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relativamente duradouras que ocorrem. Como para as outras coisas que disse, limitar-me-ei a afirmações sustentadas pela investigação. O cliente modifica-se e reorganiza a concepção que faz de si mesmo. Desvia-se de uma idéia que o torna inaceitável aos seus próprios olhos, indigno de consideração, obrigado a viver segundo as normas dos outros. Conquista progressivamente uma concepção de si mesmo como uma pessoa de valor, autônoma, capaz de fundamentar os próprios valores e normas na sua própria experiência. Desenvolve uma atitude muito mais positiva em relação a si mesmo. Há um estudo que mostra que no início da terapia as atitudes habituais para consigo mesmo são negativas na proporção de quatro para uma, mas que, no decurso da quinta fase do tratamento, estas mesmas atitudes são positivas muitas vezes na proporção de duas para uma. O cliente torna-se menos defensivo, e, por isso, mais aberto à sua própria experiência e à dos outros. Suas percepções tornam-se mais realistas e mais diferenciadas. Sua adaptação psicológica melhora, como se pode ver pela aplicação do Teste de Rorschach, do Teste de Aercepção Temática (TAT), pela apreciação do terapeuta ou por qualquer outro índice. Seus objetivos e ideais mudam de forma a se tornarem mais acessíveis. A distância inicial entre o eu que ele é e o eu que ele desejaria ser diminui consideravelmente. Dá-se uma redução da tensão em todas as suas formas — tensão fisiológica, mal-estar psicológico, ansiedade. Percebe os outros indivíduos de uma forma mais realista e os aceita mais. Descreve seu próprio comportamento como mais amadurecido e, o que é importante, é visto por aqueles que o conhecem bem, agindo de modo mais maduro. Não são apenas os diversos estudos que mostram o aparecimento dessas alterações durante o período terapêutico, mas minuciosos trabalhos de acompanhamento levados a efeito durante um período de seis a dezoito meses, depois da conclusão do tratamento, que indicam igualmente uma persistência dessas alterações. Os fatos que expus esclarecerão talvez por que razão sou levado a crer que nos aproximamos do momento em que poderemos estabelecer uma equação no delicado domínio das relações interpessoais. Recorrendo a todos os elementos que a investigação proporcionou, concluamos com a tentativa de uma formulação desta equação, que julgo corresponder aos fatos: — Quanto mais o cliente percebe o terapeuta como uma pessoa verdadeira ou autêntica, capaz de empatia, tendo para com ele uma consideração incondicional, mais ele se afastará de um modo de funcionamento estático, fixo, insensível e impessoal, e se encaminhará no sentido de um funcionamento marcado por uma experiência fluida, em mudança e plenamente receptiva dos sentimentos pessoais diferenciados. A conseqüência desse movimento é uma alteração na personalidade e no comportamento no sentido da saúde e da maturidade psíquicas e de relações mais realistas para com o eu, os outros e o mundo circundante. A imagem subjetiva Falei até do processo de aconselhamento e de terapia de uma forma objetiva, sublinhando o que sabemos e transcrevendo-o como uma equação um pouco simplista, onde podemos, pelo menos, tentar situar os termos específicos. Mas agora vou procurar abordar a questão por dentro e, sem desprezar os conhecimentos objetivos, apresentar essa equação tal como ela se apresenta subjetivamente tanto ao terapeuta como ao cliente, e isso porque a terapia é, no seu processo, uma experiência profundamente pessoal e subjetiva. Essa experiência revela qualidades completamente diferentes das características objetivas que se lhe apontam do exterior. A experiência do terapeuta Para o terapeuta, é uma nova aventura que começa. Ele sente: “Aqui está esta outra pessoa, meu cliente. Sinto um pouco de receio dele, medo de penetrar nos seus pensamentos, tal como tenho medo de mergulhar nos