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CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 121 F 121 Desejo e desejo e desejo Sempre o desejo procriativo do mundo. Saindo da obscuridade iguais opostos avançam, Sempre substância e aumento, sempre sexo, Sempre uma tessitura de identidade, sempre distinção, Sempre uma criação de vida. WALT WHITMAN (1855) O objetivo final de todas as intrigas amoro- sas, sejam elas cômicas ou trágicas, é na realidade mais importante que todas as ou- tras finalidades na vida humana. Ele se volta para nada menos que a compo- sição da próxima geração. A SCHOPENHAUER (CITADO POR C. DARWIN, 1871) ERTILIZAÇÃO (FECUNDAÇÃO) é o processo pelo qual duas células sexuais (gametas) se fundem para criar um novo indivíduo com potenciais genéticos derivados dos dois genitores. A fecundação, portanto, realiza duas atividades separadas: sexo (a combinação de genes derivados dos dois pais) e a reprodução (criação de novos organismos). Assim, a primeira função da fecundação é a de trans- mitir genes dos pais para a prole, e a segunda é a de iniciar no citoplasma do ovo aquelas reações que permitem o desenvolvimento. Embora os detalhes da fecundação variem de espécie para espécie, os eventos da concepção consistem, em geral, de quatro atividades principais: • Contato e reconhecimento entre espermatozóide e óvulo. Na maioria dos casos, isso assegura que o espermatozóide e o óvulo sejam da mesma espécie. • Regulação da entrada do espermatozóide para o interior do óvulo. Somente um espermatozóide pode, em última análise, fecundar um óvulo. Isso é geral- mente conseguido com a permissão de somente um espermatozóide entrar no óvulo e a inibição da entrada de qualquer outro. • Fusão do material genético do espermatozóide e do óvulo. • Ativação do metabolismo do ovo para começar o desenvolvimento. Estrutura dos gametas Existe um diálogo complexo entre óvulo e espermatozóide. O óvulo ativa o metabolis- mo do espermatozóide que é essencial para a fecundação, e o espermatozóide retorna a mensagem ativando o metabolismo do óvulo necessário para o início do desenvol- vimento. Porém, antes de investigar esses aspectos da fecundação, temos que consi- derar as estruturas do espermatozóide e do óvulo – dois tipos de células especializadas para a fertilização. EspermatozóideEspermatozóideEspermatozóideEspermatozóideEspermatozóide Foi somente no século XIX que o papel do espermatozóide na fertilização tornou-se conhecido. Anton van Leeuwenhoek, o microbiologista holandês que co-descobriu o espermatozóide em 1678, acreditou inicialmente que ele continha animais parasitas vi- vendo em seu interior (daí o termo espermatozóides, significando “animais do esper- ma”). Assumiu originalmente que esses nada tinham a haver com a reprodução do organismo onde se encontravam, porém, posteriormente chegou a acreditar que cada espermatozóide continha um embrião pré-formado. Leeuwenhoek (1685) escreveu que Fertilização: Iniciando um novo organismo 4 122 PARTE II Padrões de Desenvolvimento espermatozóides eram sementes (tanto sperma como sêmen significam “semente”), e que a fêmea meramente proporcionava o solo nutriente no qual as sementes eram plantadas. Sob esse aspecto, ele estava voltando a uma noção da procriação enunci- ada por Aristóteles 2000 anos antes. Por mais que tentasse, Leeuwenhoek era continu- amente desapontado em suas tentativas de achar um embrião pré-formado nos esper- matozóides. Nicolas Hartsoeker, o outro co-descobridor do espermatozóide, dese- nhou uma figura do que pretendia encontrar: um ser humano pré-formado (“homúnculo”) dentro do espermatozóide (Figura 4.1). Essa crença de que o esperma- tozóide continha um organismo embrionário inteiro, nunca recebeu muita aceitação, porque implicava num enorme desperdício de vida em potencial. A maioria dos inves- tigadores consideravam o espermatozóide como sem importância (Veja Pinto-Correia, 1997, para detalhes sobre essa extraordinária história). [fert1.html] A primeira evidência sugerindo a importância do espermatozóide na reprodução veio de uma série de experimentos realizados por Lazzaro Spallannzani em fins de 1700. Spallanzani demonstrou que sêmen filtrado de rã, livre de espermatozóide, não fecun- dava óvulos. Concluiu, porém, que o fluido viscoso retido pelo papel de filtro, e não o espermatozóide, era o agente da fertilização. Ele acreditava, também, que os “animais espermáticos” eram parasitas. A combinação das melhores lentes de microscópio e da teoria celular, levaram a uma reapreciação da função espermática. Em 1924, J. L. Prevost e J. B. Dumas afirma- ram que os espermatozóides não eram parasitas, mas sim os agentes ativos da fertili- zação. Notaram a existência universal de espermatozóides em machos sexualmente maduros e sua ausência em indivíduos imaturos ou idosos. Essas observações, acopladas à conhecida ausência de espermatozóides na mula estéril, os convenceram que “existe uma íntima relação entre sua presença nos órgãos e a capacidade fecundadora do animal”. Eles propuseram que o espermatozóide penetra o óvulo e contribui materialmente para a geração seguinte. Essas assertivas não foram em geral levadas em consideração até a década de 1840, quando A. von Kolliker descreveu a formação do espermatozóide a partir de células contidas em testículos adultos. Kolliker ridicularizou a idéia que o sêmen poderia ser normal e ainda assim tolerar a presença de um número enorme de parasitas. Mas ainda assim, negou que haveria qualquer contato físico entre espermatozóide e óvulo. Acredi- tava que o espermatozóide excitava o desenvolvimento do óvulo de maneira semelhante aquela pela qual o ímã comunica sua presença ao ferro. Somente em 1876, Oscar Hertwig e Hermann Fol, independentemente, demonstraram a entrada do espermatozóide no óvulo e a união de seus núcleos. Hertwig procurou um organismo adequado para obser- vações microscópicas detalhadas e descobriu que o ouriço-do-mar Mediterrâneo, Toxopneustes lividus, era perfeito para isso. Não somente era freqüente na região e sexualmente maduro a maior parte do ano, como seus óvulos eram abundantes e trans- parentes, mesmo sob alto aumento. Após misturar espermatozóide e óvulo em suspen- sões, Hertwig repetidas vezes observou o espermatozóide entrando no óvulo e viu a união dos núcleos dessas células. Notou também que apenas um espermatozóide era visto penetrar em cada óvulo e que todos os núcleos do embrião derivavam dos núcleos fundidos por ocasião da fertilização. Fol fez observações semelhantes e detalhou o mecanismo de penetração do espermatozóide. A fertilização estava finalmente reconhe- cida como a união de espermatozóide e óvulo, e a união dos gametas do ouriço-do-mar permanece como um dos exemplos de fertilização melhor estudado. [fert2.html] Cada espermatozóide consiste de um núcleo haplóide, um sistema de propulsão para movimentar o núcleo, e um saco de enzimas que permitem a entrada do núcleo no óvulo. A maior parte do citoplasma do espermatozóide é eliminada durante o amadure- cimento, deixando somente certas organelas modificadas para exercer a função esper- mática (Figura 4.2). Durante o transcorrer do amadurecimento, o núcleo haplóide se torna muito aerodinâmico e seu DNA altamente comprimido. Na parte frontal desse núcleo haplóide comprimido está a vesícula acrossômica, derivada do aparelho de Golgi, contendo enzimas que digerem proteínas e açúcares complexos; por isso, pode Figura 4.1Figura 4.1Figura 4.1Figura 4.1Figura 4.1 A criança humana pré-formada no espermato- zóide, conforme representada por Nicolas Hartsoeker (1964). CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 123 Vesícula acrossômica Membrana plasmática Núcleo Centríolo Mitocôndrias Axonema Mitocôndrias Aparelho de Golgi Núcleo Vesícula acrossômica e grânulo Flagelo Centríolo Flagelo Centríolo Golgi remanescente MicrotúbulosPorção final Cauda Porção mediana Pescoço Cabeça do espermatozóide Mitocôndrias ser considerado como uma vesícula secretória modificada. Essas enzimas armazena- das são usadas para lisar os invólucros externos do óvulo. Em muitas espécies, tais como os ouriços-do-mar, existe uma região de moléculas globulares de actina entre o núcleo e a vesícula acrossômica. Essas proteínas são usadas para estender um pro- cesso de forma semelhante a um dedo durante os estágios precoces da fertilização. Em ouriços-do-mar e várias outras espécies, o reconhecimento mútuo entre espermatozói- de e óvulo envolve moléculas desse processo acrossômico. Juntos, o acrossomo e o núcleo constituem a cabeça do espermatozóide. Os meios pelos quais o espermatozóide é impulsionado variam de acordo com o modo pelo qual a espécie se adaptou às condições ambientais. Em algumas espécies (como o nematelminto parasitário Ascaris), o espermatozóide viaja por movimentação amebóide de extensões lamelipodiais da membrana celular. Na maioria das espécies, porém, um espermatozóide é capaz de viajar por longas distâncias agitando o seu flagelo. Os flagelos são estruturas complexas. A sua principal porção motora é chama- da axonema. Um axonema é formado pelos microtúbulos que emanam do centríolo na base do núcleo do espermatozóide (Figuras 4.2 e 4.3). O centro do axonema consiste de dois túbulos centrais rodeados por uma fileira de nove duplas de microtúbulos. Realmente, só um microtúbulo está completo, contendo 13 protofilamentos; o outro tem forma de C e tem apenas 11 protofilamentos (Figura 4.3B). Um modelo tridimensi- onal de um microtúbulo completo está apresentado na Figura 4.3C. Aqui vemos os 13 protofilamentos interligados; os quais consistem exclusivamente da proteína dimérica, a tubulina. Embora a tubulina seja a base da estrutura do flagelo, outras proteínas também são críticas para a função do flagelo. A força para a propulsão do espermatozóide é proporcionada pela dineína, uma proteína apensa aos microtúbulos (Figura 4.3B). A dineína hidrolisa moléculas de ATP e pode converter a energia química liberada em Figura 4.2Figura 4.2Figura 4.2Figura 4.2Figura 4.2 A modificação de uma célula germinativa para formar um espermatozóide de ma- mífero. O centríolo produz um longo flagelo na parte que virá a ser a extremidade posterior do espermatozóide, e o aparelho de Golgi forma a vesícula acrossômica na futura extremidade anterior. As mitocôndrias (pontos abertos) agrupam-se ao redor do flagelo perto da base do núcleo haplóide e são incorporadas na parte mediana do espermatozóide. O citoplasma remanescente é descartado e o núcleo se condensa. O tamanho do espermatozóide maduro foi aumentado em relação às outras figuras. (Segundo Clermont e Leblond, 1955.) 