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Marcos Lutz Müller Exposição e método dialético em 'O Capital'

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EXPOSI~AO E METODO DIALETICO EM '0 CAPITAL'
Marcos Lutz Muller *
A progressiva perda de especificidade metodol6gica do conceito de
dialetica, paralela a generalizagao do seu uso e a sua ampliagao semantica, de-
sembocou, hoje, nas vers5es nao ortodoxas ou humanistas do marxismo, nu-
ma comprometedora diluig1fo te6rica do conceito, reduzido, muitas vezes, a
urn adjetivo pleomistico que qualifica urn substantivo inexistente, ou, no mar-
xismo-Ieninismo convertido em visao de mundo, no seu alinhamento ideol6gi-
co, que evita voluntariamente aquela diluigao pela invocag1fo dogmatica das
tres leis de Engels, reabilitadas em 1956.
Mas nenhum dos elementos constitutivos ou dimens5es da diaIetica
como metodo foi tao atingida por esta dissolugao te6rica e soterrada pelo es-
quecimento quanto a caracterizada pelo conceito de 'exposigao' ('Darstel-
lung'), que indicava para Hegel e para 0 Marx d'O Capital a explicitagao racio-
nal imanente do pr6prio objeto e a exigencia de s6 nela incluir aquilo que foi
adequadamente compreendido(1). Quando nao se desprezou ou recusou pura
e simplesmente 0 canHer dialetico do metodo d'O CapitM como urn hegelia-
nismo comprometedor, descartando simultaneamente 0 conceito de uma ex-
posigao dialetica enquanto metodo, como ja flzera 0 primeiro resenhista russo
d'O Capital a que Marx se refere no Postfacio a segunda edigiro(2), e como fl-
zeram muitos outros, posteriormente (B6hmBawerk, Schumpeter), seja para
louvar 0 verdadeiro trabalho cientiflco de Marx e distingui-Io da exposigiro
diaIetica, seja para julga-Io comprometido por esta e rejeitar ambos, quando
niro ocorreu isso, apagou·se, aos poucos, a consciencia da especificidade filo-
s6fica da 'exposigao' enquanto conceito inserido numa determinada tradigao,
retomando·se a conhecida contraposig1fo de Marx entre 'metodo de exposi-
giro' e 'metodo de investigagiro'(3), para acentuar apenas a necessidade de urn
esforgo previo de apropriagao analftica do objeto anterior a sua exposigiro me-
t6dica. Sobre 0 carMer desta exposig1fo met6dica existe a maior falta de clare-
za. Quando niro se toma 0 termo 'exposig1fo' no seu sentido comum de discur-
so, de texto escrito (ou falado) que se organiza metodicamente conforme 0
(*) Professor do Vepto. de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ci«~nciasHumanas (lFCH),
UNICAMP.
(1) A exigencia de que a exposil<ao, fiel a natureza da especulal<ao, deve manter a for-
ma dialetica e s6 incluir nela 0 que foi concebido e enquanto e conceito, foi for-
mulada no Prefacio a Fenomenologia do Espirito: "Fiel a visao que atinge a natu-
reza do especulativo, a exposi~ao devera manter a forma dialetica e nada incluir
nela senao na medida em que e concebido e e conceito." HEGEL, Phanomenolo-
gie des Geistes, Ed. Hoffmeister, Meiner, Hamburg, 1952, p. 54; trad. Lima Vaz,
em: Hegel, Os Pensadores, Abril, Sao Paulo, 1975, p. 42. A seguir citado como
Phan.
(2) MARX, Das Kapital, L Band, Dietz, Bedim, 1968, p. 25. A seguir citado como
K,I.
(3) K, I, p. 25.
encadeamento das proposic.;Oes, transferindo-se 0 onus da dialetica para 0 me-
todo de pesquisa, presta-se uma homenagem encabulada ou puramente verbal
ao carater dialetico da exposic.;[o, concebido vagamente como urn metodo ge-
netico. Ja Hegel dizia que 0 mais dificil e produzir a exposic.;[o da coisa, en-
quanta ela deve unificar a sua critica e a suaapreensao(4).
Face a essa dissoluc.;[o do conceito de dialetica, contrabalanc.;ada ape-
nas pelo seu enrijecimento dogm~Hico correspondente ao seu alinhamento
ideol6gico na ortodoxia marxista-Iel1inista, impos-se, nos ultimos anos, como
ja em circunstancias hist6ricas anteriores, a tarefa de banhar, mais uma vez, a
diaIetica marxista nas suas fontes filos6ficas imediatas, para questionar a in-
terpretac.;ao canonica iniciada par Engels e Lenin. Trata-se de melhor compre-
ender a motivac.;[o original que levou Marx a comprometer-se com 0 'caroc.;o
racional'(5) da dialetica hegeliana e a concebera exeqiiibilidade de uma trans-
formac.;[o materialista da diaIetica, atraves da crftica frontal aos seus pressu-
postos idealistas em Hegel e atraves da mutac.;ao que ela sofre enquanto instru-
mento de exposic.;ao sistematica e crftica da econornia politica . .e claro que es-
te empreendimento s6 teria a sua justificac.;ao plena passando por uma des-
construc.;ao hermeneutica da 'hist6ria da atuac.;ao' da diaIetica na tradic.;ao te6-
rica e pratica do marxismo enquanto pensamento que se pretende ligado a his·
t6ria do movimento operario. Mas esta e uma tarefa quase interminavel e que
ultrapassa os prop6sitos desta abordagem.
o caminho aqui proposto e antes urn atalho: ele mantem na lembranc.;a,
como uma especie de bastidor, os avatares dessa hist6ria da atuac.;ao do con-
ceito da diaIetica, para abordar com mais justic.;a0 intrincado problema da in·
corporac.;ao por Marx da diaIetica como metodo de exposic.;ao critica dos re-
sultados de uma ci(~ncia social emergente, a econornia. Quais os aspectos da
diaIetica hegeliana da Ciencia da L6gica que foram paradigmaticos para 0
projeto marxiano de transformac.;ao materialista da dialetica na reconstruc.;ao
sistematica e critica da economia politica burguesa, apresentada n'O Capi-
tal?(6). Quais as transformac.;Oes que 0 'caroc.;o racional' da dialtWca hegeliana
sofre na tentativa marxiana de desvincula-Ia dos pressupostos idealistas da me-
tafisica do conceito da Ciencia da L6gica e de vira-Ia materialistamente ao aves-
"0 que ha de mais facil e julgar 0 que possui conteudo e densidade. Mais dificil e
apreende-lo e 0 mais dificil e produzir a sua exposh;ao, que unifica a ambos."
Phitn., p. 11; trad. 10c. cit., p. 13.
K, I, p. 27.
Nao e so a diaI6tica logica, propria da exposi«ao do aut?,:lnovimento do conceito
na Ciencia da LOgica: que atua no texto e na arquitetonica d '0 Capital, mas, tam-
bern, a diaI6tica fenomenologica, exposta pOl HEGEL na Fenomenologia do Es-
plritO, como por exemplo no Livro I, capItulo 1, d'O Capital, a proposito da de-
du«ao da forma valor e do ponto de partida com a mercadoria, como urn imediato
tamb6m fenomenologico, e nao so logico, e, principalmente, no movimento geral
da exposi«ao do LiVIOIII d'O Capital, que conduz a reconstitui«ao da genese ne-
cessana das categorias imediatas da esfera da circula«ao (as formas de rendimento)
a partir do movimento do capital social total. Aqui a contraposi«ao se limitara a
Cienciada·L6gica. '
( 5)
( 6)
so, tomando-a, assim invertida, numa fonte de inteligibilidade das estruturas
economicas da sociedade capitalista? Qual a importiincia do conceito hegeliano
de 'exposic.;[o' para 0 meta do d'O Capital equal 0 sentido da retamada deste
conceito numa dialetica que se quer materialista?
As duas primeiras questOes ser[o abordadas na medidaem que elas in-
cidem sobre este elemento constitutivo ou dimens[o do metoda diaIetico de-
signada pelo conceito de 'exposic.;ao'. Pergunta.se 0 que e a dialetica enquanto
metodo de exposi~o d'O Capital?(7). A abordagem restrita a este aspecto, se
insere contudo no quadro mais amplo de uma tentativa de analisar, a partir de
urn confronto entre certas caracteristicas metodol6gicas globais daCiencia da
L6gica e d'O Capital, quatro caracteristicas ou, melhor, dimensOes principais
do metodo diaIetico d'O Capital, que poderiam ser concisamente designadas
pelos conceitos de: exposic.;ao, procedimento pr~gre~sivo-regressivo, cont~a~i-
c.;aoe crftica. 0 metodo d'O Capital se caractenzana por ser uma exposlc.;ao
critica, progressivo-regressiva das contradic.;oes do capital a partir de sua con-
tradic.;ao fundamental.
DialMica significa n'O Capital primeiramente e, tambem, predominan-
temente, 0 "metodo/modo de exposic.;[o" critica(8) das categorias da econo-
mia politica, 0 metodo de "desenvolvimento do conceito de capital"(9) a par-
Cf. 0 tItulo de urn artigo de H.F.FULDA, Dialektik als Darstellungsmethode im
'Kapital' yon Marx, in: Ajatus37, Yearbook of the Philosophical Society of Fin-
land, 1978. 0 presente trabalho deve muito a este artigo, embora nao concorde
com ele em todos os pontos.
"Darstellungsmethode", "Darstellungsweise" K, I, p. 25 e 27. A anlilise do elemen-
to "exposi\;ao" no metodo dialetico d'O Capital nao pode, em nen~um m,o.mento:
levar ao esquecimento de que a exposi\;ao das categorias da economla politlca est.a
indissociavelmente unida a crltica, e que e este urn dos aspectos em que a exposl-
«ao dialetica de Marx se distingue da de Hegel. A exposi\;ao e essencialmente crlti-
ca porque ela so reconstitui a totalidade sistematica das determina\;o~s. d.o capital,
atraves da tematiza«ao da sua estrutura e do seu movimento contradltonos, a par-
i;"tir da pretensao de domina«aO total do capital sobre 0 trabalho e do seu malogro
sistemico (crise), visto que 0 capital depende do trabalho, formalmente, enquan-
to trabalho assalariado, e materialmente, enquanto 0 trabalho objetivado, morto,
conlltitui 0 tinieo conteudo social do capital. Enquanto exposi~ao das contradi-
«oes do capital ela e essencialmente crltica, embora a crltica se exer\;a exatamente
e apenas (enquanto teoria) atraves da exposi\(ao sistematica da sua instabilidade
estrutural e da necessidade da sua supera«ao. •.
MARX Grundrisse der Kritik der politischen Okonomie, Dietz, Berlin, 1974, p.
405. A'seguir citado como G. Na exposi\;ao do conceito de capital, diz Marx, nao
se trata de uma forma particular do capital, nem do capital individual entre outros
capitais individuais, mas do "capital em geral" como "0 conjunto de detennina-
«oes que distinguem 0 valor, enquanto capital, de si mesmo como mero valor ou
dinheiro". G., p. 217. "As rea\;oes posteriores devem ser consideradas como de-
senvolvimento a partir deste germe." Ibid. - As tradu\;oes, quando nao houver in-
dica\;ao contrana, san do autor.
tir do valor, presente na mercadoria, enquanto ela e a categoria elementar da
produ9lfo capitalista que con tern 0 "germe" das categorias mais complexas. 0
conceito fundamental, aqui, para 0 Marx critico da economia politica, e 0 de
"exposi9[0", "metodo de exposi9[0", que designa 0 modo como 0 objeto,
suficientemente apreendido e analisado, se desdobra em suas articula90es pr6-
prias e como 0 pensamento as desenvolve em suas determina90es conceituais
correspondentes, organizando urn discurso met6dico.
