso do Brasil, Furtado (1967) destaca a extrema concentração de renda na economia açucareira colonial. Além disso, ao analisar as consequências da abolição da escravidão, o mesmo autor observa que houve poucas mudanças significativas na organização da produção e na distribuição de renda. No livro "Um projeto para o Brasil", publicado em 1968, Celso Furtado explora como a significativa desigualdade na distribuição de renda no país influencia um padrão de demanda global que prejudica o crescimento econômico. Ele demonstra como a tendência estrutural à concentração de renda contribui para o subemprego de recursos característicos das economias subdesenvolvidas. Furtado destaca que essa concentração de renda leva a uma ampla diversificação dos padrões de consumo entre grupos privilegiados, beneficiando as indústrias de bens duráveis. No entanto, devido ao mercado restrito para cada produto, essas indústrias enfrentam dificuldades para aproveitar economias de escala, resultando em custos relativamente elevados de operação. Em outro trabalho publicado no mesmo ano, furtado critica a política econômica adotada pelo governo militar estabelecido após o golpe de abril de 1964, argumentando que ela exacerbou a concentração de renda, apesar de ser amplamente reconhecido que tal concentração já representava um grande obstáculo para o desenvolvimento do país. É notável que Furtado (1968) fundamenta seus argumentos com dados esquemáticos sobre a distribuição de renda no Brasil, citando um estudo da CEPAL (Cambio estructural para la igualdade), que provavelmente se baseou nos resultados do Censo Demográfico de 1960. Ele destaca que os 1% mais ricos e os 50% mais pobres recebiam parcelas semelhantes da renda nacional: 18,6%. Segundo esses dados, os 10% mais ricos detinham 41,3% da renda nacional. Usando dados da PNAD de 1999, observa-se que, na distribuição de renda entre os residentes em domicílios particulares conforme o rendimento familiar per capita, os 50% mais pobres, os 1% mais ricos e os 10% mais ricos detinham, respectivamente, 12,3%, 13,3% e 47,4% da renda total. Já em 1968, Celso Furtado considerava a concentração de renda como o principal obstáculo ao desenvolvimento do país. Logo após a divulgação dos dados do Censo Demográfico de 1970, dois estudos - de Fishlow (1972) e Hoffmann & 73 Duarte (1972) - destacaram um aumento significativo da desigualdade na distribuição de renda no Brasil entre 1960 e 1970. Esse aumento na desigualdade tornou-se um elemento importante na crítica à política econômico-social dos governos militares. O estudo de Langoni (1973), realizado com o apoio do então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, foi importante ao estabelecer um consenso sobre o aumento da desigualdade nas décadas de 1960 e 1970. A partir desse consenso, a controvérsia passou a se concentrar na interpretação desse fenômeno. Enquanto alguns autores destacavam as políticas governamentais, incluindo políticas econômico-sociais e repressão a movimentos sociais, como principais fatores, outros argumentavam que a maior disparidade de renda refletia principalmente um mercado onde a demanda por mão de obra qualificada crescia mais rapidamente do que a oferta a curto prazo. Essas duas "teorias" sugeriam que a desigualdade poderia diminuir à medida que os fatores explicativos mudassem. No entanto, após quase três décadas e um período prolongado de crescimento econômico lento, a escassez relativa de mão de obra qualificada não reduz. Parecia que uma vez estabelecida, a desigualdade tendia a persistir, mostrando uma forte inércia para mudanças no sentido de redução. A inflação acelerada exacerbou ainda mais a desigualdade na distribuição de renda no Brasil, atingindo seu pico em 1989, durante o último ano do governo Sarney. Segundo dados da PNAD de 1989, o índice de Gini para o rendimento das pessoas ocupadas com renda positiva alcançou 0,630, posicionando o Brasil como o país mais desigual do mundo entre aqueles com dados confiáveis sobre distribuição de renda. É importante notar que a inflação elevada também contribui para aumentar a desigualdade de renda, pois as pessoas tendem a cometer mais erros ao declarar seus rendimentos em meio à instabilidade econômica, introduzindo ruídos adicionais nos dados de desigualdade. Além disso, a desigualdade nos rendimentos declarados não reflete completamente as perdas causadas pela inflação sobre os salários dos mais pobres após seu recebimento, enquanto os mais ricos têm mais recursos para proteger seus rendimentos da erosão inflacionária, investindo em fundos bancários, por exemplo. Muitas dessas pesquisas fundamentam-se na teoria do capital humano, embora essa expressão seja contraditória com o conceito marxista de capital. No 74 entanto, a ideia de que o salário de um trabalhador deve aumentar com seu nível de escolaridade é perfeitamente compatível com essa abordagem (ROWTHORN, 1982). É possível que a importância dada à educação como determinante do rendimento e da desigualdade esteja sendo exagerada nas análises econômicas, devido à falta de boas medidas para outros determinantes da renda, que também estão correlacionados positivamente com a escolaridade. No entanto, o aumento da escolaridade é considerado um objetivo importante por si só, pois contribui para uma participação mais plena dos cidadãos na economia e na sociedade moderna. Assim, apesar das divergências teóricas, há um consenso sobre a necessidade de aumentar rapidamente o nível de escolaridade no país. Para reduzir a desigualdade de renda no país, é importante reconhecer que não existe uma única política econômica capaz de resolver o problema. Na verdade, praticamente todas as políticas econômicas têm algum impacto na distribuição de renda, desde a política fiscal até a previdência social, passando pela política de crédito, educação e reforma agrária, entre outras. Além disso, mudanças na legislação também podem ter efeitos significativos. A análise de cada medida deve considerar seus diversos efeitos diretos e indiretos, conforme evidente na discussão em torno do aumento do salário mínimo. Por fim, é importante destacar que as ações de organizações comunitárias e não governamentais podem desempenhar um papel substancial na redução das desigualdades econômicas e sociais no Brasil. 8.4 Desenvolvimento econômico e mercado de trabalho Durante grande parte do século XX, muitas políticas governamentais foram direcionadas pelo conceito de desenvolvimento como equivalente ao crescimento econômico. No entanto, novas preocupações surgiram no pós-guerra, especialmente a questão ambiental na década de 1960. Isso levou ao reconhecimento de uma crise nesse modelo de desenvolvimento e à necessidade de estabelecer novos padrões para a transformação social. O debate em torno do crescimento e desenvolvimento econômico é vasto e apresenta diversas perspectivas. No entanto, há um consenso de que a redução da pobreza e da desigualdade através da expansão do mercado de trabalho são elementos essenciais para alcançar o desenvolvimento em uma determinada região. 75 Por um longo período, a ideia de "desenvolvimento" como sinônimo de crescimento econômico, progresso, industrialização e adoção intensiva de tecnologia foi amplamente aceita como o único caminho para garantir uma melhor qualidade de vida e um progresso contínuo da humanidade. Essa concepção tem suas raízes na Teoria do Liberalismo Clássico, formulada por Adam Smith na modernidade. Para Smith (2008), o crescimento econômico é visto como uma condição para alcançar o desenvolvimento, sendo essencialmente o próprio desenvolvimento. No século XIX, as teorias de David Ricardo e Karl Marx expandiram ainda mais essa ideia, com foco na acumulação de capital excedente. O surgimento do conceito de desenvolvimento, que se diferencia do conceito estrito de crescimento econômico, ocorreu no período pós-guerra, durante a reconstrução da Europa. Nesse contexto, Sachs (2004) descreveu as condições prevalentes na Europa daquela época, incluindo uma estrutura agrária desatualizada, uma agricultura camponesa subdesenvolvida, dificuldades comerciais para produtos primários, industrialização inicial, altos níveis de desemprego e subemprego, e a necessidade de um Estado ativo no desenvolvimento. Estas condições eram vistas como essenciais para enfrentar os desafios de estabelecer regimes democráticos eficazes, que pudessem liderar a reconstrução pós-guerra e superar atrasos sociais e econômicos. Por conseguinte, Sachs (2004) observa que os primeiros economistas do desenvolvimento foram na maioria influenciados pela