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1 Capítulo 1 – Visão Geral Uma introdução ao sistema nervoso Augusto Valadão Junqueira O sistema nervoso A primeira divisão que devemos ter em mente a respeito do sistema nervoso é a distinção estrutural entre sistema nervoso central (SNC) e sistema nervoso periférico (SNP). O central compreende tudo que se encontra dentro das estruturas ósseas, isto é, a coluna vertebral e o crânio. Na coluna vertebral encontra-se a medula espinhal, enquanto o crânio envolve o que chamamos generalizadamente de encéfalo. O encéfalo possui três estruturas básicas: o tronco encefálico, que se continua inferiormente com a medula; o cerebelo, ligado atrás do tronco encefálico na fossa posterior do crânio; e o prosencéfalo (termo embriológico usado por alguns autores), que pode ser dividido em telencéfalo (os dois grandes hemisférios laterais) e diencéfalo (a parte ímpar central). Há uma discordância entre os autores sobre a definição específica do termo cérebro: para alguns, cérebro é o mesmo que telencéfalo (Bear et al., 2008); para outros, o termo cérebro engloba o telencéfalo e o diencéfalo (Machado, 2006; Lent, 2005); há ainda os que defendem a inclusão do mesencéfalo (parte superior do tronco encefálico) ao telencéfalo e diencéfalo na definição de cérebro (Kandel et al., 2003). O sistema nervoso periférico liga o central aos órgãos efetores através dos nervos. Não é difícil entender que o SNC possui mais corpos de neurônios, enquanto o SNP é constituído principalmente por fibras nervosas. O sistema nervoso central, diferentemente do periférico, é também envolto por três camadas protetoras especiais por dentro do revestimento ósseo: as meninges (de fora para dentro: dura-máter, aracnóide e pia-máter). A principal função do sistema nervoso é integrar informações recebidas com ações ordenadas, tanto em um contexto exterior (a forma como nos relacionamos com o meio) quanto em um contexto interno (o controle de nossas funções fisiológicas internas). Tendo isso em vista, há outra divisão que diz respeito a uma distinção funcional, separando o sistema nervoso em sistema nervoso somático (SNS) e sistema nervoso visceral (SNV). O sistema nervoso somático (ou sistema nervoso da vida de relação) está ligado ao lado voluntário e consciente de nossas ações e sentidos. Será o responsável pela inervação da musculatura estriada esquelética (voluntária), bem como a condução da informação sensorial gerada pela impressão que o mundo aplica em nosso corpo. Soma quer dizer corpo, daí "somático". Origem Capítulo 1 – Visão Geral 2 semelhante tem a palavra somestesia1, que representará os sentidos do corpo. A somestesia inclui sensações exteroceptivas (dor, temperatura, tato e noção de pressão e vibração) e sensações proprioceptivas (termo que será amplamente estudado, ligado às informações de posicionamento do próprio corpo). O sistema nervoso visceral regula a atividade das vísceras através dos reflexos inconscientes do organismo, para manter a homeostasia (equilíbrio fisiológico) do meio interno. Controla a musculatura lisa (involuntária), as glândulas e a musculatura estriada cardíaca (também involuntária) através de seu componente motor — o sistema nervoso autônomo (SNA; ultimamente também chamado de sistema nervoso vegetativo), dividido em simpático, parassimpático e entérico. Um sentido veiculado pela divisão visceral do sistema nervoso, por exemplo, é a sensação de plenitude alimentar após uma refeição. Há ainda tipos especiais de sentidos (olfato, visão, audição, equilíbrio e paladar), que serão estudados individualmente no capítulo de nervos cranianos. Figura 1.1 – Vista medial do encéfalo. Tálamo e hipotálamo são divisões do diencéfalo. A glândula pineal faz parte do epitálamo, outra divisão do diencéfalo. (Ilustrações: William de Andrade) 1 Não confunda com a sinestesia, que é uma mistura de sentidos. Uma "cor crocante", por exemplo. Capítulo 1 – Visão Geral 3 Figura 1.2 – Sistema nervoso central (SNC): encéfalo e medula. Os hemisférios cerebrais são também chamados de telencéfalo. O tálamo é uma estrutura do diencéfalo. O tecido nervoso Existem dois tipos celulares fundamentais no sistema nervoso: os neurônios (ou células