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DOLO EVENTUAL X CULPA CONSCIENTE

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MOTORISTA EMBRIAGADO é CONDENADO POR DOLO EVENTUAL EM HOMICíDIO OCORRIDO NO TRâNSITO
Um julgamento realizado nesta sexta-feira (18.09.2010), no município de Primavera do Leste, referente a um homicídio ocorrido no trânsito, resultou na condenação de Darcisio Rosa da Silva, 38 anos, a seis anos de reclusão em regime semi-aberto. Ao contrário do que normalmente acontece nos julgamentos relacionados a este tipo de crime, desta vez os jurados entenderam que o condutor agiu intencionalmente, condenando-o por dolo eventual e não por homicídio culposo (não-intencional).
De acordo com o promotor de Justiça que atuou no Tribunal do Júri, Rodrigo Barbosa de Abreu, foi demonstrado no depoimento de uma testemunha que no momento do acidente o réu exalava odor etílico. Testemunhas também relataram que minutos antes do crime, Darcísio Rosa da Silva, dirigia em alta velocidade pela principal avenida da cidade, fazendo manobras arriscadas.
Considero o resultado desse julgamento um avanço, na medida em que passa-se a reconhecer a prática de dolo eventual em delito de trânsito em que a conduta exceda os limites da culpa. Apesar de ser uma tendência que vem se firmando em outros tribunais, aqui em Mato Grosso ainda não existem muitas decisões nesse sentido, ressaltou o promotor de Justiça.
Segundo ele, Darcísio Rosa da Silva cometeu o crime no dia 21 de janeiro de 2001, domingo à tarde. Ele dirigia na principal avenida da cidade a 85 km/h, após realizar manobras conhecidas como cavalos-de-pau, momento em que colidiu com uma bicicleta conduzida por uma jovem de 33 anos, que trafegava no mesmo sentido. A vítima não resistiu aos ferimentos e veio a óbito no próprio local.
FONTE: SITE JUSBRASIL
Mantida condenação por homicídio doloso a motorista embriagado
Pelos crimes de homicídio e lesão corporal, Rulfo Cabrini Costa e Silva foi condenado a sete anos de reclusão, em regime semiaberto. Consta dos autos que Rulfo, ao dirigir sob influência de álcool e em alta velocidade, ignorou sinal fechado em cruzamento e causou acidente que resultou na morte de Tiago Mendonça Nogueira e lesão corporal em Cláudio Nogueira Barros. A decisão é da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) que, à unanimidade, seguiu voto do relator, desembargador Ivo Fávaro (foto) e reformou parcialmente resultado de júri popular, que reconheceu dolo eventual.
A defesa de Rulfo pleiteou novo julgamento sob o argumento que “a conduta imputada ao acusado caracteriza homicídio culposo”. No entanto, o magistrado entendeu que a decisão dos jurados “encontra respaldo no conjunto probatório”. Ivo Fávaro reconheceu a materialidade do crime pelos laudos apresentados e a autoria pelos depoimentos prestados por Cláudio, seus familiares e testemunhas.
O desembargador ressaltou que, embora Rulfo, em seu depoimento afirmou que trafegava a 50 km/h e não havia ingerido bebida alcoólica, tal versão não é confirmada pelas testemunhas. O magistrado destacou que várias pessoas afirmaram ter visto garrafas de cerveja e uísque no carro de Rulfo que foram jogadas, por ele, em um bueiro.
Além disso, a esposa de Cláudio, que era passageira, declarou que Rulfo havia admitido que nem viu que tinha sinal no cruzamento e os policiais que atenderam a ocorrência atestaram que ele aparentava ter ingerido bebida alcoólica por demonstrar “olhos vermelhos, sonolência e odor de álcool no hálito”. O desembargador também evidenciou o Laudo de Reprodução Simulada de Local de Acidente de Tráfego que constatou que a velocidade do carro conduzido por Rulfo “contribuiu sobremaneira para a extensão dos danos materiais e conseqüências de todo o acidente”.
Em primeiro grau, Rulfo havia sido condenado a sete anos e sete meses de reclusão em regime semiaberto. Porém o desembargador julgou pela redução da pena ao entender que “das circunstâncias judiciais apenas a culpabilidade e a conduta social desfavorecem o acusado”.
