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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE EDUCAÇÃO Disciplina: Psicologia da Educação I – 1º Semestre de 2012 Profª Dra. Alessandra Oliveira Machado Vieira. RECORTES DE TEXTOS ORIGINAIS DE FREUD SOBRE A EDUCAÇÃO CONFERÊNCIA XXXIV (1933) VOL. XXII EXPLICAÇÕES, APLICAÇÕES E ORIENTAÇÕES Existe um tema, todavia, que não posso deixar passar tão facilmente – assim mesmo, não porque eu entenda muito a respeito dele, e nem tenha contribuído muito para ele. Muito pelo contrário: aliás, desse assunto ocupei-me muito pouco. Devo mencioná-lo porque é da maior importância, é tão pleno de esperanças para o futuro, talvez seja a mais importante de todas as atividades de análise. Estou pensando nas aplicações da psicanálise à educação, à criação da nova geração. Sinto-me contente com o fato de pelo menos poder dizer que minha filha, Anna Freud, fez desse estudo a obra de sua vida e, dessa forma, compensou minha falha. É fácil traçar o caminho que levou a essa aplicação. Quando, no tratamento de um neurótico adulto, estabelecíamos a sequência dos fatores determinantes de seus sintomas, éramos, com regularidade, reconduzidos ao início de sua infância. O conhecimento dos fatores etiológicos subseqüentes não era suficiente nem para compreender o caso, nem para produzir um efeito terapêutico. Portanto, víamos compelidos a conhecer as peculiaridades da infância; aprendemos uma grande quantidade de coisas, que não poderíamos aprender senão por meio da análise, e pudemos corrigir muitas opiniões, geralmente aceitas, acerca da infância. Reconhecemos que os primeiros anos da infância possuíam uma importância especial – até a idade de cinco anos, possivelmente – por diversos motivos. Em primeiro lugar, porque esses anos incluíam o primeiro surgimento da sexualidade, que deixa após si fatores causais decisivos para a vida sexual da maturidade. Em segundo lugar, porque as impressões desse período incidem sobre o ego imaturo e débil e atuam sobre este como traumas. O ego não consegue desviar as tempestades emocionais que esses traumas de algum modo provocam, exceto por meio da repressão, e assim adquire na infância todas as disposições para uma doença ulterior e para distúrbios funcionais. Percebemos que a dificuldade da infância reside no fato de que, num curto espaço de tempo, uma criança tem de assimilar os resultados de uma evolução cultural que se estende por milhares de anos, incluindo-se aí a aquisição do controle de seus instintos e a adaptação à sociedade – ou, pelo menos, um começo dessas duas coisas. Só pode efetuar uma parte dessa modificação através do seu desenvolvimento; muitas coisas devem ser impostas à criança pela educação. Não nos surpreendemos se muitas vezes as crianças executam essa tarefa de modo muito imperfeito. Durante esses primeiros anos, muitas delas passam por estados que podem ser equiparados a neuroses – e isto se dá certamente assim em todas aquelas que posteriormente apresentam uma doença manifesta. Em algumas crianças, a doença neurótica não espera até a puberdade, mas irrompe já na infância e dá muito trabalho para os pais e aos médicos. Não receamos aplicar tratamento analítico a crianças que, ou mostraram inequívocos sintomas neuróticos, ou estavam a caminho de um desenvolvimento desfavorável do caráter. A apreensão, expressa pelos adversários da análise, de que a criança seja prejudicada, mostrou-se infundada. O que ganhamos com esses tratamentos foi havermos conseguido confirmar num ser vivo aquilo que havíamos inferido (de documentos históricos, por assim dizer) no caso de adultos. No entanto, também para as crianças o ganho foi muito satisfatório. Verificou-se que a criança é muito propícia para tratamento analítico; os resultados são seguros e duradouros. A técnica de tratamento usada em adultos deve, naturalmente, ser muito modificada para sua aplicação em crianças. Uma criança é um objeto psicologicamente diferente de um adulto. De vez que não possui superego, o método da associação livre não tem muita razão de ser, a transferência (porquanto os pais reais ainda estão em evidência) desempenha um papel diferente. As resistências internas contra os quais lutamos, no caso dos adultos, são na sua maior parte substituídas, nas crianças, pelas dificuldades