124 PARTE II Padrões de Desenvolvimento (A) (C) (B) MICROTÚBULO DUPLO AXONEMA Membrana plasmática Trave radial Cabeça da trave Nexina Subfibra A Subfibra B energia mecânica que propulsiona o espermatozóide. Essa energia pemite o deslizamento ativo das duplas externas de microtúbulos, levando o flagelo a se curvar (Ogawa et al., 1977; Asai, 1996). A importância da dineína pode ser avaliada em indivíduos com a síndrome genética chamada de tríade de Kartagener. Esses indivíduos não têm dineína em suas células ciliadas e flageladas, o que as torna estruturas imóveis. Machos com essa doença são estéreis (espermatozóide imóvel), susceptíveis à infeções brônquicas (cílios respiratórios imóveis), e têm 50 porcento de probabilidade de ter o coração do lado direito de seu corpo (Afzelius, 1976). Outra importante proteína flagelar parece ser a histona H1. Essa proteína é geral- mente vista dentro do núcleo, onde dobra e aperta a cromatina em agregados. No entanto, Multigner e colaboradores (1992), mostraram que essa mesma proteína estabiliza os microtúbulos flagelados impedindo seu espalhamento. O arranjo “9 + 2” dos microtúbulos com os braços de dineína foi conservado nos axonemas em todo o reino eucarioto, sugerindo que é extremamente adequado na transmissão de energia para a movimentação. A energia para mover o flagelo e assim impulsionar o espermatozóide vem dos anéis de mitocôndrias localizadas na região do pescoço do espermatozóide (veja Figura 4.2). Em muitas espécies (notavelmente mamíferos) uma densa camada de fibras se interpôs entre a bainha mitocondrial e o axonema. Essa camada fibrosa enrijece a cauda do espermatozóide. Como sua es- pessura diminui na direção apical, as fibras provavelmente previnem que a cabeça Figura 4.3 O aparelho de movimentação do espermato- zóide. (A) Seção transversal do flagelo de um espermatozóide mamífero, mostrando o axonema central e as fibras externas. (B) Dia- grama interpretativo do axonema, mostrando o arranjo “9 + 2” dos microtúbulos e outros com- ponentes flagelares. O diagrama esquemático mostra a associação de protofilamentos de tubulina em um microtúbulo duplo. A primeira (“A”) porção do par duplo é um microtúbulo normal compreendendo 13 protofilamentos. A segunda (“B”) porção da dupla contém somen- te 11 (ocasionalmente 10) protofilamentos. (C) Um modelo tridimensional do microtúbulo “A”. As subunidades α-tubulina e β-tubulina são semelhantes, porém, não idênticas, e o microtúbulo pode mudar de tamanho polimeri- zando e despolimerizando subunidades de tu- bulina em qualquer um dos lados. (A cortesia de D. M. Phillips; B segundo De Robertis et al., 1975, e Tilney et al., 1973; C de Amos e Klug, 1974, cortesia dos autores.) Microtúbulo central Braço interno de dineína Braço externo de dineína CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 125 do espermatozóide balance abruptamente. Assim, o espermatozóide sofreu extensa modificação para assegurar a passagem de seu núcleo para o óvulo. Entretanto, a diferenciação do espermatozóide não se completa nos testículos. Após sua expulsão para a luz dos túbulos seminíferos, os espermatozóides são arma- zenados no epidídimo, onde adquirem a capacidade de se mover. Essa mobilidade é conseguida através de mudanças no sistema gerador de ATP (possivelmente através da modificação da dineína), assim como de alterações da membrana plasmática que permitem que ela se torne mais fluida (Yanagimachi, 1994). Os espermatozóides libera- dos durante a ejaculação podem se mover, mas ainda não têm a capacidade de se ligar ao óvulo e fertilizá-lo. Esses estágios finais do amadurecimento espermático (chama- do capacitação) não ocorrem antes do espermatozóide ter permanecido no interior do trato reprodutivo feminino durante um certo tempo. O óvuloO óvuloO óvuloO óvuloO óvulo Todo o material necessário para o começo do crescimento e desenvolvimento tem que estar armazenado no óvulo maduro. Enquanto o espermatozóide eliminou a maior parte do seu citoplasma, o óvulo em desenvolvimento (chamado de oócito antes de tornar-se haplóide) não somente conserva seu material, mas continua a acumulá-lo ativamente. Sintetiza ou absorve proteínas, como a gema, que atuam como reservatórios de alimento para o embrião em desenvolvimento. Assim, game- tas femininos das aves são enormes células singulares que se tornaram entumecidas pela acumulação de gema. Mesmo óvulos com gema relativamente esparsa são com- parativamente grandes. O volume do óvulo do ouriço-do-mar é de aproximadamente 2 x 10-4 µm3, mais de 10.000 vezes aquele do espermatozóide. A representação do óvulo do ouriço-do-mar e do espermatozóide na Figura 4.4 mostra seus tamanhos relativos, assim como os vários componentes do óvulo maduro. Assim, enquanto o espermatozóide e o óvulo têm componentes nucleares haplóides iguais, o óvulo tem ainda um notável reservatório citoplasmático acumulado durante seu amadureci- mento. Esse armazém citoplasmático inclui proteínas, RNAs, substâncias químicas protetoras e fatores morfogenéticos:* • Proteínas. Será longo o período a transcorrer antesdo embrião ser capaz de se alimentar ou obter alimento de sua mãe. As células embrionárias precoces precisam de um certo suprimento armazenável de energia e aminoácidos. Em muitas espécies isso é conseguido pelo acúmulo de proteínas na gema do ovo. Muitas proteínas da gema são sintetizadas em outros órgãos (fígado, corpo gorduroso) e viajam através do sangue materno para o ovo. • Ribossomos e tRNA. O embrião precoce precisa produzir muitas de suas própri- as proteínas; em algumas espécies, ocorre um surto de síntese protéica pouco após a fecundação. A síntese protéica é conseguida pelos ribossomos e tRNA, preexistentes no óvulo. O óvulo em desenvolvimento tem mecanismos especi- ais para sintetizar ribossomos, e certos oócitos de anfíbios produzem até 1012 ribossomos durante a prófase meiótica. • RNA mensageiro. Na maioria dos organismos, as mensagens para proteínas sintetizadas durante o desenvolvimento inicial já estão acondicionadas no oócito. Estima-se que os óvulos do ouriço-do-mar contêm de 25.000 a 50.000 tipos diferentes de mRNA. Porém, esse mRNA permanece dormente até após a fertilização (veja Capítulo 12). • Fatores morfogenéticos. Essas moléculas dirigem a diferenciação celular em certos tipos de células. Parecem estar localizadas em diferentes regiões do óvulo e se segregam em células diferentes durante a clivagem (veja Capítulo 13). * Os conteúdos do óvulo variam muito de espécie para espécie. A síntese e a colocação desses materiais será tratada no Capítulo 22, quando discutirmos a diferenciação das células germinativas. 126 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Espermatozóide Camada gelatinosa Envoltório vitelínico Membrana plasmática Grânulo de gema Grânulo cortical Mitocôndria Núcleo • Substâncias químicas protetoras. O embrião não pode fugir de predadores ou movimentar-se para um ambiente mais seguro, necessitando, por isso, estar equipado para enfrentar esses fatores. Muitos óvulos contêm filtros ultravioleta e enzimas de reparos de DNA que os protegem da luz solar; alguns óvulos contêm moléculas que predadores potenciais acham desagradáveis; a gema de óvulos de aves contém até mesmo anticorpos. [fert3.html] Dentro desse enorme volume de citoplasma reside um grande núcleo. Em algumas espécies (por exemplo, ouriços-do-mar), o núcleo já é haplóide no momento da fertili- zação. Em outras espécies (incluindo muitos vermes e a maioria dos mamíferos), o núcleo do óvulo ainda é diplóide, e o espermatozóide penetra antes das divisões meióticas estarem completas. O estágio do núcleo do óvulo no momento da entrada do espermatozóide está ilustrado na Figura 4.5. Envolvendo o citoplasma está a membrana plasmática do óvulo. Essa mem- brana deve regular o fluxo de certos íons durante a fertilização e deve ser capaz de se fundir com a membrana plasmática do espermatozóide. Acima da membrana plasmática está o envoltório vitelínico (Figura 4.6). O componente principal desse envoltório forma uma esteira fibrosa sobre o óvulo. Essa esteira é suplementada por extensões de glicoproteínas da membrana plasmática e pontes proteináceas vitelínicas que aderem a esteira à membrana (Mozingo e Chandler, 1991). O envoltório vitelínico é essencial para a ligação espécie-específica do espermato- zóide. Nos mamíferos, o envoltório vitelínico é uma matriz extracelular separada e grossa chamada zona pelúcida. O óvulo do mamífero é também rodeado por uma camada de células, as células do cumulus (Figura 4.7). A camada cumular repre- senta células foliculares ovarianas que estavam alimentando o óvulo quando da sua liberação do ovário. O espermatozóide dos mamíferos tem que passar por essas células para fertilizar o óvulo*. Imediatamente abaixo da membrana plasmática do óvulo está uma fina casca (de aproximadamente 5µm) de um citoplasma gel-símile chamado de córtex. O citoplasma nessa região é mais duro que o