"Exposi9[0" e, tambem, Urn conceito central da diaIetica especulativa
de Hegel. A Ciencia da L6gica se apresenta como a exposi9[0 sistematica
das categorias do pensamento puro enquanto formas de concep9[0 da realida-
de, com 0 intuito de fundar 0 pr6prio conceito de ciencia (filos6fica) e de me-
todo(lO). Ela pretende, assim, justificar 0 seu unico pressuposto, 0 de que a
raz[o, especificamente, 0 conceito enquanto ideia, tern em si a for9a infinita
de sua auto-realiza9[0(11). 0 conceito de "exposi9,[0" na Ciencia da L6gi-
ca esta, assim, vinculado intimamente a urn projejo de autofunda9ao da razao e
do pr6prio metodo, enquanto este nada mais e do que a forma do automovi-
mento do conteudo enquanto ela tern consciencia de si(l2). Dialetica designa,
aqui, genericamente, a exposi9[0 do movimento 16gico do conteudo (da coisa
concebida, "Sache") enquanto e este movimento que preside ao desdobra-
mento das determina90es do conteudo e se constitui, desta maneira, como 0
seu metodo. ~ 0 pr6prio Hegel quem da ao conceito de "exposi9[0" a conota-
9[0 metafisica da "explicatio Dei" para acentuar 0 aspecto simultaneamente
subjetivo e objetivo da exposi9[o(l3). Mais especificamente, a dialetica de-
signa "0 principio motor do conceito"(l4), 0 principio do movimento que
preside a exposi9ao das determina90es, que se produzem a partir do universal
e nele se dissolvem. Estritamente faliilldo, apenas q segundo dos tres momen-
tos em que se articula, conforme a Enciclopedia, a dimenslfo 16gica, 0 mo-
mento negativo-racional e qualificado de diaIetico(l5).
o concelto de "metodo de exposi9ao" em Marx guardara nao s6 remi-
niscencias do conceito hegeliano de exposi9ao, mas urn dos seus elementos es-
senciais. Quando Marx, em 1857, se lanC(aas primeiras tentativas de uma criti-
ca sistematica da econornia politica, que vao resultar nos Grundrisse, e se
poe a questlfo de como organizar sistematicamente os resultados de suas inves-
tiga90es criticas dos teoremas e das categorias da economia politica burguesa,
ele recorre explicitamente ao conceito hegeliano de diaIetica:enquanto meto-
do de exposi9ao(16). A dialetica enquanto metodo caracteriza urn procedi-
mento que pretende expor construtivamente 0 "desenvolvimento conceitual
do capital"(G, 405) enquanto "capital em geral" (G, 217), 0 "capital enquan-
to tal, isto e, 0 capital social total" (G, 252) a partir de sua "forma elemen-
tar" (K, I, 49), a mercadoria (enquanto objeto imediato da circula9ao e forma
econ6rnica dos produtos do trabalho humano), e das determina90es progressi-
vas das formas de manifesta9:ro do valor, presente na mercadoria: forma-valor
simples, forma-valor total, forma-valor universal, dinheiro em suas deterrnina-
90es fundamentais. Ela reproduz, assim, idealmente, 0 movimento sistematico
(l6gico) atraves do qual 0 capital se constitui naquilo que e, autovaloriza9ao
do valor. Mas enquanto na Ciencia da L6gica a exposi9ao das determina·
90es progressivas do pensamento puro, enquanto conceito, e simultaneamente
o processo de sua autodetermina9ao e de sua auto-realiza9ao, ate ele emergir
como sujeito ultimo e atividade pura (ideia) que perpassa ~odo 0 processo co-
mo 0 seu metodo (WL, II, 484 e 486), n'O Capital, que tematiza uma rela9ao
social inserida na materialidade da ProdU9[0, a exposi9[0 enquanto metodo
nao e ela mesma, simultaneamente, nem 0 processo de constitui9ao hist6rica
dessa rela9ao, nem 0 processo de sua reprodu9ao enquanto sistema de produ-
9ao capitalista. Por isso, a exposi9ao marxiana reconstr6i, no plano ideal, 0
movimento sistematico do capital enquanto diferente, logicamente, de sua
emergencia e universalizay:ro hist6ricas e diferente, como metodo, de sua re-
produ9ao real sisternica(l7). A exposiyao dialetica nao e, portanto, nem ·0
(10) HEGEL, Wissenschaft der Logik, Ed. Lasson, Meiner, Hamburg, 1963, vol. 1, p. 23
e 31. A seguir citada como WL, 1e II.
(11) WL, II, p. 486487.
(12) WL, I, p. 35: "A exposi~ao do que somente po de ser 0 metoda da ciencia filosofi-
ca pertence ao proprio tratado da Logica, pois 0 metoda e a consciencia sob a
forma do movimento intemo do proprio conteudo."
(13) WL, I, p. 31: "A Logica deve ser tomada, portanto, como 0 sistema da razao pura,
como 0 reino do pensamento puro. Este reino e verdade, como ela e em si e para
si mesma sem veu. Pode-se, por isso, dizer, que este conteudo e a exposir;ao de
Deus, como ele e em sua essencia etema antes da criar;ao da natureza e de urn es-
pirito finito."
(14) HEGEL, Rechtsphilosophie, § 3LAnmerkung, Theorie Werkausgabe Suhrkamp
Verlag, 7, p. 84.
(15) HEGEL, Enzyklopll.die der philosophischen Wissenchschaften, §§ 79 e 81, TIleo-
rie Werkausgabe Surhkamp Verlag, 8, p. 168, 172-176.
(16) Em carta a Engels de 14 de janeiro de 1858, Marx se refere ao "acaso" que 0 levou
a "folhear novamente a LOgica de Hegel", por receber de presente de Freiligrath os
exemplares que pertcnceram a Bakunin, e menciona 0 "grande prestimo" que ela
lhe trouxe no "metodo de elaborar;ao" da critica da economia politica. Neste con-
texto ele exprime seu grande desejo de, futuramente, se tiver tempo, "tomar aces-
sivel ao entendirnento comum" "0 que ha de racional no metoda que Hegel des-
cobriu, mas simultaneamente mistificou.". Marx-Engels, Briefe liber 'Das Kapital',
Dietz, Berlim, 1954, p. 79. Se foi 0 acaso que devolveu as suas maos a LOgica,nao
e mero acaso que a sua releitura tenha atuado em aspecto tao decisivo da sua teo-
ria. Quanto a expressao 'metodo dialetico', relembra H.F. Fulda (art. cit. na nota
(7), Ajatus,37, p. 192, nota (36), ela nao existe em Hegel e seria mesmo impro-
pria para designar 0 que ele compreendia como seu 'metodo especulativo'. A ex-
pressao 'metodo dialetico' foi provavelrnente. formulada pela prirneira vez, Cf.
FUlda, em 1840, por Trendelemburg, em suas Investiga~oes LOgicas, no contexto
da critica ao 'metodo especulativo' de Hegel.
(17) "Meu metodo dialetico e, quanta ao seu fundamento, nao so diverso do de Hegel,
mas 0 seu oposto direto. Para Hegel, 0 processo de pensamento, que ele converte,
inclusive, sob 0 nome de ideia, num suJeito autonomo, e 0 demiurgo do real efe-
tivo, que constitui apenas a sua manifesta~ao externa. Para mim, inversamente, 0
ideal nada mais e do que 0 material transposto e traduzido na caber;a humana."
K, 1,27.
processo diacronico atraves do qual 0 capital se constitui em totalidade, su-
bordinando a si todas as rela90es sociais de produ9ao (G., 189), nem 0 processo
sincronico de sua reprodu9li'o como sistema. Por isso 0 desenvolvimento con-
ceitual do capital em geral, no metoda dialetico, nli'o engendra 0 capital no
sentido em que 0 conceito hegeliano se autodetermina criando a esfera de sua
realiza9li'o e manifesta9ao, mas ele e, primeiro, a condi9[o de compreensli'o
adequada do devir hist6rico do capital e da sua constitui9li'0 em totalidade, e
segundo, ele pretende ser apenas, isto e, tli'o s6 e cabalmente, a exposi9ao das
articula90es sistematicas de todas as rela90es econornicas que se implicam re-
ciprocamente numa socied,ade submetida a dornina9ao do capital(l8). Como
metodo de exposi9ao dialetica, portanto, distinto do "movimento efetivo",
ele sup~e a apropria9li'0 analftica previa do material economico pesquisado, a
investiga9li'0 das "suas formas de desenvolvimento" e da "sua conexao inter-
na", para ent[o reconstruir discursivamente (enquanto procedimento do ex-
positor) a l6gica objetiva do material. Mas enquanto exposi¢o dialetica, ela
expressa, reproduz, apenas (tao s6 e cabalmente), em conformidade com a
apropria9lfo analitica, 0 "movimento efetivo" do material, de modo que este
se "espelhe idealmente" no metodo(l9).
Com 0 recurso a dialetica como metodo de exposi9li'o, no sentido indi-
cado, Marx procura integrar no seu programa de transforma9ao materialista
da dialetica especulativa hegeliana, que se realiza atraves da crftica a economia
politica, 0 elemento especificamente dialetico naquela presente, e que ele jul-
ga racional, desde que desvinculado dos seus compromissos idealistas com a
especula9ao(20), enquanto unidade resolutiva das contradi90es e integradora
do negativo e do positivo (WL, I, 38).
o que caracteriza 0 conhecimento dialetico e, primeiramente, que 0
verdadeiro (Hegel), 0 racional e 0 concreto (Hegel, Marx), nli'o slfo de acesso
imediato a qualquer tipo de intui9lfo intelectual ou experiencia direta, que
intuiria ou tomaria 0 objeto no seu ser dado imediato, mas que eles sli'o 0
resultado de urn movimento de pensamento, do que Hegel chama de 'trabalho
do conceito', que expOe progressivamente, a partir das determina90es mais
simples e abstratas do conteudo, suas determina90es cada vez mais ricas, com-
plexas e intensas, ate 0 ponto de sua unidade, que nli'o e uma ~nidade formal,
mas uma unidade sintetica de multiplas determina90es(2l). Esta caracteriza-
9li'0 vale, em principio, tanto para Hegel, como para Marx. Conforme a esta
exigencia, 0 verdadeiro concreto da realidade capitalista nlfo e dado pela expJ:-
riencia direta da circulacao de mercadorias e pelo movimento dos pre~os, isto
e, pelas categorias da circulacli'o, mas e 0 resultado de urn processo de pensa-
mento que recon~tr6i a constituicli'o sistematica do capital a partir das deter-
minacOes mais simples, abstratas e aparentes da produ~ao capitalista (merca-
doria, valor, dinheiro, circula9ao), p,ilra cheg~ as mais ricas, concretas e essen-
ciais, atraves da explicita9ao das categorias da produ9li'0 a partir da lei da valo-
riza9li'0 (mais-valia, explora9li'o, tempo de trabalho, trabalho necessario e ex-
cedente, mais-valia absoluta e relativa, coopera9li'0, divisli'o do trabalho, ma-
quinaria, trabalho assalariado, reprodu9li'0 e acumula9[0, para indicar algumas
das principais categorias do Livro I d'O Capital).