externas. Se os pais são aqueles que propriamente se constituem em veículos de resistência, o objetivo da análise – e a análise como tal – muitas vezes corre perigo. Daí se deduz que muitas vezes é necessária determinada dose de influência analítica junto aos pais. Por outro lado, as inevitáveis variantes das análises de crianças, diferentes da análise de adultos, são diminuídas pela circunstância de que alguns dos nossos pacientes conservaram tantas características infantis, que o analista (também aqui adaptando-se ao caso) não pode evitar o emprego, em tais pacientes, de determinadas técnicas da análise infantil. Aconteceu automaticamente que a análise de crianças se tornou domínio das analistas mulheres, e sem dúvida isto continuará assim. O reconhecimento de que a maioria das nossas crianças atravessa uma fase neurótica no curso desenvolvimental impõe medidas de profilaxia. Pode-se levantar a questão de saber se não seria adequado vir em auxílio de uma criança com a análise, embora não mostre sinais de algum distúrbio, como forma de salvaguardar sua saúde, do 2 mesmo modo como atualmente vacinamos as crianças contra a difteria, sem esperar para ver se contraíram a doença. No momento atual, essa discussão tem apenas interesse acadêmico, contudo me disponho a considerá-la aqui. À grande massa de nossos contemporâneos a simples sugestão de tal medida pareceria uma ofensa monstruosa e, em vista da atitude para com a análise, manifestada pela maioria das pessoas na condição de pais, qualquer esperança de colocar em prática tal idéia deve ser abandonada, na época atual. Semelhante profilaxia contra a doença neurótica, que provavelmente seria muito eficaz, também pressupõe uma constituição bem diversa da sociedade. A iniciativa para a aplicação da psicanálise à educação deve, hoje, ser buscada em outra área. Vamos tornar claro para nós mesmos qual a tarefa primeira da educação. A criança deve aprender a controlar seus instintos. É impossível conceder-lhe liberdade de pôr em prática todos os seus impulsos sem restrição. Fazê-lo seria um experimento muito instrutivo para os psicólogos de crianças; mas a vida seria impossível para os pais, e as próprias crianças sofreriam grave prejuízo, que se exteriorizaria, em parte, imediatamente e, em parte, nos anos subseqüentes. Por conseguinte, a educação deve inibir, proibir e suprimir, e isto ela procurou fazer em todos os períodos da história. Na análise, porém, temos verificado que precisamente essa supressão dos instintos envolve risco de doença neurótica. Conforme os senhores haverão de se lembrar, examinamos detalhadamente como isto ocorre. Assim, a educação tem de escolher seu caminho entre o Sila da não interferência e o Caríbdis da frustração. A menos que o problema seja inteiramente insolúvel, deve-se descobrir um ponto ótimo que possibilite à educação atingir o máximo com o mínimo de dano. Será, portanto, uma questão de decidir quanto proibir, em que hora e por que meios. E, ademais, devemos levar em conta o fato de que os objetos de nossa influência educacional têm disposições constitucionais inatas muito diferentes, de modo que é quase impossível que o mesmo método educativo possa ser uniformemente bom para todas as crianças. Uma simples reflexão nos diz que até agora a educação cumpriu muito mal sua tarefa e causou às crianças grandes prejuízos. Se ela descobrir o ponto ótimo e executar suas tarefas de maneira ideal, ela pode esperar eliminar um dos fatores da etiologia do adoecer – a influência dos traumasacidentais da infância. Ela não pode, em caso nenhum, suprimir o outro fator – o poder de uma constituição instintual rebelde. Se considerarmos agora os difíceis problemas com que se defronta o educador – como ele tem de reconhecer a individualidade constitucional da criança, de inferir, a partir de pequenos indícios, o que está se passando na mente imatura desta, de dar-lhe a quantidade exata de amor e, ao mesmo tempo, manter um grau eficaz de autoridade -, haveremos de dizer a nós mesmos que a única preparação adequada para a profissão de educador é uma sólida formação psicanalítica. Seria melhor que o educador tivesse sido, ele próprio, analisado, de vez que o certo é ser impossível assimilar a análise sem experimentá-la pessoalmente. A análise de professores e educadores parece