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3. A Ética nas Relações Humanas A Ética nas Relações Humanas Diversidade cultural, étnica, religiosa e de gênero Nada mais oportuno do que entender cultura e diversidade cultural após termos compreendido as particularidades e demandas do conceito de ética. Assim, vamos iniciar as nossas reflexões trazendo para essa discussão a definição de cultura. Logo de início, cabe lembrar que cada um de nós temos particularidades e vivências ricas e fecundas porque somos diferentes, da mesma forma que nós podemos nos comunicar por meio das nossas diferenças e construir novas possibilidades de viver. O professor Clifford Geertz (1989), ao apresentar os seus estudos sobre cultura, vai referir que a atividade do antropólogo é interpretar e que cada cultura pode ser vista e entendida como um texto, no qual cada texto demanda uma interpretação. Para o autor, a cultura constitui-se como formas de ações significativas, simbólicas e parece estar oculta na mente dos homens, contudo, ela passa a ser exposta por meio das suas manifestações, comportamentos, atitudes, etc. Ele ainda afirma que é possível observar a cultura de um povo porque ela está expressa em suas relações sociais. O antropólogo estadunidense mostra que a cultura se revela a partir de uma descrição densa, pois são as ações produzidas, percebidas e interpretadas que a definem. Em suas considerações, Geertz (1989) está, então, atrás da teia de significados de cada sociedade. Além disso, ele não defende a ideia de ter que “se tornar um nativo” para conhecer a fundo uma cultura, mas sim estar familiarizado com o grupo que se pretende observar e compreender. Cabe ressaltar que é muito importante o destaque dado pelo antropólogo sobre a cultura ser compreendida pela teia de significados, isso porque se as relações são traçadas por meio de interligações de valores, símbolos e tradições, logo, tudo o que dá um sentido dinâmico à cultura passa a ser visto através o olhar e da necessidade de compreensão do que vem a ser a diversidade cultural. Geertz (1989) também mostra que o ponto de vista do nativo é sempre uma construção cultural e isso pode ser constatado através de uma pesquisa. Ademais, cada cultura acolhe todo um arsenal simbólico que é próprio do “ser humano”, indivíduo criador e transformador da cultura e o antropólogo só tem acesso a isso a partir desses símbolos. Para o autor, as situações universais são sempre descritas de forma singular, seu enfoque privilegia as situações particulares. Dessa forma, a cultura é única para cada grupo e singular em cada indivíduo. No mundo existem milhares de tradições, símbolos, pensamentos, manifestações e identidades culturais, tal diversidade enriquece nosso mundo social. Para sociólogo e antropólogo francês Denys Cuche (2012), o conceito de identidade ganha destaque com o nascimento do multiculturalismo, o qual nos mostra a face de que os imigrantes e as diversas minorias buscam o direito da diferença, o direito de ter uma identidade própria digna de respeito. Por outro lado, os grupos maioritários colocam em debate tal pretensão, temendo, entre a expansão de múltiplas identidades que competiriam para enfraquecer e fragmentar a identidade nacional, a própria sustentação do Estado. Cultura: conjunto de pensamentos, sentimentos, atitudes, tradições, símbolos, hábitos e valores que pertencem a um grupo. Dão sentido a sua identidade cultural, sua marca como grupo. Diversidade cultural: é o reconhecimento de diferentes culturas para diferentes grupos sociais. Para a professora Maria Aparecida Bergamaschi (2008), a diversidade cultural e a presença de inúmeros povos indígenas com suas tradições e línguas marcam nossa diversidade étnica e cultural. Ampliando as considerações sobre esse tema, os cientistas sociais Amanda Microni Macedo Alves e José Márcio Pinto de Moura Barros (2009) definem que a diversidade cultural está relacionada aos aspectos distintivos de uma cultura para outra, uma riqueza dada pela capacidade dos humanos de criar e transformar o legado que receberam. As identidades culturais aparecem a partir das manifestações culturais. O debate sobre a questão da diversidade cultural abre todo um feixe de outras discussões importantíssimas e nos faz pensar que com a educação podemos formar indivíduos capazes de entender que ser diferente é poder trazer algo novo no diálogo e troca cultural. Assim, a fundamentação do respeito da ética está no bojo dessa compreensão. Nessa seara de pensamentos e reflexões sobre a diversidade, podemos pensar também acerca da pluralidade étnica, religiosa e de gênero. Quanto à diversidade étnica, temos muito a comemorar desde que superamos a explicação da existência de diferentes culturas pelo conceito de raça, para o conceito de etnia. Uma