£ uma das critic as principais e constantes de Marx llo metodo da eco-
nomia politica burguesa, inclusive a Smith e Ricardo, a de que ela permanece
exterior ao seu objeto por ser incapaz de desenvolver as suas determina90es
categoriais a partir do seu movimento essencial, a lei do valor, enquanto deter-
mina90es cada vez mais complexas do trabalho abstrato objetivado. Nifo sa-
bendo utilizar 0 metoda genetico, a economia politica burguesa tom a as suas
categorias diretamente da empiria e as emprega como conceitos descritivos(22)
das formas economicas em sua aparencia imediata, sem conseguir penetrar em
suas rela90es essenciais. Por isso ela termina expondo 0 processo de reprodu-
9li'0global do capital na 6tica do capitalista individual e nli'o sabendo conectar
esta descrilfli'o, feita da perspectiva do agente economico individual, com a ex-
plica9li'0 do processo global a partir de sua lei essencial. Isso vai refletir-se na
tica e a ultima palavra de toda a filosofia, quanta e necessano liberta-Ia da aparen-
cia mfstica que ela possui ern Hegel." Carta de Marx a LassalIe, de 31 de maio de
1858, Marx-Engels Werke, Dietz, Berlim, 1973, vol. 29, p. 561.
"1. A dialetica tern urn resultado positivo porque ela possui urn conteudo deter-
minado ou porque 0 seu resultado e, verdadeiramente, nao 0 nada vazio, abstrato,
mas a nega<;aode certas determina<;eles, que estao contidas no resultado exatamen-
te porque este nao e urn nada irnediato, mas urn resultado. 2. Este racional e, por
isso, embora algo pensado e tamMm abstrato, simultaneamente urn concret?, por-
que ele nao e a unidade formal, simples, mas a unidade de determina<;eles dlferen-
tes." HEGEL, Enzyklop'adie § 82, Suhrkamp, 8, p. 176-177. "0 concreto e con-
creto porque e sfntese de muitas deterrnina<;oes, isto e, unidade do diverso. Por is-
so 0 concreto aparece no pensarnento como processo de sfntese como resultado,
nao como ponto de partida, ainda que seja 0 ponto de partida efetivo e, portanto,
o ponto de partida tamMm da intui<;ao e da representa<;ao." G., p. 21-22. Trad.
Giannotti/Malagodi ern: Marx, Os Pensadores, Abril, Sao Paulo, 1978, p. 116.
'Verstandesbegriffe', 'conceitos do enten~imento', como diz Marx"aludindo a di-
feren<;a entre entendimento e razao, nas Teorias sobre a Mais-Valia. Marx-Engels
Werke, vol. 26/2, p. 156.
,,,(18) Neste sentido e legftimo dizer que 0 conceito de capital precede, logicarnente, 0
capital como processo hist6rico e como sistema que se reproduz. "Se no sistema
burgues completo cada rela<;ao econornica pressup6e a outra na forma economica
burguesa e assim tudo 0 que e posta e simultanearnente pressuposto, 0 mesmo
acontece corn todo sistema organico. Este sistema organico tern seus pressupostos
mesrno enquanto totalidade, e seu desenvolvirnento para a totalidade consiste ern
subordinar a si todos os elementos da sociedade, ou ern criar a partir da totalidade
os 6rg[os que ainda the faltam. Ele torna-se, assim, historicarnente uma totalidade.
o devir para esta totalidade constitui urn momenta do seu processo, do seu desen-
volvimento." G., p. 189.
(19) "A pesquisa deve apropriar-se detalhadarnente do seu material, analisar as suas di-
versas formas de desenvolvirnento e rastrear 0 seu nexo interno. Somente ap6s
consumado este trabalho pode ser adequadamente exposto 0 movimento efetiva-
mente real. Conseguido isso, e se a vida do material se espelha idealrnente, pode
parecer que se tern a ver corn uma constru<;ao apriori." K, 1, p. 27.
(20) Trata-se da conheci'la distin<;ao, afirmada por Marx, entre 0 'envolt6rio mfstico' e
o 'caro<;o racional' da dialetica hegeliana. K, I, 27 "Tantoe verdade que esta diale-
"arquitet6nica erronea"da obra de Smith e Ricardo, que san incapazes de re-
velar a articular;:ao das categorias no pr6prio movimento do valor. AIem disso,
ela na-o consegue explicitar as categorias de mediar;:ao entre a lei do valor e os
fenomenos da esfera da concorrencia entre os capitais individuais, por exem-
plo, a formar;:ao da taxa geral de lucro e dos prer;:os de mere ado (em Ricardo
por causa identificar;:ao entre valor e prer;:o de custo), lirnitando-se, entao, a
subsumir diretamente os fenomenos da concorrencia sob a lei do valor ou a
abandomi-Ia para salvar os fenomenos.
o metodo dialetico quer superar essa exterioridade do conhecimento
em relar;:a-oao objeto e a concepclfo instrumental de metoda ai presente. Ele
exige que 0 conhecimento apreenda as determinar;:Oes do conteudo no pr6-
prio movimento pelo qual elas se desdobram, estabelecendo a conexao neces-
saria e imanente entre elas(23). Ele e neste sentido apenas ex-posicyao da 16gi-
ca objetiva da coisa, exprimindo tlfo s6 e cabalmente aquele movimento. Alem
disso, a diaIetica e concebida por Hegel como 0 principio ativo do desenvolvi-
mento das determinacyOes e como 0 seu vinculo necessario. "Esta diaIetica nao
e urn fazer extemo de urn pensamento subjetivo, mas a pr6pria alma do con-
teudo, que faz brotar organicamente seus ramos e seus frutos."(24). Ela nao e
o instrumento de urn conhecimento que busca, mas "0 ser determinado em si
e para si do conceito" no conhecimento verdadeiro (WL, II, 487). Por isso ela
e, para Hegel, nlfo s6 0 conhecimento do absoluto, mas 0 conhecimento de si do
pr6prio absoluto no processo de sua determinar;:ao (particularizar;:ao e juizo
partir;:lfo, 'Vrtell') e de superacyao e dissolucyao das determinacy5es opostas nu-
ma unidade integradora. Este e 0 sentido da especula~o na diaJetica especula-
tiva: auto conhecimento do absoluto na oposicyao das suas determinacy5es e na
unidade 'positivo-racional' que integra 0 negativo e 0 positivo.
Aqui surge a questao crucial do projeto marxiano de transformar;:ao
materialista da diaIetica especulativa: como retomar a ideia de conhecimento
diaIetico sem comprometer-se com a cotnponente especulativa da exposicyao
diaIetica e sem romper com a crltica do jovem Marx aos seus aspectos mistifi-
cadores e harmonizantes? A quest[o se imp5e de maneira tanto mais aporeti-
ca quanta Marx partilha positivamente com Hegel 0 'esforcyodo conceito', is-
to e, 0 esforcyo de urn pensamento que deve se despojar de suas opini5es, pre-
conceitos e hipoteses extemas ao objeto, e que deve abdicar, como diz Hegel,
daquela desenvoltura "que paira vaidosamente acima do conteudo", para mer-
gulhar decididamente no objeto e "considerar apenas 0 niovimento pr6prio
do conteudo"(25) e "apenas trazer a consciencia este trabalho proprio da ra-
z[o da coisa"(26). Se a diaIetica, tambem para Marx, nao e uma tecnica de in-
tervenr;:ao extema no objeto, urn saber metodol6gico que 0 manipularia con-
forme hip6teses que 0 analista traz consigo, como conservar a sua componen-
te auto-expositiva, 0 'trabalho da razlfo da coisa', apreendido por uma visao
pura (teoria) no sentido literal da especulacy[o enquanto 'espelhamento', sem
comprometer-se com a sua componente propriamente especulativa (vinculada
ao 'sistema'), de urn auto conhecimento do absoluto na superacyaopositiva das
contradicy5es em uma unidade integradora e sistematica? Numa palavra: como
no 'metodo de exposir;:lfo' nlfo se desfazer da dialetica ao rejeitar a especuIa-
r;:[o? Como expor a 16gica do capital (no senti do do 'espelhamento', da 'trans-
posir;:ao/tradur;:ao' ideal do 'movimento efetivo' K, t, 27) sem 0 acesso a urn
equivalente do saber absoluto, que deixaria "0 conteudq mover-se segundo a
sua pr6pria natureza, ou seja, por meio de Si como Si dd!mesmo conteudo" e
apenas contemplaria esse movimento(27)? Como conceber uma 'dialetica real'
do capital sem a explicitar;:lfo previa das estruturas racionais do real na Cien-
cia da LOgica? Como compreender, para formular quase absurdamente, que
o que e resultado do pensamento, 0 verdadeiro concreto, possa impor seu mo-
vimento pr6prio a urn esforcyo conceitual que deve 11£0 s6 'considerar', 'con-
templar' este movimento?
Como evitar 0 duplo escolho de uma diaIetica materialista, tributaria
em sua inteligibilidade da dialetica hegeliana, a unica a possuir inteligibilidade
pr6pria e autonoma, grar;:asao seu idealismo conseqiiente(28), e 0 do achata-
mento vulgar-materialista da diaIetica em termos de 'espelharnento' ('Widers-
piegelung'), este bastardo positivista da especulacao hegeliana, que assolou a
tradir;:ao marxista fazendo-a regredir a uma posicyaopre-kantiana? 0 que signi-
fica que a diaIetica hegeliana esta de ponta-cabecya e como entender adequada-
mente 0 programa marxiano do 'umstiiIpen' (inverter e virar ao avesso) da dia-
Ietica especulativa?
Marx 0 legitima, num primeiro momento, ao afirmar a possibilidade
de uma distinr;:ao de principio entre 0 potencial critico(29) e de inteligibilida-
"0 diaJetico constitui, por isso, a alma motora do avanr,;arcientffico e e 0 prine!-
prio pelo qual, unicamente, advem ao conteudo da cicncia conexiio imanente e ne-
cessidade, assim como no elemento dialetico em geral esta a elevar,;aoverdadeira e
nao exterior sobre 0 finito." Enzykloplldie, § 81A, Suhrkamp, 8, p. 173.
HEGEL, Rechtsphilosophie, § 31A, Surhkamp, 7, p. 84 e 85. "0 pensamento en-
quanta subjetivo apenas olha este desenvolvimento da ideia enquanto desenvolvi-
mento da propria atividade da sua raziio. Considerar algo racionalmente nao signi-
fica trazer de fora ao objeto uma razao que se Ihe acrescenta e trabalha-Io por ela,
mas, sim, que 0 objeto e racional para si. Aqui e 0 esplrito, em sua Iiberdade, a
ponta extrema da ,razao autoconsciente, que se da a realidade efetiva e se produz
como mundo existente. A ciencia tern apenas a tarefa de trazer a consciencia este
trabalho proprio da razao da coisa." Ibid.