Dolo eventual
Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), aos casos de homicídio no trânsito, só seria possível a punição por homicídio culposo, mas, em casos de embriaguez do condutor, alguns magistrados vislumbram a possibilidade da aplicação do dolo eventual, para que o motorista seja incriminado na forma dolosa. O dolo eventual se caracteriza pelos casos em que o agente prevê o dano (resultado), sabe que este é provável e o aceita, mas não há a intenção direta de alcançar o resultado.
O caso
Consta dos autos que o acidente aconteceu no dia 23 de janeiro de 2010, quando o veículo conduzido por Rulfo atingiu a lateral do veículo conduzido por Cláudio. Em virtude do choque, Tiago, que era filho de Cláudio, foi arremessado para a calçada e morreu. Cláudio sofreu ferimentos que os deixaram imobilizado por 45 dias. Quando os policiais chegaram ao local, Rulfo se recusou a fazer o teste do bafômetro. Veja a decisão. (Texto: Daniel Paiva – estagiário do Centro de Comunicação Social do TJGO)
FONTE: SITE TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
Dolo eventual x culpa consciente no crime de embriaguez ao volante - critérios de distinção
A distinção de formas tão extremas de reprovação, e ao mesmo tempo tão parecidas conceitualmente, depende de uma análise puramente hipotética sobre um elemento interno e psicológico do sujeito como “não se importar” e “assumir um risco”, o que expressamente violaria os princípios da culpabilidade e da responsabilidade subjetiva.
Muitos são os estudos que foram desenvolvidos para diferenciar o dolo eventual da culpa consciente. As teorias volitivas, caracterizadas pelo elemento vontade como fator decisivo, assim como o domínio, resultaram na teoria do consentimento, sendo esta a adotada pelo Código Penalbrasileiro, em seu artigo 18, inciso I. Ainda assim, apesar de ser a teoria dominante na doutrina nacional, existe ainda outro estudo decorrente da teoria volitiva, a saber, a “teoria do sentimento”, que por sua vez foi desenvolvida inicialmente por Karl Engish e Exner. Essa outra linha se apoia no elevado grau de indiferença para com a ofensa causada ao bem jurídico protegido.
Segundo Lição de Juarez Cirino dos Santos a teoria do consentimento, elaborada por Mezger, define dolo eventual pela atitude de aprovação do resultado típico previsto como possível, que deve agradar ao autor. Entretanto, o que caracteriza a teoria dominante é o fato de que o agente deve “aceitar”, “consentir” ou “assumir o risco” de provocar o resultado delituoso, sendo que a vontade pessoal do sujeito de “agradar-se” com o final de sua conduta seria mera exigência dos adeptos deste raciocínio.
Não muito diferente é a culpa consciente. Esta modalidade de culpa em sentido estrito é verificada quando o agente provoca um resultado previsível, mas que desde o início acreditava que não ocorreria. Em outras palavras, o sujeito antes de iniciar a ação, que ao final resultará em uma infração penal, tem conhecimento e prevê que um crime pode acontecer, mas seu pensamento é de que nada fugirá da normalidade. Se fugir, o agente estará totalmente desagrado com o resultado, pois essa não era sua intenção, tampouco sua expectativa.
Logo, a decisão do título de imputação deve ainda respeitar critérios político-criminais, porque os elementos ontológicos como “querer” e “assumir o risco”, elementos internos do agente, ainda são inegavelmente arbitrários. Esta difícil decisão é um dos temas mais polêmicos do motorista embriagado que causa a morte de outrem. A responsabilidade do Magistrado em determinar se é caso de culpa consciente ou dolo eventual é imensa, uma vez que na primeira hipótese a pena prevista é pelo Código de Trânsito é de detenção de no máximo 4 anos, enquanto se for doloso (pouco importando se na modalidade direta ou eventual) a sanção pode chegar à vagarosos 20 anos de reclusão.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 107.801, tentou recolocar o dolo eventual e a culpa consciente nos seus devidos lugares, criando assim um precedente que certamente continua evitando a aplicação indevida de tais institutos,principalmente no procedimento do Júri. A decisão da Primeira Turma do STF desclassificou a conduta imputada ao acusado de homicídio doloso para homicídio culposo na direção de veículo, por entender que a responsabilização a título “doloso” pressupõe que a pessoa tenha se embriagado com o intuito de praticar o crime:
PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus. 2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual. 3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo. 4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte. 5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que “O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. Ed. Rev. Atual. E ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243) 6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fático-probatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves, DJ de 17/8/1990. 7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB). 8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP.
