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UMA ABORDAGEM SOBRE A TRANFERÊNCIA NA PSICOSE Abílio Luiz Ribeiro Alves Psicanalista membro da ELP-RJ O tratamento psicanalítico da psicose nos apresenta, já de saída, um primeiro problema: o acolhimento em análise pode precipitar o analisando num surto, pode levar aquele que denominamos pré-psicótico a desencadear uma psicose. Lacan, no entanto, afirmou que um analista não deve recuar diante da psicose. Um analista deve assumir os riscos de que, ao tomar alguém em análise, uma psicose possa vir a se apresentar. Então, comecemos por descrever o pré-psicótico. Philippe Julien, a partir do seminário 3 [as psicoses] de Lacan, nos dá a seguinte definição: “O chamado pré-psicótico não é reconhecível como tal. Ele se conduz aparentemente como todo mundo, socialmente falando consegue, bastante bem, levar sua vidinha. De que maneira? ‘Por uma série de identificações puramente conformistas com personagens que lhe darão o sentimento do que é preciso fazer para ser um homem’ ou do que é preciso para ser uma mulher. Assim, ‘por intermédio de uma imitação, de um enganchamento’ na imagem do semelhante, do par, que lhe serve de muleta, o psicótico pode viver sem que uma psicose se declare. Ele vive “em seu casulo, como uma larva.” 1 Mas, o que se passa quando um certo dia falha a resposta que era esperada justamente do semelhante? Se, por um lado, uma análise pode precipitar um analisando numa psicose, de outro, devemos levar em conta que se alguém procura um analista, é porque algo já não vai bem. Algo na vida e em torno deste indivíduo pode ter sido abalado. Do lado do analista, caberá instaurar um tempo de escuta. As entrevistas preliminares constituem um tempo necessário para que algo se coloque como questão para uma análise e remetida ao analista a partir da transferência. O analista, para escutar, oferece o seu silêncio. Este silêncio, do lado do analista, evoca a Versagung da análise. Sobre isto, nos fala Lacan em seu seminário sobre a transferência: “[...] não será isso, a fecunda Versagung da análise? _ que o analista recuse ao sujeito a sua angústia, a dele analista, e deixe nu o lugar onde ele é convocado como outro a dar o sinal da angústia”.2 O silêncio do analista, na análise de um neurótico, é fundamental para a dialetização do discurso em análise. O silêncio articula-se à função e o lugar do analista no manejo da transferência. Contudo, na psicose, a simples presença do analista pode se fazer consistir através de sinais que partiriam dele [analista]. Os sinais que emanam desde fora ganham na significação do delírio a condição de certeza, não de suposição. A certeza impede a dialetização do discurso. Então, como deve operar um analista na análise de um psicótico? Recorreremos a um recorte clínico. Um analisando telefona para seu analista e muito aflito se queixa: - “Hoje, pela manhã, quando saí de seu consultório, seu vizinho gritou-me ofensas, dirigiu-me as mais graves e séries injúrias e acusações. Denegriu-me , decretando-me homossexual. Temo que ele volte a me tratar da mesma maneira, aí, eu 1 JULIEN, Philippe. As psicoses: um estudo sobre a paranóia comum. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999. p. 19. 2 LACAN, Jacques. O seminário, livro 8: a transferência 1960-1961. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992. p. 356. quebro a cara dele. Não poderei comparecer à próxima sessão, terei que abandonar minha análise”. O analista, então, lhe diz: _ “Pois, muito bem, na próxima sessão vou lhe receber no portão”. Dias depois, este analisando fala em análise: _”Eu venho aqui a bastante tempo, o senhor não me curou das vozes, elas são terríveis e insuportáveis, mas aqui eu posso falar delas.” Não teremos grandes dificuldades em sustentar que, no recorte clínico, o analista está incluído no delírio do paciente. Já não se trata mais da questão se há ou não transferência na psicose, mas sim de como manejá-la, ou ainda, se ela é analisável.3 Neste