(25)
(26)
(27)
(28)
(29)
HEGEL, Phlln., 48. Trad. Lima Vaz, loc. cit., p. 38. Compare-se Phan., p. 45.
HEGEL, Rechtsphilosophie, § 31A, Suhrkamp, 7., p. 85.
HEGEL Phlln., p. 48. Trad. Lima Vaz, loc. cit., p. 38.
Posir,;iio'defendida com solidez e esp{rito de sistema por Klaus Hartmann, Die
Marxsche Theorie, De Gruyter, Bedim, 1970, embora niio irretorquivelment~.
Tanto a crltica de Marx it Filosofia do Direito de Hegel quanto a crltica a Feno-
menologia do Esp{rito do terceiro manuscrito dos Manuscritos Economico-Filo-
s6ficos destacam 0 potencial cr{tico da filosofia hegeliana, no primeiro caso, 0 da
Ciencia da LOgica, no segundo, 0 da Fenomenologia, mostrando que apesar da
'mistificar,;iio idealista', a filosofia de Hegel niio se limita a transfigurar,;iio do real e
a resolur,;iio ideologica das contradir,;5es. Cf. Marx, Friihschriften, Ed. Furth/Lie-
ber, Cota Stuttgart, 1962, vol. I, p. 644.
de da diaIetica hegeliana e as impIicayOes idealistas que a falseiam e a mistifi-
cam. Mas 0 abuso da metafora da extray[o do 'caroyo racional' do seu 'envol-
t6rio mfstico', como (mico esclarecimento a quest[o posta, acabou por exauri-
la e toma-la urn expediente. E associada a outra metafora da 'Umstiilpung',
traduzida insuficientemente por 'invers[o', ela termina por to mar aquela ex-
tray[o uma operay[o de magica trivial, como se bastasse par, novamente, a
dialetica hegeliana de pe, restabelecendo os direitos do realismo da conscien-
cia natural face ao idealismo de especulay[o, para que a perola safsse sozinha
da ostra. Nao basta inverter, uma segunda vez, aquilo que a especulay[o ja
inverteu, com a inten~[o de fazer a dialetica hegeliana andar com os pr6prios
pes, para que ela revele urn potencial de racionalidade que a projete alem de
seus limites idealistas. E preciso, alem de inverte-la, vini-Ia ao avesso, como
exige a outra significay[o presente na palavra alem['umstiilpen', mostrando
que as contradiyoes presentes nos fenomenos n[o s[o a aparencia de uma uni-dade essencial, mas a essencia verdadeira de uma "objetividade alienada" (e
nao da "objetividade enquanto tal")(30), e que a sua resoluy[o especulativa
na unidade do conceito e que representa 0 lado aparente, mistificador, de
uma realidade contradit6ria. Virando ao avesso a realidade invertida, alienada
pelo capital, "enquanto figura objetiva consumada da propriedade privada"
(31), a contradiy[o, que estava do lado de fora, transfarma-se no seu verdadei-
ro interior, na perola racional desta realidade, e 0 que estava por dentro, a uni-
dade resolutiva e integradora das contradiyoes, revela-se como 0 seu exterior
aparente, 0 seu envolt6rio n[o s6 mfstico, mas mistificador(32). Daf a impor-
tancia de reler 0 Capital tamMm numa perspectiva de continuidade da crftica
do jovem Marx a Hegel, particularmente da crftica ao duplo aspecto mistifica-
dor do idealismo: ao aspecto "positivista", enquanto 0 dado imediato, 0 exis-
tente, transfigurado pela especulay[o, e assumido acriticamente e ratificado
em sua positividade pelo sistema, e ao aspecto especulativo, propriamente
idealista, enquanto resoluy[o harmonizante das contradiyoes numa unidade
essencial, que se toma para Marx aparente, ideol6gica. E preciso interpretar a
'Umstiilpung' neste horizonte, para que a crftica ao idealismo de plenamente
os seus frutos. Marx fala do "positivismo acrftico" e do "idealismo acrftico"
das obras posteriores a Fenomenologia(33), do "falso positivismo" e do "cri-
ticismo aparente"(34) do idealismo, para denunciar este estranho e surpreen-
dente conluio entre especulay[o e positivismo na 16gica especulativa. A inver-
s[o que ela provocou ao atribuir a verdadeira atividade e subjetividade a ideia,
impoe a Hegel, diz Marx, n[o mais a tare fa de conduzir a existencia empfrica
a sua verdade, mas, inversamente, de realizar empiricamente a verdade 16gica,
assumindo, assim, acriticamente, uma existencia empfrica como verdade efeti-
va da ideia(35). Mas nesta perspectiva da continuidade entre a crftica ao idea-
lismo do jovem Marx e a d'O Capital, e preciso, contudo, n[o esquecer duas
mudanyas capitais: PLimeiro, 0 compromisso definitivo n'O Capital com a dia-
Ietica antes de tudo enquanto metodo de exposi£ao dos resultados das investi-
gar,:oesda economia poHtica e da crftica a ela, e n[o mms, primariamente~com
a diaIetica enquanto estrutura objetiva do devir hist6rico (do desenvolvimento
do genero humano, como nos Manuscritos), e~b~ra este senti do de diaIetica
n[o esteja ausente em certos contextos d'O Capital(36); segundo, a retomada
do programa especulativo de Hegel de pensar a substancia como sujeito e co-
mo atividade pura(37). n[o, certamente, enquanto processo de auto-realizac[o
doconceito. mas aplicado como instrumento de concepr,:[o e exposir,:ao daes-
tru!t':!"-ado capital: de uma substancia (0 valor enquanto trabalho abstrato
objetivado e 'substancia social' (G., 183) das mercadorias) que se transforma
etp sujeito (relayao do valor consigo mesmo, enquanto proc~sso de autovalo-
rizay[o). Mas esta retomada do programa de Hegel em direy[o oposta a crftica do
jovem Marx a subjetividade da ideia n[o' rompe inteiramente com aquela. Por
isso, mantem-se uma continuidade fundamental en1J1iea crftica 'aristotelica'
do jovem Marx a subjetividade ,da ideia hegeliana e a dritica propriamente me-
todo16gica da Introduy[o aos Grundrisse e d'O Capital a 'confus[o' feita por
Hegel da dialetica como metodo com a diaIetica como genese do real (G., 22),
e a ideia como "demiurgo do real" (K, I, 27). Esta continuidade profunda da
crftica se revela, como mostrou agudamente Theunissen(38), no conceito mar-
xiano de trabalho como "atividade objetiva", em que Marx, par urn lado, in-
corpora 0 conceito hegeliano de atividade enquanto exteriorizayao e retorno a
si, atribuindo-a, contudo, por outro lado, a urn substrato material, a uma "es-
sencia objetiva" que e "natureza" e que exterioriza suas "foryas essenciais
objetivas" ao transformar a natureza(39). A retomada do program a hegeliano,
(30) MARX, Frtihschriften, vol. I, 654. A seguir abreviado FS.
(31) MARX, FS, p. 589.
(32) Devo a H.F. Fulda, ao artigo citado na nota (7), p. 186-187, a analise do duplo
significado da 'Umsttilpung' e das suas implica\;oes cr{ticas.
(33) MARX, FS,p:644.
(34) MARX, FS,p. 654.
(35) MARX, FS, p. 306. Nesta passagem Marx menciona, como tema a ser mais deta-
lhadamente abordado, "esta inverslio/passagem necessaria da empiria em especula-
\;lio e da especula\;ao em empiria".
(36) No .Po~tfacio a segunda edi\;lio d'Q Capital, Marx menciona, a prop6sito dos ciclos
penodlcos em que 0 movimento contradit6rio da sociedade capitalista se manifes-
ta ao burgues pratico, a "crise geral" que "novamente se aproxima" e que pela sua
universalidade e intensidade "ira inculcar dialetica mesmo aos felizardos do novo
sacro imperio prussiano-alemlio". K, "I, p. 28. E analisando "a tendencia hist6rica
da acum.ula\;lio capitalista", no cap. 24 do Livro I d'Q Capital, Marx fundamenta
sua teona da revolu\;lio como uma "nega\;lio da nega\;lio", que atua no processo
hist6rico "com a necessidade de urn processo natural" para destruir 0 capitalismo e
que restabelecera nao a priorldade privada, "mas a propriedade individual sobre a
base das conquistas da era capitalista" (K, I, p. 791).
(37) HEGEL, Phlln., p.19. Trad. Lima Vaz, loco cit., p. 18.
(38) THEUNISSEN, M., Sein und Schein. Die kritische Funktion der Hegelschen Logik,
Surhkamp, Frankfurt/M., 1978, p. 483.
(39) MARX, FS., ? 650: "Ele (0 ser objetivo) cria, pae apenas objetos, porque ele e
posta por obJetos, porque ele e originariamente natureza. No ato de por nlio cai
po~, .de sua 'atividade pura' em uma cria~ao do objeto, senao que seu produt~
obJenvo apenas conluma sua atividade objetiva, sua atividade de urn ser natural e
objetivo." Trad. Bruni ern: Marx, Os Pensadores, Abril, Sao Paulo, 1978, p. 40.