meus. No entanto, ao ouvi- lo, começo a sentir um certo respeito por ele, a sentir que somos próximos. Pressinto quão terrível lhe aparece o seu universo, com que tensão procura controlá-lo. Gostaria de apreender os seus sentimentos e que ele soubesse que eu os compreendo. Gostaria que ele soubesse que estou perto dele no seu pequeno mundo compacto e apertado, capaz de olhar para esse mundo sem excessivo temor. Talvez eu possa tomá-lo menos temível. Gostaria que os meus sentimentos nessa relação fossem para ele tão evidentes e claros quanto possível, a fim de que ele os captasse como uma realidade discemível a que pode regressar sempre. Gostaria de acompanhá-lo nessa temerosa viagem ao interior de si mesmo, ao medo nele escondido, ao ódio, ao amor que ele nunca foi capaz de deixar aflorar em si. Reconheço que é uma viagem muito humana e imprevisível tanto para mim como para ele e que eu me arrisco, sem mesmo saber que tenho medo, a retrair-me em mim mesmo perante certos sentimentos que ele revela. Sei que isso impõe limites na minha capacidade de ajudar. Torno-me consciente de que os meus próprios temores podem levá-lo a encarar-me como um intruso, como alguém indiferente e que o rejeita, como alguém que não compreende. Procuro aceitar plenamente esses seus sentimentos, embora esperando também que os meus próprios se revelem de maneira tão clara na sua realidade que, com o tempo, ele não possa deixar de percebê-los. Mas, sobretudo, pretendo que veja em mim uma pessoa real. Não tenho necessidade de perguntar a mim mesmo com embaraço se os meus sentimentos são ‘terapêuticos’. O que eu sou e aquilo que sinto pode perfeitamente servir de base para a terapia, se eu pudesse ser transparentemente o que sou e o que sinto nas minhas relações com ele. Então talvez ele possa ser aquilo que é, abertamente e sem receio”. A experiência do cliente O cliente, por seu lado, atravessa uma série de estados de consciência muito mais complexos, que apenas podemos sugerir. Esquematicamente, talvez os seus sentimentos assumam uma das seguintes formas: “Tenho medo dele. Preciso de ajuda, mas não sei se posso confiar nele. Talvez ele veja em mim coisas de que não tenho consciência — elementos terríveis e maus. Ele não parece estar me julgando, mas tenho a certeza de que o faz. Não posso dizer-lhe o que realmente me preocupa, mas posso falar-lhe de algumas experiências passadas em relação com essas minhas preocupações. Ele parece que compreende essas experiências, logo, posso abrir-me um pouco mais com ele. “Mas agora que partilhei com ele um pouco desse meu lado mau, despreza-me. Tenho certeza disso, mas é estranho que tal coisa não seja evidente. Será que por acaso o que lhe contei não é assim tão mau? Será possível que eu não precise me envergonhar de uma parte de mim mesmo? Já não tenho a impressão de que ele me despreze. Isto me dá vontade de ir mais longe, na exploração de mim, de falar um pouco mais sobre mim. Encontro nele uma espécie de companheiro — parece realmente compreender-me. “Estou novamente cheio de medo, mas agora mais profundo. Não percebia que, ao explorar os recantos incógnitos de mim mesmo, iria sentir impressões que nunca havia experienciado antes. Isso é muito estranho porque, num certo sentido, não são sentimentos novos. Pressinto que sempre estiveram ali. Mas parecem tão maus e inquietantes que eu nunca os havia deixado fluir em mim. E agora, quando vivo esses sentimentos durante o tempo que passo junto dele, sinto vertigens, como se o meu universo se desmoronasse em tomo de mim. Antes, ele estava seguro e firme. Agora está abalado, permeável e vulnerável. Não é agradável sentir coisas de que até agora sempre se teve medo. A culpa é dele. É, no entanto, curioso que tenha desejo de voltar a vê-lo e que me sinta em maior segurança com ele. “Já não sei quem sou, mas, por vezes, quando sinto realmente determinadas coisas, tenho a impressão,