cultura econômica predominante da época, que enfatizava a importância do pleno emprego, do Estado de bem-estar, do planejamento econômico e da intervenção estatal para corrigir as falhas de visão e a insensibilidade social dos mercados. Essa abordagem representou uma evolução em relação aos estudos econômicos anteriores, ainda que centrados principalmente na dimensão econômica do desenvolvimento. Sachs (2004) também destaca que os objetivos do desenvolvimento vão além do mero aumento da riqueza material, reconhecendo que o crescimento econômico é uma condição necessária, mas não suficiente, para alcançar uma vida melhor, mais feliz e mais completa para todos. Boisier (2001) destaca que a distinção entre desenvolvimento e crescimento econômico foi notadamente articulada pelo economista britânico Dudley Seers. Sen (2000) propõe que o desenvolvimento econômico está relacionado à ampliação das capacidades humanas e à promoção da liberdade. Ele argumenta que, embora o 76 mundo contemporâneo tenha alcançado níveis significativos de prosperidade, ainda enfrenta desafios persistentes como pobreza, falta de liberdade política e fome. A abordagem do desenvolvimento como liberdade enfatiza a importância de superar esses problemas, avaliando o progresso com base na capacidade de eliminar privações que limitam as escolhas individuais. Privação, nesse sentido, refere-se a restrições que impedem as pessoas de exercer suas liberdades de escolha. Portanto, a discussão sobre o desenvolvimento como liberdade visa expandir a compreensão do desenvolvimento sustentável ao enfatizar a importância da ampliação da liberdade como um elemento central nesse processo. Na literatura brasileira, diversos autores abordam os conceitos de crescimento e desenvolvimento econômico. Furtado (1983) faz uma distinção entre esses conceitos, observando que o crescimento se refere a uma estrutura complexa que não se limita ao progresso tecnológico, mas sim à diversidade das formas sociais e econômicas resultantes da divisão do trabalho. Por outro lado, o desenvolvimento está relacionado ao avanço humano, representando o processo pelo qual a sociedade busca realizar suas capacidades e potenciais de forma mais eficaz. Segundo Souza (1999), a discussão sobre o desenvolvimento econômico no Brasil teve origem nos estudos realizados pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951/53) e pelo Grupo Misto BNDES-CEPAL (1953/55), que contribuíram para os planos nacionais subsequentes. O autor identifica duas correntes de pensamento econômico sobre o assunto. Uma delas considera o crescimento como equivalente ao desenvolvimento, enquanto a outra enfatiza que o crescimento é uma condição necessária, mas não suficiente para o desenvolvimento. Na primeira corrente estão os modelos de crescimento da tradição clássica e neoclássica, como os de Harrod e Domar, enquanto na segunda corrente estão os economistas críticos, muitos deles influenciados pelo marxismo ou pela abordagem da CEPAL. Para estes, o crescimento é visto como uma mudança quantitativa no produto, enquanto o desenvolvimento é caracterizado por mudanças qualitativas no modo de vida, nas instituições e nas estruturas produtivas. Exemplos desses economistas incluem Raul Prebisch e Celso Furtado. No pensamento da CEPAL, o desenvolvimento econômico é concebido como o resultado da introdução de fatores de produção que aumentam a produtividade do trabalho. Esses fatores de produção seguem um padrão competitivo representado 77 pela técnica moderna, que quando aplicada à estrutura produtiva, resulta em aumentos de produtividade. A melhoria da produtividade é alcançada pela incorporação dos avanços técnicos ao trabalho, destacando assim o papel do progresso técnico no desenvolvimento econômico (FURTADO, 1961). Em termos empíricos, há evidências de que o aumento do crescimento econômico nem sempre resulta em um aumento do bem-estar. Um exemplo disso é o estudo de Santos et al. (2017), que examinou o desenvolvimento e o crescimento econômico das macrorregiões de Mato Grosso nos anos de 2005 e 2013. Eles observaram um aumento na atividade econômica da região, mas não houve uma melhoria correspondente nos indicadores de bem-estar. Em uma escala internacional, Mukherjee e Chakraborty (2010) analisaram a relação entre crescimento econômico e desenvolvimento humano em 28 grandes estados indianos ao longo de quatro períodos diferentes: 1983, 1993, 1999-00 e 2004- 05. Seus resultados corroboram a ideia de que o aumento da renda per capita não necessariamente se traduz em maior bem-estar humano, sugerindo que outros fatores desempenham um papel significativo nessa dinâmica. 78 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENCAR, Antônio Valdson dos Santos; AGUIAR, Fabiano Porto de. Fundamentos de Economia. 2. ed. - Fortaleza: UAB/IFCE, 2013. AMONN, A. Objekt und Grundbegriffe der theoretischen Nationalókonomie. Viena / Leipizig: F. Deuticke, 2a Ed., 1927. p. 185. ANDERSON, Perry. Balanço do neoliberalismo. In: SADER & GENTILLI. Pós- neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. ANDRADE, Manuel Correia de. Imperialismo e Fragmentação do Espaço. São Paulo: Contexto, 1999. p. 94. ANTUNES, R. A dialética do trabalho. 2º Edição. Editora Expressão Popular, 2005. ARENDT, Hannah. As origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p.564. BATISTA, João Marcos. 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Compêndio dos elementos de economia política pura. 2ª edição: São Paulo, Nova Cultural, 1986. para avaliar o capital ou a renda nacional de países, ou para estimar o valor de itens que não são passíveis de troca, como perdas devido à emigração ou guerra. Mesmo quando conduzidos por economistas competentes, tais procedimentos podem ser considerados como amadorismo (MISES, 2013). Dentro desses limites práticos, o cálculo monetário desempenha um papel fundamental, fornecendo uma orientação essencial em meio à vasta gama de opções econômicas. Ele serve como um guia valioso, permitindo que avaliações de valor, originalmente aplicáveis apenas a bens de consumo ou, no máximo, a bens de produção de menor importância, sejam estendidas a todos os tipos de bens de ordens superiores. Sem esse instrumento, a produção em processos complexos e diversificados seria como caminhar às escuras. Quando se trata de avaliações monetárias, é essencial que tanto os bens de consumo quanto os bens de produção sejam passíveis de troca. Sem essa capacidade de troca, não surgiria um sistema de relações comerciais. Mesmo quando 10 um indivíduo realiza trocas dentro de sua própria casa, as considerações envolvidas não diferem daquelas que regeriam suas ações em um mercado. Portanto, é adequado considerar toda atividade econômica, inclusive a de um indivíduo isolado, como uma forma de troca. No entanto, nenhum indivíduo, por mais talentoso que seja, possui a capacidade intelectual para avaliar a importância relativa de todos os elementos de uma infinidade de bens de ordens superiores. Em sociedades baseadas na divisão do trabalho, a divisão dos direitos de propriedade desempenha um papel fundamental ao realizar uma espécie de divisão mental do trabalho, sem a qual nem a economia nem a produção sistemática seriam viáveis. Além disso, é essencial que exista um meio de troca amplamente aceito, como uma moeda, que atue como intermediário nas transações de bens de produção, assim como em todas as outras trocas. Sem isso, seria inviável simplificar todas as relações comerciais para um denominador comum. Segundo Mises (2013), somente em circunstâncias extremamente simples é viável prescindir dos cálculos monetários. Em um ambiente doméstico restrito, onde um único responsável pode supervisionar todas as atividades, pode-se eventualmente avaliar mudanças nos métodos de produção sem recorrer a cálculos financeiros. Isso ocorre porque nesse contexto o capital utilizado é limitado e os processos de produção são diretos, com pouca complexidade. Geralmente, a produção está diretamente ligada aos bens de consumo e os bens de ordens mais elevadas não estão tão distantes dos bens de consumo. Além disso, a divisão do trabalho ainda está em estágios iniciais. No entanto, em uma sociedade avançada, todas essas condições são alteradas. A experiência das sociedades primitivas não é suficiente para argumentar que, sob as condições modernas, podemos dispensar o uso da moeda. 