nervosas) e a neuróglia (ou células gliais). Os neurônios representam a unidade funcional do sistema nervoso. São especializados em conduções elétricas rápidas, o que permite a comunicação eficaz de todo o sistema. Possuem um corpo (ou soma) e duas extremidades (comumente referidas como "processos"), de uma forma geral diferenciadas entre uma parte receptora (dendritos) e uma parte emissora (axônio). Os Capítulo 1 – Visão Geral 4 neurônios comunicam-se entre si pelas sinapses. Uma sinapse é um espaço físico — é de fato o espaço entre um neurônio e outro —, e não o fenômeno da transferência de dados, como muitos acham. O fenômeno do impulso propriamente dito chama-se transmissão sináptica. Os neurônios usam neurotransmissores para realizar a tarefa de codificar mensagens transmitidas nas sinapses. A neuróglia, composta por células gliais (ou células da glia), é cerca de cinco vezes mais abundante que o componente neuronal do tecido nervoso (Moore et al., 2007). É responsável pela sustentação, proteção e nutrição dos neurônios. Possui variações celulares entre o sistema nervoso central e o periférico, o que será melhor estudado no capítulo do tecido nervoso. É importante entender a diferença entre substância cinzenta e substância branca. A primeira refere-se a um aglomerado de corpos de neurônios, enquanto a outra é uma rede de fibras formadas por um agrupamento de prolongamentos de neurônios. "Branca" porque a mielina que envolve as fibras tem essa cor. No SNC a substância cinzenta pode formar um córtex (camada inteira de corpos neuronais) ou um núcleo (aglomerado de substância cinzenta isolado em meio à substância branca), enquanto no SNP tais aglomerados são chamados de gânglios. A única diferença prática entre um núcleo e um gânglio é o fato de estar localizado dentro ou fora do SNC. A substância branca forma tratos (ou fascículos ou ainda lemniscos, nomes que diferem apenas por uma questão quantitativa) no SNC e nervos no SNP, o que nos leva a um outro ponto importante: a diferença entre fibra nervosa e nervo. Uma fibra nervosa é um único axônio de um único neurônio, enquanto um nervo é a estrutura que envolve um agrupamento de muitas fibras (isto é, de muitos axônios). Há uma divisão do sistema nervoso baseada na diferença de organização das substâncias branca e cinzenta: sistema nervoso segmentar e sistema nervoso supra-segmentar. O segmentar inclui o SNP, a medula espinhal e o tronco encefálico. O supra-segmentar compreende o cérebro e o cerebelo. Na medula e no tronco, a substância cinzenta fica no centro e a branca a envolve (ou seja, há uma coluna central de corpos de neurônios envolta por um cilindro de fibras nervosas). No cérebro e cerebelo ocorre o inverso: envolvendo externamente a substância branca, a substância cinzenta forma uma fina camada de corpos neuronais, dando origem ao córtex cerebral e ao córtex cerebelar. Mesmo nas regiões supra-segmentares, entretanto, há corpos de neurônios em meio às redes de fibras da substância branca, mas aqui formando aglomerados mais dispersos e de distribuição irregular: são os já mencionados núcleos. Capítulo 1 – Visão Geral 5 O objetivo deste capítulo é iniciar uma familiarização aos termos da neurologia. Todos essestermos serão estudados individualmente com calma no capítulo referente a cada uma das estruturas do sistema nervoso. Não se preocupe com os nomes novos, ainda não é necessário que saiba todos. Com o tempo aprenderá tudo naturalmente. "Ao término do jogo, o rei e o peão voltam para a mesma caixa." — Provérbio italiano Referências 1. Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências: Desvendando o Sistema Nervoso. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. 2. Haines DE. Neurociência Fundamental. 3rd ed. São Paulo: Elsevier; 2006. 3. Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM. Princípios da Neurociência. 4th ed. Barueri: Manole; 2003. 4. Lent R. Cem Bilhões de Neurônios. 1st ed. São Paulo: Atheneu; 2005. 5. Machado ABM. Neuroanatomia Funcional. 2nd ed. São Paulo: Atheneu; 2006. 6. Moore KL, Dalley AF. Anatomia Orientada para a Clínica. 5th ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2007.
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