ser uma medida profilática mais eficiente do que a análise das próprias crianças, e são menores as dificuldades para pô-la em prática. Podemos mencionar, conquanto apenas como consideração incidental, um meio indireto de a educação das crianças poder ser ajudada pela análise, um modo que, com o tempo, pode adquirir maior influência. Os pais que tiverem em si a experiência de análise, e devem muito a ela, além de lhe deverem compreensão interna (insight) das falhas havidas na sua própria educação, tratarão seus filhos com melhor compreensão e lhes pouparão muitas coisas de que não foram poupados. Paralelamente ao trabalho dos analistas no sentido de influenciar a educação, estão sendo feitas outras investigações quanto à origem e prevenção da delinqüência e do crime. Também aqui estou apenas abrindo a porta para os senhores e mostrando-lhes os compartimentos que se situam detrás dela, sem conduzi-los para dentro. Estou certo de que, se os senhores permanecerem leais ao seu interesse pela psicanálise, poderão aprender muita coisa nova e valiosa a respeito desses temas. Entretanto, não devo abandonar o assunto da educação sem me referir a um seu aspecto especial. Tem-se afirmado – e certamente com razão – que toda educação possui um objetivo tendencioso, que ela se esforça por fazer a criança alinhar-se conforme a ordem estabelecida da sociedade, sem considerar qual o valor ou qual o fundamento dessa ordem como tal. Se [pergunta-se] uma pessoa está convencida dos defeitos das nossas atuais instituições sociais, a educação segundo uma linha psicanalítica também não pode justificadamente se colocar a serviço dessas instituições: a tal educação deve- se dar finalidades outras e mais elevadas, isentas das exigências reinantes na sociedade. Contudo, em minha opinião, esse argumento não cabe aqui. Tal pretensão está além da função legítima da análise. Da mesma forma, não compete ao médico, que é chamado para tratar um caso de pneumonia, preocupar-se com coisas tais como, por exemplo, se o paciente é um homem honesto, um suicida, ou um criminoso, se merece continuar vivo ou se deveria querer mantê-lo com vida. Esse outro objetivo que se deseja dar à educação também será um objetivo tendencioso, e não é da competência do analista decidir entre as partes. Estou abandonando totalmente o fato de que a psicanálise deveria recusar qualquer influência na educação, no caso de esta se propor objetivos incompatíveis com a ordem social estabelecida. A educação psicanalítica estará assumindo uma responsabilidade para a qual não foi convidada, se ela tencionar transformar seus discípulos em rebeldes. Ela terá desempenhado seu papel se os tornar tão sadios e eficientes quanto é possível. A psicanálise já encerra em si mesma, fatores revolucionários suficientes para garantir que todo aquele que nela se educou jamais tomará em sua vida posterior o partido da reação e da repressão. Penso até mesmo que as crianças revolucionárias não são desejáveis, sob nenhum ponto de vista. 3 PREFÁCIO A JUVENTUDE DESORIENTADA, DE AICHHORN (1925) VOL. XIX Nenhuma das aplicações da psicanálise excitou tanto interesse e despertou tantas esperanças, e nenhuma, por conseguinte, atraiu tantos colaboradores capazes, quanto seu emprego na teoria e prática da educação. É fácil compreender por quê, de vez que as crianças se tornaram o tema principal da pesquisa psicanalítica e substituíram, assim, em importância, os neuróticos com os quais ela iniciou seus estudos. A análise demonstrou como a criança continua a viver, quase inalterada, no doente, bem como naquele que sonha e no artista; lançou luz sobre as forças motivadoras e tendências que estampam seu selo característico sobre a natureza infantil e traçou os estádios através dos quais a criança chega à maturidade. Não é de admirar, portanto, que tenha surgido a expectativa de que o interesse psicanalítico nas crianças beneficiaria o trabalho da educação, cujo objetivo é orientar e assistir as crianças em seu caminho para diante e protegê-la de se extraviarem. Minha cota pessoal nessa aplicação da psicanálise foi muito leve. Em um primeiro estádio, aceitei o bom mot que estabelece existirem três profissões impossíveis – educar, curar e governar -, e eu já estava inteiramente ocupado com a segunda delas. Isto, contudo, não significa