1.3 Economia capitalista Os conceitos de "capitalismo" e "produção capitalista" são frequentemente utilizados como slogans políticos, cunhados por socialistas com o propósito de crítica e denúncia, em vez de promover um entendimento aprofundado. Hoje, esses termos são geralmente evocados para retratar a exploração laboral pelas classes economicamente privilegiadas sobre as camadas menos favorecidas da sociedade. Do ponto de vista científico, são considerados obscuros e ambíguos, carecendo de 11 valor claro. Embora alguns concordem que podem indicar características do sistema econômico moderno, o que exatamente essas características são permanece uma questão em aberto. Portanto, seu uso é visto como prejudicial, e a sugestão de excluí- los completamente da terminologia econômica, deixando-os para o domínio da retórica política, é digna de consideração séria (PASSOW, 1918). Se buscamos atribuir uma definição precisa a esses termos, devemos começar examinando o conceito de cálculos de capital. Ao analisar os fenômenos da economia contemporânea, nos concentramos na prática comercial, onde o termo "capital" é usado especificamente para fins de cálculo econômico. Ele é empregado para representar as propriedades de uma empresa, expressas em dinheiro ou por meio dele. Segundo Menger (1988), o propósito desses cálculos é determinar como o valor dessas propriedades se alterou ao longo das transações comerciais. A origem do conceito de capital está na contabilidade, que é o principal instrumento de racionalidade empresarial. O cálculo em termos monetários é fundamental para compreender o conceito de capital. Se utilizamos o termo capitalismo para descrever um sistema econômico em que a produção é guiada por cálculos de capital, ele adquire um significado específico para caracterizar a atividade econômica. Nesse sentido, não há problema em falar sobre o capitalismo e métodos capitalistas de produção, assim como expressões como o espírito capitalista. Dessa maneira, uma postura anticapitalista passa a ter um contexto bem definido. O capitalismo se opõe mais ao socialismo do que ao individualismo, embora às vezes seja erroneamente associado ao último. Geralmente, aqueles que contrastam o socialismo com o individualismo partem da suposição falsa de que há uma contradição entre os interesses individuais e os interesses da sociedade, sugerindo que o socialismo promove o bem-estar coletivo enquanto o individualismo serve apenas aos interesses pessoais. Essa é uma falácia sociológica grave, e devemos evitar qualquer linguagem que sugira essa ideia de forma velada. Segundo Richard Passow (1918), que emprega o termo capitalismo de forma precisa, a associação que ele tenta transmitir está geralmente ligada ao surgimento e à disseminação de empreendimentos em larga escala. Podemos concordar com essa afirmação, embora seja difícil reconciliá-la com o fato de que as pessoas frequentemente falam de "Grosskapital" (capital em grande escala) e "Grosskapitalist" 12 (capitalista em grande escala), bem como "Kleinkapitalisten" (pequenos capitalistas). No entanto, se considerarmos que foi o cálculo de capital que possibilitou o crescimento de empreendimentos e empreitadas gigantescas, isso de forma alguma contradiz as definições que apresentamos. 2 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO A ciência social estuda os fenômenos sociais e o desenvolvimento, organização e operação da sociedade. O instrumento de estudo compreende o indivíduo em sua interação com outros membros da sociedade, sua conexão com o meio ambiente, o estabelecimento do poder político e econômico, além das dinâmicas raciais nas relações humanas, sexos e etnias. Esta ciência também realiza pesquisas acadêmicas para entender ciência no mundo de hoje (ALENCAR; AGUIAR, 2013). Assim como a antropologia, ciência política e a sociologia, a economia também é definida como uma ciência social uma vez que lida com o estudo do comportamento humano, investigando como pessoas e organizações na sociedade participam nos processos de produção, distribuição, troca e consumo de bens e serviços. Seu propósito é analisar questões econômicas e propor soluções para aprimorar a qualidade de vida dos envolvidos, que incluem famílias, governo e empresas. Esses agentes econômicos mantêm interações entre si, na forma como produzem e reproduzem as bases materiais de sua experiência social e cultural. Em suma, a economia estuda como se constitui a atividade econômica realizada por pessoas em uma estipulada sociedade. Segundo Alencar e Aguiar (2013), na análise da pesquisa em economia, para compreender o funcionamento do mundo econômico, os economistas identificam dois tipos de abordagens: a afirmativa positiva e a afirmativa normativa. Na afirmativa positiva, o economista assume uma postura científica, buscando informações relevantes para o ambiente econômico por meio de um processo de investigação científica que envolve observação e medição, construção de modelos e testes desses modelos econômicos. São, portanto, declarações que descrevem o mundo econômico tal como é. Por exemplo, argumenta-se que para estabelecer um sistema de saúde eficiente e de alta qualidade é necessário investimento na indústria. Em abordagens normativas as informações e declarações publicadas não podem ser verificadas e demonstradas ‘cientificamente’, apenas se pode usar os 13 dados apresentados nessa forma de abordagem e as proposições que elas envolvem. Um exemplo é a necessidade de assegurar um acesso equitativo e universal a um sistema de saúde de alta qualidade, ou seja, ele faz afirmações sobre como deveria ser a economia. Nesse sentido, o economista deve comportar-se tomando sua ciência na concepção de uma proposta, de como ela pode ser base para uma política, por isso se diz que nessa abordagem o economista se porta como um político (ALENCAR; AGUIAR, 2013). A maioria dos cursos de fundamentos de economia procuram passar como a economia funciona (economia positiva), entretanto, considerando que o propósito é aplicar esses conceitos para aprimorar o bem-estar das pessoas. 2.1 O início do pensamento econômico A economia, como teoria social, tem como base fatos e circunstâncias sociais. Ela se caracteriza por processos de mudança constante, ao percorrer do tempo e da história; partilhando com outras ciências sociais, a condição de ser produto das circunstâncias econômicas e dos contextos sociais em que são formados. Logo, uma teoria da economia se enraíza em um contexto social, político e cultural, como expressão e esforço de conhecimento desse contexto. Também é verdade que as pessoas podem agir, criar e mudar circunstâncias econômicas e sociais como também as ideias que tem sobre elas. Então, quando falamos sobre o pensamento econômico em suas diferentes linhas do tempo, analisamos como uma forma de pensar a economia se insere em um contexto histórico (ALENCAR; AGUIAR, 2013). Nos tempos antigos, as organizações que se desenvolveram economicamente nas civilizações, eram consideradas desenvolvidas naquela época. A Grécia é um exemplo onde as atividades de poupança baseada em uma economia doméstica, embasada na troca, como também ideias de natureza filosófica pelas quais os intelectuais gregos, como Platão e Aristóteles, buscavam pensar o sentido da vida econômica, que surgia, nesse contexto, ligada a questões filosóficas de caráter ético e político. Outra civilização notável em termos de atividade econômica é a romana, onde as ideias econômicas foram completamente subordinadas à política. Assim como na 14 Grécia, havia um ativo intercâmbio de mercadorias, com fatores favoráveis à expansão, como a navegação pelo Mediterrâneo e as companhias mercantis. Pode- se afirmar, portanto, que as duas sociedades estão ligadas por uma tradição intelectual, já que a sociedade romana retoma e transforma vários aspectos da cultura grega. Além disso, as duas sociedades (grega e romana) estão marcadas por formas específicas de escravagismo, que estavam na base da forma de sua produção material (ALENCAR; AGUIAR, 2013). Na Idade Média surge o feudalismo, sobretudo na Europa Ocidental, devido ao advento de cidades urbanas, que dependem da agricultura para alimentos e matérias-primas. Durante o período feudal, o senhor feudal detinha a posse da terra (domínio), enquanto os servos trabalhavam para obter o direito de utilizá-la. Naquela época histórica, a maioria das terras estava sob posse do clero. Não existe mais a figura do escravizado como no período grego e romano, no entanto, a relação de servidão pode ser entendida como uma determinação do lugar e destino do sujeito na sociedade, essa sociedade desenvolve e assume formas econômicas que influenciam a reprodução da vida material. Com a baixa do feudalismo, entre os séculos XIV e XV, e a emancipação dos trabalhadores pelos senhores feudais, o mercado entre as cidades e o aparecimento de feiras começaram a intensificar-se, requerendo melhores meios de consumo, dinheiro, bens, etc. Nesse período, nasceram as Cruzadas, ajudando a aproximar a Europa da Ásia. Promovendo o comércio pelo mediterrâneo, surge no horizonte da vida material as formas do capitalismo nascente, método de produção que viria substituir o feudalismo medieval. 