vez que se concluiu que falar em raça é apontar diferenças puramente biológicas, físicas, sem considerar os aspectos culturais para a compreensão dos diferentes povos. Com o conceito de etnia é possível alargar essa possibilidade de entendimento do outro. A pedagoga Nilma Lino Gomes (2004) mostra que o uso do conceito de etnia se ampliou para fazer referências a povos diferentes como judeus, índios, negros, entre outros, enfatizando os seus processos históricos e culturais. No Brasil, o termo relações étnico-raciais é muito utilizado para apresentar e debater questões relacionadas à população afro-brasileira, indo além dos temas voltados à cor da pele e as origens culturais. Ademais, há um misto desses olhares na alocação e interpretação dos lugares sociais que os indivíduos ocupam na sociedade. Portanto, falar de raça ou de etnia em nossa cultura traz um apanhado de significações de quem fala, como fala e por que fala, o chamado “lugar de fala”. É também com estas construções que nascem conceitos e atribuições que, culturalmente, vão fundamentar visões preconceituosas e discriminatórias. Estes preconceitos e discriminações podem ser racistas, tendo por base algumas percepções sociais e diferenças de raça ou etnia, mas que tendem a ser estruturados e explicados pela questão racial. Enquanto o preconceito é definido como uma interpretação sobre as coisas, muitas vezes herdada por conta da socialização recebida, a discriminação é a própria manifestação ou prática do preconceito. Assim, o racismo trata-se de uma construção ideológica de que existem raças diferentes e que elas estão submetidas a uma hierarquia de classificação como inferiores e superiores. Nesse caso, essa teoria sempre acaba por delegar aos negros os status mais baixos em nossa sociedade estratificada. O racismo é uma manifestação perversa, que separa e agride os indivíduos pertencentes a determinados grupos e que estejam vulneráveis a serem discriminados em razão da sua raça ou origem étnica. A diversidade étnico-racial deve ser pensada por toda a comunidade escolar, inclusive pelos professores e gestores educacionais que são agentes importantes na formação dos indivíduos. Compreender que negros e brancos têm sua importância e valor cultural é colaborar para o entendimento da diversidade cultural e étnica. É importante saber que a cultura afro-brasileira tem uma grande influência na composição e trajetória da nossa nação. Não é possível falar de diversidade étnica sem considerar que o Brasil, após a abolição, atravessou grandes obstáculos para alcançar o reconhecimento desta cultura e dos seus praticantes, em decorrência das lutas sociais, o reconhecimento da miscigenação, o combate à discriminação racial e a intolerância ao sincretismo religioso. Entretanto, cabe ressaltar que as ligações íntimas com pessoas negras não são vistas com bons olhos. Os negros de pele mais clara são mais aceitos e passam por um número menor de atitudes discriminatórias que os negros retintos, mas eles também são vítimas do preconceitoe da segregação. Constantemente cada um de nós já presenciamos discussões que escancaram o preconceito racial e a discriminação étnica por parte de alguns indivíduos, com falas como: “você é negro”, “você é indígena”, “por isso não conseguiram obter êxito em nada…”, entre outras, são extremamente recorrentes em nossa sociedade atual. Seguindo essa discussão, é importante considerar que a discriminação e o preconceito também ocorrem em relação às questões religiosas e, como temos visto habitualmente, existe uma maior ocorrência de intolerância e perseguição contra as religiões de matriz africana. No entanto, mesmo que normalmente seja entendido que uma religião proporciona coisas boas aos seus seguidores, pois é nela que eles depositam sua fé espiritual e se dedicam professando as suas crenças, há, ainda, muitos indivíduos que por ignorância ou maldade promovem guerras, matam e perseguem religiões diferentes das suas em nome da fé. Nesses casos, o etnocentrismo predomina e faz com que a religião de uma pessoa ou grupo seja considerada a melhor ou a que tem mais pureza, etc. A superação deste fenômeno de pejoração negativa das diferentes religiões só acontece quando os indivíduos estão disponíveis para entender a diversidade religiosa. Conhecer é importante para melhor conviver e isto não significa converter-se, mas respeitar os diferentes credos. Quando estudamos um pouco, vemos que o catolicismo tradicional também teve influência religiosa na formação de alguns santos de origem étnica africana, como: São Benedito, Santo Elesbão, Santa Efigênia e Santo Antônio de Noto (Santo Antônio do Categeró ou Santo Antônio Etíope). Ademais, nessa prática de culto aos santos há, ainda, aqueles que podem ser associados aos orixás africanos e