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Aspectos matemáticos da análise geral dos sistemas Anatol Rapoport 2 A teoria geral dos sistemas conota uma perspectiva ou uma metodologia mais do que uma teoria no sentido re servado na ciência a esse termo. A característica mais marcante dessa perspectiva é, como seu nome indica, uma ênfase nos aspectos dos objetos ou eventos que de rivam das propriedades gerais dos sistemas, mais do que de seu conteúdo específico. Nessas condições é claro que o poder e a fecundidade científica da teoria geral de sis tema dependem da possibilidade, de fato, da existência de propriedades comuns a todos os sistemas e, em caso afirmativo, se podem ser tiradas conseqüências impor tantes dessas propriedades. Essa possibilidade, por sua vez, depende do modo como se define sistema ou, no sen tido pragmático, que partes do mundo se escolhe con siderar como sistemas. O ponto de vista de teoria dos sistemas recebeu im pulso de duas fontes: primeiro, a constatação de que o mecanismo é inadequado como modelo universal; segun do, uma tendência a contrabalançar o fracionamento da ciência em especialidades isoladas umas das outras. Uma 21 crítica radical da perspectiva mecanística foi expressa, já nos anos 20, por Alfred North Whitehead (em Science and the modern world). Tese relevante nesse livro foi o aviso de que o acervo de idéias fundamentais sobre o qual se assentava a então ciência contemporânea (o capital intelectual, como o chamava Whitehead), es tava se esgotando. Implicitamente isso queria dizer que, a menos que se explorasse uma nova fonte de idéias, a ciência chegaria a um beco sem saída. Whitehead sugeriu que o conceito de organismo, até então despre- zado nas ciências físicas, poderia ser uma fonte de novas idéias. De fato, o conceito de organismo sempre foi funda mental na biologia. Sua exclusão da física marcou o início das ciências físicas modernas. Essa exclusão era necessária a fim de liberar a física do peso morto da filo sofia aristotélica, com sua ênfase nos determinantes tele- ológicos do movimento. Nessa estrutura de pensamento, os filósofos procuraram explicar a queda de pedras pela natureza das pedras e o alçar da fumaça pela natureza da fumaça. A natureza de um objeto ou substância devia prescrever para si sua posição natural ou própria e, assim, o movimento era explicado pelo suposto esforço de cada objeto ou substância para atingir sua posição natural. Essa concepção teleológica do movimento se revelou estéril e foi rejeitada por Galileu e seus sucessores em favor da concepção mecanicista. Nessa concepção, não era um estado final de coisas procurado, mas a combi nação de forças que agiam sobre um corpo que deter minavam seu movimento, através de mudanças instantâ neas de velocidade. O movimento observado era uma se qüência dessas variações instantâneas. Nesse esquema não havia lugar para a natureza do corpo em movimento e sua posição própria. 22 O sucesso fenomenal da física clássica (que se ali- mentava inteiramente da concepção mecanicista) atesta a fecundidade desse enfoque. A dificuldade de incorporar nele o comportamento dos sistemas vivos atesta suas limitações. Tanto a força como as limitações da perspec- tiva mecanicista residem nos métodos matemáticos u.ti- iizados na construção das teorias mecanicistas. O ins- trumento fundamental desse método é a eauacão dife- rencial que é, essencialmente, uma afirmação precisa so- bre o modo como certas quantidades e seus ritmos de mudança sao relacionados entre si. Por exemplo, a lei do movimento de uma partícula num campo gravitacio- nal é expressa por uma relação que compreende a ace- leração sofrida pela partícula e a força e direção do campo, num certo momento, em um certo lugar. Mas a força e a direção do campo dependem da posição da partícula e sua aceleração compreende as segundas deri- vadas (os ritmos de mudança dos ritmos de mudança) das coordenadas da posição. Em outras palavras, uma lei do movimento é expressa por uma equação diferen- cial. A solução dessa equação diferencial dá a posição da partícula para todos os tempos a vir, uma vez que a posição e velocidade iniciais e a natureza do campo gra- vitacional são conhecidas. O imenso poder de previsão da mecânica celeste deriva desse caráter determinístico da equação diferencial. Se estiverem em jogo vários corpos, o campo gravi- tacional associado a cada um deles afeta a aceleração de todos eles. Seus movimentos seriam, então, descritos por um sistema de equações diferenciais no qual as relações entre as posições e as acelerações estão todas entreteci- das por uma rede de interdependências. Ora, se as equa- ções diferenciais que abrangem um sistema forem li- neares, isto é, se as variáveis e seus ritmos de mudança aparecerem, no máximo, no