2.2 O pensamento mercantilista De maneira geral, o processo de desenvolvimento econômico que converteu a Europa Ocidental no principal centro comercial do mundo, a partir do século XV, é atribuído a uma combinação de condições econômicas, políticas e sociais. No período feudal já existiam atividades comerciais envolvendo mercadores, banqueiros e artesãos, embora o comércio fosse predominantemente de produtos a granel. Com o tempo, houve o surgimento do processo de centralização do poder político, o qual impulsionou o desenvolvimento econômico na Europa Ocidental. Os Estados 15 nacionais emergentes optaram por políticas econômicas que promoviam a expansão do mercantilismo. Conforme destacado por Novais (1995), podemos interpretar o mercantilismo como uma concepção fundamental sobre a natureza dos bens econômicos, pressupondo que os lucros se originam no processo de circulação de mercadorias, resultando em vantagens para uma parte em detrimento da outra. O mercantilismo, de fato, não se caracteriza como uma política voltada para o bem-estar social, nos termos contemporâneos, mas sim busca o desenvolvimento nacional a qualquer custo. É fundamental compreender que as práticas mercantilistas variaram ao longo do tempo e entre diferentes regiões, não sendo aplicadas simultaneamente em todos os Estados europeus. No entanto, todas compartilhavam características comuns, como a intervenção do Estado na economia para regulamentá-la e fortalecer o país e sua riqueza nacional. Nesse período, ocorreu uma competição capitalista em busca de espaço econômico, dando origem a conceitos econômicos essenciais, tais como metalismo, balança comercial favorável, cameralismo e colonialismo. • Metalismo: refere-se à estratégia mercantilista de acumular metais preciosos para incrementar a riqueza de um Estado. Nesse contexto, a prosperidade estava diretamente associada à habilidade de angariar a maior quantidade possível de ouro e prata. • Balança comercial favorável: implicava buscar um excedente na balança comercial, ou seja, exportar em maior quantidade do que importar. Isso possibilitaria a entrada de riquezas, representada pelo ingresso da moeda metálica no Estado Nacional. • Cameralismo: refere-se ao tesouro real e designa as ações que visavam mitigar os impactos da excessiva fragmentação territorial. • Colonialismo: envolve a anexação de áreas na África, Ásia e América ao sistema econômico europeu, explorando novos territórios para obter matérias- primas e acumular riquezas nos estados europeus. 2.3 Evolução do sistema econômico: do feudalismo ao capitalismo 16 Entre os estudiosos de história econômica, existe um debate sobre a construção histórica da transição do modo de produção feudal para o modo de produção capitalista. Esse debate é marcado pelas contribuições de autores como Paul Sweezy e Maurice Dobb (1950), ambos inseridos na corrente marxista. Eles exploraram as relações de servidão dentro do contexto do feudalismo e investigaram o impacto do comércio na decadência desse modo de produção. De acordo com a definição apresentada, o feudalismo é descrito como uma forma de servidão na qual o produtor é obrigado, mediante o uso da coerção, a atender às demandas econômicas do senhor, independentemente de suas vontades. Essas demandas podem incluir a prestação de serviços ou o pagamento de tributos, seja em dinheiro ou em produtos (SWEEZY; DOBB, 1950). A abordagem proposta não descreve um sistema social, mas sim uma unidade familiar, com foco na servidão. Há uma sugestão para que se especifique qual membro específico da família está sendo analisado, possivelmente como uma medida para evitar generalizações excessivas (SWEEZY; DOBB, 1950). Em resposta, são expressadas discordâncias em relação às críticas iniciais e são refutadas as ideias de que a servidão se restringe apenas à prestação compulsória de serviços, argumentando que abrange também a exploração do produtor por meio de coerção política-legal direta. Além disso, argumenta-se que não se identificou um sistema de produção específico, mas sim uma análise das relações entre o produtor e o mercado, buscando um sistema de produção no qual o produtor detém os meios de produção como uma unidade produtiva individual SWEEZY; DOBB, 1950). Quanto aos impactos do comércio como elemento desestabilizador da organização social do feudalismo, é explicado que forças externas, como o mercado e o comércio, desintegram o feudalismo à medida que os centros comerciais se desenvolvem e o trabalho é dividido, contrapondo-se à "ineficiência da organização senhorial de produção" (SWEEZY; DOBB, 1950). É explicado que houve uma interação entre duas forças, atribuindo-se mais importância às forças internas. Embora não se negue que o crescimento das cidades mercantis e do comércio tenha influenciado na desintegração do modo de produção feudal, argumenta-se que essa influência se manifestou no aumento dos conflitos 17 internos. Um exemplo é o crescimento do comércio, que "acelerou o processo de diferenciação social no pequeno modo de produção". Assim, de um ponto de vista, a transição do feudalismo para o capitalismo ocorreu devido à expansão comercial entre os séculos XI e XIV, sendo considerado um evento externo. Por outro lado, argumenta-se que a transição para outra forma de organização social ocorreu por meio de fatores internos, como a pressão dos senhores sobre os servos e os conflitos decorrentes da divisão social do período e suas lutas (SWEEZY; DOBB, 1950). 2.4 O pensamento marxista e o capitalismo Karl Marx (1988) em sua obra intitulada “O Capital”, propõe que o trabalho é essencial para a sociedade, e é dessa interação que se origina a teoria do valor- trabalho entre os seres humanos e as formas de trabalho por eles assumidas. É através desse processo que se tornava possível o lucro e a riqueza no sistema capitalista. Primeiro, Marx delineia a distinção entre trabalho e força de trabalho. Os trabalhadores vendem aos capitalistas ou proprietários dos meios de produção sua força de trabalho, o valor está na capacidade de trabalho do indivíduo, não no ato laboral em si. Com base nesse princípio, a força de trabalho é tratada como uma mercadoria devidamente comercializada para o patrão. A remuneração atribuída ao controle do trabalhador é exercida pelo capitalista, limitando-se ao necessário para a sobrevivência do trabalhador. Consequentemente, Marx argumenta que o trabalhador não recebe o equivalente ao valor real gerado durante um determinado período. A "diferença" entre o valor efetivamente produzido e o valor pago pelo trabalho, apropriada pelo capitalista, é denominada mais-valia no pensamento marxista. Surge assim a luta de classes, onde os capitalistas buscam aumentar sua renda e lucros mediante a ampliação da produção e pagamento de salários de subsistência, resultando em uma exploração da força de trabalho e sinalizando um caminho em direção a uma revolução social (ALENCAR; AGUIAR, 2013). Continuando sua teoria, Marx conclui que o trabalho era a essência de todos os valores que se chocam com a concepção classicista dessas forças naturais, equilibrando a oferta e demanda no mercado. 18 Nesta definição, as mercadorias, ou seja, os bens podem possuir valores de uso distintos, mas ao serem efetivamente trocados, apresentam o mesmo valor de troca. Para estabelecer essa igualdade, é necessário medir a quantidade de trabalho incorporada às mercadorias ao longo do tempo de produção, logo, o trabalho é socialmente necessário para sua fabricação (ALENCAR; AGUIAR ,2013). A teoria de Marx questionava a lei clássica do "ajuste natural" entre oferta e procura. Em sua visão, o mercado era influenciado pela quantidade produzida. Se o preço de venda fosse inferior ao custo de produção, isso resultaria em prejuízo para o fabricante. Por outro lado, se o preço de venda ultrapassasse o custo de produção, o mercado falharia devido à atração de concorrentes, potencialmente levando à superprodução e à redução de preços. Nessa perspectiva, a produção determinava o equilíbrio de mercado e sua incompatibilidade. Marx também descobriu que o objetivo do capitalista é extrair mais-valia dos trabalhadores por meio da exploração de seu trabalho, aumentando assim sua produção. Sem a divergência entre o valor de troca do trabalho e a diferença de salários subsistência e seu valor de uso (o resultado, o fruto do seu trabalho), os capitalistas não estarão interessados em comprar trabalhadores, pois suas mercadorias não têm preços concorrenciais no mercado. 