citoplasma interno e contém altas concentrações de moléculas globulares de actina. Durante a fertilização, essas moléculas polimerizam-se *Em mamíferos, as coberturas extracelulares do óvulo estão divididas em duas regiões: A zona pelúcida e o cumulus. O termo corona radiata refere-se àquelas células foliculares imediatamente adjacentes à zona pelúcida; são as células mais internas do cumulus. Figura 4.4Figura 4.4Figura 4.4Figura 4.4Figura 4.4 Estrutura do óvulo do ouriço-do-mar durante a fertilização. (Segundo Epel, 1977.) CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 127 Microvilosidades Envoltório vitelínico Grânulo cortical(A) (B) Os vermes anelídeos O nematelminto O verme nemerteano O anfioxo Cnidários Dinophilus e Ascaris Cerebratulus Branchiostoma (e.g., anêmonas) Sacocirrrus O mesozoário Dicyema O verme poliqueta Anfíbios Ouriços-do-mar O verme poliqueta A esponja Grantia Chaetopterus Mamíferos (maioria) Histriobdella O verme poliqueta O molusco Peixes O platelminto Myzostoma Dentalium Otomesostoma O verme concha O verme central O onicóforo Nereis Pectinaria Peripatopsis O molusco Spisula Muitos insetos O verme equiuróide Urechis Estrela-do-mar Cães e raposas Vesícula germinal Pronúcleo feminino Corpos polares Oócito primário jovem Oócito primário totalmente crescido Primeira metáfase Segunda metáfase Meiose completa para formar longos fios de actina conhecidos como microfilamentos. Microfilamentos são necessários para a divisão celular, e são também usados para estender a superfície do óvulo para o interior das microvilosidades, que ajudam a entrada do espermatozói- de para dentro da célula (veja Figura 4.6; veja também a Figura 4.19). Ainda, dentro desse córtex estão os grânulos corticais (veja Figuras 4.4 e 4.6). Essas estruturas Figura 4.5Figura 4.5Figura 4.5Figura 4.5Figura 4.5 Estágios de maturação do óvulo no momento da entrada do espermatozóide em diferentes animais. (Segundo Austin, 1965.) Figura 4.6Figura 4.6Figura 4.6Figura 4.6Figura 4.6 A superfície do óvulo do ouriço-do-mar. (A) Micrografia eletrônica de varredura de um óvulo antes da fertilização. A membrana plasmática está exposta onde o envoltório vitelínico foi retirado. (B) Microfotografia eletrônica de transmissão de um ovo não-fertilizado, mostrando microvilosidades e a membrana plasmática, que estão estreitamente cobertas pelo envoltório vitelínico. Um grânulo cortical aparece diretamente abaixo da membrana plasmática do óvulo. (de Schroeder, 1979, cortesisa de T. E. Schroeder.) 128 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Cumulus Óvulo Zona pelúcida (A) (B) ligadas à membrana são homólogas à vesícula acrossômica do espermatozóide, sendo organelas derivadas do Golgi contendo enzimas proteolíticas. No entanto, enquanto cada espermatozóide contém uma vesícula acrossômica, cada óvulo do ouriço-do-mar contém aproximadamente 15.000 grânulos corticais. Além das enzimas digestivas, os grânulos corticais também contêm mucopolissacarídeos, glicoproteínas adesivas e proteína hialina. As enzimas e os mucopolissacarídeos atuam na prevenção da entra- da de outros espermatozóides no óvulo após a entrada do primeiro, e as proteínas hialinas e adesivas envolvem o embrião precoce providenciando apoio aos blastôme- ros do estágio de clivagem. Muitos tipos de óvulos têm uma geléia no exterior do seu envoltório vitelínico (Figura 4.4). Essa rede de glicoproteínas pode ter numerosas funções, mas é principal- mente usada para atrair ou ativar o espermatozóide. O óvulo, portanto, é uma célula especializada para receber o espermatozóide iniciando o desenvolvimento. Reconhecimento do óvulo e do espermatozóide: Ação à distância Muitos organismos marinhos liberam seus gametas para o ambiente. Esse ambien- te pode ser tão pequeno quanto uma poça de maré ou tão grande como o oceano. Além disso, esse ambiente é compartilhado com outras espécies que podem libe- rar suas células sexuais no mesmo período. Essesorganismos enfrentam dois problemas: 1) Como podem espermatozóides e óvulos se encontrarem quando em concentrações tão diluídas, e 2) que mecanismo inibe o espermatozóide da estrela- do-mar tentar fertilizar os óvulos do ouriço-do-mar? Dois mecanismos principais evoluíram para resolver essas dificuldades: atração e ativação espécie-específica do espermatozóide. Atração do EspermatozóideAtração do EspermatozóideAtração do EspermatozóideAtração do EspermatozóideAtração do Espermatozóide A atração espécie-específica do espermatozóide (um tipo de quimiotaxia) foi docu- mentada em numerosas espécies, incluindo cnidários, moluscos, equinodermos e urocordados (Miller, 1985; Yoshida et al., 1993). Em 1978, Miller demonstrou que os óvulos do cnidário Orthopyxis caliculata não somente secretam um fator quimiotáti- co mas também regulam o período de sua liberação. Oócitos em desenvolvimento, em Figura 4.7Figura 4.7Figura 4.7Figura 4.7Figura 4.7 Óvulos de hamster imediatamente antes da fecundação. (A) O ovo do hamster, ou óvulo, está encaixado na zona pelúcida. Essa, por sua vez, está envolvida por células do cumulus. Uma célula do corpo polar, produzida durante a meiose, também está dentro da zona pelúcida. (B) Em menor aumento, um oócito de camundongo é mostrado em relação ao cumulus. Partículas de carbono coloidal (tinta Nanquim) são excluídas pela matriz de hialuronidase. (Cortesia de R. Yanagimachi.) CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 129 (A) (B) (C) (D) vários estágios de amadurecimento, foram fixados sobre lâminas microscópicas, e espermatozóides foram adicionados a uma certa distância dos óvulos. Miller encon- trou que quando o espermatozóide era adicionado a oócitos que ainda não haviam completado sua segunda divisão meiótica, não havia atração de espermatozóide pelos óvulos. Porém, após o término da segunda divisão meiótica e os óvulos estarem prontos para ser fertilizados, o espermatozóide migrava em sua direção. Assim, esses oócitos não controlam somente o tipo de espermatozóide que atraem, mas também o momento em que o atraem. Os mecanismos de quimiotaxia são diferentes em outras espécies (veja Metz, 1978; Ward e Kopf, 1993). Uma dessas moléculas quimiotáticas, um peptídio de 14 aminoácidos chamado resact foi isolado da geléia do óvulo do ouriço-do-mar Arbacia punctulata (Ward et al., 1985). Resact difunde facilmente na água do mar e tem um profundo efeito quando adicionado a uma suspensão de espermatozóide de Arbacia, mesmo em con- centração muito baixa (Figura 4.8). Quando uma gota de água do mar, contendo esper- matozóide de Arbacia, é colocada em uma lâmina de microscópio, o espermatozóide geralmente nada em círculos de aproximadamente 50 µm de diâmetro. Se uma quantida- de mínima de resact for introduzida na gota, em segundos o esperma migra para a região da injeção e ali se congrega. À medida que o resact continua a difundir-se, mais espermatozóide é recrutado para dentro do crescente agrupamento. Resact é específi- co para A. punctulata e não atrai espermatozóide de outras espécies. Espermatozóide de A. punctulata liga resact a receptores na sua membrana celular (Ramarao e Garbers, 1985; Bentley et al., 1986) e pode nadar através de um gradiente crescente de concen- tração desse composto até alcançar o óvulo. Resact também age como um peptídio ativador de espermatozóide. Esses peptídios (mais de 70 foram isolados de diferentes espécies de ouriços-do-mar) causam au- mentos dramáticos e imediatos da motilidade espermática e do consumo de oxigênio (Hardy et al., 1994). O receptor para resact é uma proteína transmembrana. Quando ela liga o resact ao lado externo da célula, resact causa uma mudança conformacional que ativa a atividade de guanidil ciclase no lado citoplasmático. Isso aumenta a concentração de GMP cíclico do óvulo (Shimomura et al., 1986), que parece ativar a ATPase da dineína estimulando a agitação da cauda no espermatozóide (Cook e Babcock, 1993). Ativação Espermática: A Reação Acrossômica no Ouriço-do-MarAtivação Espermática: A Reação Acrossômica no Ouriço-do-MarAtivação Espermática: A Reação Acrossômica no Ouriço-do-MarAtivação Espermática: A Reação Acrossômica no Ouriço-do-MarAtivação Espermática: A Reação Acrossômica no Ouriço-do-Mar Uma segunda interação entre espermatozóide e óvulo envolve a ativação do esperma- tozóide pela geléia do óvulo. Na maioria dos invertebrados marinhos, essa reação acrossômica tem dois componentes: a fusão da vesícula acrossômica com a membrana plasmática do espermatozóide (uma exocitose que resulta na liberação dos componen- tes da vesícula acrossômica) e a extensão do processo acrossômico (Figura 4.9; Colwin e Colwin, 1963). A reação acrossômica pode ser iniciada pela geléia do óvulo solubilizada, pela geléia que envolve o óvulo, ou mesmo em certas espécies, pelo contato com o próprio óvulo. Também pode ser ativada artificialmente pelo aumento da concentração de cálcio na água do mar. Figura 4.8Figura 4.8Figura 4.8Figura 4.8Figura 4.8 Quimiotaxia do espermatozóide em Arbacia. Um nanolitro de uma solução 10-nM de resact é injetado em uma gota de 20ml de suspensão de espermatozóide. A posição da micropipeta está indicada em (A). (A) Uma fotografia de 1 segundo, mostrando esper- matozóide nadando em círculos estreitos an- tes da adição de resact. (B-D) Exposições semelhantes de 1 segundo mostrando a mi- gração do espermatozóide para o centro do gradiente de resact 20, 40 e 90 segundos após a injeção. (de Ward et al., 1985, cortesia de V. D. Vacquier.) 