que desprezo o alto valor social do trabalho realizado por aqueles de meus amigos que se empenham na educação. O presente volume da autoria de August Aichhorn interessa-se por um setor do grande problema: a influenciação educacional de delinqüentes juvenis. O autor trabalhou por muitos anos em posição oficial da competência como diretor de instituições municipais para delinqüentes, antes de ter-se familiarizado com a psicanálise. Sua atitude para com seus encargos originam-se de uma cálida simpatia com a sorte desses infelizes e foi corretamente guiada por uma percepção intuitiva de suas necessidades mentais. A psicanálise praticamente pouco pôde ensinar-lhe algo que fosse novo, porém lhe trouxe uma clara compreensão interna (insight) teórica da justificativa de seu modo de agir e colocou-o em posição de explicar seu fundamento a outras pessoas. Não devemos presumir que esse dom de compreensão intuitiva seja encontrado em todos aqueles que se interessaram pela educação de crianças. Segundo me parece, duas lições se pode derivar da experiência e do sucesso de August Aichhorn. Uma é que toda pessoa desse tipo deveria receber uma formação psicanalítica, de vez que sem esta as crianças, o objeto de seus esforços, permanecerão sendo um problema inacessível para ela. Uma formação desse gênero é mais bem executada se a própria pessoa se submete a uma análise e a experimenta em si mesma; a instrução teórica na análise fracassa em penetrar bastante fundo e não traz convicção. A segunda lição tem uma aura um tanto conservadora. Afirma-se no sentido de que o trabalho da educação é algo sui generis: não deve ser confundido com a influência psicanalítica e não pode ser substituído por ela. A psicanálise pode ser convocada pela educação como meio auxiliar de lidar com uma criança, porém não constitui um substituto apropriado para a educação. Tal substituição não só é impossível em fundamentos práticos, como também deve ser desaconselhada por razões teóricas. A relação entre a educação e o tratamento psicanalítico provavelmente logo será o tema de uma investigação pormenorizada. Fornecerei aqui apenas algumas sugestões. Não devemos deixar-nos desorientar pela afirmação – incidentalmente uma afirmação perfeitamente verídica – de que a psicanálise de um neurótico adulto é equivalente a uma pós-educação. Uma criança, mesmo uma criança desorientada e delinqüente, ainda não é um neurótico, e a pós-educação é algo inteiramente diferente da educação dos imaturos. A possibilidade de influência analítica repousa em precondições bastante definidas, que podem ser resumidas sob a expressão ‘situação analítica’, ela exige o desenvolvimento de determinadas estruturaspsíquicas e de uma atitude específica para com o analista. Onde estas faltam – como no caso de crianças, delinqüentes juvenis e, via de regra, criminosos impulsivos – algo diferente da análise tem de ser utilizado, embora algo que seja uníssono com a análise em seu intuito. Os capítulos teóricos do presente volume fornecerão ao leitor uma apreensão preliminar da multiplicidade das decisões envolvidas. Encerrarei com outra inferência, desta vez uma inferência importante não para a teoria da educação, mas para a condição daqueles que estão empenhados na educação. Se um deles aprendeu a análise por experimentá-la em sua própria pessoa, e está em posição de poder empregá-la em casos fronteiriços e mistos, a fim de auxiliá-lo em seu trabalho, obviamente deverá ter o direito de praticar a análise; e não se deve permitir que motivos mesquinhos tentem colocar obstáculos em seu caminho. 4 O INTERESSE CIENTÍFICO DA PSICANÁLISE (1913) VOL. XIII PARTE II- O INTERESSE DA PSICANÁLISE PARA AS CIÊNCIAS NÃO-PSICOLÓGICAS (H) O INTERESSE EDUCACIONAL DA PSICANÁLISE O interesse dominante que tem a psicanálise para a teoria da educação baseia-se num ato que se tornou evidente. Somente alguém que possa sondar as mentes das crianças será capaz de educá-las e nós, pessoas adultas, não podemos entender as crianças porque não mais entendemos a nossa própria infância. Nossa amnésia infantil prova que nos tornamos estranhos à nossa infância. A psicanálise trouxe à luz os desejos, as estruturas de pensamento e os processos de desenvolvimento da infância. Todos os esforços anteriores nesse sentido foram, no mais alto