3 ORIGENS DO LIBERALISMO ECONÔMICO 3.1 Definição de liberalismo Nietzsche argumentou que apenas seres históricos poderiam permitir uma definição precisa no verdadeiro sentido da palavra. Portanto, o liberalismo, sendo um fenômeno histórico complexo, dificilmente pode ser definido de forma concisa. Uma vez que moldou significativamente o mundo moderno, o liberalismo reflete a diversidade da história moderna, abrangendo desde seus estágios mais antigos até os mais recentes. O escopo das ideias liberais engloba uma ampla gama de pensadores com diferentes formações e motivações, incluindo Tocqueville, Mill, Dewey, Keynes, Hayek, Rawls, bem como seus precursores como Locke, Montesquieu e Adam Smith. Sugerir uma teoria abrangente do liberalismo, tanto antigo quanto moderno, requer uma descrição comparativa de suas várias manifestações ao longo da história (MERQUIOR, 2016). 19 No influente livro de 1987, intitulado "A Rebelião das Massas", o filósofo espanhol Ortega y Gasset (1987) proclamou o liberalismo como "a forma suprema de generosidade", caracterizando-o como o direito garantido pela maioria e, portanto, o mais nobre apelo já feito no planeta. Esta declaração de Ortega serve como uma introdução adequada para nossa abordagem histórica, pois une de forma hábil os significados moral e político da palavra liberal. Embora Ortega claramente se refira ao aspecto político do liberalismo, as regras liberais do jogo entre maioria e minoria, sua observação também resgata o significado moral primário do adjetivo liberal, conforme definido em dicionários modernos. Ao conectar o sentido moral da palavra ao seu contexto político, Ortega ressalta a origem do termo liberalismo como um rótulo político que emergiu nas Cortes espanholas de 1810, durante um parlamento que se rebelou contra o absolutismo. Segundo Merquior (2016) durante seu apogeu no século XIX, o movimento liberal se manifestava em dois níveis distintos: no âmbito do pensamento e na esfera da sociedade. Este movimento consistia em um conjunto de doutrinas e princípios que sustentavam o funcionamento de diversas instituições, tanto antigas (como os parlamentos) quanto novas (como a liberdade de imprensa). Historicamente, o liberalismo (na prática, não apenas no nome) teve origem na Inglaterra durante a luta política que culminou na Revolução Gloriosa de 1688, um evento que visava a tolerância religiosa e o governo constitucional. Estes dois objetivos tornaram-se fundamentais para o sistema liberal, difundindo-se ao longo do tempo por todo o Ocidente. Durante o século que antecedeu a Revolução Francesa de 1789-1799, o protoliberalismo estava estreitamente ligado ao que era conhecido como o "sistema inglês", um modelo de governo caracterizado por um poder monárquico limitado e um considerável grau de liberdade civil e religiosa. Na Inglaterra, embora o acesso ao poder fosse controlado por uma oligarquia, o exercício do poder arbitrário foi contido, resultando em uma maior liberdade geral do que em qualquer outra parte da Europa. Visitantes estrangeiros perspicazes, como Montesquieu, que visitou o país em 1730, reconheceram que na Inglaterra a combinação entre lei e liberdade promovia uma sociedade mais saudável e próspera do que as monarquias continentais ou as repúblicas da antiguidade. 20 Os pensadores do Iluminismo escocês, como David Hume, Adam Smith e Adam Ferguson, identificaram os benefícios de um governo submetido à lei e da liberdade de expressão, derivados das atividades espontâneas de uma sociedade civil estratificada, mas ainda assim coesa. A comparação com a Grã-Bretanha convenceu muitos adeptos do protoliberalismo de que o governo deveria buscar uma intervenção mínima, focando apenas na manutenção da paz e segurança. O liberalismo, originado como uma reação aos abusos do poder estatal, visava estabelecer tanto a limitação quanto a divisão desse poder. O jurista e teórico político alemão Carl Schmitt, um crítico do liberalismo, resumiu essa ideia em sua Teoria Constitucional de 1928. Ele argumentava que a constituição liberal se baseia em dois princípios fundamentais: o princípio distributivo e o princípio de organização. Segundo o princípio distributivo, a esfera de liberdade individual é, em teoria, ilimitada, enquanto o poder de intervenção do governo nessa esfera é, em princípio, limitado. Em outras palavras, tudo o que não é proibido pela lei é permitido, colocando o ônus da justificação sobre a intervenção estatal, não sobre a ação individual (MERQUIOR, 2016). Quanto ao princípio de organização, Schmitt afirmava que seu objetivo era fazer prevalecer o princípio distributivo, estabelecendo uma divisão de poder (ou poderes) e uma demarcação clara das competências estatais entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, a fim de conter o poder por meio do equilíbrio de poderes. Essa divisão da autoridade é projetada para manter o poder estatal limitado (MERQUIOR, 2016). Após a Revolução Francesa e o período de ditadura jacobina, o pensamento liberal, agora reconhecido por esse nome, confrontou novos desafios à liberdade. Enquanto o liberalismo burguês havia lutado contra os privilégios aristocráticos, ele não estava disposto a aceitar plenamente uma ampla extensão do sufrágio e as implicações democráticas que isso traria. Assim, a ordem civil liberal adotou o que Benjamin Constant, um dos principais teóricos liberais do início do século XIX, chamou de "le juste milieu", um centro político, situado entre o antigo absolutismo e a emergente democracia. O liberalismo passou a representar a doutrina de uma monarquia limitada e de um governo popular também limitado, pois o sufrágio e a representação política estavam restritos aos cidadãos com prosperidade econômica. 21 De acordo com Merquior (2016) esse sistema burguês, entretanto, foi apenas uma fase transitória na história, logo substituída pelo sufrágio universal masculino. O surgimento da democracia no mundo ocidental industrializado a partir da década de 1870 representou a consolidação definitiva das conquistas liberais, como a liberdade religiosa, direitos humanos, ordem legal, governo representativo responsável e a legitimação da mobilidade social. A sociedade vitoriana tardia, os Estados Unidos pós-guerra e a Terceira República francesa inauguraram amplas e duradouras experiências em democracia liberal, uma combinação política e histórica. Países como Suíça, Holanda e as nações escandinavas seguiram o mesmo caminho, muitas vezes antes. A Itália unificada adotou a política liberal, enquanto a Espanha conseguiu estabilizar um governo liberal. As grandes monarquias centro-europeias, Áustria e Alemanha, também abandonaram o regime autocrático em favor de constituições semi liberais. Nem todas as conquistas democráticas foram alcançadas pelas forças explicitamente liberais. Os tories ingleses durante o governo de Disraeli, o reacionário Bismarck e o autocrático Napoleão III, introduziram ou apoiaram a introdução do sufrágio masculino quase universal, muitas vezes contra a vontade das elites liberais. Isso mostra que a lógica da liberdade por vezes ultrapassa os interesses e preconceitos dos próprios partidos liberais, sugerindo que a história às vezes promove o liberalismo mesmo contra os próprios liberais. Ao adotar a democracia representativa e o pluralismo político, tanto os conservadores quanto os socialistas, independentemente de seus objetivos específicos, claramente aderiram aos princípios liberais. No século XX, houve uma interrupção no avanço contínuo do liberalismo democrático, especialmente devido aos conflitos como as guerras mundiais que abalaram a Europa entre 1914 e 1945, levando ao colapso de democracias emergentes como as da Itália e Alemanha. Além disso, os desafios da modernização na América Latina e em outras regiões resultaram em períodos de retrocesso democrático entre meados da década de 1960 e meados dos anos 80. No entanto, a democracia liberal permaneceu como o sistema predominante nas sociedades industrializadas, como demonstrado pela reconstrução bem-sucedida após à Segunda Guerra Mundial na Alemanha, Itália e Japão, além do processo de modernização política em Estados recém-industrializados (MERQUIOR, 2016). 