130 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Membrana acrossômica Enzimas acrossômicas BindinaMembrana do espermatozóide Actina globular Microfilamentos de actina Núcleos Em ouriços-do-mar, o contato com a geléia do óvulo causa a exocitose da vesícula acrossômica e a liberação de enzimas digestoras de proteínas que podem digerir um caminho através da geléia de revestimento até a superfície do óvulo (Dan, 1967; Franklin, 1970; Levine et al., 1978). A seqüência desses eventos está esquematizada na Figura 4.9. A reação acrossômica é considerada ser iniciada por um oligossacarídeo ligado a uma proteína na geléia do óvulo que permite a entrada de cálcio na cabeça do esperma- tozóide (SeGall e Lennarz, 1979; Schackmann e Shapiro, 1981; Keller e Vacquier, 1994 a,b). A exocitose da vesícula acrossômica é causada por uma fusão, mediada pelo cálcio, da membrana acrossômica com a membrana plasmática adjacente do esperma- tozóide (Figuras 4.9 e 4.10). Essa exocitose permite que a vesícula acrossômica libere seu conteúdo na cabeça do espermatozóide*. A segunda parte da reação acrossômica envolve a extensão do processo acrossômico (veja Figura 4.9). Essa protrusão se origina da polimerização de molécu- las globulares de actina em filamentos de actina (Tilney et al., 1978). A exposição do espermatozóide do ouriço-do-mar à geléia do óvulo também ocasiona a rápida utiliza- ção de ATP e um aumento de 50% da respiração mitocondrial. A energia gerada é usada primordialmente para motilidade flagelar (Tombes e Shapiro, 1985). Os fatores da geléia do óvulo que iniciam a reação acrossômica em ouriços-do-mar são muitas vezes muito específicos. Os espermatozóides dos ouriços-do-mar Arbacia punctulata e Strongylocentrotus drobachiensis reagem somente com a geléia de seus próprios óvulos. No entanto, o espermatozóide de S. purpuratus também pode ser ativado pela geléia de Lytechinus variegatus (mas não de A. punctulata) (Summers e Hylander, 1975). Portanto, a geléia do óvulo pode prover reconhecimento espécie- específico em algumas espécies, mas não em outras. * Tais reações exocitóticas podem ser vistas na liberação de insulina das células pancreáticas e na liberação de neurotransmissores de terminais sinápticos. Em todos os casos, há uma fusão mediada pelo cálcio entre a vesícula secretória e a membrana celular. Realmente, a semelhança entrea exocitose da vesícula acrossômica e a exocitose da vesícula sináptica pode ser bastante profunda. Estudos recentes de reações acrossômicas em ouriços-do-mar e mamíferos (Florman et al., 1992; González-Martínez et al., 1992) sugerem que quando os receptores para os ligantes ativadores do espermatozóide ligam essas moléculas, causam a despolarização da membrana que poderia abrir canais de cálcio voltagem-dependentes de maneira reminescente à transmissão sináptica. As prote- ínas que atracam os grânulos corticais à membrana celular também parecem ser homólogas àquelas usadas na ponta do axônio (Bi et al., 1995). Figura 4.9Figura 4.9Figura 4.9Figura 4.9Figura 4.9 Reação acrossômica em espermatozóide de equinoderma. (A-C) A porção da membrana acrossômica diretamente abaixo da membra- na do espermatozóide funde-se com essa li- berando o conteúdo da vesícula acrossômica. (D) Enquanto as moléculas de actina se agre- gam para produzir microfilamentos, o pro- cesso acrossômico se estende para fora. Fo- tografias reais da reação acrossômica no es- permatozóide do ouriço-do-mar são mostra- das em seguida. (Segundo Summers e Hylan- der, 1974; fotografias por cortesia de G. L. Decker e W. J. Lennarz.) CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 131 Membrana celular do espermatozóide Fusão entre a membrana celular do espermatozóide e a membrana acrossômica adjacente Membrana acrossômica Núcleo Centríolo Ação à Distância: Gametas de Mamíferos MUITO DIFÍCIL estudar as inte- rações que podem estar ocorren- do entre gametas de mamíferos culas que permitem aos espermatozóides nadar em direção ao óvulo e serem ativados. Há muita controvérsia em rela- ção ao deslocamento do espermatozóide mamífero até o oviduto, a capacitação e as reações de hiperativação que parecem ser necessárias em algumas espécies para ligá-lo ao óvulo, e a possibilidade que o óvulo possa estar atraindo o espermato- zóide por quimiotaxia. Translocação e CapacitaçãoTranslocação e CapacitaçãoTranslocação e CapacitaçãoTranslocação e CapacitaçãoTranslocação e Capacitação O trato reprodutivo de mamíferos femini- nos exerce um papel muito ativo no pro- cesso de fertilização. Enquanto a motili- dade espermática é necessária para que o espermatozóide do camundongo, uma vez no oviduto encontre o ovo, a motilidade espermática provavelmente é um fator de menor importância para entrar no ovidu- to. O espermatozóide é encontrado no oviduto de camundongos, hamsters, co- baia, vacas e seres humanos dentro de 30 minutos após a deposição, um período “demasiadamente curto para ser atingido até mesmo pelo espermatozóide mais olím- pico, se confiar somente no poder de seus flagelos” (Storey, 1995). É mais provável que o espermatozóide seja transportado para o oviduto por meio da atividade mus- cular do útero. Espermatozóide mamífero recém-eja- culado é incapaz de sofrer a reação acros- sômica sem ter residido por algum tempo no trato reprodutivo feminino (Chang, 1951; Austin, 1952). Esse requisito para capacitação varia de espécie para espécie (Gwatkin, 1976) e pode ser mimetizado in vitro pela incubação de espermatozóide em meios de cultura de tecidos (contendo íons de cálcio, bicarbonato e soroalbumi- na) ou em fluido dos ovidutos. Os esper- matozóides que não foram capacitados são “segurados” na matriz cumular, não atingindo assim o óvulo (Austin, 1960; Corselli e Talbot, 1987). As alterações moleculares que expli- cam a capacitação ainda são desconheci- das (veja Yanigamachi, 1994), mas exis- tem quatro conjuntos de alteraçõess mo- leculares que podem ser importantes. Pri- meiro, a membrana da célula espermática É antes do contato espermatozóide-óvulo. Um motivo óbvio para isso é que a fertili- zação ocorre dentro dos ovidutos femini- nos. Embora seja relativamente fácil mimetizar as condições rodeando a fertili- zação do ouriço-do-mar (usando água do mar natural ou artificial), ainda não conhe- cemos os componentes dos vários ambi- entes naturais encontrados pelo esperma- tozóide dos mamíferos em sua viajem ao encontro do óvulo. Um segundo motivo para essa dificuldade é que a população de espermatozóide ejaculada para o inte- rior da fêmea é provavelmente muito he- terogênea, contendo espermatozóides em diferentes estágios de amadurecimento. Dos 280 x 106 espermatozóides humanos normalmente ejaculados para o interior da vagina, somente 200 atingem a região ampolar do oviduto, onde ocorre a fecun- dação (Ralt et al., 1991). Como menos de 1 em 10.000 espermatozóides chegam perto do óvulo, é difícil analisar aquelas molé- Figura 4.10Figura 4.10Figura 4.10Figura 4.10Figura 4.10 Reação acrossômica em espermatozóide de hamster. (A) Micrografia de transmissão eletrônica de um espermatozóide de hamster passando pela reação acrossômica. A membrana acrossômica pode ser vista formando vesículas. (B) Diagrama interpretativo de micrografias eletrônicas mostrando a fusão de membranas acrossômica e celular na cabeça do espermatozóide. (A de Meizel, 1948, cortesia de S. Meizel; B, segundo Yanagimachi e Noda, 1970.) Informações adicionais Especulações& 132 PARTE II Padrões de Desenvolvimento pode se alterar, mudando sua composi- ção de lipídios. A concentração de colesterol no espermatozóide é diminuída durante a capacitação do espermatozóide em várias espécies (Davis, 1981), e duas proteínas encontradas tanto no soro como no trato reprodutivo feminino (albumina e proteína 1 de transferência lipídica), fo- ram verificadas remover colesterol do es- permatozóide humano (Langlais et al., 1988; Ravnik et al., 1992). Em segundo lu- gar, certas proteínas ou carboidratos na superfície do espermaozóide são perdidos durante a capacitação (Poirier e Jackson, 1981; Lopez et al., 1985; Wilson e Oliphant, 1987). É possível que essas entidades per- didas durante a capacitação estivessem bloqueando locais de reconhecimento para as proteínas que se ligam à zona pelúcida. Em terceiro lugar, certas proteí- nas são fosforiladas por um caminho cAMP-dependente. O AMP cíclico pode induzir artificialmente a competência atra- vés da proteína quinase cAMP-depen- dente (PKA), que é necessária tanto para a aquisição de competência como para a fosforilação de tirosino-quinases. É pos- sível que o trato reprodutivo feminino es- timule a adenilciclase do espermatozóide a produzir mais cAMP e que esse ative a proteína quinase que inicia a cascata de fosforilação, terminando na fosforilação e ativação das proteínas envolvidas na ligação do espermatozóide à zona pelúcida e mediando a exocitose da vesícula acros- sômica (Leyton e Saling, 1989a; Visconti et al., 1995a,b). Em quarto lugar, o poten- cial da membrana do espermatozóide é dramaticamente reduzido (de cerca de – 30 para –50 mV; Zeng et al., 1995). Porém, ainda é incerto se esses eventos são in- dependentes um do outro e até que pon- to cada um deles produz capacitação do espermatozóide. Hiperativação e QuimiotaxiaHiperativação e QuimiotaxiaHiperativação e QuimiotaxiaHiperativação e QuimiotaxiaHiperativação e Quimiotaxia As diferentes regiões do trato reproduti- vo feminino podem secretar fatores dife- rentes, regionalmente específicos. Esses fatores podem influenciar a motilidade espermática assim como a capacitação. Por exemplo, quando os espermatozóides de certos mamíferos (especialmente hams- ters, cobaias e algumas variedades de ca- mundongos) passam do útero para os ovidutos, ficam “hiperativados”, passan- do a nadar com maior velocidade e geran- do maior força. Suarez e colaboradores (1991) mostraram que enquanto essas re- ações não são conducentes a viagens em fluidos de baixa viscosidade, parecem ser muito adequadas para o movimento line- ar do espermatozóide no fluido viscoso que poderá encontrar no oviduto. Além de aumentar a atividade