Tanto no dolo eventual quanto na culpa consciente, o motorista prevê efetivamente a possibilidade do resultado e mesmo assim continua a dirigir seu veículo. A diferença fundamental é que no dolo eventual o condutor no seu íntimo imagina: não estou nem aí se eu ferir ou matar alguém. Não gostaria que isso acontecesse, mas se acontecer uma pena, azar da vítima, enquanto na culpa consciente as coisas se dão de forma bem diferente: jamais o agente aceita a ocorrência do resultado. Neste panorama, na mente do motorista suas habilidades pessoais e segurança própria na direção fazem com que um eventual acidente seja hipótese descartada, frente a certeza de que nada acontecerá naquele momento. Seu pensamento é: sei que o que estou fazendo é arriscado, mas tenho absoluta certeza de que nenhum acidente irá acontecer e assim ninguém vai se ferir ou morrer. Até porque, por questão de lógica formal, se o motorista assume o risco de matar alguém é porque ele também está assumindo o risco de se suicidar, isto é, ele pensa: se por acaso eu vier a me acidentar e morrer, tudo bem... Verdadeiro absurdo. Colocando em prática este pensamento, por óbvio ninguém teria um raciocínio tão autodestrutivo, ainda que exageradamente embriagado, salvo nas hipóteses realmente suicidas ou previamente intencionadas de lesar alguém (o dolo direto em sua excelência).
Entretanto, em que pese a diferença apontada na decisão do Pretório Excelso, embora retoricamente seja bem nítida, na prática continua muito tênue, o que torna quase impossível saber se o agente atuou com culpa consciente ou dolo eventual – um verdadeiro exercício de vidência. Porém, é imperioso ressaltar que uma das máximas mais importantes do direito é o in dubio pro reo, razão pela qual não se pode atribuir ao agente o dolo eventual sem prova robusta apenas para satisfazer conclusões pessoais ou sentimentos particulares de justiça (o que, como se sabe, na prática forense ocorre muito neste país). O elemento subjetivo do agente só pode ser afirmado após comprovação nos autos das circunstâncias do caso concreto, motivo pelo qual é absolutamente contrário à dogmática penal asseverar de forma genérica que todos os condutores embriagados que provocarem a morte de alguém estão agindo, invariavelmente, em dolo eventual.
No tocante ao tema de distinção entre os institutos ora estudados, vale a referência ao direito europeu, ainda que o tema não seja embriaguez ao volante. Na jurisprudência alemã é paradigmático um julgado de 1955 (BGHSt 7/ 365) ocorrido da seguinte forma: A e B pretendem roubar C. Para tanto, decidem impossibilitar a resistência da vítima amarrando seu pescoço com um cinto de couro para que venha a desmaiar. Observando que haveria um grave risco de a vítima vir a óbito, passam a um plano alternativo que é aplicar um golpe na cabeça de C com um saco de areia, provocando a inconsciência da vítima. O plano é inviabilizado, pois o saco de areia se rompe. Os agentes, que tinham plena consciência do risco de morte da vítima caso executassem o plano original, voltam a ele e amarram o pescoço da vítima com o cinto. Ao tentar reanimar C, A e B verificam que o risco se produziu e o resultado morte, de fato, ocorreu. Discutiu-se se a conduta seria culposa ou dolosa por dolo eventual. O critério de resolução do caso, conhecido como teoria (ou critério) do levar a sério, leva a conclusão de que ao retomar o plano inicial os agentes assumiram o risco e não se importaram com sua ocorrência, conduzindo à condenação e prescindindo-se do aspecto de agrado: resultado: dolo eventual.
Apontadas as discussões jurídicas entre a culpa consciente e dolo eventual, constata-se que a teoria dominante no Brasil não apresenta um critério penal claro na distinção dos institutos. Essa lacuna dogmática indubitavelmente acarreta em grave prejuízo ao réu, uma vez que eventual condenação mais branda ou mais severa irá depender de que pensa o julgador específico do caso; uma verdadeira loteria. É preciso que a ciência do direito penal trabalhe a teoria do delito a fim de fornecer critérios capazes de facilitar a vida dos penalistas, sobretudo os magistrados (leigos ou de carreira). Esses critérios, sem dúvidas, não podem ser buscados em categorias que levam apenas em consideração os elementos internos de “querer”, “assumir o risco” e “não se importar”, mas sim precisam partir de um modelo político-criminal que respeite os princípios penais tão caros na história do Direito.
FONTE: SITE JUSBRASIL

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