22 Em 1989, ocorreu o colapso do socialismo estatal, que há muito tempo era considerado o principal concorrente da democracia liberal. Este evento seguiu um processo doloroso de reformas e crise de identidade. Enquanto no Ocidente, surgiram debates sobre uma suposta crise cultural, poucos propuseram seriamente uma mudança completa nas instituições. Ao longo de mais de um século, a democracia tem sido considerada o padrão de legitimidade no mundo moderno. Agora, há a percepção de que o pluralismo social e político das democracias liberais é o princípio de governo mais legítimo em sociedades modernas. Segundo Montesquieu (1982) o liberalismo, conforme descrito pelo italiano Luigi Einaudi, é caracterizado por dois elementos: o governo baseado na lei e a diversidade de opiniões e crenças, desafiando as noções de moralidade única defendidas pelos conservadores e pelas utopias radicais. Montesquieu, em "Do Espírito das Leis" (1982), sugeriu que a Inglaterra moderna era palco de uma batalha contínua entre diversas paixões. Enquanto o liberalismo clássico, representado por Adam Smith, acreditava que a competição levaria a um equilíbrio social semelhante ao descrito por Newton, liberais posteriores, como Max Weber, enfatizaram a irreconciliabilidade dos conflitos de valores, ao invés da busca por um equilíbrio absoluto. Existem diferentes interpretações do liberalismo, algumas enfatizando a harmonia e outras a discordância, mas em ambos os casos, o liberalismo reconhece a natureza contínua da luta humana. Com o tempo, a noção de liberalismo passou por significativas mudanças e variações. Atualmente, o termo "liberal" tem diferentes conotações na Europa continental, América Latina e nos Estados Unidos. Nos EUA, desde o New Deal de Roosevelt, o liberalismo adquiriu características mais próximas à social-democracia, com uma ênfase em igualdade e intervenção estatal mais ampla do que defendido pelos liberais tradicionais. Essa mudança de significado foi um marco importante na história do conceito de liberalismo. Por outro lado, a renovação contemporânea do liberalismo, tanto nos EUA quanto em outros lugares, muitas vezes se afasta significativamente do seu significado tradicional americano. Ao longo de quase meio século, o liberalismo evoluiu para um campo de ideias e posições altamente diversificado, mesmo antes 23 das influências de figuras como Keynes e Roosevelt, que modificaram profundamente o legado do século XIX. 3.2 A origem do pensamento econômico A ciência econômica se desenvolveu nos últimos cinco séculos, em paralelo ao crescimento das práticas comerciais e à formação de estados-nações. Entretanto, é relevante notar que no passado antigo, o pensamento econômico teve origens filosóficas, como evidenciado pela palavra "economia" que tem raízes na Grécia antiga, onde "oikonomikos" se referia ao "gerenciamento das questões domésticas". Nesse contexto, filósofos gregos como Aristóteles e Platão deram importantes contribuições ao pensamento econômico. Aristóteles, no período entre 384 e 322 a.C., diferenciava as atividades econômicas em "artes naturais e não naturais de aquisição". Ele considerava como atividades naturais de aquisição aquelas relacionadas à agricultura, pesca e caça, destacando sua importância na produção de bens essenciais para a vida. Por outro lado, as aquisições não naturais envolviam a obtenção de bens além das necessidades básicas, algo que Aristóteles desaprovava, podendo ser equiparado, nos dias atuais, a um consumo excessivo e desnecessário (BATISTA, 2012). Platão, um dos principais discípulos de Sócrates, discutiu em seu diálogo "A República e as Leis" sobre a "Cidade-Estado-Ideal", enfatizando a importância de um Estado governado por leis e da especialização dos indivíduos para o progresso da sociedade e uma convivência harmoniosa entre os cidadãos. Essa visão em relação à especialização humana influenciou posteriormente teorias econômicas. Durante a Idade Média, a Igreja Católica Romana exerceu uma forte influência no pensamento econômico, especialmente através das ideias de São Tomás de Aquino em relação ao conceito de "preço justo". Ele definiu esse termo como um preço em que nem o comprador nem o vendedor obtêm vantagem sobre o outro. Além disso, a Igreja condenava a cobrança de juros, considerada como "usura", com base em textos bíblicos como o Livro de Gênesis, que mencionava "comerás teu pão com o suor do teu rosto". O lucro obtido sem trabalho era visto como contrário aos ensinamentos católicos da época e poderia ser punido. 24 A ciência econômica progrediu ao longo dos séculos, exercendo impacto significativo na gestão das atividades comerciais por meio de diversas escolas, teorias e pensadores ao longo da história, como mencionado por Batista (2012). 3.3 Liberalismo econômico Embora tenha começado a surgir no final do século XVII, o liberalismo só se estabeleceu como a principal corrente de pensamento econômico durante o século XVIII. Seus primeiros defensores opuseram-se às restrições ao comércio internacional, como tarifas, monopólios e regulamentações, argumentando que ações individuais trariam benefícios para toda a sociedade. Essa teoria social sustentava aspirações tanto econômicas quanto políticas liberais. Juntos, Dudley North e David Hume refutaram o argumento mercantilista de que uma balança comercial favorável era essencial. North argumentou que o comércio ocorria porque era benéfico para ambas as partes e que regulamentações apenas restringiriam esse comércio, diminuindo a riqueza real. Por sua vez, Hume destacou que um excedente nas exportações seria compensado por importações de moeda, o que aumentaria a oferta de moeda e causaria inflação. Isso, por sua vez, levaria a uma redução nas exportações até que um equilíbrio fosse alcançado com as importações, impossibilitando manter tanto uma balança comercial positiva quanto um influxo constante de metais (NORTH, 1995). Durante esse período, Bernard de Mandeville (2018) causou controvérsia ao publicar seu livro "A fábula das abelhas", um poema satírico. Nele, Mandeville argumentava que os avanços da civilização eram resultados de vícios, não de virtudes, e que o progresso derivava de interesses egoístas individuais, não de um impulso natural para o trabalho árduo ou de sentimentos de benevolência em relação aos outros. Ele sugeriu que a prosperidade econômica seria promovida ao permitir que os indivíduos seguissem suas motivações egoístas, desde que isso não comprometesse a justiça. Na década de 1720 segundo Fusfeld (2010), Richard Cantillon sintetizou as ideias dos escolásticos do século XIII sobre mercados competitivos, desenvolvendo uma versão rudimentar do que hoje é conhecido como Teoria do Equilíbrio Geral. Ele argumentou que o autointeresse racional dos comerciantes em um sistema de 25 mercados competitivos, onde os preços são livremente ajustados, resultaria em uma rede de preços e quantidades que se harmonizam entre si. Segundo Fusfeld (2000), John Locke estabeleceu uma ligação entre trabalho e geração de riqueza, incorporando esse conceito ao desenvolvimento da noção de propriedade privada, que se tornaria um dos fundamentos centrais do pensamento liberal. Segundo Locke, quando as pessoas aplicam seu trabalho aos recursos naturais, estão adicionando uma parte de si mesmas ao produto final, tornando-o, assim, "sua" propriedade. Segundo Fusfeld: “[...] todo homem tem uma propriedade em si próprio. O esforço de seu corpo e o trabalho de suas mãos, podemos dizer que são legitimamente seus. Portanto, a tudo que ele retirar do Estado em que a natureza tiver gerado e deixado à sua disposição, ele terá misturado seu trabalho e acrescentado algo que é seu e, por essa razão, transformando-se em propriedade sua.” (FUSFELD, 2000, p. 31). Em conjunto, os princípios da teoria do ajustamento natural de North e Hume, a ênfase na motivação egoísta de Mandeville, a abordagem inicial da teoria do equilíbrio geral de Cantillon e a defesa da propriedade privada por Locke formaram a base do liberalismo econômico. A concepção de que o autointeresse racional, combinado com um mercado competitivo e direitos de propriedade bem definidos que protegem e disciplinam, poderia ser a base para uma ordem social baseada em ações individuais estava começando a surgir. Posteriormente, outros economistas liberais destacaram a relação entre trabalho, riqueza e propriedade, argumentando que a proteção da propriedade era fundamental para o crescimento econômico. Eles afirmavam que sem essa proteção, o incentivo ao trabalho e à produção de riqueza seria reduzido. Portanto, acreditavam que a economia poderia funcionar sem a necessidade de regulamentações adicionais, sendo responsabilidade do Estado garantir a proteção da propriedade, aplicar a justiça e defender o país. Os economistas liberais defendiam que a fonte principal de riqueza estava no trabalho humano. Eles argumentavam que quase todos os recursos naturais precisavam ser processados pelo esforço humano antes de poderem satisfazer as necessidades humanas. Portanto, os produtos naturais não teriam valor econômico sem a intervenção do trabalho humano para transformá-los em bens negociáveis. 