do es- permatozóide, fatores solúveis no ovidutotambém podem prover o componente dire- cional do movimento do espermatozóide. Especulou-se que o óvulo (ou, mais pro- vavelmente, o folículo ovariano no qual o óvulo se desenvolve) pode estar secretan- do substâncias quimiotáticas que poderi- am atrair o espermatozóide em direção ao óvulo durante os últimos estágios da mi- gração (veja Hunter, 1989). Ralt e colabora- dores (1991) testaram essa hipótese usan- do fluido de folículos humanos cujos óvu- los estavam sendo usados para fertiliza- ção in vitro. Realizando um experimento semelhante aquele descrito anteriormente com ouriços-do-mar, os autores microinje- taram uma gota do fluido folicular em uma gota maior da suspensão de espermato- zóides. Feito isso, observaram que parte do espermatozóide mudou sua direção de movimentação, passando a migrar ao en- contro da fonte de fluido folicular. A microinjeção de outras soluções não teve esse efeito. Esses estudos não eliminam a possibilidade de que o efeito fosse devido a uma estimulação geral do movimento ou do metabolismo do espermatozóide. No en- tanto, essas investigações revelaram uma correlação fascinante: o fluido de somente a metade dos folículos testados mostrou um efeito quimiotático, e em quase todos os casos, o óvulo só era fertilizável se, e somente se, o fluido demonstrasse habili- dade quimiotática (P < 0,0001). É possível, portanto, que tal como certos óvulos de invertebrados, o óvulo humano secrete um fator quimiotático somente quando estiver capacitado para a fertilização. Deve-se notar que “o prêmio da corri- da não vai sempre para o mais rápido”. Em- bora algum espermatozóide possa alcan- çar a região ampolar do oviduto (onde ocor- re a fertilização) dentro de meia hora após a relação sexual, aquele espermatozóide pode ter poucas chances de fertilizar o óvulo. Wilcox e colaboradores (1995) acharam que quase todas os engravidamentos humanos resultam de relacionamento sexual duran- te um período de seis dias, terminando no dia da ovulação. Isso significa que o es- permatozóide fertilizador poderia demorar até seis dias para fazer a jornada. Eisenbach (1995) propôs a hipótese pela qual a capacitação é um acontecimento transitó- rio, e que é dada ao espermatozóide uma janela de competência relativamente bre- ve, durante a qual pode ter sucesso na fer- tilização do óvulo. Quando os espermato- zóides atingem a ampola, adquirem com- petência, mas se aí ficam por um período demasiadamente longo, perdem-na. O es- permatozóide pode também ter diferentes prazos de sobrevivência, dependendo da sua localização dentro do trato reproduti- vo; isso pode permitir que algum esperma- tozóide chegue mais tarde, porém com uma melhor probabilidade de sucesso do que aquele que chegou dias antes. Reconhecimento do óvulo e espermatozóide: Contato de gametas Reconhecimento Espécie-Específico em Ouriços-do-MarReconhecimento Espécie-Específico em Ouriços-do-MarReconhecimento Espécie-Específico em Ouriços-do-MarReconhecimento Espécie-Específico em Ouriços-do-MarReconhecimento Espécie-Específico em Ouriços-do-Mar Uma vez que o espermatozóide do ouriço-do-mar tiver penetrado na geléia do óvulo, o processo acrossômico do espermatozóide faz contato com o envoltório vitelínico do óvulo (Figura 4.11). Um importante passo do reconhecimento espécie-específico ocorre nesse ponto. A proteína acrossômica mediando esse reconhecimento é chamada bin- dina. Em 1977, Vacquier e colaboradores isolaram essa proteína insolúvel, de 30.500- Da, do acrossomo de Strongylocentrotus purpuratus. Essa proteína é capaz de se CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 133 (A) (B) S. purpuratus S. fransciscanus S . p u rp u ra tu s S. f ra ns ci sc an us Aglutinação Partículas de bindina O V O S D E S G E L E IF IC A D O S Aglutinação Sem aglutinação Sem aglutinação BINDINA DO ESPERMATOZÓIDE Óvulos ligar a óvulos desgeleificados de S. purpuratus (Figura 4.12; Vacquier e Moy, 1977). Ainda mais, sua interação com óvulos é relativamente espécie-específica (Glabe e Vacquier, 1977; Glabe e Lennarz, 1979); a bindina isolada dos acrossomos de S. Purpurata aglutina seus próprios óvulos desgeleificados, mas não aqueles de Arbacia puctulata. Usando técnicas imunológicas, Moy e Vacquier (1979) demonstraram que a bindina está especificamente localizada no processo acrossômico, exatamente onde deve estar para o reconhecimento espermatozóide-óvulo (Figura 4.13). Estudos bioquímicos mostraram que as bindinas de espécies proximamente relaci- onadas de ouriço-do-mar são mesmo diferentes. Esse achado implica na existência de Figura 4.11Figura 4.11Figura 4.11Figura 4.11Figura 4.11 Contato do processo acrossômico do espermatozóide do ouriço-do-mar com uma microvilosidade do óvulo. (de Epel, 1977, cortesia de F. D. Collins e D. Epel.) Figura 4.12Figura 4.12Figura 4.12Figura 4.12Figura 4.12 Aglutinação espécie-específica por bindi- na de óvulos desgeleificados . (A) aglutina- ção promovida pela adição de 212 µg de bindina em um recipiente plástico conten- do 0.25 ml de suspensão a 2% (volume/ volume) de óvulos. Após 2-5 min de agita- ção branda, os recipientes foram fotografa- dos. Cada bindina somente se ligou a seus próprios óvulos. (B) Fotomicrografia de fluorescência de óvulos de S. purpuratus ligados entre si por partículas de bindina de S. purpuratus marcadas por fluorescên- cia. As partículas de bindina estavam inva- riavelmente nos lugares onde dois óvulos se encontravam. (A baseado em fotografias de Glabe e Vacquier, 1977; B de Glabe e Lennarz, 1979, cortesia dos autores.) 134 PARTE II Padrões de Desenvolvimento receptores espécie-específicos de bindina no envoltório vitelínico. Tais receptores também foram sugeridos pelos experimentos de Vacquier e Payne (1973), que satura- ram óvulos de ouriço-do-mar com espermatozóide. Como pode ser visto na Figura 4.14 A, a ligação do espermatozóide não se dá sobre a superfície inteira do óvulo. Mesmo Figura 4.13Figura 4.13Figura 4.13Figura 4.13Figura 4.13 Localização de bindina no processo acrossômico. (A) a técnica de localização imunoquímica coloca um anticorpo de coelho nos lugares onde a bindina está exposta. Os anticorpos do coelho foram produzidos contra a proteína bindina, e esses anticorpos foram incubados com espermatozóide que tinha sofrido a reação acrossômica. Quando a bindina estava presente, os anticorpos do coelho permaneciam ligados ao espermato- zóide. Depois de todo anticorpo não-ligado ser removido por lavagem, o espermatozói- de foi tratado com anticorpos de porco capazes de ligar-se a anticorpos de coelho. Esses anticorpos de porco haviam sido ligados covalentemente à enzima peroxidase. Dessa maneira, moléculas de peroxidase foram colocadas em todos os lugares onde havia bindina. Peroxidase catalisa a formação de um precipitado escuro de diaminobenzidina (DAB) e água oxigenada. O precipitado só se forma onde há bindina. (B) Localização de bindina no processo acrossômico após a reação acrossômica (33.200x). (C) Localização de bindina no processo acrossômico na junção do espermatozóide com o óvulo. (B e C de Moy e Vacquier, 1979, cortesia de V. D. Vacquier.) FigurFigurFigurFigurFiguraaaaa 4.14 4.14 4.14 4.14 4.14 Receptores de bindina no óvulo. (A) Mi- crografia eletrônica de varredura do esper- matozóide do ouriço-do-mar ligado ao envoltório vitelínico de um óvulo. (B) liga- ção do espermatozóide de S. purpuratus a partículas de polistireno que foram cober- tas com a proteína purificada do receptor de bindina. (A cortesia de C. Glabe, L. Perez e W. J. Lennarz; B de Foltz et al., 1993.) (A) DAB + H2O2 Imunoglobulina porcina anti-coelho conjugada com a enzima peroxidase Precipitado denso Bindina Anti-bindina de coelho Processo acrossômico (B) (C) Precipitado DAB Membrana vitelínicado óvulo Acrossomo Núcleo Espermatozóide (B) (A) CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 135 Equivalentes da zona pelúcida por µl L ig aç ão d o es pe rm at oz ói de ( % ) ZP3 sem carboidratos (A) (B) a níveis saturantes de espermatozóide (aproximadamente 1500), parece haver espaço no óvulo para mais cabeças de espermatozóide, indicando haver um número limitante de locais ligantes de espermatozóide. Um grande complexo de glicoproteínas dos envoltórios vitelínicos de óvulos de ouriço-do-mar foi isolado e mostrou ligar bindina radioativa de maneira espécie-específica (Glabe e Vacquier, 1978; Rossignol et al., 1984). Essa glicoproteína é também capaz de competir com óvulos pelo espermatozói- de da mesma espécie. Isto é, se espermatozóide de S. purpuratus é misturado com o receptor de bindina de envoltórios vitelínicos de S. purpuratus, o espermatozóide se liga a ele e não irá fertilizar os óvulos. O receptor isolado de S. purpuratus, porém, não irá interferir com a fertilização de outros ouriços-do-mar relacionados. Esse receptor de bindina é uma glicoproteína transmembrana com quase 1300 aminoácidos (Foltz et al., 1993). A região ligante de bindina se estende para o espaço extracelular e provavel- mente se torna um componente do envoltório vitelínico. Esses receptores de bindina se agregam em complexos, e centenas deles são provavelmente necessários para amarrar o espermatozóide no óvulo (Figura 4.14B). Assim, reconhecimento espécie- específico dos gametas do ouriço-do-mar ocorrem ao nível da atração, ativação e adesão do espermatozóide à superficie do óvulo. [fert4.html] Ligação de Gametas e Reconhecimento em MamíferosLigação de Gametas e Reconhecimento em MamíferosLigação de Gametas e Reconhecimento em MamíferosLigação de Gametas e Reconhecimento em MamíferosLigação de Gametas e Reconhecimento em Mamíferos ZP3: A PROTEÍNA LIGANTE DA ZONA PELÚCIDA DO CAMUNDONGO. A zona pelúcida tem nos mamíferos um papel análogo aquele do envoltório vitelínico nos invertebrados. Essa