primeiro grau, os mesmos métodos gerais de solução se aplicam, independente- mente, de quantas equações estiverem em jogo. Contudo, 23 as equações diferenciais que descrevem movimentos de corpos no campo gravitacional a eles associado não são lineares (pois as forças gravitacionais são inversamente proporcionais ao quadrado da distância entre os corpos). Por conseguinte, as equações não são solúveis pelos mé- todos gerais conhecidos. Felizmente, para o sucesso do método mecanicista, o sistema solar, com o qual a mecânica celeste se preocu- pava, constituía um caso especial e tratável de vários corpos em movimento. O sol é tão grande, mesmo com- parado com o maior dos planetas, que as forças gravita- cionais mútuas entre os planetas podem ser desprezadas numa primeira aproximação. Isso quer dizer que o mo- vimento de cada planeta pode ser calculado com boa aproximação como se ele e o sol fossem os dois únicos corpos do universo. Esse é o chamado problema dos dois corpos, que pode ser resolvido pelos métodos clássicos. Para obter melhores aproximações, os matemáticos dos séculos X V III e X IX utilizaram o chamado método da perturbação, no qual as influências dos outros planetas eram superpostas às soluções dos problemas de dois cor- pos separadamente. O sucesso desses métodos ficou asse- gurado pela fraqueza da interdependência entre esses problemas de dois corpos entre si. Se essas interdepen- dências fossem fortes (se, por exemplo, as massas dos planetas fossem comparáveis à do sol), os matemáticos teriam que enfrentar um problema de n corpos, que, em sua forma geral, ainda não foi resolvido até hoje. Assim, a natureza específica do sistema solar tinha um efeito ao mesmo tempo estimulante e inibidor no desenvolvimento da matemática aplicada. De um lado, o sucesso dos métodos matemáticos tornou os físicos supremamente confiantes em seu poder e levou à cria- ção da física matemática que, até hoje, permanece o modelo da ciência estritamente rigorosa. De outro, os métodos que logravam êxito se fixaram nos espíritos dos 24 que trabalham em matemática aplicada, que procura- ram formular problemas de modo a torná-los tratáveis por esses métodos. Em seqüência, muitos fenômenos con- tinuaram fora do escopo da ciência matematicizada (isto é, estritamente rigorosa). Os mais importantes dentre esses fenômenos são os de complexidade organizada. Matematicamente, uma complexidade organizada pode ser considerada como um conjunto de objetos ou eventos cuja descrição inclui mui- tas variáveis, entre as quais existem fortes interdepen- dências mútuas, de modo que o sistema de equações resultante não pode ser resolvido parceladamente, como no caso da mecânica celeste clássica, em que as pertur- bações podem ser impostas a prob!êmãs~de dois corpos. Pela nossa experiência, o organismo vivo é o exem- plo mais evidente de complexidade organizada. As ten- tativas de representar o organismo vivo como um meca- nismo não lograram sucesso, salvoem contextos extre- mamente limitados, em geral bastante tangenciais ao problema central, que é o da descrição do processo vivo (inclusive o comportamento), em termos mecanicistas. A consciência dessa limitação conduziu certos filósofos (por exemplo, Bergson) e alguns biólogos (por exemplo, H. Driesch) ao vitalismo, que exclui a perspectiva de algum dia explicar os processos vivos em termos de pro- cessos físicos e químicos conhecidos. Os vitalistas pos- tulavam forças vitais especiais para explicar fenômenos associados com a vida. Outros filósofos, conquanto evi- tando refugiar-se em conceitos ad hoc, como o de força vital, enfatizavam a necessidade de reorganizar ou es- tender o repertório conceituai da ciência a fim de trazer a complexidade organizada para dentro de seu escopo. É esse o significado do brado de alerta de A. N . W hite- head de que o capital intelectual acumulado no século X V II (isto é, o método mecanístico de análise) estava se esgotando. 25 O método mecanicista de análise pode ser compre- endido em um sentido mais lato do que o da mecânica clássica. Inclui todas as formas de análise que buscam a explicação do funcionamento de um todo em termos do funcionamento de suas partes. Esse enfoque caracte- riza não apenas a mecânica celeste clássica (onde o comportamento do sistema solar surge do comporta- mento das massas de pontos que o compreendem), mas também dos métodos da físiologia em que o processo da vida é encarado em termos de seqüência de reações químicas; o método da psicologia behaviorística, que concebe o comportamento como uma totalidade de res- postas a estímulos-, a economia de mercado clássica, que descreve o processo econômico como uma totalidade de ações de indivíduos motivados para comprar ou vender pelas flutuações da oferta e da demanda, etc. Em suma, em