caso, o analista não ratifica ou confirma a certeza delirante do analisando, mas também não fica mudo, ele responde, de uma determinada maneira, à convocação na transferência. De que se trata quanto à transferência na psicose? Antes, é necessário apresentarmos alguns aspectos do que estabelecemos como a estrutura clínica da psicose. No humano é a inclusão da palavra na voz do Outro que permite ao pequeno infans fazer a reflexão que una a experiência real do corpo despedaçado à imagem unificadora, ou seja, reconhecer e recortar no espelho a própria imagem: Eu, “fulano de tal”.4 Esta palavra, enquanto significante primordial vinda do campo do Outro, permite a constituição do eu por exclusão mútua em relação ao Outro, digamos a alteridade, há o eu e há o outro. Para Lacan, conhecimento paranóico estrutural formulado da seguinte maneira: “Você me exclui, eu te excluo”. A incorporação da imagem por inclusão do significante primordial possibilita o par de operações: alienação/separação – alienação ao significante [nomeação fundamental] e separação por exclusão mútua entre o eu e o Outro. Na psicose, por uma falha [foraclusão] na constituição inclusiva do significante primordial, há a inclusão da imagem do outro, mas não há a exclusão. Assim, o psicótico costuma denunciar a intrusão do Outro em seu eu, não há alteridade constituída por exclusão mútua, por conhecimento paranóico estrutural. Vimos que o pré-psicótico é aquele que mantém-se num enganchamento na imagem do semelhante, num jogo de espelhos constante como tentativa de fazer frente a intrusão do Outro. Contudo, se uma experiência ou um acontecimento vier a abalar este estado de coisas, o que poderá demandar um pré- psicótico a um analista? O psicótico pode nos trazer uma idéia, uma intuição, algo que lhe atormenta na medida em que provoca uma multiplicação de significações, sinais que lhe são enviados ou apenas um estranhamento de si e do mundo ao redor. Pedirá ele ,uma significação que estanque as outras? Mas, se já há uma psicose claramente instaurada, ele virá pedir ao analista que faça barreira ao gozo do Outro _ “barreira a este Outro que o persegue ou que fala em sua cabeça; que o manipula ou que o olha na rua. Trata-se de um pedido de asilo para exilar-se do Outro: esse pedido é também feito ao asilo, ao hospício, onde a barreira é de concreto como se o Outro pudesse ser barrado na porta.”5 Se, de modo geral, o analista ocupa os pensamentos do analisando, na análise do psicótico há uma equivalência entre sujeito-suposto-saber com sujeito-suposto-gozar. Isto quer dizer que o analista fala dentro de sua cabeça. O psicótico não supõe, tem certeza, do saber do Outro.6 Como manejar a transferência? 3 POMMIER, Gérard. La Transferencia en la Psicoses. Argentina: Ediciones Kliné, 1997. p. 3 4 Aula de Maria Teresa C. Palazzo Nazar em 08/10/97. 5 QUINET, Antonio. Clínica da Psicose. Salvador: Fator, 1990. p. 85. 6 Idem. p.p. 85-6. No curso de uma análise, o psicótico no lugar de situar o analista como um outro gozador, pode demandar-lhe barrar o gozo do Outro. É o que podemos observar no recorte clínico apresentado, onde o analista é chamado ao portão, não só para testemunhar que o Outro invade com seu gozo, mas também para barrá-lo. Lacan propõe que a função do analista na transferência, na psicose, é a de secretário do louco. Celso Pereira de Almeida nos deixou um pequeno relato sobre uma passagem de Lacan. Quando lhe perguntaram se ele havia avançado em seus escritos sobre a psicose, ele respondeu: “Sim, consegui curar alguns psicóticos, mas não sei como o fiz”.7 Este artículo aborda algunas consideraciones sobre el manejo de la transferencia en dirección al tratamiento de la psichosis. Palavras chaves: transferência – manejo -psicose 7 ALMEIDA, Celso Pereira de. Lacan e a questão da psicose in Jacques Lacan: a psicanálise e suas conexões/Antonio Quinet (org) – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1993. p.37.
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