n'O Capital, como instrumento de caracterizac;:ao do capital enquanto autova-
lorizac;:ao, implica, portanto, na revogac;:aoapenas parcial da critica a Hegel: a
revogac;:ao ocorre apenas na medida em que a crftica dos Manuscritos' se
apoiava ainda no imediatismo de Feuerbach para afirmar, contra a subjetivida-
de da ideia, 0 genero humano como 0 sujeito ultimo no sentido de urn positi-
vo que repousa sobre si mesmo. Esta positividade do sujeito se dissolvera na
pseudo subjetividade do capital e no esvaziamento e na repressao da subjetivi-
dade individual pelo capital. '
A distinc;:aoentre urn potencial racional da dialMica especulativa e suas
imp1icac;:~es idealistas preside, de resto, a unica reflexao metodol6gica mais
longa de Marx, na Introduc;ao aos Gmndrisse, sobre 0 "metodo cientifica-
mente correto" (G., 21) de exposic;[ocrftica da econornia poHtica. Somente
o metoda dialetico pode conduzir ao verdadeiro concreto, porque ele 0 exp~e
na forma de urn resultado desenvolvido pelo pensamento a partir das catego-
rias mais simples e abstratas (e aparentes), que se determinam e enriquecem
progressivamente em categorias mais complexas e intensivas (e essenciais), ate
chegar ao concreto total, "a totalidade concreta enquanto totalidade de pen-
samento", ao "concreto de pensamento" (G., 22). Mas ao assurnir 0 compo-
nente propriamente dialetico da exposic;[o, Marx faz valer, ao mesmo tempo,
sua crftica a Fenomenologia do Espfrito a partir do seu conceito de traba-
lho: depois de ter elogiado a "grandeza" da obra que apreendeu "0 auto-engen-
dramento do homem como urn processo", que e a "essencia do trabalho", cu-
jo resultado e "homem objetivo", Marx censura a Hegel 0 conhecer apenas 0
"Iado positivo do trabalho", 0 "trabalho espiritual" e 0 conseqiiente desco-
nhecimento do "Iado negativo do trabalho", e 0 trabalho de transformac;:ao da
natureza sob as condic;:~es da propriedade privada (FS, 645-646). Se esta e a
deterrninac;:ao hist6rica fundamental da atividade humana, entao a pretensao
ontol6gica dadialetica especulativa, que "con tern 0 pensamento enquanto ele
e igualmente a coisa em si mesma, ou, a coisa em si mesma, enquanto ela e,
igualmente, 0 pensamento puro"( 40), nao pode ser assurnida. Marx marca a
sua diferenc;:a fundamental face a Hegel distinguindo a exposic;:ao dialetica en-
quanta metodo atraves do qual 0 pensamento se eleva do abstrato ao concre-
to e 0 exp~e como resultado ("concreto de pensamento") e a exposic;:ao diale-
tica enquanto seu "processo de surgimento" (G., 22) como manifestac;:ao de
uma razlio que se realiza, isto e, para Marx, como "ato de produc;:lIoreal" (G.,
22). Tudo se passa para, Hegel, diz Marx, como se 0 pr6prio real fosse 0 "re-
suit ado do pensamento que sintetiza e se aprofunda em si e que se movimenta
a partir de si mesmo" (G., 22). 0 que para a dialetica especulativa e a auto-ex-
posic;:ao do movimento imanente do conteudo, a forma desse movimento en-
quanta ela tern consciencia de si na ideia (WL, I, 35), metoda no sentido
subjetivo e objetivo ("alma e substancia", WL, II, 486), toma-se para Marx,
de urn lado, "metodo de reproduc;:ao do concreto", "movimento das categorias",
e de outro, genese real, "ato de produc;:lIoefetivo": "para a consciencia - e a
consciencia filos6fica e deterrninada de tal modo que, para ela, 0 pensamento
que concebe e 0 homem efetivo, e 0 mundo concebido como tal, 0 unico efe-
tivo, 0 movimento das categorias aparece, portanto, como 0 ato de produc;:ao
efetivo"( 41). DOE~e a crftica frontal de Marx, segundo a qual Hegel confunde
o ,processo 16wo com 0 processo real, transformando este em fenome!!2.r.l:i-
quele, escamoteando, assim, as contradic~es reais atraves da sua resQlll.£[<:U!S-
pe.culativa numa "essencia aparente" (FS, 655). Contra esta 'confusao', que e
apenas 0 resultado conseqiiente e inevitavel do que para Hegel e inseparavel, e
que representa 0 ponto em que 0 metodo se amplia num sistema (WL, II, 500),
Marx faz valer, no sentido do realismo aristoMlico, a prioridade ontol6gica do
concreto empfrico, imediato, face ao concreto reproduzido dialeticamente no
pensamento. Aquele constitui n[o s6 0 ponto de partida, mas permanece 0
pressuposto da exposi9ao(42). E 0 concreto verdadeiro, que resulta da exposi-
c;:ao, "nao e de m040 nenhum 0 produto do conceito que pensa separado e
acima da intui9ao e da representac;ao, e que se engendra a simesmo, mas da ela-
borac;:ao da intuic;ao e da representac;ao em conceitos." (G., 22; trad.loc. cit.
p. 117). A ressonancia kantiana da linguagem faz Colletti dizer que Marx re-
toma ao conceito gnoseol6gico, e nao ontol6gico, de 'ck)nceito', e a afirmac;:ao
do papel constitutivo e permanente da multiplicidade da experiencia para a
elaborac;:ao do conceito( 43). Neste sentido, 0 metodo de Marx e "nlio s6 di-
verso, mas 0 oposto dire to" (K, I, 27) do metoda de Hegel(44). A pr6pria ter-
minologia de Marx acusa este deslocamento realista, 'materialista', da diaIetica
(41) MARX, G, p. 22. Trad., loc. cit., p. 117.
(42) "0 sujeito real permanece subsistindo, agora como antes, em sua autonomia, fora
do cerebro, isto e, na medida em que 0 cerebro nao se comport a senao especulati-
vamente, teoricamente. Por isso, tamb6m, no metodo te6rico ('da economia poJ{-
tica' trad.), 0 sujeito - a sociedade - deve figurar sempre na representac;:ao como
pressuposic;:ao." (Ibid.)
(43) £, interessante ter presente, como contraponto, a posic;:aooposta de Hegel a prop6-
sito das condic;:6esemplricas do conceito: "A fiJosofia, entretanto, da a visao con-
ceitual sobre 0 que se passa efetivamente com a realidade do ser senslvel e faz as
etapas do sentimento, da intuic;:ao, da consciencia senslvel, etc., pre ceder ao enten-
dimento, na medida em que elas SaDas condic;:6esdo devir do conceito, mas sao
condic;:6es somente enquanto ele emerge da sua (delas) dialetica e da sua nadidade
('Nichtigkeit') como 0 fundamento delas, mas nao como se ele fossc condicionado
pela realidade daquelas." Hegel, WL, 11,225-226. Mas basta ler a seqiienciaimedia-
ta do texto de Hegel - tendo presente a anatise marxiana do fenomeno da troca
equivalente na esfera da circulac;:ao, e a sua reduc;:ao a mera aparencia formal de
urn conteudo diferente na passagem it an:lJise da produc;:ao, e enfim, ao seu desven-
damento tematico como aparencia na reproduc;:ao, quando se toma clara a lei da
apropriac;:ao capitalista, para perceber a maneira sutH e astuciosa como Marx utili-
zou a doutrina do conceito hegeliana, transformando-a em regra met6dica: "0
pensamento abstrato nao deve ser considerado como urn mero por de lado 0 mate-
rial senslvel, que desse modo nao sofreria nenhum dana, mas ele e antes a supres-
saD e a reduc;:aodo mesmo, como mera aparencia, ao essencial, que se manifesta s6
no conceito." (Ibid.)
(44) Outro sentido, talvez mais especifico, desta oposic;:aofrontal a Hegel e a crltica, ja
mencionada, ao aspecto mistificador da resoluc;:ao especulativa da contradic;:ao,
que se toma em Marx a "fonte geradora de toda diaIetica" (K, I, 623).
enquanto metodo, revelando uma certa oscila9ao entre expressOes que indi-
carn antes 0 caniter reconstrutivo da diaIetica como procedimento 'subjetivo',
e expressOes que traem a sua provenH~ncia especulativa como forma de auto-
exposi9ao do conteudo: a dialetica e urn "modo de apropria9lfo do concreto
pelo pensarnento" (G. 22), urn "metodo de elabora9ao"(45) que "reproduz"
(G. 22) 0 concreto que as ciencias empiricas analisararn e preparararn para a
exposi9ao, que entlfo "transpoe", "traduz", "expressa" idealmente 0 movi-
mento efetivo do conteudo e "espelha ideaImente a vida do material" (K, I,
27). Se algumas expressoes marcarn a diferen9a irredutivel entre a dialetica
enquanto metodo de exposi9lfo e 0 movimento efetivo do conteudo, outras
acentuarn a pretensao propriamente dialetica de uma forma de exposi9ao que
expresse integralmente e exclusivamente 0 movimento efetivo do material,
desde que este tenha sido analiticamente investigado e a sua matura9ao hist6-
rica 0 tenha levado a urn ponto de diferencia9ao e organicidade suficientes pa-
ra a exposi9ao( 46). Dialetica transforma-se, assim, em metodo no sentido sub-
jetivo de urn procedimento de reconstru9lfo categorial, em oposi9ao ao meto-
do enquanto "atividade universal absoluta", enquanto sujeito da pr6pria for-
ma de movimento (ideia) (WL, II, 486). 0 metoda nlfo e mais a forma do
automovimento do conteudo que se expoe, mas urn procedimento de recons-
tru9ao categorial que pressupoe 0 trabalho previa de investiga9ao das ciencias
empiricas e a matura9ao hist6rica do objeto para entao expor a sua 16gica in-
terna de acordo com os nexos que a analise apreendeu entre suas determina-
95es.
Como lembra Fulda(47), tambem Hegel conhece este conceito 'subje-
tivo' de metodo e dele trata no inicio da Filosofia da Natureza a prop6sito da
rela9ao entre a Fisica como ciencia empirica e a Filosofia da Natureza como
"modo de exposi9ao filos6fico". Esta, enquanto "considera9lfo conceptiva"
da natureza, pressupOe as investiga90es da ciencia fisica e seus resultados co-
mo condi9lfo, embora estes nao devam aparecer como fundamento, pois nela
deve impor-se exclusivarnente a necessidade do conceito, para a qual nao ha
apela9ao para a experiencia( 48). Este conceito de metodo, observa Fulda, que
(47)
(48)
Carta de Marx a Engels de 14 de janeiro de 1858, em Briefe uber 'Das Kapital',
ed. cit., p. 79.
Este Ultimo aspecto aparece na Introdw;;ao aos Grundrisse, a prop6sito da fun-
~ao estrategica que Marx atribui a sociedade capitalista como "chave" da interpre-
ta~ao das forma~6es·pre-eapitalistas. (G., p. 25-26; Trad. loc. cit., p. 120), e nas
Teorias sobre a Mais-VaIia , em rela~ao ao pleno desenvolvimento das "potencias
sociais do trabalho" (coopera~ao, divisao do trabalho e produ~ao por maquinas,
ate a realiza~iio tendencial da plena automa~ao) enquanto ele e a condi~ao objeti-
va. - do ponto de vista da matura~ao hist6rica deuma produ~iio plenamente so-
cializada. - de uma correspondencia adequada entre metodo dialetico e processo
real.
Artigo citado na nota (7), p. 193.
"Nao s6 a filosofia deve concordar com a experiencili da natureza, mas tamMm 0
surgimento e a formalflro da ciencia filos6fica (da natureza, MLM) tern a flsica em-
pirica como pressuposto e condi~ao. Uma coisa, entretanto, e 0 caminho de surgi-
mento da cienci~ e seus trabaIhos preparat6rios, outra, e a pr6pria ciencia; nesta
pressupoe a apropria9lfo analitica do objeto previa a sua exposi9ao em suas ar-
ticula90es necessarias, torna-se para Marx 0 conceito determinante e central
de dialetica.