sentido mais amplo, a perspectiva mecanicista é uma extensão da idéia laplaceana de que o universo (ou qualquer parcela do universo destacada por nossa aten- ção) pode ser explicado se forem conhecidas as leis que governam suas unidades atômicas constitutivas. Por assim dizer, é uma posição que considera o todo como a soma de suas partes. A negação dessa posição, freqüen- temente citada, “ O todo é maior do que a soma de suas partes” , deve ser considerada não como uma negação de uma conhecida tautologia mas, antes, como uma ex- pressão da inadequação da posição mecanicista. Uma antítese da perspectiva mecanicista é a posição que faz de um todo o ponto de partida da investigação. De acordo com ela, as leis que governam o comporta- mento do todo sao consideradas fundamentais. Na me- dida em que estivermos interessados no comportamento das partes, procuramos deduzi-las das leis que governam o comportamento do todo. Assim, procuraríamos deduzir o comportamento de indivíduos dos papéis que desem- penham em uma instituição ou sociedade, que, supõe- se, é governada por leis que dizem respeito àquele nível 26 de organização. Nesse enfoque, o problema da sintetiza- ção do comportamento do todo a partir do comportamen- to das partes, é contornado. Esse ponto de vista, que pode ser denominado organicista, ainda prevalece em certas áreas das ciências biológicas e sociais. Por exemplo, quando um fisiologista explica a ação de um órgão com relação à sua contribuição à sobrevivência do organismo, ou quando um antropólogo cultural da escola funciona- lista explica uma prática ou crença pelo seu ajustamento a um padrão de cultura, cada um deles está utilizando o enfoque organicista. A posição organicista focaliza o todo, o qual muitas vezes escapa aos métodos de aproximação mecanicista. A fraqueza da posição mecanicista provém de sua tendên- cia para a explicação teleológica, que, como já vimos, le- vou as ciências físicas anteriores a Galileu a um impasse. A teoria geral dos sistemas, ou pelo menos o seu aspecto matemático, pode ser encarada como um esforço para fundir os enfoques mecanicista e organicista de modo a utilizar as vantagens de cada um. Um sistema não é meramente uma totalidade de unidades (partícu- las, indivíduos), cada uma governada por leis de causa- lidade que operam sobre ela, mas, antes, uma totalidade de relações entre tais unidades. A ênfase é na comple- xidade organizada, isto é, na circunstância de que a adi- ção de uma nova entidade introduz não apenas a relação dessa entidade para com as outras, mas, também, modi- fica as relações entre todas as outras entidades. Quanto mais estreitamente entrelaçada é a rede de relações, mais organizado é o sistema abrangido por essas rela- ções. O grau de organização torna-se, então, o conceito central do ponto de vista da teoria dos sistemas. As teorias engendradas por essa concepção foram chamadas, entre outras coisas, de contribuições à teoria geral dos sistemas. 27 Um segundo impulso para a teoria geral dos siste- mas veio, como dissemos, da necessidade sentida de con- trabalançar a especialização excessiva na ciência, que estava ameaçando cortar toda comunicação entre os ci- entistas que trabalhavam em campos diferentes, ou mesmo em subcampos diferentes dos mesmos campos, por falta de uma linguagem técnica comum. Esse ponto de vista foi vigorosamente exprimido por Norbert Wiener em seu livro Cybernetics. 1 A cibernética é um exemplo de disciplina que atravessa as disciplinas estabelecidas da ciência e, ao fazê-lo, proporciona oportunidades para comunicação entre cientistas de disciplinas diferentes. Enquanto a posição organicista, proposta por White- head e outros filósofos de igual persuasão, era pouco mais que uma expressão de consciência ao problema suscitado pela inadequação da posição mecanicista, a ci- bernética tornou-se um exemplo concreto de como pode- mos desenvolver os conceitos de sistema sem nos afas- tarmos dos padrões de rigor exigidos pelas ciências físi- cas, pois a cibernética é um método matemático especi- ficamente desenvolvido para descrever a complexidade organizada. A cibernética foi definida como a ciência da comu- nicação e do controle. Desenvolveu-se, primeiramente, no contexto de problemas associados com o desenvolvi- mento de sistemas complexos de armamentos equipados com direção automática e dispositivos de controle. Pro- blemas semelhantes surgiram também nos projetos de 1 A seleção de autores como proponentes de pontos de vista não implica prioridade. Assim, L. Bertalanffy, a quem, aliás, é creditado o termo teoria geral de sistema, antecipou-se a Wiener ao apontar a necessidade de contrabalançar o fracio- namento da ciência. Mencionamos Wiener para frisar a impor tância da cibernética para a obtenção de um arcabouço de idéias