26 Essa teoria, conhecida como teoria do valor-trabalho, enfatiza que a produção de riqueza visa satisfazer os desejos individuais. Segundo essa visão, a geração de riqueza está intrinsecamente ligada às necessidades básicas humanas, que motivam as pessoas a trabalharem. Assim, quanto maior o estímulo ao trabalho, maior será a produção de riqueza e mais rapidamente a economia progredirá em direção a uma sociedade mais próspera. Em resumo, apesar das variações entre os pensadores liberais, havia um consenso de que a libertação da iniciativa individual das restrições impostas pelo mercantilismo, a valorização do trabalho como motor da produção de riqueza e do crescimento econômico, e a preservação dos direitos de propriedade como incentivadores do trabalho, eram os pilares fundamentais da política econômica liberal. 4 OS FISIOCRATAS E A ESCOLA CLÁSSICA 4.1 Os fisiocratas Adam Smith (1723-1790) Filho de um inspetor alfandegário, Adam Smith iniciou seus estudos em economia na sua cidade natal, Kirkcaldy, na Universidade de Glasgow aos 14 anos, graduando-se em 1740. Smith também obteve conhecimento em filosofia, na prestigiada Universidade de Oxford, na Inglaterra (ALENCAR; AGUIAR, 2013). Em 1767, Adam Smith iniciou os trabalhos em seu livro mais famoso, A Riqueza das Nações, que foi publicado em 1776, lançando as bases para a formação do liberalismo, a teoria da livre concorrência e o conceito do livre mercado. Smith morreu em 1790, e seu trabalho tem sido discutido e estudado por economistas de todo o mundo. Este trabalho trata da codificação da teoria econômica e constrói modelos. É perfeitamente consistente, adequado à situação econômica vigente. Smith explicou a realidade econômica por teorias nunca descritas por qualquer pensador, extremamente inovadora, como por exemplo: teoria do valor e teoria do benefício. Entre outras contribuições, este autor modelou conexões entre classes sociais, sistema de produção, comércio, circulação de dinheiro, distribuição de recursos, entre outros. 27 Adam Smith concordou em diversos aspectos com os princípios da fisiocracia, mas discordava da noção de que a riqueza vem apenas do setor agrícola e de uma natureza entendida como fonte natural de toda riqueza possível. Por isso, em sua perspectiva, Smith sustentava a visão de que não apenas a natureza, mas também outros recursos como os tratores, equipamentos agrícolas, fertilizantes, a genética e intervenções técnicas variadas também determinam o desenvolvimento da economia. Nos clássicos, esses instrumentos eram chamados de fatores técnicos e não eram estudados pelos autores do campo fisiocrata. Além disso, havia outro desacordo entre fisiocratas e os pensadores do liberalismo clássico era o desenvolvimento econômico, que para os fisiocratas estava reduzido ao campo da agricultura; enquanto para o liberalismo, posto em cena por Smith, a indústria também é criadora de riqueza (ALENCAR; AGUIAR, 2013). Robert Malthus (1766-1834) Thomas Robert Malthus, um economista britânico, filho de um grande proprietário de terras, frequentou uma renomada instituição de ensino em Cambridge, Inglaterra, a partir de 1784. Em 1799, embarcou em uma extensa jornada de estudos pela Europa. A teoria malthusiana postula que a população tende a crescer mais rápido do que a taxa de produção de alimentos, resultando em um desequilíbrio entre população e recursos alimentares. Logo, para manter a estabilidade econômica são necessárias políticas que visem controlar o crescimento populacional. Desta maneira, pode-se afirmar que, sendo a capacidade de aumento da população indefinidamente maior que a capacidade da terra de produzir meios de subsistência para o homem, é necessária a intervenção do Estado para que haja um equilíbrio entre o consumo e a produção. Essa situação poderia ser equilibrada por dois tipos de fatores que Malthus denominava obstáculos primordiais e obstáculos evitáveis (ALENCAR; AGUIAR, 2013). No primeiro fator, guerras, epidemias, escassez alimentar e carência nutricional aumentaram a taxa de mortalidade, contribuindo para o equilíbrio da economia; em segundo lugar, era necessário popularizar métodos contraceptivos para reduzir o aumento populacional, o que poderia desacelerar o progresso econômico vigente naquela era. 28 Portanto, no paradigma malthusiano, a eficácia econômica está vinculada à demanda, indicando que, para Malthus, a humanidade tem a tendência de consumir em larga escala em relação à sua produção, resultando em um desequilíbrio inevitável, pois o crescimento populacional ultrapassa a capacidade de produção de alimentos. Ele foi um economista clássico, que recomendava a intervenção do Estado, visando reduzir o índice desemprego na Europa. Ainda nesse sentido, para contornar o problema da defasagem entre população e alimentos, propunha a restrição dos programas assistenciais públicos de caráter caritativo e a abstinência sexual da população menos favorecida da sociedade, denominando de “sujeição moral” (PASINETTI, 1979). Malthus foi polêmico em seu pensamento econômico, mas contribuiu de forma relevante, como o incentivo à produção em acompanhar o aumento da população, que precisava ser gerenciado para não conduzir a um desequilíbrio, entre a taxa de emprego e o nível de vida da população (CARNEIRO, 1997). Thomas Malthus (1776-1836) apresentou uma visão pessimista em oposição às teorias contemporâneas. Sua teoria populacional sustenta que a população é necessariamente limitada pelos recursos de subsistência disponíveis. No contexto social, não há espaço para um aumento constante da população. Malthus ilustra o crescimento populacional por meio de uma progressão geométrica com uma razão de dois: 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256. Em contrapartida, o aumento dos meios de subsistência segue uma progressão aritmética, também com uma razão de dois: 2, 4, 6, 8, 10, 12, 14, 16. Com intervalos correspondentes a 25 anos, ocorre um descompasso inevitável, resultando em proporções alarmantes. Malthus advogava pelo "constrangimento moral" como método preferido para limitar o crescimento populacional. Ele argumentava que os indivíduos menos favorecidos economicamente não deveriam se casar e formar famílias sem garantir os meios de sustento; do contrário, deveriam optar pela castidade ou celibato. David Ricardo (1772-1834) David Ricardo foi um dos principais pensadores clássicos de sua época. Nascido em Londres em 1772, foi considerado um seguidor dos 29 pensamentos de Adam Smith. Suas principais obras seguem a linha de pensamento econômico que se desenvolve para seu tempo, como: teoria do lucro, política monetária, teoria, valor, comércio internacional, teoria do aluguel da terra e alocação. É importante notar que muitos desses tópicos ainda hoje são debatidos (ALENCAR; AGUIAR, 2013). Ricardo viveu o mesmo período de turbulência e agitação social que Malthus, e até aceitou a teoria, que abordava sobre a natureza e as causas da pobreza. No entanto, as ideias econômicas de Ricardo divergiam das de Malthus em algumas questões teóricas. Ricardo começou seu pensamento conceituando valor e riqueza, considerando que esta última consistia na soma da quantidade de bens que uma pessoa possuía. Esses bens, chamados por Ricardo de necessários, úteis e agradáveis, eram distintos do valor, pois este não dependia da abundância, mas sim da dificuldade ou facilidade de produção do bem. Em outras palavras, o valor era medido pela quantidade de trabalho necessária para produzir um bem (ALENCAR; AGUIAR, 2013). Logo, o autor concentrou seus pensamentos na dinâmica das atividades agrícolas, focado em disputas de distribuição. A agricultura industrial, incentivava a importação de grãos, que eram proibidos no contexto da época, ele abordou questões como a livre concorrência e a disponibilidade de mão de obra a preços acessíveis. Avançou para análises comparativas, impulsionadas pelo aumento do comércio internacional de mercadorias. Reconhecido como um dos principais pensadores econômicos, suas ideias eram