~ aqui que se revela plenamente 0 sentido e a impoWlncia da distin9lfo
de Marx entre 'metodo/modo de exposi9ao' e 'me to do/modo de pesquisa' (K,
1,25/27). A dialetica pode ser 0 modo de exposi9ao racional de urn objeto de-
pois que a investiga9ao 0 conduziu pela analise e pela critica ao ponto sem
que ele esteja maduro para a exposi9ao. Em carta a Engels, de 1 de fevereiro
de 1858, Marx critica a ingenuidade te6rica da LassaIle ao pretender "expor a
economia politica hegelianarnente", aplicando diretamente a 16gica hegeliana
aos conceitos economicos. "Ele tomara conhecimento, para seu pr6prio dano,
que e uma coisa totalmente diferente conduzir uma ciencia, atraves da critica,
ao ponto em que ela po de ser exposta dialeticamente, e aplicar urn sistema da
16gica abstrato e acabado a pressentimentos de urn tal sistema"( 49). A fun-
9ao paradigmatica da dialetica hegeliana para Marx n[o consistiu em por a dis-
posi9ao uma caixa de ferrarnentas polivalentes, prontas a serem utilizadas para
organizar os resultados de uma ciencia social, tomada no seu estado atual, mas
em antecipar em sua 16gica especulativa estruturas racioJl1laisque Marx, em sua
analise do capitalismo, reconheceu como exprimindo de maneira criptica al-
gumas dimensOes economic as fundamentais da sociedade burguesa dominada
pela rela9lfo capitalista de produ9lfo. Para exemplificar, menciono tres dessas
estruturas, cuja atua9ao n'O Capital deveria ser objeto de analises especificas:
1.) 0 ja citado conceito de atividade enquantoexterioriza9ao e retorno a si
(este redefmido por Marx como 'reapropria9lfo', com todas as conseqiiencias
nisso implicitas), decisivo para compreender a teoria do valor; 2.) 0 conceito
de sujeito como auto-rela9ao, nao mais de uma atividade pura e absoluta, mas
de urn substrato, 0 valor, que na sua rela9ao consigo se torna processo de au-
tovaloriza9lfo, capital; 3.) a dialetica da domina9[0 presente na 16gica das "de-
termina90es da reflexao", rela90es em que urn p610 contem em si 0 outro p6-
10 e 0 rebaixa a momento de si mesmo, tornando-se 0 todo da rela9ao, estru-
tura paradigmatica para a. conceP9ao da pretens[o de domina9[0 do capital
sobre 0 trabalho assalariado, como mostrou Theunissen(50). Mas esta decifra-
gem das estruturas economicas da sociedade burguesa nas rela90es conceituais
da 16gica hegeliana s6 ocorreu atraves de longo trabalho de apropria9ao e cri-
tica do pensamento economico burgues, que transformou profundamente a
economia politica como ciencia ao mostrar os vinculos de classe em sua es-
trutura categorial, permitindo, por urn lado, uma compreensao sistematica
dos fenomenos economic os a partir de sua lei essencial, a lei do valor e da va-
10riza9ao do capital e possibilitando, por outro, a inteira reconstru9lfo do sis-
tema categorial da economia politica conforme urn determinado paradigma
(45)
(46)
aqueles nao mais podem aparecer como base, a qual, s6 mais tarde pode ser a ne-
cessidade de conceito." Hegel, Enzykloplldie, § 246, Suhrkamp, 9, p. 15.
(49) Marx-Engels Werke, vo!., 29, p. 275.
(50) THEUNISSEN, M., Krise der Macht, Thesen zur Theorie des dialektischen Wider-
spruchs, in: Hegel Jahrbuch, 1974, Pahl-Rugenstein Verlag, Koin, 1974.
de dialetica, cUja for9a heuristica s6 foi UToavassaladora, porque Marx viu an-
tecipadas em certas rela90es conceituais da Ciencia. da L6gica estruturas eco-
nomicas que seu diagn6stico do capitalismo ja reconhecera como determinan-
tes da 'anatomia da sociedade burguesa'. E..Qr~cisoLPortanto, um'!.1!:P!2£!.ia-
9ao_cIHi~;LRI~y.i5LQQ~J~~_~Jia efQD.Q.mi1!J2.Qlm~;L\!QmQ_~i~nciasocial pa-
ra._Jll!.~Jl..gUl...rQ£Q!}§j:JJ!!t.[Q...c"~J~QI.ii!l§gj!!..Qf~.1jY9J!l~.!1t.~Ll!m1!.J~Kp.9si.£aodo "de-
s9nygly!m<'WJ.Q...cQ1I£eitual"(G, 405) do material pesquisado, isto e, uma apre-
senta9ao discursiva daquela organiza9lfo das suas determina9~es que resultam
do movimento do seu conceito, "do trabalho pr6prio da razlfo da coisa" (cL
nota 24). 86 que em Marx este movimento imanente do conceito de capital e
a 16gica contradit6ria da sua valoriza91To,cuja exposi9lfo implicani na temati-
za91Todas contradi90es da produ91To capitalista e caracterizara aquela como
uma exposi~ao crftica da realidade economica. Dai porque a diaIetica 'mate-
rialista', a Aial~!i9!:LellqllaIlt9.m~!()d9Q~ J:~c,()g.S,!!.J!.9!!2.9~!~qr~21de...:!!.I!!..l!..cien-
cia .~Qfll!!-fQ.m,..Yigculosde classe, cO!!!QJ!m.QmiJl.Qolitica, nlfo e diretamen-
te}J...!!!.prQg~g!m~!H()_Q.~..Q..e~c,.()~~I.t.?I.}!.!!1_<lJ.2gi.~jai~ven9ao. Em Hegel a diale-
tic a enquanto forma de automovimento do conceito e 0 "me to do absoluto"
(WL, II, 490), que con tern em si toda riqueza das determina9~es do conceito
(os conceitos enquanto "sistema de determina90es do pensamento puro",
WL, I, 46) e 0 principio da sua descoberta(51). E sendo 0 metodo a forma
imanente da coisa em seu movimento, 0 seu come90, 0 simples e 0 universal
imediato, ja e concebido como carencia do seu desenvolvimento ulterior e
como "anima do pela puls[o" (WL, II, 489) de se autodeterminar. Neste
sentido pode dizer-se que a 16gica especulativa e uma 16gica heurfstica. Em
Marx a situa9ao e outra. Como 0 metodo nao e a forma de auto-exposi9ao da
coisa, mas 0 modo de exposi9ao crftica de uma ciencia social e, atraves dela,
de uma realidade (economic a) cuja determina9ao ultima e uma contradi9ao
real e nao a automanifesta9ao da razao, ele pressupoe urn trabalho anterior de
investiga9ao e crftica que assegure a penetra9ao racional do objeto em suas
determina90es essenciais. E preciso, assim, que 0 "me to do de pesquisa" (K, I,
25) assuma 0 onus ideali~ta da 16gica especulativa apropriando-se analftica e
criticamente do conteudo, antes que a exposi91Topossa exprimir seu "desen-
volvimento conceitual", prescindindo de hip6teses que 0 analista ou 0 critico
trariam consigo, e "espelhar" exclusivamente 0 seu "movimento efetivo".
Aqui surge mais uma vez e inadiavelmente a questao da legitimidade
de uma diaIetica nao idealista, 'materialista', para assumir o.conceito e a dico-
tomia consagrados. Como se mantem, se e que se mantem, 0 elemento especi-
ficamente dialetico da exposi9ao em face desta transforma9ao da diaIetica em
metoda no sentido 'subjetivo', enquanto procedimento reconstrutivo de urn
expositor? Quid juris de urn metodo que pretende ser teoria stricto sensu,
ciencia, nao s6 no sentido do paradigma moderno de ciencia, mas tambem no
senti do hegeliano, dentro do pressuposto materialista de uma realidade previa
e irredutfvel a sua reconstru9ao 16gica no pensamento? 0 que legitima uma
diaIetica materialista que nao pode ser mais a exposi9lTOde uma realidade que
seria a pr6pria manifesta~ao e auto-realiza9ao da razao?
o que a legitima e torna, assim, em ultima analise, valida a desvincula-
9ao, reivindicada por Marx, entre 0 nucleo racional da diaIetica e seus com-
promissos com a metaffsica hegeliana do conceito, e 0 diagn6stico hist6rico
do capitalismo como modo de produ9lTo dominado pela abstra9ao real do va-
lor e do seu fundamento, 0 trabalho abstrato capitalizado. E 0 diagn6stico
hist6rico de uma sociedade cujas rela90es sociais de produ9ao est[o domina-
das por urn universal que se auto-adjudica uma subjetividade pseudo-concreta
as expensas da atividade concreta dos indivfduos reais: 0capital enquanto va-
lor que se autovaloriza, principio determinante da reprodu9ao material de
uma sociedade que repae todas as suas condi90es hist6ricas e 16gicas como
momentos internos da sua reprodU~lTo.
A exposiyao critica da economia politic a n'O Capital con tern urn
diagn6stico hist6rico da sociedade capitalista que a situa como a "ultima fase
opositiva do processo social de produylTo"(52), porque elq leva as ultimas con-
seqiiencias a separaylTOentre 0 trabalho e as suas condiyoes objetivas de reali-
za~ao (G., 375), 0 antagonismo de classes, como pressuposto e instrumento
hist6ricos do desenvolvimento da produtividade do trabalho social, isto e, da
plena socializaylTo do trabalho e da completa domina~ao da natureza. Esta se-
paraylTo, a mais radical historicamente, na qual as condiyoes de efetiva~ao do
trabalho se defrontam opositivamente ao trabalhador, juridicamente livre e
nlTomais proprietario(53), como capital, consolida a dissoluyao dos la~os or-
ganicos do indivfduo trabalhador com a comunidade na qual ele se inseria co-
mo proprietario e instaura a sua individualidade nua, despojada da proprie-
dade. (G. 375) A dupla constituiyao hist6rica do indivfduo, enquanto livre
da apropriayao alheia(54) e livre da propriedade, transforma-o, entlTo, em "pu-
ra capacidade de trabalho subjetiva", que vai se defrontar com as condiyoes
de produyao "como sua nlTo-propriedade, como propriedade alheia, como va-
lor existente para si, como capital" (G, 397; 203). A emergencia hist6rica do
trabalhador assalariado e a transformacao da sua capacidade de trabalho em
mercadoria no decorrer do processo de acumulacao origirlaria torna-se assim
o .pressuposto hist6rico e sistematico da autonomizas:ao dos meios de produ-
yao de propriedade alheia em capital, em principio de subjugaClTodo trabalho
viv.Qpara os fins da valorizaClTosIo capit.<ll.E a progressiva subsunylTOdo pro-
cesso de trabalho sob 0 processo de valorizay1To,e a sua transformaylTO siste-
matica pelos diferentes metodos de obtenylTOde mais""Valiarelativa, asseguram
a reduyao progressiva do trabalho vivo e concreto a trabalho abstrato, isto e, a
l:i2) Marx-Engels Werker, Vol. XIII, p. 9; Trad. in: Os Pensadores ,p. 130.
(53) Proprietario nem da terra, nem d6s instrumentos do trabalho, nem do proprio fun-
do de consumo.
(54) Quer dizer, livre da subsunl;ao imediata sob as condil;oes objetivas de produl;ao.
G. p. 397.
(51) "0 metoda absoluto nao sc comporta como uma ref1exao exterior, mas toma 0
determinado do seu proprio objeto,ja que 0 proprio metodo e seu princlpio imanen-
te e sua alma." (WL, II, 491). .
trabalho considerado apenas enquanto dispendio de uma atividade, medida
quantitativamente pelo tempo cronol6gico, e que se tomou indiferente ao seu
sujeito. Esta reduc;a'o ja esta logicamente pre-defmida na constituic;ao do tra-
balho assalariado.