concretas que estimularam os progressos recentes da teoria geral dos sistemas. sistemas de comunicação e de computadores de alta ve locidade. Quase simultaneamente, Wiener, pioneiro da cibernética, e Claude E. Shannon, o primeiro a formu lar rigorosamente os fundamentos da teoria matemá tica da comunicação, reconheceram o princípio cardial existente em todos esses problemas, isto é, o da quan- tidade de informação. O conceito de informação é tão central em cibernética e engenharia de comunicação co- mo o de energia o é na física clássica. A energia tinha sido o conceito unificador subjacen te a todos os fenômenos físicos que supunham trabalho e calor. A informação tornou-se o conceito unificador subjacente ao funcionamento dos sistemas organizados, isto é, sistemas cujo comportamento era controlado de modo ’á atingir alguns objetivos preestabelecidos. Esse controle é conseguido por processos que compreendem a codificação, o armazenamento e a transmissão de infor mação. Desse modo, as noções organicistas teleológicas de comportamento, tendentes a um objetivo, foram rein- troduzidasna teoria dos processos físicos. Nessa versão moderna, contudo, essas noções derivam, não de espe culações metafísicas sobre a natureza das entidades que se comportam, mas da estrutura matemática dos sis temas caracterizados pela complexidade organizada. Uma vez que a quantidade de informação se define em termos puramente matemáticos, esse conceito é apli cável à análise de todos os fenômenos nos quais existe comportamento organizada e especificamente dirigido para um objetivo. Assim, as idéias da cibernética servi ram não apenas para estender os rigorosos métodos ma temáticos ao estudo da complexidade organizada, mas também como fonte de conceitos comuns às diversas dis ciplinas. Assim, as idéias da cibernética tiveram papel decisivo para contrabalançar a alienação entre os cien tistas que se tinham tornado isolados uns dos outros, 29 em virtude das barreiras levantadas pela linguagem téc nica especializada. Um exemplo dessa função integradora da ciberné tica é visto na fusão dos conceitos biológicos e físicos que a cibernética estimulou. O conceito de quantidade de informação desempenhou importante papel nessa fu são. A quantidade de informação exigida para descrever um estado de coisas é, grosso modo, relacionada à quan tidade média (prevista) de conjeturas exigidas para adi vinhar o real estado de coisas entre todos os estados possíveis. Assim, se eu lhe peço que adivinhe um número por mim escolhido arbitrariamente entre 1 e 1 milhão, você necessitará mais tentativas (em média) para deter minar esse número do que se eu o tivesse escolhido de 1 a 100. (Uma tentativa se compreende como uma per gunta que pode ser respondida por sim ou não.) Podemos ver facilmente como um número de 1 a 100 pode sempre ser adivinhado em sete tentativas, ao passo que um número de 1 a 1 milhão pode ser sempre adivinhado em vinte tentativas. Para fazer isso é neces sário proceder por tentativas de modo a eliminar a me tade da faixa restante. No caso de um milhão começa-se com: “ É menos de 500.000?” Se for, “É menos de . .. 250.000?” Se não, então, “É menos de 375.000?” . Como um milhão é menos do que 220, serão necessários, no máximo, 20 dessas dicotomias para determinar o nú mero. Até agora pressupomos que a seleção de cada nú mero na série é igualmente provável. Se não for esse o caso, a quantidade de informação é reduzida. Especifi camente, seja p„ a probabilidadede que o número n te nha sido escolhido na série . Nesse caso pode- se demonstrar que é o número médio 30 de tentativas necessárias para acertar o número. De acordo com isso, H (n ) se define como quantidade de informação associada à situagaã Ora, Wiener havia notado que essa expressão de quantidade de informação era formalmente idêntica (co mo expressão matemática) à fórmula que designa a entropia de um sistema físico. Nessa interpretação P„ corresponde à probabilidade de que o sistema esteja em um certo estado molecular, definido pela configuração de suas moléculas e de suas velocidades. Essa fórmula foi tirada da mecânica estatística e proporcionou um elo entre a teoria cinética dos gases e a termodinâmica clás sica. O conceito de entropia havia sido desenvolvido nes ta última disciplina em conexão com a formulação de sua assim chamada Segunda Lei. A Segunda Lei da Termodinâmica determina que, se um sistema físico (no presente contexto simplesmente uma parcela do universo físico) for isolado de seu meio, então a quantidade de entropia no sistema só pode tender para um máximo (nunca decrescer). Fisicamente isto significa que, embo ra a quantidade total de energia no sistema permaneça constante (conseqüência da Primeira Lei da Termodi nâmica) , a quantidade da chamada energia