matriz de glicoproteínas é sintetizada e secretada pelo oócito em crescimento, e tem dois papéis importantes durante a fertilização: liga o espermatozóide, e inicia a reação acrossômica após essa ligação (Saling et al., 1979; Florman e Storey, 1982; Cherr et al., 1986). A ligação de espermatozóide à zona é relativamente, porém não absolu- tamente, espécie-específica (especificidade por espécie não deveria ser um grande proble- ma quando a fertilização ocorre internamente), e a ligação do espermatozóide do camun- dongo à zona dessa espécie pode ser inibida pela incubação prévia de espermatozóide com glicoproteínas da zona. Bleil e Wassarman (1980, 1986, 1988) isolaram da zona pelúcida do camundongo uma glicoproteína ZP3, de 83-kDa, que é o competidor ativo nesse ensaio de inibição. As outras duas proteínas da zona, ZP1 e ZP2, não puderam competir pela ligação do espermatozóide (Figura 4.15). Ainda mais, ZP3 radiativamente marcada ligou-se às cabeças do espermatozóide do camundongo que tinha acrossomos intactos. Assim, ZP3 é a proteína específica na zona pelúcida à qual se liga o espermatozóide do camundon- go. ZP3 também inicia a reação acrossômica após os espermatozóides terem se ligado a ela. O espermatozóide do camundongo pode, dessa forma, concentrar suas enzimas proteolíticas diretamente no ponto de fixação à zona pelúcida. Figura 4.15Figura 4.15Figura 4.15Figura 4.15Figura 4.15 Ligação do espermatozóide à zona pelúcida. (A) ensaio de inibição mostrando a dimi- nuição específica da ligação do esperma- tozóide do camundongo às zonas pelúcidas quando espermatozóide e zonas são incu- bados com aumentos crescentes da porção carboidrato da glicoproteína ZP3. A im- portância da porção carboidrato de ZP3 é também, indicada por essa figura. (B) Li- gação de ZP3 marcada radioativamente a espermatozóide capacitado do camundon- go. (A segundo Bleil e Wassarman, 1980, e Florman e Wassarman, 1985; B de Bleil e Wassarman, 1986, cortesia dos autores.) 136 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Zona pelúcida Óvulo Espermatozóide ZP3 (proteína ligante de espermatozóide) na Zona Proteínas candidatas a ligação à zona no acrossomo N-acetil glicosamina Galactose Membrana celular do espermatozóide GALACTOSILTRANSFERASE SP 56 (proteína periférica da membrana) P95 Ligação cruzada ativa proteínas G Ativação de tirosinoquinase Ativação de síntese de IP 3 na membrana acrossômica Regulação de canais iônicos ou síntese de IP 3 Reação acrossômica Liberação de Ca++ ZP3 O mecanismo molecular pelo qual a zona pelúcida e o espermatozóide do mamí- fero se reconhecem mutuamente está sendo estudado. A hipótese corrente sobre a ligação dos gametas de mamíferos postula um conjunto de proteínas do esper- matozóide capazes de reconhecer regiões específicas de carboidratos na zona ZP3 do óvulo (Florman et al., 1984; Florman e Wassarman, 1985; Wassarman, 1987; Saling, 1989). A remoção desses grupos de carboidratos ligados por treonina ou serina suprime a habilidade de ligar o espermatozóide. PROTEÍNAS DE ADESÃO ESPERMATOZÓIDE-ZONA. O espermatozóide do camun- dongo não “fura” para chegar ao interior da zona. Na realidade, os espermatozóides se aproximam paralelamente ao plano da superfície da zona e aí são ativamente fixados (Baltz et al., 1988). Como é a zona capaz de ligar e conservar esses espermatozóides contorcedores? Parece que ZP3 pode ligar-se a pelo menos três proteínas adesivas na membrana do espermatozóide, e milhares desses sítios podem ser necessários para prevenir que essas duas células se separem. Há uma controvérsia significativa sobre a questão de se todas as três proteínas no espermatozóide são necessárias para ligação à zona, e quais as suas respectivas funções (veja Figura 4.16: Snell e White, 1996). Parece que cada uma delas tem papéis específicos, mas um tanto sobrepostos na adesão do espermatozóide e na reação acrossômica. Essas três proteínas são: a proteína ligante de galactose, a galactosil-transferase e a quinase do receptor da zona. A PROTEÍNA LIGANTE DE GALACTOSE 56-KDA (SP56). Uma proteína crítica ligante da zona do espermatozóide parece ser a proteína que especificamente se liga aos resíduos de galactose de ZP3. Bleil e Wassarman (1980) mostraram que um dos carboidratos críticos da glicoproteína ZP3 é o grupo galactose terminal. Se essa galactose terminal for removida ou modificada quimicamente, a atividade ligante de espermatozói- de é perdida. Esses pesquisadores posteriormente isolaram essa proteína, ligando Figura 4.16Figura 4.16Figura 4.16Figura 4.16Figura 4.16 Ligação de espermatozóide à zona pelúcida do camundongo: alguns possíveis participantes. A proteína ZP3 da zona pelúcida liga esper- matozóide. Há evidência da ligação de três pro- teínas espermáticas – a galactosiltransferase da superfície, sp56 e P95 – à ZP3. Essa liga- ção induz a reação acrossômica através da ati- vação do fluxo de cálcio. Os detalhes ainda terão que ser elucidados. (Segundo Snell e White, 1996.) CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 137 ZP3 à uma coluna de afinidade, passando em seguida, por essa coluna, as proteínas isoladas da membrana de espermatozóides de camundongo (Bleil e Wassarman, 1990). A maioria das proteínas passou pela coluna; porém um peptídio de 56- kDa, ligou-se às partículas recobertas com ZP3, mas não se ligou a partículas recobertas com ZP2 em experimento semelhante. Essa proteína foi encontrada exposta na membrana espermática; ligava-se a resíduos de galactose, sugerin- do fortemente ser um receptor de espermatozóide ligante à entidade terminal de galactose na glicoproteína ZP3. A proteína sp56 liga-se à zona pelúcida de ovos não-fertilizados (porém não dos fertilizados), bloqueando a ligação es- permatozóide-óvulo (Figura 4.17; Bookbinderet al., 1995). GALCTOSILTRANSFERASE. A Segunda proteína do espermatozóide que parece ser importante para ligação espermatozóides-zona é a enzima da membrana celular do espermatozóide, glicosiltransferase. No laboratório de Shur foi demonstrado que esse receptor para a zona é uma enzima que reconhece o açúcar N-acetilglicosamina na ZP3 (Shur e Hall, 1982a,b; Lopez et al., 1985; Miller et al., 1992). Essa enzima, N- acetilglicosamina:galactosiltransferase, está embebida na membrana plasmática do espermatozóide, diretamentre acima do acrossomo, com seu sítio ativo apontando para fora. A função enzimática dessa enzima de 60-kDa seria a de catalisar a adição de um açúcar galactose (de UDP-galactose) para uma cadeia de carboidrato terminando em um açúcar N-acetilglicosamina (veja Capítulo 3). No entanto, não há resíduos de UDP-galactose no trato reprodutivo feminino. Embora a enzima possa se ligar aos resíduos de proteínas da zona, exatamente como qualquer enzima se ligaria a um substrato, ela não pode catalisar a reação porque o segundo reagente está faltando. Portanto, as enzimas (no espermatozóide) ficam ligadas a seus substratos (na zona). Se essa hipótese estiver correta, poderíamos esperar que a ligação óvulo-es- permatozóide seria inibida ou pela inibição da enzima, ou pela adição do segundo reagente, UDP-galactose. Isso é exatamente o que Shur e colaboradores acharam ser o caso. A ligação espermatozóide-zona foi bloqueada por: (1) adição de UDP- galactose, (2) remoção de resíduos de N-acetilglicosamina de ZP3, (3) adição de anticorpos que bloqueiam a atividade da galactosiltransferase, e (4) colocação de um excesso de galactosiltransferase no meio (a enzima em excesso iria ligar-se à zona e inibir o espermatozóide de se ligar) (Lopez et al., 1985; Shur e Neely, 1988). Além disso, membranas de espermatozóide de camundongo irão transferir um açúcar de UDP-galactose especificamente para ZP3 (Miller et al., 1992). Assim, a galactosil- transferase da superfície do espermatozóide parece reconhecer um grupo carboidrato na proteína ZP3 da zona pelúcida do camundongo. A agregação dessas galactosiltransferases ocasiona a ativação de uma proteína G que pode ser impor- tante na iniciação da reação acrossômica (Gong et al., 1995). Figura 4.17Figura 4.17Figura 4.17Figura 4.17Figura 4.17 Sp56 purificada liga-se à zona pelúcida e ini- be a ligação de espermatozóide a óvulos de camundongo. (A) Ligação de sp56 à zona pelúcida de ovos não-fertilizados. A pista 1 é o resultado da lise de ovos não-fertilizados, fazendo migrar as proteínas extraídas em um gel, transferindo o gel, e sondando para a pre- sença de sp56 com anticorpo marcado. Não se vê sp56. A pista 2 mostra o resultado po- sitivo obtido quando o ovo não-fertilizado é pré-incubado com sp56, indicando que sp56 se liga aos óvulos. A pista 3 mostra os resul- tados negativos obtidos quando sp56 foi adi- cionada a embriões bicelulares. A pista 4 mos- tra o controle quando sp56 purificada é feita migrar no gel. (O anticorpo reconhece a for- ma não-reduzida de sp56, que migra em 40 kDa). (B) Espermatozóide ligando-se normal- mente a ovos não-fertilizados de camundon- go (aproximadamente 76 espermatozóides por óvulo). Os embriões bicelulares (aqui marcados por asteriscos) são controles inter- nos mostrando não ocorrer ligação. (C ) Na presença de sp56, o espermatozóide foi im- pedido de se ligar à zona. (de Bookbinder et al., 1995; cortesia de J.D. Bleil.) 