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A circularidade da representação e a participação política – A visão de Nádia Urbinati *Malena Rehbein A cientista política Nádia Urbinati, em seu texto O que torna a representação democrática (2005), explica que a democracia representativa, aquela que vivemos no Brasil e onde representantes da população são eleitos para tomar decisões em nome dos cidadãos, não é aristocrática (elitista) ou uma alternativa inferior ou menos democrática, que veio substituir a democracia direta, muitas vezes colocada como mais democrática. Sim, aquela democracia direta que se vivia na cidade grega de Atenas, onde os considerados cidadãos (e muita gente estava de fora dessa classe, como mulheres, escravos e estrangeiros) tinham o direito de decidir diretamente sobre as questões políticas que envolviam a cidade1. Mas como fazer em sociedades muito numerosas e complexas? Urbinati explica que a democracia representativa pode se recriar e se aprimorar constantemente, lembrando que ela surgiu ainda no século XVIII, justamente para limitar o governo, conferindo maior responsabilidade a decisões que poderiam ser arbitrárias e tomadas por uma só pessoa, a quem se conferia geralmente o poder. Na visão da autora, desta forma, representação não exclui, de modo algum, a participação direta da sociedade em processos políticos. Ao contrário, pode e deve combinar-se a ela. Um dos institutos mais importantes da democracia representativa é a existência de eleições periódicas para a escolha daqueles que tomarão oficialmente as decisões pela sociedade. Entretanto, Urbinati argumenta que as eleições geram representações, mas não representantes absolutos. E justamente porque eles não são absolutos é que o processo de amadurecimento e decisão demandaria participação, resultando no que a autora chama de representação circular, que não se encerra na eleição. Ao contrário, há uma negociação contínua entre instituições políticas e sociedade, que é o que de fato encarna o sentido de representação. Ou seja, trata-se de uma representação dinâmica, ativa, regulada e de reconstrução contínua de legitimidade, que é fundamental para a estabilidade de qualquer governo. Isso inclui movimentos sociais, fontes de informação e debate via mídia, associações e demais formas de participação popular direta. São as múltiplas fontes de informação e de influência que os cidadãos ativam pela mídia, movimentos sociais e partidos políticos que dão o tom da representação democrática, explica Urbinati. Qualquer reivindicação que os cidadãos tragam para a arena política e queira tornar um tema de representação é invariavelmente um reflexo da luta para redefinição das fronteiras entre as suas condições sociais e a legislação (p. 196). Inicialmente, pensava-se que as eleições eram suficientes no processo representativo, mas as complexidades e problemas da vivência política neste sistema mostrou que o ato de autorização (a eleição) não é mais importante que o processo de autorização (a negociação 1 Na democracia direta a participação é basicamente nas decisões, mas na representativa ela tem de acontecer ainda no debate, anterior às decisões. política contínua entre sociedade e instituições política no período entre as eleições). As eleições são importantes porque o voto dá peso às ideias, ou seja, o voto (o ato de autorização) é uma continuidade de opiniões (processo de autorização) que são finalmente expressas nas urnas, mas que também se expressam em vários fóruns políticos que podem influenciar o processo deliberativo, isto é, de tomada de decisão mesmo das políticas que afetam a vida da sociedade. Os representantes devem poder ser julgados sempre e não somente ao final de seus mandatos. Isso é o que Urbinati chama de poder negativo, que vem da soberania do povo, ou seja, o poder de investigar, julgar influenciar e reprovar seus legisladores. E esse poder é negativo porque ele visa frear ou mudar o curso da ação de um representante eleito, tanto por meio de canais diretos de representação legal (os chamados recalls2) ou indiretos (como fóruns, movimentos sociais, mídia, manifestações). É um poder negativo, frente ao positivo (o ato contínuo do representante), o que cria um processo dialógico e dialético muito saudável, já que representantes e representados têm de negociar continuamente os resultados das demandas. Mas, de fato, uma das características mais importantes do governo representativo é sua capacidade para a resolução das demandas conflitantes das partes, com base em seu interesse comum no bem-estar do todo. A dialética entre as partes e o todo explica a função complexa do arranjo legislativo em um governo representativo, como um órgão mediador entre o Estado e a sociedade” (p. 220). O problema da representação acontece, explica Urbinati, quando ela é vista como quando os representantes sabem exatamente o que as pessoas desejam, sendo que é impossível corresponder aos diferentes anseios de todos a todo momento. Esta é uma equação impossível. Então, para chegar a bom termo, Urbinati argumenta que a representação demandaria mais do que eleições: autonomia local e liberdade de expressão e associação, além de certa igualdade de condições materiais e cultura ética de cidadania, que possibilite ver e entender a coletividade em que todos se inserem. E o que você tem a ver com essa cultura ética de cidadania? *Este texto é baseado no artigo O que torna a representação democrática?, da professora da Nádia Urbinati (Universidade de Columbia), apresentado no Encontro anual da American Political Science Association (Apsa), em Washington (EUA), em setembro de 2005. O artigo está disponível no link: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=67306707 2 Recall (palavra inglesa) é o instituto legal que permite a cassação de um mandato por voto popular.
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