livre, isto é, da energia que pode efetuar trabalho no ambiente, só pode decrescer. Em outras palavras, a tendência da ener gia de um sistema isolado é para degradar-se, ou seja, transformar-se em energia térmica, não disponível para trabalho ú til (isto é, trabalho sobre o ambiente). Esta tisticamente quer dizer que os sistemas isolados tendem a afastar-se de configurações menos prováveis para con figurações mais prováveis ou, o que é a mesma coisa, de estados mais organizados para outros mais caóticos. Por um momento, os vitalistas citaram a Segunda Lei em apoio a seus pontos de vista. Parecia-lhes que os organismos vivos violavam a Segunda Lei, pois, pelo menos no processo do desenvolvimento do embrião, um 31 organismo se tom a mais organizado e não menos. Só após a morte é que se instala o processo de desorganiza ção, até que o organismo se desintegra e pouco a pouco se torna indiferenciado do ambiente. Os vitalistas procu ravam, pois, explicar a capacidade de redução da entro pia dos organismos vivos por um princípio vital fora do escopo da lei física. O erro básico da conclusão dos vitalistas não levou muito tempo para ser apontado. A Segunda Lei da Ter modinâmica aplica-se somente a sistemas isolados. Um sistema isolado não pode ser um sistema vivo (ao menos por muito tem po). Portanto, um argumento baseado nu ma suposta burla da Segunda Lei pelos sistemas vivos desmorona. Contudo, o argumento dos vitalistas, em bora em si não fosse sadio, serviu a uma finalidade cons trutiva ao chamar a atenção para um aspecto funda mental do processo vivo, anteriormente despercebido, isto é, que o alimento ingerido por organismos vivos serve não apenas como fonte de energia, mas também como fonte de energia livre, que compensa o aumento da en tropia associado com os processos físicos e químicos de acordo com a Segunda Lei. Como pitorescamente definiu E. Schroedinger, “ a vida se alimenta de entropia nega tiva” . O alimento ingerido pelos animais e a luz do sol absorvida pelas plantas são ricos em “ entropia negativa” (energia liv re ), e isso supre os organismos vivos não apenas da energia utilizada para manter o processo da vida, mas também dos meios de manter e, mesmo, au mentar a “ complexidade organizada” que os caracteriza como sistemas vivos e, assim, resistir à tendência à desor ganização, intrínseca à Segunda Lei. A “ visão” de Wiener da significação da conexão matemática entre a entropia e a informação proporcio na esclarecimento adicional do princípio fundamental do processo vivo. O aumento de entropia pode ser enca- rado como a destruição da informação. Inversamente, a 32 informação pode ser empregada para reduzir a entropia. Uma simples analogia poderá servir para ilustrar esse princípio. Consideremos um maço de cartas de baralho como sai da fábrica, isto é, arrumado em perfeita ordem. Se soubermos a ordem, podemos dizer com certeza o nome da carta que se segue a qualquer carta dada. Em outras palavras, o conhecimento da carta que foi apanhada dá- nos muitas informações sobre a carta que se segue. Ago ra, baralhemos as cartas por meio de cortes sucessivos. Após somente alguns cortes podemos ainda, com fre qüência, adivinhar que carta se segue a uma determi nada carta (se as duas não tiverem por acaso sido sepa radas por um corte). No entanto, à medida que aumenta o número de cortes, cometeremos cada vez mais erros em nossas adivinhações. Por fim, os cortes desordenarão completamente o maço e, assim, adivinharemos a carta que se segue a uma dada carta com uma freqüência não mais que fortuita (uma vez em cinqüenta e um a); isto é, toda informação fornecida por uma dada carta a res peito da seguinte foi destruída pelo baralhamento. Esse processo é análogo à operação da Segunda Lei da Ter modinâmica. O baralho vai de um estado ordenado (im provável) para um estado caótico (provável). Não pode mos inverter esse processo por meio de baralhamento contínuo: a ordem original, com quase toda a certeza, não será restaurada. Podemos, entretanto, restaurara ordem original ali mentando com informação o baralho. Isso é possível da seguinte maneira: imaginemos uma posição dada a cada carta de acordo com a ordem original, isto é, 1-52. Olhe mos para cada carta sucessiva do maço embaralhado; se ela se deslocou para diante de sua posição original, desloquemo-la uma posição para trás e vice-versa. Fa zendo isso, estamos injetando informação (em forma de decisões ou...ou) no baralho. Finalmente, a ordem original das cartas será restaurada. Em outras palavras, um processo análogo a uma inversão da Segunda Lei 33 pode muito bem ocorrer se forem permitidas intervenções sob a forma de decisões. Esse modo de encarar a Segunda Lei da Termodinâ mica levou Clark Maxwell a formular idéia interessante, principalmente a de que um ser com