grau, incompletos e enganadores por menosprezarem inteiramente o fator inestimavelmente importante da sexualidade em suas manifestações físicas e mentais. O espanto incrédulo com que se defrontam as descobertas estabelecidas com maior grau de certeza pela psicanálise sobre o tema da infância – o complexo de Édipo, o amor a si próprio (ou ‘narcisismo’), a disposição para as perversões, o erotismo anal, a curiosidade sexual – é uma medida do abismo que separa nossa vida mental, nossos juízos de valor e, na verdade, nossos processos de pensamento daqueles encontrados mesmo em crianças normais. Quando os educadores se familiarizarem com as descobertas da psicanálise, será mais fácil se reconciliarem com certas fases do desenvolvimento infantil e, entre outras coisas, não correrão o risco de superestimar a importância dos impulsos instintivos socialmente imprestáveis ou perversos que surgem nas crianças. Pelo contrário, vão se abster de qualquer tentativa de suprimir esses impulsos pela força, quando aprenderem que esforços desse tipo com freqüência produzem resultados não menos indesejáveis que a alternativa, tão temida pelos educadores, de dar livre trânsito às travessuras da criança. A supressão forçada de fortes instintos por meios externos nunca produz, numa criança, o efeito de esses instintos se extinguirem ou ficarem sob controle; conduz à repressão, que cria uma predisposição a doenças nervosas no futuro. A psicanálise tem freqüentes oportunidades de observar o papel desempenhado pela severidade inoportuna e sem discernimento da educação na produção de neuroses, ou o preço, em perda de eficiência e capacidade de prazer, que tem de ser pago pela normalidade na qual o educador insiste. E a psicanálise pode também demonstrar que preciosas contribuições para a formação do caráter são realizadas por esses instintos associais e perversos na criança, se não forem submetidos à repressão, e sim desviados de seus objetivos originais para outros mais valiosos, através do processo conhecido como ‘sublimação’. Nossas mais elevadas virtudes desenvolveram-se, como formações reativas e sublimações, de nossas piores disposições. A educação deve escrupulosamente abster-se de soterrar essas preciosas fontes de ação e restringir-se a incentivar os processos pelos quais essas energias são conduzidas ao longo de trilhas seguras. Tudo o que podemos esperar a título de profilaxia das neuroses no indivíduo se encontra nas mãos de uma educação psicanaliticamente esclarecida. Não foi meu objetivo nesse artigo colocar ante um público cientificamente orientado uma descrição do alcance e do conteúdo da psicanálise ou de suas hipóteses, problemas e descobertas. Meu objetivo terá sido atingido se eu tiver deixado claras as muitas esferas de conhecimento em que a psicanálise é de interesse e os numerosos vínculos que começou a forjar entre elas. BREVES ESCRITOS (1910) VOL. XI CONTRIBUIÇÕES PARA UMA DISCUSSÃO ACERCA DO SUICÍDIO OBSERVAÇÕES INTRODUTÓRIAS Senhores. Todos vós ouvistes com muita satisfação o arrazoado feito por um educador que não admitirá que uma acusação injusta se levante contra a instituição que lhe é tão cara. Mas eu sei que, de todo modo, não estais inclinados a dar fácil crédito à acusação de que as escolas impelem seus alunos ao suicídio. Não nos deixemos levar demasiado longe, no entanto, por nossa simpatia pela parte que foi injustamente tratada nesse caso. Nem todos os argumentos apresentados pelo iniciador da discussão me parecem sustentáveis. Se é o caso que o suicídio de jovens ocorre não só entre os alunos de escolas secundárias, mas também entre aprendizes e outros, este fato não absolve as escolas secundárias; isto deve talvez ser interpretado como significando que no, concernente a seus alunos, a escola secundária toma o lugar dos traumas com que outros adolescentes se defrontam em outras condições de vida. Mas uma escola secundária deve conseguir mais do que não impelir seus alunos ao suicídio. Ela deve lhes dar o desejo de viver e devia oferecer-lhes apoio e amparo numa época da vida em que as condições de seu desenvolvimento os compelem a afrouxar seus vínculos com a casa dos pais e com a família. Parece-me indiscutível que as escolas falham nisso, e a muitos respeitos deixam de cumprir seu dever de proporcionar um substituto para a