consideradas contemporâneas naquela era. Jean-Baptiste Say Jean-Baptiste Say (1767-1832) desempenhou múltiplos papéis como comerciante, jornalista, industrial, funcionário e homem político. Inspirado nas doutrinas de Adam Smith, Say aprimorou e disseminou suas ideias, apresentando uma visão otimista em sua obra, possivelmente influenciada pela situação da França, caracterizada por maior abundância de terras e divisão mais ampla da propriedade do que a Inglaterra de Ricardo e Malthus. Ele colocou a indústria como o epicentro dos fenômenos de produção, elogiando o empresário industrial. Destacou que produzir não se limita a criar objetos materiais, mas sim a gerar utilidade, transformando as coisas para atender aos 30 desejos e necessidades. Seu argumento foi importante para a superação das ideias fisiocratas. A Lei dos Mercados, formulada por Say, proclama que o empresário que gera valores só terá sucesso se outros indivíduos tiverem meios para adquiri-los, seja por meio de outros valores, produtos ou frutos de sua própria indústria, capitais e terras. De maneira paradoxal, é a produção que abre mercados para os produtores (MEDEIROS; MAY, 2015) A Lei dos Mercados destaca que a função do dinheiro nas trocas é momentânea e episódica, uma vez que, após as transações, os produtos são pagos por outros produtos. Cada produto produzido cria automaticamente mercado para outros, exaltando a produção e sugerindo moderação no consumo. Essa lei também contribui para a compreensão dos mecanismos de recessão e expansão, pois a diminuição da produção de um bem retira mercados de outros produtos, enquanto o aumento da produção de um bem cria mercados para os demais. 4.2 Evolução das escolas econômicas A Escola Fisiocrática, surgida na França no século XVIII, representa a primeira corrente econômica. Segundo Feijó (2007), essa escola advogava pela autonomia do mercado e sustentava que as vantagens individuais são fundamentais para o funcionamento harmonioso da economia. Os fisiocratas se opunham às intervenções governamentais e adotavam como lema o conhecido refrão "laissez-faire, laissez- passer", que preconiza a liberdade na produção e no comércio. A crítica ao controle das autoridades não implica que os indivíduos estejam isentos de submissão a alguma forma de poder. Os fisiocratas acreditavam na crença de uma ordem divinamente planejada e desejada por Deus, considerando-a como a mais favoravel. Portanto, defendiam que essa ordem deveria ser deixada livre para alcançar o progresso econômico e social. Para a escola, contrariar as leis (naturais e divinas), regulamentos ou sistemas seria inútil, pois o discurso fisiocrático aponta para um ápice natural da economia, e quem se opõe inevitavelmente se autodestrói (BELL, 1976). A Escola Econômica Clássica, que emergiu no final do século XVIII, é caracterizada por meio da compreensão do equilíbrio automático entre as forças de oferta e demanda no mercado, mediado pelos preços (HUGON, 1956). Smith (1776) 31 introduziu o conceito da "mão invisível" para explicar a auto-regulação característica do sistema econômico. A Escola Econômica Clássica se mostra desfavorável à intervenção estatal na atividade econômica. Conforme a perspectiva de Adam Smith, o papel do Estado se limitaria à garantia da segurança, administração da justiça e execução/manutenção de obras públicas. Essa concepção é partilhada por David Ricardo, que critica as leis sobre cereais impostas pelo governo inglês aos produtores. De modo análogo, Thomas Malthus também expressa desaprovação à atuação estatal ao implementar a Lei dos Pobres na Inglaterra (HUGON, 1956). As análises das escolas econômicas foram alvos de críticas por parte da teoria marxista. Ao examinar a exploração da classe capitalista sobre o proletariado, Marx destaca o papel do Estado como mediador nas relações de produção. Ele adverte que a classe desapossada dos meios de produção poderia sofrer uma exploração ainda maior se o Estado não intervisse por meio de regulamentações e fiscalizações das relações existentes. Nesse cenário, a Escola Econômica Clássica considerava a política de não interferência como a mais desejável. Acreditava-se que não deveria haver intervenção nas leis econômicas naturais para alcançar os máximos benefícios sociais. Conforme Walras (1986), o sistema se ajustaria automaticamente. O autor defendia uma visão benevolente da concorrência, próxima à ideia da "mão invisível" proposta por Smith. Ele via a concorrência como um mecanismo que conduziria os agentes econômicos a realizar trocas mais vantajosas, defendendo a eliminação do protecionismo e da intervenção estatal em setores nos quais a livre concorrência pudesse ser estabelecida. O propósito da concorrência era neutro e desejável para atingir o equilíbrio (WALRAS, 1986). Finalmente, a Escola Econômica Keynesiana, emergida no século XX com a publicação da obra "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", adota uma perspectiva oposta à análise clássica e neoclássica sobre o debate. Para Keynes, é imprescindível que o Estado intervenha na economia por meio de políticas macroeconômicas, com o objetivo de promover o equilíbrio econômico, uma vez que o sistema não possui a capacidade intrínseca de se autoajustar (HUGON, 1956). A Escola Keynesiana desafiou a visão clássica em três pontos essenciais: na concepção de equilíbrio automático; na alegada rigidez dos preços; e na teoria do juro 32 fundamentada na preferência pela liquidez. Keynes argumentou que o sistema capitalista não poderia operar automaticamente e manter o pleno emprego. Ele observou que, quando deixado à sua própria sorte, o sistema poderia encontrar um equilíbrio em um nível inferior ao pleno emprego de mão de obra e recursos. Assim, a responsabilidade recairia sobre o governo para participar da formulação da política econômica, abrangendo a política monetária, fiscal e os gastos públicos. O propósito dessas políticas era corrigir as desigualdades e os desequilíbrios resultantes do fracasso do sistema autorregulador (BELL, 1976). Atualmente, o governo intervém na educação por meio de programas extensionistas, como é o caso da Universidade Sem Fronteiras, financiada pelo governo estadual. 4.3 A escola clássica A Escola Clássica, fundamentada nos pensamentos de Adam Smith e David Ricardo, representa uma corrente de pensamento econômico de significativa importância. A consolidação da Economia como uma disciplina científica integral se deve a essa escola, que centralizou sua abordagem teórica no valor, identificando-o como derivado exclusivamente do trabalho em geral. Conforme apontado por Paul Singer (1985, p. 7), David Ricardo, em conjunto com Adam Smith, destaca-se como o principal expoente da Escola Clássica de Economia Política. As formulações inovadoras de Ricardo no início do século passado continuam a ser a base para a maioria dos debates teóricos atuais entre economistas, abrangendo questões como teoria do valor, distribuição de renda, comércio internacional e sistema monetário. A Escola Clássica, além de fundamentar-se na teoria do valor-trabalho, teve como alicerce os princípios filosóficos do liberalismo e do individualismo. Essa corrente de pensamento econômico também estabeleceu os fundamentos da livre- concorrência, exercendo uma influência significativa no pensamento revolucionário burguês. A Escola Clássica se destacou por focalizar a produção em detrimento da ênfase dada à procura e ao consumo. Conforme argumentado por Smith, o propósito da economia reside na ampliação de bens e riqueza para uma nação. 33 Nesse contexto, Smith (1981) argumenta que a aquisição de riqueza está intrinsecamente ligada à posse do valor de troca. Esse valor representa a habilidade de adquirir riquezas, ou seja, é a capacidade que a posse de um determinado objeto confere para a aquisição de outras mercadorias. Smith também contestou as ideias mercantilistas ao argumentar que a riqueza consiste nos valores de troca, não na moeda, que é apenas um meio facilitador da circulação de bens. Assim, para Smith (1981), a verdadeira origem de riqueza de uma nação só pode ser alcançada por meio do trabalho, e essa fonte só pode ser ampliada por: • O aumento da produtividade; • A extensão de sua especialização; e • A acumulação do produto sob a forma de capital. A repartição do produto nacional, na visão clássica, continuou a ser abordada de maneira convencional, com os indivíduos remunerados seguindo esse padrão: • Trabalho – salário; • Capital – lucro; e • Terra – renda. É importante salientar que a Teoria Clássica é construída com base em um equilíbrio