percepções sufici entemente agudas para observar e controlar as posições e velocidades de moléculas isoladas (O Demônio de Maxwe ll), poderia inverter o processo de entropia cres cente (desordem), mesmo em um sistema isolado. Para um observador estranho, esse sistema parecia estar violando a Segunda Lei da Termodinâmica. O argumento de Maxwell, contudo, contém uma fa lha básica. Se o demônio é colocado dentro do sistema, os processos que se desenvolvem dentro dele têm também que ser levados em consideração ao se computar a mu dança total da entropia. Foi mais tarde demonstrado por L. Szilard, e depois por L. Brillouin, que os processos dentro do demônio (quer se trate de um mecanismo, quer de um organismo) têm que ser tais que a redução de entropia efetuada por sua intervenção seja pelo menos compensada (em geral, supercompensada) por um au mento de entropia no demônio. Se, por outro lado, o demônio intervém de fora do sistema, o sistema não pode ser considerado como isolado, e não se aplica a Segunda Lei. Foi essa distinção fundamental entre sistemas isola dos e não Isolados que levou L. Bertalanffy a formular seu enfoque da teoria geral dos sistemas. A distinção, argumentã~Bertalanffy, leva a um'a~yIsacTda natureza da vida cuja importância é cruciaL A propriedade mais fundamental de um organismo vivo é sua capacidade de manter seu estado organizado contra a tendência constante para a desorganização contida nas operações da Segunda Lei da Termodinâmi 34 ca. Já vimos que essa capacidade é inerente ao fato de o organismo vivo ser um sistema aberto (não isolado). Portanto, a biologia tem que ter suas raízes na teoria desses sistemas. Em particular, as propriedades carac terísticas dos organismos vivos, por exemplo, a manu tenção de estados constantes (homeostase), o princípio da eqüifinalidade (a consecução de estados finais, inde pendentemente das condições in iciais), o comportamento aparentemente dirigido dos organismos, etc., deverão ex plicar-se a partir das propriedades gerais dos sistemas abertos. Na medida em que essas propriedades gerais dos sis temas são descritíveis em uma linguagem independente da natureza específica dos sistemas, a teoria geral dos sistemas pode proporcionar a arcabouço para a integra ção das disciplinas especializadas e, dessa forma, reme diar o afastamento entre trabalhadores em campos se parados por uma linguagem superespecializada. A linguagem da matemática é eminentemente qua lificada para servir como linguagem da teoria geral dos sistemas, precisamente porque essa linguagem é vazia de conteúdo e exprime apenas as características estru turais (relacionais) de uma situação. Como exemplo, consideremos um sistema de reações químicas em que o ritmo de mudança de concentração de cada uma das substâncias que nelas entram é uma função linear das concentrações de todas as substâncias. O comportamento desse sistema é descrito por um sis tema de equações diferenciais lineares de primeiro grau da seguinte forma: rl.T n / \A r = Z ai iXi + bi (* = 1, 2, ... ri) (1) at j= i onde i j é a concentração da i-ésima substância e ay re presenta os efeitos da substância j sobre o ritmo de mu 35 dança da substância i. Esse efeito é facilitador, se atj for positivo, e inibitório, se negativo. A constante bt repre senta uma fonte externa da i-ésima substância (se posi tiva) ou um escapamento (se negativa ). Suponhamos que estejamos interessados em um es tado constante do sistema, isto é, um estado de coisas em que todos os ritmos de mudança são zero. Podemos cbter esse estado constante se igualarmos o membro es querdo de todas as equações a zero e as resolvermos para x t obtendo, assim, as concentrações que garantem um estado constante. Suponhamos, primeiramente, que o sistema seja isolado, isto é, não tenha nem fontes nem escapamentos. Matematicamente, isso significa que to dos os bt são zero. O sistema resultante de equações é, então, um sistema homogêneo de n equações lineares com n incógnitas. É sabido que há apenas uma solução única para esse sistema, que é = 0. Em outras pala vras, o único estado constante que é determinado de maneira única por nossas condições seria o trivial, onde todas as concentrações são zero. Contudo, omitimos uma condição importante se estivermos falando de um siste ma físico real, isto é, o fato de que a massa total de todas as substâncias deve permanecer a mesma (a lei de conservação da massa). Matematicamente, essa lei se exprime pela condição £ = 0. (2)i = i d t Mas, se a condição subsistir, só teremos n- 1 equações d,Xj independentes quando igualarmos —^ — a zero. Esse sistema tem uma infinidade de soluções. Uma solução única pode ser obtida apenas se for imposta mais uma condição. Se o sistema é isolado, essa condição adicional 36 deve ser um pronunciamento