família e de despertar o interesse pela vida do mundo exterior. Esta não é a ocasião oportuna para uma crítica às escolas secundárias em sua forma presente; mas talvez eu possa acentuar um simples ponto. A escola nunca deve esquecer que ela tem de lidar com indivíduos imaturos a quem não pode ser negado o direito de se demorarem em certos estágios do desenvolvimento e mesmo em alguns um pouco desagradáveis. A escola não pode ajudicar-se o caráter da vida: ela não deve pretender ser mais do que uma maneira de vida. 5 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A PSICOLOGIA ESCOLAR – VOL. XIII A psicanálise nos mostrou que as atitudes emocionais dos indivíduos para com as outras pessoas que são de tão extrema importância para seu comportamento posterior, já estão estabelecidas numa idade surpreendentemente precoce. A natureza e a qualidade das relações da criança com as pessoas do seu próprio sexo e do sexo oposto, já foi firmada nos primeiros seis anos de sua vida. Ela pode posteriormente desenvolvê-las e transformá-las em certas direções, mas não pode mais livrar-se delas. As pessoas a quem se acha assim ligada são os pais e os irmãos e irmãs. Todos que vem a conhecer mais tarde tornam-se figuras substitutas desses primeiros objetos de seus sentimentos. (Deveríamos talvez acrescentar aos pais algumas outras pessoas como babás, que dela cuidaram na infância). Essas figuras substitutas podem classificar-se, do ponto de vista da criança, segundo provenham do que chamamos as ‘imagos’ do pai, da mãe, dos irmãos e das irmãs, e assim por diante. Seus relacionamentos posteriores são assim obrigados a arcar com uma espécie de herança emocional, defrontam-se com simpatias e antipatias para cuja produção esses próprios relacionamentos pouco contribuíram. Todas as escolhas posterioresde amizade e amor seguem a base das lembranças deixadas por esses primeiros protótipos. De todas as imagens (imagos) de uma infância que, via de regra, não é mais recordada, nenhuma é mais importante para um jovem ou um homem que a do pai. A necessidade orgânica introduz na relação de um homem com o pai uma ambivalência emocional que encontramos expressa de forma mais notável no mito grego do rei Édipo. Um rapazinho está fadado a amar e a admirar o pai, que lhe parece ser a mais poderosa, bondosa e sábia criatura do mundo. Cedo, porém, surge o outro lado da relação emocional. O pai é identificado como o perturbador máximo da nossa vida instintiva; torna-se um modelo não apenas a ser imitado, mas também a ser eliminado para que possamos tomar o seu lugar. Daí em diante, os impulsos afetuosos e hostis para com ele persistem lado a lado, muitas vezes, até o fim da vida, sem que nenhum deles seja capaz de anular o outro. É nessa existência concomitante de sentimentos contrários que reside o caráter essencial daquilo que chamamos de ambivalência emocional. Na segunda metade da infância, dá-se uma mudança na relação do menino com o pai – mudança cuja importância não pode ser exagerada. De seu quarto de criança, o menino começa a vislumbrar o mundo exterior e não pode deixar de fazer descobertas que solapam a alta opinião original que tinha sobre o pai e que apressam o desligamento do seu primeiro ideal. Descobre que o pai não é o mais poderoso, sábio e rico dos seres; fica insatisfeito com ele, aprende a criticá-lo, a avaliar o seu lugar na sociedade; e então, em regra, faz com que ele pague pesadamente pelo desapontamento que lhe causou. Tudo que há de admirável, e de indesejável na nova geração é determinado por esse desligamento do pai. É nessa fase do desenvolvimento de um jovem que ele entra em contato com os professores, de maneira que agora podemos entender a nossa relação com eles. Estes homens, nem todos pais na realidade, tornaram-se nossos pais substitutos. Foi por isso que, embora ainda bastante jovens, impressionaram-nos como tão maduros e tão inatingivelmente adultos. Transferimos para eles o respeito e as expectativas ligadas ao pai onisciente de nossa infância e depois começamos a tratá-los como tratávamos nossos pais em casa. Confrontamo-nos com a ambivalência que tínhamos adquirido em nossas próprias famílias e, ajudados por ela, lutamos como tínhamos o hábito de lutar com nossos pais em carne e osso. A menos que levemos em consideração nossos quartos de crianças e nossos lares, nosso comportamento para com os professores seria não apenas incompreensível, mas também indesculpável. Como escolares, tivemos outras e um pouco menos importantes experiências com os sucessores de nossos irmãos e irmãs – nossos colegas de escola – mas estas devem ser descritas em outra oportunidade. Numa comemoração do jubileu de nossa escola, é aos professores que nossos pensamentos devem ser dirigidos. 