Assiste-se, assirn, a emergencia e a expanslfo hist6ricas de urn tipo de
sociedade ern que atua urn processo de reduyao da atividade concreta dos in-
dividuos a uma atividade abstrata e indiferente a eles e,conseqiientemente,
como outra face, urn processo de autonomizac;lfo das condic;~es objetivas de
efetivac;ao do trabalho enquanto capital. Esta reducao de atividade concreta
do trabalho a uma atividade abstrata e universal, geradora de riqueza abstra-ta,
o .valor, que vai assurnir uma autonomia real e ol?osta aos sujeitos doJrabalho,
e 0 que define a dinfunica da relaclfo capitalista. Vma relac;;lfoern que urn ex-
tremo, 0 capital, pretende, subjugando 0 outro e con tendo ern si como mo-
mento. 0 trabalho, constituir-se como 0 todo da relac;11'o,a qual se transforma,
assirn, enquanto tal, num sujeito aut6nomo, cuja dinamica aparece como pro-
priedade irnanente e natural do substrato material desta relac;11'o,agora dotada
de vida pr6pria: a propriedade privada alheia dos meios de produC;11'oenquanto
valor, que entra ern relac;a'o consigo, mesmo como mais-valia e se propulsiona
atraves da dominac;a'o e absorc;ao do trabalho vivo reduzido a atividade forma-
dora de valor. (K, I, 169). £ a relaC;lfode produC;11'ocapitalist a transformada
no verdadeiro sujeito social da produc;11'oe no principio determinante de to-
das as estruturas econ6micas da sociedade. A descric;11'ometaf6rica do capital
como urn vampiro que suga, enquanto trabalho morto, 0 trabalho vivo do tra-
balhador, ressalta estes do is aspectos da relac;ao capitalista: 1.) reduc;a'o da ati-
vidade concreta do trabalho a atividade formadora de valor; 2.) a sua pseudo-
subjetivac;11'onum substrato alheio, que domina aquela pelo poder de domina-
C;;a'oque resulta do trabalho vivo(55). Constitui-se urn sujeito que, pela sua
pretensao de tomar-se 0 todo da relac;ao, incorpora e transforma ern sua auto-
atividade 0 trabalho vivo previamente reduzido a trabalho abstrato, fazendo
aparecer como propriedades suas, irnanentes e naturais, todas as dirnensC5es
tecnicas e sociais do processo de trabalho. 0 conteudo social desta relac;;a'ohi-
postasiada e das formas ern que ela articula a sua reproduc;lfo e se organiza co-
mo sistema de produC;lfoe 0 valor enquanto trabalho abstrato objetivado, que
se toma, pela universalizac;;ao desta relac;ao, a "substiincia social comum" (G,
183) das mercadorias e das relac;C5esentre os agentes da produC;a'o.Constitui-se,
desse modo, uma socie.dade perpassada ern sua base econ6mica pela universa-
lidade real do trabalho abstrato, "forma irnediatamente social dos trabalhos
privados" (K, I, 91) e, enquanto capitalizado, conteudo de todas as relac;Oes
sociais de produc;ao capitalistas. Estas relac;C5esS11'Overdadeiros universais reais,
nlfo concretos, que s6 mediatizam os agentes individuais subordinando-os a es-
tas relac;~es autonomizadas. Enquanto form as de manifestac;a'o do trabalho
abstrato elas negam 0 seu carater relacional para se afirmarem como "relac;C5es
que repousarn ern si mesmas" (G, 81) e que se opC5emaos individuos nelas irn-
plicados na qualidade de "potencias coisais"(56). Por isto, antes de serem
abstrac;;~es te6ricas do analista, as categorias da economiapolitica slfo pensa-
das por Marx como expressC5este6ricas da abstraxao real presente ,nestas reIa-
C;Oes,que se opoem aos individuos como urn poder de dominac;;ao. 0 fetiche
das categorias da economia politica, que exprirnem a abstrac;lfo real destas re-
lac;;~es, irnplica dois momentos que consolidam a sua falsa imediatidade: pri-
meiro, sua autonornizac;;lfo face aos indivfduos e sua transformac;;a'o ern
"abstrac;;5es" (G, 82) que os dominam, e, segundo, a sua incorporac;lfo, assirn
subjetivadas, como propriedades objetivas ("coisais") dos substratos econ6mi-
cos materiais ( 0 valor como propriedade natural da mercadoria, a comensura-
bilidade das mercadorias como resultante da ac;ao mediadora do dinheiro, a
produtividade como qualidade inerente ao capital). 0 fundamento dessas re-
lac;5es coisificadas e da sua express[o te6rica nas categorias da economia po-
litica e 0 movirnento de autovalorizac;lfo do capital (para as categorias de pro-
duc;;aoirnediata, antes de tudo);mas seu conteudo comum eo trabalho abstra-
to objetivado que se toma, assirn, 0 pr6prio conteudo 16gjicoda exposic;ao dia-
Ietica e 0 responsavel pelo nexo imanente entre as categorias da exposic;;lfo(57).
As categorias slfo compreendidas como formas de exposic;ao do trabalho
abstrato objetivado e como formas de articulac;ao do seu movirnento aut6no-
mo enquanto autovalorizac;lfo.
Portanto, a capitalizac;lfo progressiva do trabalho (a constituic;;ao hist6-
rica do trabalho assalariado e a sua reduc;11'oa trabalho abstrato), desencadea-
da pela separac;ao hist6rica mais radical entre 0 trabalho e as condic;6es objeti-
vas de sua efetivac;ao, constitui a valorizac;ao do capital, ern finalidade nlfo s6
do processo de produc;;ao, mas de toda reproduc;lfo material da sociedade. E a
transformac;ao da valorizac;ao em finalidade do sistema acarreta urn "desenvol-"sachliche MlIchte". "Estas relal;oes de dependencia coisais, em oposil;ao as rela-
l;oes pessoais,aparecem tambem de tal maneira que os indiv{duos s,aoagora domi-
n!ldos por abstra\ioes, enquanto antes dependiam uns dos outros. (A relal;ao de de-
pendencia coisal consiste tao so nas relal;oes sociais que se defrontam, enquanto
automatizadas, com os indiv{duos aparentemente independentes, isto e, suas rela-
l;oes de produl;ao redprocas autonomizadas face a eles.)" G, p. 81 e 81.
Este nexo nem sempre e imanente, pois a propria exposil;ao diaJetica so e verda-
deira quando conhece os seus limites (G,)64, 945) e aponta para os pressupostos
hist6ricos a que ela deve recorrer. De resto, a medida que a exposil;ao d'D Capital
avanl;a, ela recorre sempre mais, ao inves da ~xposil;ao logica de Hegel, a determi-
nal;oes que nao sao 0 resultado imanente e necessario da explicital;ao das categorias
anteriores. Alem disso, na medida em que aexposil;ao e sistematica e reconstr6i a
totalidade contradit6ria da reprodul;ao capitalista, penetrando no fundamento da
redul;iio do trabalho e da autonomizal;ao do valor, ela e, simultanemamente, cr{ti-
ca, e tern a funl;ao de devolver as categorias 0 seu verdadeiro estatuto logico, que e
o de serem expressoes de relal;oes sociais, embora ela nao coincida, como exposi-
9[0 crltica, com 0 proprio processo real de descoisifica9ao das rela90es sociais e de
ser abordada especificamente a proposito 'da analise tematica da dialetica enquan-
to cr{tica.
(55) "0 capital e trabalho morto que so se anima como urn vampiro sugando 0 traba-
lho vivo, e ele vive tanto mais quanto mais suga trabalho vivo." (K, I, p. 247). Cf.
tambem G., p. 357.
vimento incondicionado" da produtividade do trabalho social que vai implicar
uma apropria~ao progressivamente total da natureza por uma produ~ao con-
vertida em fim de si mesma, e uma domina~ao, tambem tendencialmente e to-
tal, dos individuos e da sua socializa~ao pela valoriza~ao do capital. Umapro-
du~ao autofmalizada pela expansao do valor converte-se, por sua vez, na fin a-
lidade e no contel1do t1nicos do trabalho, reduzindo a atividade formadora do
valor. Esta a condi~[o hist6rica objetiva para a apreens[o adequada da pr6pria
'razao do capital'(58) e da sua exposi~ao efetivamente diaIetica que, primeiro,
espelha(59) t[o s6 e cabalmente a estrutura econ6mica da sociedade enquanto
ela esta, em principio, exau,stivamente determinada e dominada pela lei da va-
loriza~ao do capital (aspecto mimtHico da exposi~ao, oriundo da componente
auto-expositiva da diaIetica especulativa, cf. p. II), segundo, reconstr6i a 16gi-
ca objetiva do modo de produ~ao capitalista a partir do conceito de capital,
mas enquanto metoda, distinto da sua reprodu~ao e/ou destrui~ao enquanto
sistema real (aspecto propriamente dialetico, e tambem critico, da exposi~ao).
o diagn6stico hist6rico do capitalismo enquanto sistema total (na sua preten-
sao) de apropria~ll'o da natureza e de domina~ao social pela 16gica de valoriza-
~ao, possibilita uma reconstruyao categorial de uma ciencia social, a economia
politica, que preenche, metodicamente, a exigencia de considerar apenas (ex-
clusivamente e integralmente) 0 "desenvolvimento do conceito de capital", is-
to e, de organizar sistematicamente, sem hip6teses exteriores a ele, todas as
categorias da economia polftica enquanto "determinidades formais econ6mi-
cas"(60), do capital e do seu movimento de autovaloriza~[o. Esta reconstru-
~ll'ocategorial expOe as estruturas econ6micas da reprodu~ao da sociedade ca-
pitalista enquanto elas sll'o,em seu contet1do, constituidas por essas "determi-
nidades formais econ6micas" capitalista Preenche-se, assim, na exposi~ao da
estrutura econ6mica da sociedade capitalista, a exigencia d~ diaIetica especu-
lativa hegeliana: assim como as categorias da Ciencia da L6g1ca, enquanto for-
mas de pensamento puro, slto, simultaneamente, 0 contel1do real do pensa-
mento, analogamente as determinidades formais econ6micas do capital, ex-
pressas nas categorias d'O Capital, constituem, assintoticamente, na medida
do poder do capital, sobre a sociedade, 0 pr6prio' conteudo real das rela~Oes
sociais de produ~o. Se para Hegel a dial6tica especulativa da Ciencia da L6gi-
ca s6 e possivel quando a consuma~ao hist6rica do espirito permite que a
consciencia, atrav6s do percurso integral de todas as formas opositivas na Fe-
nomenologia, se alee ao patamar do pensamento puro, no qual 0 ser-si-mesmo
do objeto nao se diferencia mas do si-mesmo do pensar (Pharr., 48; trad.loc.