toda essa combinação religiosa pode ser vista com São Cosme e Damião (Ibejis), como também com o próprio São Jorge (Ogum no Rio de Janeiro), Santa Bárbara (Iansã), além daqueles oriundos da criação de santos populares como a escrava Anastácia. O sincretismo religioso é resultante do processo de transculturação das religiões e, conforme ocorre na Umbanda, é possível ver uma fusão de diversos elementos provenientes das práticas religiosas dos africanos, indígenas e europeus que historicamente também formaram o povo brasileiro. Por essa razão, é necessário compreender a existência da diversidade religiosa e a importância dela em nossa cultura, logo, é imprescindível que ela seja respeitada. No cenário relativo à compreensão das relações de gênero e sua diversidade também não verificamos a prática do respeito. Nesse contexto, sobretudo na atualidade, temos um polêmico e conflituoso tratamento dado aos termos orientação sexual e identidade de gênero que abrangem concepções diferentes e precisam ser aprendidas corretamente. Orientação sexual: refere-se à atração sexual e à afetividade que um indivíduo sente por outro. Identidade de gênero: refere-se ao gênero com o qual o indivíduo se identifica que pode ter, ou não, relação com seu sexo biológico. Ética e Cidadania na Sociedade Tecnológica O pensador francês Edgar Morin (2000) nos apresenta às demandas da educação e da sociedade do conhecimento em tempos atuais, mostrando que esta impõe aos indivíduos uma escola que lhes faça sentido, que lhes seja capaz de resgatar a formação do ser completo. Em sua visão, a escola de hoje deve oferecer aos indivíduos além do ensino básico com cálculos, língua escrita e falada, como também precisa trazer interfaces com as ferramentas e inovações tecnológicas promovidas pela era da comunicação e informação. É importante marcar que o conhecimento e a informação estão no centro do mundo atual. O perfil de indivíduo que se exige, mediante estas demandas, é de quem consegue ser flexível, polivalente, empreendedor e altamente adaptável. Trata-se de alguém que é criativo, inovador e está sempre sendo desafiado por questões profissionais e pessoais, além de estar situado em um mundo em que se fala o tempo todo a respeito de busca de soluções viáveis. Inclusive, os próprios modelos educacionais voltam-se para esta perspectiva e isto significa que o aluno a ser formado tem que ser preparado para enfrentar todo um aparato de necessidades impostas pela sociedade do conhecimento e da informação. Nesse contexto, o filósofo Pierre Levy (1999) traz à cena os conceitos de cibercultura e ciberespaço para mostrar a amplitude de nossas trocas de conhecimento e aprendizagem na era digital. Além disso, o autor ainda produz uma associação ao pensamento do professor Derrick de Kerckhove (1995), acerca do conceito de inteligência coletiva, que constitui-se em inteligências conectadas, isto é, o uso colaborativo das várias inteligências mediante processos de comunicação e tecnologias em rede. Este novo desenho pedagógico de formação dos indivíduos propõe uma revisão da forma tradicional de ensinar e aprender, nele a construção de saberes e as trocas comunicacionais ganham uma dimensão mais personalizada. Cibercultura: cultura que emerge com o advento das trocas comunicacionais advindas do computador. Conhecimentos, valores, informações e saberes que se constroem a partir do mundo virtual. Ciberespaço: é o virtual, as redes de conexão. Para o pedagogo norte-americano John Dewey (1979) é a partir da dúvida, da perplexidade e do ato de pensar que a reflexão emerge. Ela também envolve o ato de pesquisar, para esclarecer e resolver a tal incerteza. Dessa forma, o autor nos aponta o caminho para pensar as nossas questões éticas contemporâneas. Além dele, também o pensador Cornelius Castoriadis (1999) diz que a reflexão deve sinalizar o conhecimento para investigar, explicitar e questionar os conteúdos sociais e culturais. O acadêmico mexicano León Olivé (2000), em seus estudos, colabora com nossa reflexão sobre deveres morais do cientista e do tecnólogo em nossos tempos. Para ele, cientistas devem ter consciência da responsabilidade e das consequências do trabalho que realizam. Esta responsabilidade inclui informar a sociedade com precisão sobre seus experimentos e resultados. Também, os tecnólogos devem avaliar com cautela e seriedade as tecnologias produzidas e suas amplitudes, avaliando não só a eficiência, mas sobretudo, os impactos no meio social e natural. O autor ainda ressalta que os cidadãos, a grosso modo, também têm responsabilidade na avaliação das tecnologias, tanto em termos de sua aceitação quanto de sua propagação. Assim, eles devem buscar informações adequadas sobre a natureza da ciência e da tecnologia que estão propagando, bem como do seu