6 OS CHISTES E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE – VOL. VII (1905) O MECANISMO DO PRAZER E A PSICOGÊNESE DOS CHISTES O ‘prazer no nonsense’ como podemos abreviadamente chamá-lo, é encoberto na vida a sério até o ponto do desvanecimento. Para demonstrá-lo, devemos investigar dois casos – um em que é ainda visível, outro em que volta a tornar-se visível: o comportamento de uma criança na aprendizagem (de sua língua) e o comportamento de um adulto, cujo estado mental foi alterado toxicamente. O período em que uma criança adquire o vocabulário da língua materna proporciona-lhe um óbvio prazer de ‘experimentá-lo brincando com ele’, segundo as palavras de Gross (ver em [1]). Reúne palavras, sem respeitar a condição de que elas façam sentido, a fim de obter delas um gratificante efeito de ritmo ou de rima. Pouco a pouco esse prazer vai lhe sendo proibido até que só restam permitidas as combinações significativas de palavras. Quando mais velho, tenta ainda emergir ao desrespeito das restrições que aprendera sobre o uso de palavras. Estas são desfiguradas por pequenos acréscimos particulares que lhes faz, suas formas sendo alteradas por certas manifestações (p. ex., por reduplicações ou ‘Zittersprache’); é possível mesmo a construção de uma linguagem secreta, para o uso entre companheiros de brincadeira. Tais tentativas são reencontradas entre certas categorias de doentes mentais. Qualquer que seja o motivo que leva a criança a iniciar esses jogos, creio que, em seu desenvolvimento posterior, ela própria desiste deles pela consciência de que são absurdos, divertindo-se algum tempo com eles devido à atração exercida pelo que é proibido pela razão. Usa agora tais jogos para se evadir da pressão da razão crítica. Muito mais poderosas são as restrições impostas à criança durante o processo educacional, quando se a introduz no pensamento lógico e na distinção entre o que é falso e verdadeiro na realidade; por essa razão a rebelião contra a compulsão da lógica e da realidade é profunda e duradoura. Mesmo o fenômeno da atividade imaginativa pode ser incluído nessa categoria [rebelde]. O poder de crítica aumenta tanto na derradeira infância e no período da aprendizagem, estendida além da puberdade, que o prazer do ‘nonsense liberado’ só raramente ousa se manifestar diretamente. Ninguém se aventura a dizer absurdos. Entretanto a tendência característica dos rapazes em dizer absurdos ou idiotices parece-me diretamente derivada do prazer no nonsense. Nos casos patológicos vemos frequentemente essa tendência ser intensificada a um tal grau que uma vez mais domina a conversa e as respostas dos escolares. Pude convencer-me, no caso de alguns garotos da escola secundária que desenvolveram neuroses, que as elaborações inconscientes de seu prazer no nonsense não desempenharam parte menor em sua real ignorância. Igualmente, mais tarde, os estudantes universitários não prescindem destas demonstrações contra a compulsão da lógica e da realidade, cujo domínio, entretanto, percebem crescentemente mais intolerante e irrestrito. Muitas das brincadeiras verbais dos estudantes fazem parte dessa reação. Pois o homem é um ‘incansável buscador do prazer’ – esqueço-me onde deparei com essa feliz expressão -, qualquer renúncia de um prazer já desfrutado é dura para ele. Com o eufórico nonsense de seu Bierschwefel, por exemplo, o estudante tenta recuperar seu prazer na liberdade de pensar, da qual vai sendo mais e mais privado pela aprendizagem da instrução acadêmica. De fato, mesmo muito mais tarde, quando, já adulto, encontra outros em congressos científicos e novamente se sente na posição de aprendiz, finda a reunião é a vez do Kneipzeitung que distorce em nonsense as novas descobertas, como compensação oferecida ao novo acréscimo em sua inibição intelectual.
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