cit., 38), para Marx a dial6tica materialista d'O Capital torna-se historicamen-
(58) Uma raziio evidentemente contraditoria para Marx, porque entre a finalidade da
prodUl;iio capitalist a (garantir a manuten~ao e expansao do valor e das rela~5es so-
ciais congruentes a ela) e os meios a que ela recorre para isso, "0 desenvolvimento
incondicionado das for~as produtivas sociais do trabalho" (K, III, 259-260) com
as conseqiiencias econ6micas inevitaveis e indesejaveis af impl1citas (queda da taxa
de lucro, desvaloriza~iio do capitalexistente e desenvolvimento das for~as produti-
vas do trabalho as custas das for~as produtivas ja de~nvolvidas, Ibid.), instaura-se
uma contradi~aoinsohlvel dentro da pretensiio de domina~ao do capitaL Esta con-
tradi~iio frustra recursivamente a sua pretens1fo de domina~ao, stibmetendo a re-
produ~iio social a uma instabilidade essencial que toma a plena adequa~ao da rea-
Iidade capitalista ao seu conceito inalcancaveL
(59) Introduzido por Marx no contexto da reflex1fometodologica do Postfacio a segun-
da edi~1fod'O Capital, 0 conceito de 'espelhamento' ('Widerspiegelung') nao esta
isento de ambigiiidades, principalmente na vizinhan~a embara~osa de metaforas
que descrevem 0 pensamento como tranSposi~iio e tradu~iio no cerebro do que e
'material" (K, I, 27) e que anunciam a futura linguagem do materialismo vulgar,
que consagrara 0 positivismo impl1cito na especula~iio, ja denunciada pelo jovem
Marx. 0 conceito de 'espelhamento' foi posteriormente canonizado na tradi~ao
marxista por Engels e Lenin para sublinhar 0 carater materialista da teoria do co-
nhecimento marxista. N'O Capital ele so pode ser entendido adequadamente a
partir de sua origem na diaIetica espelculativa hegeliana, e da sua dependencia da
concep~ao tradicional de teoria no seu sentido etimologico de visao. Ele nao visa
tanto sublinhar 0 aspecto realista da teoria do conhecimento de Marx, na versao
trivial de mera copia de urn real, que em sua facticidade imediata conte ria em si as
articula~6es e os nexos que 0 conhecimento nele descobre e apenas refJetiria, no
sentido, portanto, da 'teoria do refJexo' do materialismo vulgar (mera transposi-
~ao acr(tica e pre-crltica de uma posi~iio idealista), mas 0 aspecto propriamente
dialetico do metodo, que exp5e a logica objetiva e propria da coisa sem interfe-
rcncias subjetivas previas .do analista e externasao movimento do conceito da coi-
sa. Na interpreta~iio marxista ortodoxa da dialCtica a partir de Engels, que tende a
transforma-Ia em metoda universal, inclusive do conhecimento da natureza, e mes-
mo na propria estrutura objetiva da realidade concebida como processualidade to-
tal, a Umstiilpung marxiana e geralmente interpretada no sentido mais ou menos
trivial de que 0 metodo dialetico espelha as estruturas dialeticas do processo objeti-
vo, sem que se saiba exatamente por que 0 real e diaIetico, e, muito menos, por-
que.o espelhamento seria tal. Urn testemunho claro dessa trivializa~ao da dialetica
como espelhamento nos oferece uma passagem de uma carta de Engels a Schmidt,
de 1 denovembro de 1891: "". a inversao da dialetica em Hegel consiste em que
ela deve ser 0 'autodesenvolvimento do pensamento' e que, portanto, a dialetica
dos fatos e apenas 0 seu reflexo ('Abglanz'), enquanto que a diaIetica na nossa ca-
be~a e, certamente, apenas 0 espelhamento ('Widerspiegelung') do desenvolvimen-to factual no mundo da natureza e no mundo historico-humano que obedece a
formas dia16ticas. Compare uma vez 0 desenvolvimento da mercadoria ao capital
em Marx com 0 do ser a essencia em Hegel, e voce teni urn born paralelo: aqui 0
desenvolvimento do concreto, tal como ele resulta dos fatos, Ia a constru~ao
abstrata ..." (Marx-Engels Werke, vol. 38, p. 204). Convem observar que 0 'apenas',
que fazia sentido no sistema hegeliano quando se tratava "em trazer apenas a
consciencia 0 trabalho da propria raza:o da coisa" (Rechtsphilosophie, § 31A), tor-
na-se 0 indicador de urn realismo ingenuo e pre-kantiano quando referido ao mero
"espelhamento do desenvolvimento factual." 0 verdadeiro concreto, que era, para
Marx, 0 resultado de sua reconstru~iio sintetica no pensamento, tende a ser con-
fundido com uma imediatidade factual, com 0 "concreto empfrico e imediato" de
Marx, e a dialetica como metodo parece reduzir-se a duplica~ao de uma dialetica
dos fatos sem pensamento, e no caso de Hegel, a uma "constru~ao abstrata" con-
traposta a positividade dos fatos: Tal redu~iio da dialetica ao espelhamento so e
ainda inteligfvel no quadro de uma ontologia do real, transformado metafisica-
mente em 'processualidade universal, que se imporia ao pensamento'com a positivi-
dade de urn fato. :e 0 resultado final da diaIetica materialista convertida em mate-
rialismo dialetico.
(60) "Okonomische Formbestimmtheit".
te possivel quando 0 capital tornou-se "a potencia economic a da sociedade
burguesa, que domina tudo", seu "ponto de partida e 0 seu ponto de chega-
da" (G, 27; Trad. loco cit., 122) e quando a apropria~ao critica da economia
politica a tiver conduzido ao ponto em que suas categorias possam ser desen-
volvidas sistematicamente a partir de sua lei essencial.
~ esta pretenslto de domina~lto total do capital sobre a sociedade e a
natureza (diacronica e sincronicamente) que permitiu a Marx ver antecipada
na ideia hegeliana enquanto 'metodo absoluto' urn anaIogo especulativo da lei
de valoriza~[o e da reprodu~ao sistematica do capital. A ideia especulativa co-
mo metodo e 0 movimento do conceito que sabe que ele e tudo e que seu mo-
vimento se determina e realiza enquanto "atividade universal absoluta", "for-
~a inf1.'1itapura e simplesmente" (WL, II, 486), a que nenhum objeto, enquan-
to exterior e independente da razlto, pode resistir. Qualquer coisa s6 pode ser
concebi~a "enquanto ela esta integralmente submetida ao metodo" (ibid.),
que e,sunultaneamente, "0 metodo pr6prio de cada coisa, porque a sua ativi-
dade (da coisa) e conceito" (ibid.). Analogamente em Marx, 0 movimento de
valoriza~[o e de acumula~lto do capital assume uma especie de subjetividade
absoluta enquanto 0 valor se torna "0 sujeito englobante de urn processo" (K,
I, 169), a que nenhuma relaylto pre-capitalista pode resistir indefmidamente
(se ela resiste, ela e integrada, em sua pr6pria exterioridade resistente as fin a-
lidades da reproduyao capitalista), e que pretende estabelecer uma co~respon-
dencia plena entre 0 conceito de capital e a sua realidade efetiva (a forma~ao
social capitalista). Esta correspondencia de principio e resultado hist6rico da
crescente universaliza~ao do trabalho assalariado e da reduy[o sistemativa do
trabalho concreto a trabalho abstrato, concomitantes a transformay[o do ca-
pital em "poder social universal" submetido a apropria~lto privada de capita-
listas individuais (K, III, 274). Ela e condiy[o objetiva da reconstru~lfo cate-
gorial da economia politica, enquanto teoria do modo de produ~ao capitalis-
ta(61) que procede a exposiylto sistematica das formas de reprodu~ao econo-
micas da sociedade capitalista submetidas ao 'poder subjugador' da valoriza-
~lfo e da acumulay[o do capital. A diferenya principal entre a "for~a infmita
e irresistivel" da ideia enquanto metodo e 0 "poder subjugador" do capital es-
ta em que naquela, cada coisa, comoconceito, reconhece a sua atividade mais
pr6pria e profunda, 0 seu si-mesmo, enquanto 0 capital como sujeito e princi-
pio de movimento dll substancia economica, 0 valor, s6 tern consciencia de si
na multiplicidade dos seus agentes individuais, nos capitalistas enquanto re-
presentantes dos capitais individuais, que s6 'reconhecem' 0 movimento de re-
produ~lto global do capital enquanto ele atende 0 imperativo da valorizayao
do capital individual. Embora ele tenha a sua finalidade em si mesmo, 0 capi-
tal nlto se sabe como sujeito, el~ e cego, e "urn sujeito automatico" (K, I,
169), cujo poder de dornina~lfo nlto consegue estabelecer a plena correspon-
dencia entre a realidade capitalista eo seu conceito(62).
Embora, portanto, a tearia d'O Capital, conforme postulado metodo-
16gico explicado por Marx, s6 exponha as rela~Oes de produ~lIo capitalistas na
medida em que elas correspondem ao seu conceito(63), as forma~Oes sociais
capitalistas nlfo correspondem historicamente de maneira plena ao conceito
de capital, porque ele mesmo con tern uma pretenslIo de domina~lIo total ir-
realizavel, uma estrutura de poder contradit6ria: se formalmente 0 capital po-
de ser a totalidade da relay[o entre si mesmo e 0 trabalho assalariado, subju-
gando-o como momento (0 trabalho enquanto capital variavel), materialmente
ele n[o pode prescindir da sua oposi~lfO sempre renovada ao trabalho vivo,ja
que enquanto trabalho objetivado, morto, 0 capital nlIo tern outro conteudo
social que n[o 0 trabalho. Se na ideia hegeliana a realidade se torna adequada
ao conceito, que se alastra sobre ela e a domina para torna-Ia correspondente
a si, n!!§JormagCles capitalistas a realida!le nunc a corresponde plenamente ao
conceito de capital, por~ue a sua realgag[o int.~gral como "sujeito automati-
cQ" da produglfO, atraves da "aplica!;:1fot.~!)glQgica daJtiencias naturais", e
na forma rnais proxima do seu conceito, c.Q.mocapital flXo,tende a subverter
a sua pr6pria base de valorizaclfo, 0 tempo de trabalho (G, 587, 593). Par is-
so, se a pretenslfo de domina~lfo total do capital sobre a estrutura economic a
da sociedade e condi~lto hist6rica e 16gica da dialetica como exposiyao ade-
quada de urna realidade, na medida em que ela corresponde a esse conceito, a
frustraylfo essencial e recorrente dessa pretenslto e, simultaneamente, condi-
~lto da dialMica como critica, que exp5e, atraves da reconstru~1fo sistematica
da economia polftica, 0 movimento autodestrutivo da contradiyao presente
nesse poder de dornina~[o.
Respondendo a questlto sobre a legitimidade de uma diaIetica materia-
lista. - mais precisamente, sobre a possibilidade de uma exposi~ao dialetica
(no sentido preciso desses conceitos) da reproduyao material de uma socieda-
de dorninada pelo poder do capital (a sociedade burguesa), atraves da recons-
truyao sistematica da cH\ncia social que tern par objeto 0 movimento econo-
mico dessa sociedade -/ apontou-se para 0 diagn6stico hist6rico dessa socie-
dade como condi~ao de possibilidade e de legitimaylto. Mas se a teoria d'O Ca-
pital. - enquanto exposi~lfo dialetica (e critica) do movimento efetivo do ca-
pital atraves da reconstru~lfo categorial da economia politica como ciencia. -
tern 0 principio de sua legitima~lfo apenas num deterrninado diagn6stico his-
t6rico do presente, isto e, do modo de produylfo capitalista como sistema de
"0 metodo emergiu disso como 0 conceito que se sabe como absoluto, tanto
subjetivo quanta objetivo, e se tern a si mesmo como objeto, por conseguinte, co-
mo a pura correspondencia entre 0 conceito e a sua realidade, como uma existen-
cia, que e ele mesmo (0 conceito)." (WL, II, p. 486).
"Ern tal investiga¥ao universal pressupoe-se sempre, ern principio, que as rela¥oes
efetivas correspondam ao seu conceito ou, 0 que equivale, que as rela¥oes efetivas
s6 sejam expostas enquanto elas exprimem 0 seu pr6prio tipo universal." (K, III,
p. 152).
"Na teoria pressupoe-se que as leis do modo de produ¥ao capitalista se desenvol-
vem de maneira pura. Na realidade

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