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O EXEMPLO DA CPMF HUGO DE BRITO MACHADO Advogado, Professor Titular de Direito Tributário da Universidade Federal do Ceará e Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (Aposentado) Não vamos analisar a CPMF. Mostrar seus defeitos ou virtudes. Vamos apenas apontar o exemplo do que com ela está acontecendo para demonstrar que os governantes, como temos dito, não têm o menor respeito pelo Direito. Agem como se estivessem muito acima da Constituição e das Leis do País. O Ministro do Planejamento anuncia cortes no orçamento para compensar as perdas de arrecadação. Afirma que os recursos dessa contribuição foram incluídos no orçamento que banca os principais programas sociais do governo e que, por conta desse atraso na votação, a União poderá deixar de arrecadar uma receita de 4 a 5 bilhões. E o Ministro da Fazenda faz pela televisão um apelo aos parlamentares, especialmente os do PFL, para que aprovem a CPMF porque o rombo no orçamento, decorrente da demora nessa aprovação, é insuportável. Essas afirmações apresentam o governo como o defensor do povo e colocam a opinião pública contra o Congresso Nacional. Não resistem, porém, a uma análise séria, em face da qual se mostram como gravíssimo desrespeito pelo Direito, lembrando-nos as lições de Sánchez Serrano, Professor Universitário e membro do Tribunal Constitucional espanhol, para quem esse menosprezo procede de certas pessoas que, dotadas de certos saberes, os colocam como a única fonte de conhecimento da realidade social, depreciando como não científicos ou inúteis os demais, que ignoram em sua maior parte. O menosprezo pelo Direito não é novo e tem contado com o apoio de certos juristas que atuam a serviço do poder e elaboram MACHADO, Hugo de Brito. O exemplo da CPMF. 2002. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2005. O Exemplo da CPMF doutrinas para negar o inegável como agora está acontecendo com a questão da anterioridade nonagesimal. Doutrinas tendentes a destruir o Direito como sistema de limites. É preciso deixar claro, para que o povo não seja iludido, que a CPMF foi criada para vigorar por dois anos, com alíquota de 0,25%. Foi elevada para 0,38% e prorrogada por mais três anos, prazo que termina em junho de 2002. Não podia, pois, ser prevista no orçamento a arrecadação de um tributo além do prazo de sua vigência. Assim, ou a afirmação da necessidade de cortes no orçamento não corresponde à verdade, ou no orçamento foi prevista a arrecadação de tributo inexistente. Seja como for, tal afirmação é censurável. Se não há necessidade de cortes e o governo se vale do argumento para forçar a prorrogação da CPMF tem-se uma inverdade funcionando como instrumento de pressão contra o Congresso Nacional para aumentar nossa carga tributária, já tão pesada e injusta. E se os cortes efetivamente são necessários então é porque o orçamento continha previsão de receita que não podia conter, porque decorrente de tributo cuja arrecadação não estava juridicamente autorizada. É hora de começarmos a cobrar de nossos representantes no Congresso Nacional maior empenho na defesa dos interesses do povo contra os avanços do governo. E cobrar dos governantes o respeito que é devido às leis. A força da lei reside muito mais na crença que a comunidade tenha de que ela é obrigatória para todos, do que na possibilidade de sua aplicação forçada pelos mecanismos do Estado. O mau exemplo dado pelo governante que não respeita a lei degrada essa crença e amesquinha o Direito, que é sem dúvida o melhor instrumento da harmonia social. 2 MACHADO, Hugo de Brito. O exemplo da CPMF. 2002. Disponível em: . Acesso em: 26 out. 2005.