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1961
A Loucura Só Existe em uma Sociedade
"A loucura só existe em uma sociedade" (entrevista com J.-P. Weber), Le
monde, nQ 5.135,22 de Julho de 1961. p. 9.
- Nasci em 1926, em Poitiers. Aceito na Escola Superior em
1946, trabalhei com filósofos e também com Jean Delay, que
me fez conhecer o mundo dos loucos. Mas eu não faço psiquia-
tria. Para mim, o que conta é a interrogação sobre as próprias
origens da loucura. A boa consciência dos psiquiatras me
decepcionou.
- E como lhe veio a idéia de sua tese?
- Colette Duhamel, na época na Table Ronde, tinha me pedido
uma história da psiquiatria. Propus, então, um livro sobre as
relações entre o médico e o louco. O eterno debate entre razão
e desrazão.
- Injluências?
- Sobretudo das obras literárias... Mauríce Blanchot.
Raymond Roussel. O que me interessou e guiou é uma certa
forma de presença da loucura na literatura.
- E a psicanálise?
- O senhor concorda com o fato de que Freud é a própria
psicanálise. Mas, na França, a psicanálise, no início es-
tritamente ortodoxa, teve, mais recentemente, uma existência
segunda e prestigiosa, devido, como o senhor sabe, a Lacan ...
- E foi, sobretudo, o segundo estilo de psicanálise que o
marcou?
- Sim. Mas também, e principalmente, Dumézil.
- DumézU? Como é que um historiador das religiões pôde
inspirar um trabalho sobre a história da loucura?
- Por sua idéia de estrutura. Tal como Dumézil o faz para
os mitos, tentei descobrir formas estruturadas de experiência
1961 - A Loucura Só Existe em uma Sociedade 163
cujo esquema pudesse ser encontrado, com modificações, em
níveis diversos ...
- E qual é essa estrutura?
- A da segregação social, a da exclusão. Na Idade Média, a
exclusão atinge o leproso. o herético. A cultura clássica exclui
mediante o hospital geral, a Zuchthaus, a work-house. todas
as instituições derivadas do leprosário. Eu quis descrever a
modificação de urna estrutura exclusiva.
- Não seria mais uma história da mrernaçdo do que uma
história da loucura, o que o senhor compôs?
- Em parte, sim. Com certeza. Mas tentei, sobretudo. ver se
há urna relação entre esta nova forma de exclusão e a expe-
riência da loucura, em um mundo dominado pela ciência e
urna filosofia racionalista.
- E existe essa relação?
- Entre a maneira com que Racine trata o delírio de Ores-
tes, no final de Andrômaca, e aquela com que um oficial de
polícia, no século XVII, interna um louco furioso ou violento
há, não unidade, certamente, mas coerência estrutural ...
- Então, há umafilosofia da história da loucura?
- A loucura não pode ser encontrada no estado selvagem. A
loucura só existe em urna sociedade, ela não existe fora das
normas da sensibilidade que a isolam e das formas de repulsa
que a excluem ou a capturam. Assim, podemos dizer que na
Idade Média, e depois no Renascimento, a loucura está presente
no horizonte social corno um fato estético ou cotidiano; depois,
no século XVII- a partir da internação -, a loucura atravessa um
período de silêncio, de exclusão. Ela perdeu essa função de
manifestação, de revelação que ela tinha na época de Shakes-
peare e de Cervantes (por exemplo, Lady Macbeth começa a dizer
a verdade quando fica louca); ela se torna derrísóría, mentirosa.
Enfim, o século XX se apossa da loucura, a reduz a um fenõmeno
natural, ligado à verdade domundo. Desse ato de posse positivista
derivariam, por um lado, a filantropia desdenhosa manifestada
por toda psiquiatria com respeito ao louco e, por outro. o grande
protesto lírico encontrado na poesia, de Nerval até Artaud, e que
é um esforço para tornar a dar à experiência da loucura uma
profundidade e um poder de revelação que haviam sido aniqui-
lados pela internação.
- Então, a loucura vale mais do que a razão?
164 Michel Foucault - Ditos e Escritos
- Uma das objeções do júri foi, justamente, de que eu teria
tentado refazer o Elogio da loucura. No entanto, não: eu quis
dizer que a loucura só se tornou objeto de ciência na medida
em que ela foi descaída de seus antigos poderes ... Mas, quanto
a fazer a apologia da loucura em si, isso não. Afinal de contas,
cada cultura tem a loucura que merece. E se Artaud é louco,
e se foram os psiquiatras que permitiram a intemação de
Artaud, isso já é uma bela coisa, e o mais belo elogio que se
possa fazer ...
- Não à loucura, com certeza. ..
- Mas aos psiquiatras.
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