a respeito da massa total (ou a soma da concentração) das substâncias, isto é: (3) Ora, o sistema tem um único estado constante, mas a sua definição depende de C, isto é, da soma das concen trações iniciais. Suponhamos agora, que, pelo contrário, o sistema é aberto, isto é, contém fontes e escapamentos. Aí os bi não serão todos zero; o sistema de equações é não homo gêneo e (exceto em alguns casos muito especiais), tem uma única solução de estado constante, o qual não de pende das concentrações iniciais. Em conseqüência, se for adulterado o sistema, isto é, aumentarmos ou dimi nuirmos várias concentrações, ele tenderá, não obstante, para o mesmo estado constante logo que o deixarmos a si mesmo. Esse estado constante dependerá somente dos aij e dos bi isto é, das relações dentro do sistema e entre o sistema e o mundo exterior. Esse sistema reve lará eqüifinalidade, quer dizer, o observador terá a im pressão que ele procura um estado final apropriado a si mesmo. Um observador ingênuo pode ser induzido a in vocar noções teleológicas ou atribuir comportamento intencional a um sistema desse tipo, enquanto que a análise matemática mostra que o comportamento apa rentemente intencional do sistema é conseqüência estri tamente deduzida do fato de ser ele aberto e não fechado. A questão da existência de um estado constante in dependente das condições iniciais é somente uma das muitas perguntas que podemos formular com refe rência ao comportamento de um sistema. Outras ques tões importantes relacionam-se com a estabilidade dos estados constantes, se é que existem. Um estado cons tante é estável se pequenos afastamentos resultarem na 37 volta eventual do sistema ao mesmo estado firme. Se, no entanto, os pequenos afastamentos tendem a am pliar-se, de modo que o sistema se afaste ainda mais, o estado constante é instável. A seguir, pode haver vários estados constantes se as equações diferenciais que des crevem o sistema não forem lineares. O número e a esta bilidade dos estados constantes, bem como o comporta mento do sistema deslocando-se através de estados inter mediários no sentidode se aproximar ou de se afastar dos estados constantes, são, assim, completamente de terminados pela estrutura do modelo matemático que descreve o sistema. Os aspectos matemáticos da teoria geral dos siste- mas são os que dizem respeito à estrutura dos modelos matemáticos que descrevem os sistemas. O deslocamento da atenção da natureza específica dos sistemas (físicos, biológicos, sociais) para sua estrutura matemática torna possível uma definição rigorosa de sistema, sugere meios e modos de vincular o ponto de vista organicista ao meca- nicista e abre excelentes oportunidades para o preenchi mento das lacunas entre as disciplinas especializadas. Um sistema do ponto de vista matemático é uma parcela do mundo que, em um tempo dado, pode ser descrita conferindo valores específicos a um certo nú mero de variáveis. A totalidade desses valores constitui um estado do sistema. Uma teoria estática ou estrutural de um sistema é a totalidade de asserções que relacionam os valores dessas variáveis umas às outras, quando o sistema se encontra em um estado eleito para estudo (por exemplo, um estado de equilíbrio ou constante). Teoria dinâmica de um sistema é aquela que indica como as mudanças nos valores de algumas das variáveis de pendem dos valores ou das mudanças de valores de ou tras variáveis. Assim, uma teoria dinâmica é a totalidade das asserções das quais o comportamento do sistema, à 38 medida que ele muda de um estado para outro, pode ser matematicamente deduzido. Quanto mais complexo for o sistema, mais variáveis são necessárias para descrever um estado desse sistema. Quanto mais organizado o sistema, melhor equipado para resistir às perturbações na “ perseguição a um obje tivo escolhido” . A frase entre aspas deve ser entendida metaforicamente. Não é necessário supor em um sistema qualquer esforço consciente para atingir objetivos. Um objetivo, em seu sentido geral, é meramente um estado final para o qual um sistema tende em virtude de sua organização estrutural (como ficou claro no exemplo da reação química ac im a). Organização e complexidade são correlatas. Por exemplo, a essência da automação é a capacidade das máquinas de se ajustarem às condições mutantes (como numa refinaria de petróleo automatizada). Os ajusta mentos exigem sentidos receptores (que lêem no ambi ente) , redes de comunicações, dispositivos de correção, etc. Tudo isso contribui para a maior complexidade, pois o estado de cada dispositivo é uma variável adicional no estado do sistema. Como já foi indicado, o ponto de vista da teoria dos sistemas proporciona um laço entre a posição mecani cista, que não abrange as operações de um sistema com plexo como um todo, e a