uso e das consequências. A Intolerância, o Racismo e a Xenofobia No ano de 2001, realizou-se a “Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa”, na cidade de Durban, África do Sul. Esta conferência foi determinante para o estabelecer demandas mundiais para o enfrentamento de um cenário sociopolítico extremamente grave em nível global: o combate ao racismo e à intolerância. Trata-se de compreender que indivíduos, povos e nações estavam praticando e incentivando cada vez mais atitudes de exclusão e segregação social, que em muitos casos chegavam a causar o extermínio de alguns grupos. Em consequência desta situação, mesmo diante de outros instrumentos legais e históricos para esse fim, foi necessário organizar a Conferência de 2001, no intuito de evidenciar, refletir e buscar soluções para esta problemática. A seguir, listamos aqui alguns dos instrumentos que foram implementados sob a égide da Organização das Nações Unidas, com intuito de promover a igualdade e combater à intolerância: • Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (1948); • Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos • Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) • Convençãosobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979); • Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). Apesar do aparato legal acima referido, os dados mundiais seguiram apontando que seres humanos ainda são vítimas de ideologias racistas e tratamentos segregacionistas, principalmente com o surgimento de novas tecnologias e o advento da globalização, que trouxeram tanto os benefícios próprios de seus campos quanto a evidência de algumas problemáticas globais. Por isso a urgência de novas medidas e esforços focados em um nível nacional e internacional de combate a tais práticas. Racismo: significa preconceito e discriminação de indivíduos e grupos fundamentados em percepções sociais baseadas em diferenças biológicas entre os povos. Xenofobia: sentimento de desconfiança, antipatia, receio de pessoas que não são familiares ao meio de quem julga, ou ainda daqueles que não são do país de quem julga. Intolerância: capacidade mental de não desejar reconhecer e respeitar diferentes valores, sentimentos, opiniões de grupos e pessoas que não pertencem a quem avalia. O professor Boaventura de Sousa Santos (2007) ao descrever os motivos pelos quais se pratica o xenofobismo, mostra que o migrante é visto como “de fora” em um território que é dominado por alguém que acredita “ser seu”, o que leva a imputar ao estrangeiro a aceitação de suas práticas, submetendo-se a seu modo de vida. Caso isso não venha a ocorrer, ou seja, quando o imigrado se percebe e busca estabelecer-se como um sujeito de direitos, o qual estando presente naquela comunidade passa a sentir o desejo de participar das decisões da vida política, social etc., o dominante começa a se sentir incomodado, buscando nas práticas racistas e xenofóbicas uma forma de coação e reação a esse migrante. O Ensino da Ética nas Instituições O pesquisador Fritjof Capra (2002), destaca que as instituições universitárias precisam reformular currículos que contemplem a formação ética pois, segundo ele, elas têm o papel de formar os novos profissionais. Já Leandro Sequeiros (2000), prima pelo ensino da ética da solidariedade na educação como um todo, pois ele acredita que a criança desde cedo deve conhecer a consciência ética. No entanto, o professor François Vallaeys (2003) infere que os valores dominantes das universidades atuais são o individualismo, a posse, a competência e a dominação. A partir da década de 1990 e com a massificação da educação superior, uma grande amplitude de oportunidades de cursos cursos e disciplinas com ênfase mercadológica, muitas instituições viram a possibilidade de agregar à sua missão, através da propaganda, os valores de formação ética e responsabilidade social, conforme sinaliza Adolfo Ignácio Calderón (2005). Em uma sociedade baseada no “capitalismo selvagem”, em que muitos comportamentos não prezam as relações éticas, é muito comum ouvirmos várias reclamações de posturas antiéticas na política e na sociedade como um todo. Nesse caso, a inclusão da ética nos currículos, sobretudo nos cursos universitários, torna-se uma urgência acadêmica, para que continue a se constituir como um elemento fundamental nas relações humanas. Em conclusão, o filósofo francês Armand Cuvillier (1947) marcou os seguintes pontos a serem observados na formação ética dos profissionais: • Através da profissão o indivíduo se realiza plenamente, provando sua capacidade, habilidade, sabedoria, inteligência e formando sua personalidade para vencer obstáculos; • O nível moral dos homens é elevado pelo seu exercício profissional; • Na profissão os homens mostram sua utilidade àcomunidade.