138 PARTE II Padrões de Desenvolvimento ZP3 ZP1 ZP2 Resíduos de carboidratos RECEPTOR DE QUINASE DA ZONA (ZRK). Uma terceira proteína espermática que se liga à zona pelúcida do camundongo parece ser uma proteína transmembra- na de 95-kDa com dois sítios funcionais. O sítio extracelular liga especificamente ZP3, enquanto o sítio intracelular tem atividade enzimática de tirosina quinase (Leyton et al., 1992). Essa atividade é estimulada quando a proteína liga ZP3. Isso implica que a proteína de 95-kDa é uma tirosina quinase de receptor, e que pode iniciar a reação acrossômica através da fosforilação das suas proteínas alvo (veja Capítulo 3). O espermatozóide humano tem uma proteína semelhante, e a ZP3 hu- mana estimula a atividade da quinase. Além disso, peptídios sintéticos que mimetizam o domínio extracelular (que liga ZP3) dessa proteína, inibem a ligação do espermatozóide à zona pelúcida humana, sugerindo possível uso como contraceptivo (Burks et al., 1995). INDUÇÃO DA REAÇÃO ACROSSÔMICA EM MAMÍFEROS POR ZP3. Uma vez que o espermatozóide capacitado ligou-se à zona pelúcida, como ocorre a reação acrossômica nos mamíferos? A reação é induzida pela porção protéica de ZP3 (Endo et al., 1987; Leyton e Saling,1989a), e ZP3 parece atuar perfazendo ligação cruzada com seus receptores na membrana espermática. Esse tipo de ligação abre os canais de cálcio, aumentando a concentração do íon no espermatozóide (Leyton e Saling, 1992b). O mecanismo pelo qual age o ZP3 e a subseqüente exocitose do acrossomo permanece controversa, mas pode envolver a trajetória IP 3 (Florman, 1994; Suarez e Dai, 1995). [fert5.html] LIGAÇÃO SECUNDÁRIA DO ESPERMATOZÓIDE À ZONA PELÚCIDA. Durante a reação acrossômica, a parte anterior da membrana plasmática do espermatozóide é solta (veja Figura 4.10). É ali que estão localizadas as proteínas ligantes de ZP3 e, ainda assim, o espermatozóide deve permanecer ligado à zona para abrir, por lise, um caminho através dela. Em camundongos, parece que uma ligação secundária à zona é conseguida por proteínas na membrana acrossômica interna que se ligam especi- ficamente a ZP2 (Bleil et al., 1988). Enquanto espermatozóide com acrossomo intacto não irá se ligar à ZP2 glicoproteína, o espermatozóide cujo acrossomo reagiu o fará. Além disso, anticorpos contra a proteína ZP2 não irão impedir a ligação do esper- matozóide com acrossomo intacto à zona, mas irão inibir a fixação do espermatozóide que já tenha reagido. A estrutura da zona consiste de unidades repetitivas de ZP3 e ZP2, ocasionalmente ainda ligadas por ZP1 (Figura 4.18). Parece que os espermato- zóides com acrossomo que reagiram, transferem sua ligação com ZP3 para as molé- culas adjacentes de ZP2. Após a entrada de espermatozóide de camundongo no óvulo, os grânulos corticais do ovo liberam seu conteúdo. Uma das proteínas liberadas é a protease que especificamente altera ZP2 (Moller e Wassarman, 1989). Isso inibe ou- tros espermatozóides, cujo acrossomo já reagiu, de mover-se mais para perto do óvulo. Não é conhecido quais das proteínas do espermatozóide do camundongo se ligam à ZP2. No espermatozóide porcino, ligação secundária à zona parece ser medi- ada por proacrosina. Proacrosina torna-se a protease acrosina, há muito tempo co- nhecida por estar envolvida na digestão da zona pelúcida. No entanto, proacrosina é também uma proteína ligante da fucose que mantém a conexão entre espermatozói- de que reagiu com acrosina e a zona pelúcida (Jones et al., 1988). É possível que a proacrosina se ligue à zona, sendo depois convertida na enzima ativa que digere localmente a zona pelúcida. Na cobaia, ligação secundária à zona é considerada ser mediada pela proteína PH-20. Quando essa proteína da membrana acrossômica interna foi injetada em cobaias macho ou fêmea, 100% desses animais tornaram-se estéreis por vários me- ses (Primakoffet al., 1988). O soro sangüíneo dessas cobaias estéreis tinha uma concentração extremamente alta de anticorpos para PH-20. O anti-soro de cobaias esterilizadas por injeções de PH-20 não só se ligou especificamente a essa pro- teína, como também bloqueou a adesão espermatozóide-zona in vitro. O efeito Figura 4.18Figura 4.18Figura 4.18Figura 4.18Figura 4.18 Diagrama da estrutura fibrilar da zona pelúcida do camundongo. Filamentos principais da zona pelúcida são compostos por dímeros repetitivos das proteínas ZP2 e ZP3. Esses filamentos estão ocasionalmente ligadospor ZP1, formando uma esteira de malhas. (Se- gundo Wassarman, 1989.) CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 139 (A) (B) (C) (D) contraceptivo perdurou por vários meses, após os quais a fertilidade foi restabelecida. Os animais foram temporariamente esterilizados por esses anticorpos. O análogo humano da proteína PH-20 não é ainda conhecido, porém, certos antígenos do es- permatozóide apresentam um padrão semelhante de localização no espermatozóide. As proteínas da zona pelúcida humana e suas funções ainda não foram estabeleci- das tão claramente como no camundongo. Ainda assim, esses experimentos mos- tram que o princípio da contracepção imunológica está bem fundamentado. Fusão de gametas e a prevenção da polispermia Fusão entre as membranas do óvulo e do espermatozóideFusão entre as membranas do óvulo e do espermatozóideFusão entre as membranas do óvulo e do espermatozóideFusão entre as membranas do óvulo e do espermatozóideFusão entre as membranas do óvulo e do espermatozóide O reconhecimento do espermatozóide pelo envoltório vitelínico ou zona é seguido pela lise da porção do envoltório ou zona na região da cabeça do espermatozóide (Colwin e Colwin, 1960; Epel, 1980). Essa lise é seguida pela fusão da membrana espermática com a membrana do óvulo. A entrada do espermatozóide no óvulo do ouriço-do-mar está ilustrada na Figura 4.19. A superfície do óvulo está coberta de pequenas microvilosidades; a fusão espermatozóide-óvulo parece causar a polimerização da actina e a extensão de várias microvilosidades para formar o cone de fertilização (Summers et al., 1975; Schatten e Schatten, 1980, 1983). A homologia entre óvulo e espermatozóide é novamente Figura 4.19Figura 4.19Figura 4.19Figura 4.19Figura 4.19 Varredura ao microscópio eletrônico da entrada do espermatozóide em óvulo de ouriço-do-mar. (A) Contato da cabeça do espermatozóide com microvilosidades do óvulo através do processo acrossômico. (B) Formação do cone de fertili- zação. (C) Internalização do espermatozóide no óvulo. (D) Micrografia de transmissão ao mi- croscópio eletrônico da internalização do es- permatozóide através do cone de fertilização. (A-C de Schatten e Mazia, 1976, cortesia de G. Schatten; D cortesia de F. J. Longo.) 140 PARTE II Padrões de Desenvolvimento demonstrada, porque o cone de fertilização transitório, tal como o processo acrossômico, parece se prolongar pela polimerização da actina. Após a junção, pode- se encontrar material do espermatozóide na membrana do óvulo (Gundersen et al., 1970). O núcleo e a cauda do espermatozóide passam pela ponte citoplasmática, que é alargada pela polimerização da actina. Yanagimachi e Noda (1970) mostraram que processo semelhante ocorre na fusão de gametas de mamíferos (Figura 4.20). No ouriço-do-mar, todas as regiões do óvulo são capazes de se fundir com o espermatozóide; em várias outras espécies, existem regiões especializadas na mem- brana para o reconhecimento e fusão com o espermatozóide (Vacquier, 1979). A fusão é um processo ativo, freqüentemente mediado por proteínas “fusogênicas” específicas. Proteínas como a HA do vírus da influenza e a proteína F do vírus Sendai promovem a fusão celular, sendo possível que a bindina também seja uma dessas proteínas. Glabe (1985) mostrou que a bindina do ouriço-do-mar promove a fusão de vesículas fosfolipídicas e que, tal como as proteínas fusogênicas virais, a bindina contém uma longa região de aminoácidos hidrofóbicos perto do terminal amino. Em abalones, a lisina que dissolve o envoltório vitelínico também demons- trou ter atividade fusogênica (Hong e Vacquier, 1986). As proteínas fertilinas da membrana do espermatozóide dos mamíferos são essenciais para fusão espermatozóide-óvulo (Primakoff et al., 1987; Blobel et al., 1992; Myles et al., 1994). A fertilina do camundongo tem regiões hidrofóbicas seme- lhantes às das proteínas fusogênicas virais, além de uma seqüência que sugere ligação com uma integrina da membrana do óvulo. Evidência atual sugere que a fertilina do camundongo liga-se à integrina α6β1 da membrana assumindo-se que a região hidrofóbica da fertilina pode, em seguida, mediar a união das duas membra- nas (Almeida et al., 1995). Quando as membranas se fundem, o núcleo, mitocôndrias, centríolo e flagelo podem penetrar no ovo. Prevenção da PolispermiaPrevenção da PolispermiaPrevenção da PolispermiaPrevenção da PolispermiaPrevenção da Polispermia Assim que um espermatozóide tiver penetrado o óvulo, a capacidade de fusão da membrana do óvulo, que fora tão necessária para conseguir a penetração, torna-se um risco. No ouriço-do-mar, como na maioria dos animais estudados, qualquer es- permatozóide que penetra o óvulo, pode prover um núcleo haplóide e um centríolo para o óvulo. Na monospermia normal, na qual somente um espermatozóide penetra o óvulo, um núcleo haplóide do espermatozóide e um do óvulo se combinam para formar o núcleo diplóide do ovo fertilizado (zigoto), restaurando o número de cro- mossomos apropriado para a espécie. O centríolo, provindo do espermatozóide, se dividirá para formar os dois pólos do fuso mitótico durante a clivagem. A entrada de múltiplos espermatozóides – polispermia – conduz à conse- qüências desastrosas na maioria dos organismos. No ouriço-do-mar, a fertiliza- ção por dois espermatozóides resulta em um núcleo triplóide, no qual cada cromossomo está representado não duas, mas três vezes. Pior ainda, como o centríolo se divide para formar os dois pólos do aparelho mitótico, aqui, em vez de um fuso mitótico bipolar separar os cromossomos em duas células, os cromossomos triplóides se dividiriam em quatro células. Como não há meca- nismos para assegurar que cada uma das quatro células receba o número e o tipo apropriado de cromossomos, esses serão distribuídos de maneira desigual. Algumas células receberiam cópias extra de certos cromossomos e outras cé- lulas não os teriam. Theodor Boveri demonstrou em 1902 que tais células ou morreriam ou se desenvolveriam anormalmente (Figura 4.21). [fert6.html] As espécies desenvolveram maneiras de prevenir a união de mais de dois núcleos haplóides. A mais comum é a de impedir a entrada de mais de um espermatozóide no óvulo. O óvulo do ouriço-do-mar tem dois mecanismos que evitam a polispermia: uma reação rápida, efetivada por uma mudança elétrica na membrana plasmática do óvulo, e uma reação mais lenta, causada pela exocitose dos grânulos corticais. CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 141 O BLOQUEIO RÁPIDO DA POLISPERMIA. A membrana celular do óvulo é notável não somente por sua habilidade de se fundir com a membrana espermática, mas tam- bém por sua capacidade de resistir a uma ulterior fusão imediatamente após a entrada de um espermatozóide (Just, 1919). O bloqueio rápido à polispermia, é conseguido pela mudança do potencial elétrico da membrana do óvulo. Essa provê uma barreira seletiva entre o citoplasma e o ambi- ente exterior; a concentração iônica do óvulo difere muito daquela do ambiente, uma diferença especialmente pronunciada para os íons de sódio e potássio. A água do mar tem uma alta concentração do íon sódio, ao passo que o citoplasma do óvulo tem relativamente pouco sódio. O oposto acontece com os íons potássio. Essa condição é mantida pela membrana celular, que constantemente inibe a entrada de sódio no Figura 4.20Figura 4.20Figura 4.20Figura 4.20Figura 4.20 Entrada de espermatozóide no óvulo do hamster dourado. (A) Micrografia eletrônica de varredura do ato da fusão. O ponto “calvo” (sem microvilosidades) é o local abandona- do pelo corpo polar. (B) Vista próxima da ligação espermatozóide-zona. (C ) Microgra- fia eletrônica de transmissão mostrando a cabeça do espermatozóide atravessando a zona. (D) Micrografia eletrônica de transmissão, do espermatozóide fundindo em para- lelo a membrana do plasma do óvulo. (E) Diagrama da fusão do acrossomo do esper-matozóide e membranas plasmáticas com as microvilosidades do óvulo. (Segundo Yanagimachi e Noda, 1970; Yanagimachi, 1994; fotografias cortesia de R. Yanagimachi.) (A) (B) (C) (E) Membrana acrossômica interna Núcleo Segmento equatorial do acrossomo Zona 142 PARTE II Padrões de Desenvolvimento Centrossomo do espermatozóide Pronúcleos do oócito (A) Oócito Pronúcleos do esperma- tozóide Fusão pronuclear 1a clivagem Células em desintegração; morte do embrião (B) (C) (D) (E) (F) oócito e impede o escoamento de íons de potássio para o ambiente. Quando inse- rimos um eletrodo no óvulo e colocamos um outro fora do oócito, podemos medir a constante diferença potencial da membrana plasmática do óvulo. Esse potencial de repouso da membrana é geralmente cerca de 70 mV, e usualmente expresso como –70 mV porque o interior da célula está carregado negativamente em relação ao exterior. [fert7.html] Dentro de 1-3 segundos após a ligação do primeiro espermatozóide, o potencial da membrana muda para um nível positivo (Longo et al., 1986). Um pequeno influxo de íons de sódio no óvulo é permitido, trazendo a diferença de potencial para +20 mV (Figura 4.22 A). Embora o espermatozóide possa se fundir com membranas tendo um potencial de –70 mV, não pode se fundir com membranas com um potencial de repou- so positivo. Não é conhecido como a ligação ou a entrada do espermatozóide sina- liza a abertura dos canais de sódio; porém, Gould e Stephano (1987, 1991) fornece- ram o que poderá ser uma pista importante para a compreensão desse processo. Os autores isolaram do espermatozóide de Urechis (um verme equiuróide marinho) uma proteína cromossômica capaz de abrir canais de sódio de óvulos de Urechis. Quan- do tais óvulos são expostos a essa proteína, a mudança da velocidade do influxo de sódio e do potencial de membrana resultante são muito parecidos com aqueles produzidos pelo espermatozóide vivo. A abertura dos canais de sódio no óvulo, parece ser causada pela ligação do espermatozóide ao óvulo. Jaffe e seus colaboradores mostraram que a polispermia podia ser induzida quando óvulos foram supridos artificialmente com uma corrente elétrica que man- tinha negativo o seu potencial de membrana. Reciprocamente, a fertilização podia ser inteiramente prevenida conservando tal potencial positivo (Jaffe, 1976). O bloqueio rápido da polispermia podia também ser evitado baixando-se a concen- tração do sódio da água (Figura 4.22B-D). Se os íons de sódio não forem suficien- tes para ocasionar um deslocamento positivo do potencial de membrana, ocorre a polispermia (Gould-Somero et al., 1979; Jaffe, 1980). Não é conhecido como dife- renças no potencial de membrana atuam sobre o espermatozóide bloqueando a segunda fecundação. Muito provavelmente, o espermatozóide conduz um compo- nente (possivelmente uma proteína fusogênica carregada positivamente), sendo a inserção desse componente na membrana do óvulo, provavelmente, regulada pela carga elétrica transmembrana (Iwao e Jaffe, 1989). Um bloqueio elétrico à polispermia também ocorre em rãs (Dross e Elinson, 1980), mas provavelmente não na maioria dos mamíferos (Jaffe e Cross, 1983). O BLOQUEIO LENTO DA POLISPERMIA. Óvulos do ouriço-do-mar (e muitos ou- tros) têm um segundo mecanismo para assegurar que múltiplos espermatozóides não penetrem no citoplasma do óvulo (Just, 1919). O bloqueio rápido é transitório, o po- tencial de membrana do óvulo do ouriço-do-mar somente permanece positivo por cerca de um minuto. Essa curta mudança de potencial não é suficiente para prevenir a polispermia de maneira permanente. Carroll e Epel (1975) demonstraram que a Figura 4.21Figura 4.21Figura 4.21Figura 4.21Figura 4.21 Desenvolvimento aberrante de um óvulo de ouriço-do-mar fecundado por dois espermato- zóides. (A) Fusão de três núcleos haplóides, cada um contendo 18 cromossomos, e divisão dos dois centríolos espermáticos para formar quatro pólos mitóticos. (B, C) Os 54 cromossomos se distribuem aleatoriamente nos quatro fusos. (D) Na anáfase da primeira divisão, os cromossomos duplicados são arrastados para os quatro pólos. (E) Quatro células contendo números e tipos diferentes de cromossomos são formadas, causando a morte prematura do embrião (F). (Segundo Boveri, 1907.) CAPÍTULO 4 Fertilização: Iniciando um novo organismo 143 Segundos [Na+] (mM) Porcentagem de ovos polispérmicos (B) (C) (D) Adição de espermatozóide (A) polispermia ainda pode ocorrer se os espermatozóides ligados ao envoltório vitelínico não forem removidos de alguma maneira. Essa remoção é conseguida pela reação dos grânulos corticais, um bloqueio mecânico mais lento da polispermia que se torna ativo cerca de 1 minuto após a primeira ligação bem sucedida esper- matozóide-óvulo. Diretamente abaixo da membrana do óvulo do ouriço-do-mar existem 15.000 grânulos corticais, cada um com 1 um de diâmetro (veja Figura 4.6B). Com a entra- da do espermatozóide, esses grânulos se fundem com a membrana plasmática do óvulo, liberando seu conteúdo para o espaço entre a membrana e a esteira fibrosa das proteínas do envoltório vitelínico. Há várias proteínas associadas com esse processo de exocitose de grânulos corticais. As primeiras são proteases. Essas enzimas dissolvem os postos vitelínicos que conectam as proteínas do envoltório vitelínico à membrana celular, secionando o receptor de bindina e todo espermato- zóide a ele ligado (Vacquier et al., 1973; Glabe e Vacquier, 1978). Outras proteínas, mucopolissacarídeos liberados dos grânulos, produzem um gradiente osmótico que permite a entrada da água no espaço entre a membrana celular e o envoltório e, dessa forma, o envoltório vitelínico se expande e passa a ser chamado de envoltório de fertilização (Figuras 4.23 e 4.24). Uma terceira proteína, produto dos grânulos corticais, uma peroxidase, enrijece o envoltório de fertilização através de ligações cruzadas entre resíduos de tirosina em proteínas adjacentes (Foerder e Shapiro, 1977; Mozingo e Chandler, 1991). Como mostra a Figura 4.23, o envoltório de fertilização começa a se formar no local da entrada do espermatozóide e conti- nua sua expansão ao redor do óvulo. À medida que esse envoltório se forma, os espermatozóides são liberados. O processo se inicia cerca de 20 segundos após a fixação do espermatozóide e se completa ao fim do primeiro minuto da fertilização. Finalmente, uma quarta proteína granular, a hialina, forma uma capa em volta do óvulo (Hylander e Summers, 1982). A célula estende microvilosidades alongadas cujas extremidades se ligam a essa camada hialina, que fornece apoio para os blastômeros durante a clivagem. Em mamíferos, a reação granular não cria um envoltório de fertilização, porém, o efeito é o mesmo. Enzimas liberadas modificam os receptores de espermatozóide da Figura 4.22Figura 4.22Figura 4.22Figura 4.22Figura 4.22 Potencial de membrana de óvulos de ouriço-do-mar antes e após a fertilização. (A) antes da adição do espermato- zóide, a diferença de potencial através da membrana celu- lar do óvulo é de aproximadamente –70 mV. De 1 a 3 se- gundos após o espermatozóide fertilizante ter entrado em contato com o óvulo, o potencial se desloca na direção positiva. (B) Ovos controle desenvolvendo-se em Na+ 490 mM. (C) Polispermia em ovos fertilizados em Na+ 120 mM (colina foi substituída por sódio). Os ovos de Lytechinus foram fotografados durante a primeira clivagem. (D) Tabela mostrando a elevação da polispermia com o decréscimo da concentração do íon sódio. (de Jaffe, 1980, fotografias cortesia de L. A. Jaffe.) 144 PARTE II Padrões de Desenvolvimento (A) (B) (C) (D) zona pelúcida de maneira que esses não mais podem ligar-se a espermatozóide (Bleil e Wassarman, 1980). Essa modificação é chamada reação da zona. Durante essa reação, tanto ZP3 como ZP2 são modificadas. Florman e Wassarman (1985),
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