organicista, que confia em no ções teleológicas ad hoc e, muitas vezes, sacrifica o rigor ao interesse de descrições sugestivas do comportamento dos sistemas. A vantagem mais importante da posição matemática da teoria dos sistemas está na função natu ralmente integrativa da teoria matemática. Do ponto de vista de uma teoria matemática, quanto mais estreitamente relacionados forem dois sistemas, 39 maior semelhança estrutural existirá entre os modelos matemáticos que os descrevem. Como exemplo, consi deremos o seguinte sistema de equações diferenciais: (4) Esse sistema é do segundo grau, pois os produtos de pares de variáveis aparecem à direita, além das pró prias variáveis e dos termos constantes. Esse sistema de equações é uma descrição razoável de um sistema de reações químicas em que as reações ocorrem em conse qüência de colisões entre moléculas das diferentes subs tâncias que aí entram. As freqüências dessas colisões são aproximadamente proporcionais aos produtos das con centrações correspondentes, refletidas nos termos qua dráticos. Os termos lineares representam as reações monomoleculares, enquanto que os termos constantes representam, como no exemplo anterior, fontes e esca pamentos. Todavia, nada existe nessas indicações que sugira uma interpretação em termos de reações quími cas. As variáveis poderiam muito bem representar popu lações de várias espécies de organismos em um sistema ecológico. Se os membros dessas populações se pilham uns aos outros, as taxas de aumento ou redução de po pulação podem muito bem depender das freqüências com que os indivíduos colidem, pois uma colisão entre um predador e sua presa pode resultar na aniquilação da presa e aumento da massa do predador. Analogamente, a reprodução depende de encontros de membros das mesmas espécies de sexos opostos. Portanto, as equações (4) podem representar um modelo grosseiro de um sis tema ecológico, tanto como de um sistema químico. Por fim, consideremos uma população de seres hu manos divididos em grupos, cada qual caracterizado por um certo padrão de comportamento ou um complexo de opiniões ou crenças (isto é, membros de subculturas, 40 religiões, partidos políticos e semelhantes). Os contatos entre os membros podem resultar em deslocamentos ou modificações de padrões de comportamento, crenças e semelhantes e, conseqüentemente, em aumento ou de créscimo das subpopulações. Assim, as equações (4) po dem ser imaginadas como sendo também um modelo de processo social. Com que precisão um modelo matemático pode des- crever um sistema real é uma questão importante, mas não central, em uma teoria geral de sistemas. Para res ponder a ela é necessário um estudo empírico intensivo do sistema em questão. Esse estudo tem seu centro no conteúdo dos eventos examinados. A teoria geral dos sistemas, contudo, preocupa-se primordialmente com as estruturas de sistemas definidas pelas relações que as partes de um sistema têm entre si, com o modo como essas relações determinam o comportamento dinâmico do sistema (sua passagem de um estado para outro), e com a história do sistema, isto é, seu próprio desenvolvi mento como resultado das interações entre ele e o meio. Uma teoria geral matemática dos sistemas fornece descrições desses três aspectos, isto é, estrutura, com portamento e evolução, em linguagem matemática abs trata. Uma tipologia dos sistemas vem a ser, assim, uma tipologia matemática. Dois sistemas são idênticos se as estruturas matemáticas de seus modelos respectivos fo- rem idênticas (ou isomórficos. para utilizar a expressão matemática). O grau de semelhança entre os sistemas é estimado pelo grau em que seus modelos matemáticos estiverem relacionados entre si. O deslocamento da ênfase do conteúdo para a estru tura dos eventos auxilia na resolução de muitas contro vérsias de fecundidade questionável. Por exemplo, à luz da aproximação organísmica uma teoria dé sistemas sociais sugere muitas analogias. Uma instituição pode 41 facilmente ser imaginada como um organismo. Sua es trutura funcional pode ser compreendida como corres pondendo à anatomia, seu modus operandi à físiologia ou psicologia, sua história ao desenvolvimento do orga nismo, enquanto que a história do tipo de instituição pode ser comparada à evolução do organismo. A analogia pode ser extremamente sugestiva, mas a sugestibilidade não é um índice de credibilidade. Não se sabe até que limites a analogia pode ser levada; nem como responder aos que renegam qualquer teoria inspirada por mera analogia. Afinal de contas, uma instituição não é um organismo biológico e a semelhança posta em relevo pela analogia pode ser tão espúria como a semelhança de algumas formações de nuvens com animais, ou do trovão com uma explosão de mau humor. Outro exemplo familiar de acalorada controvérsia com relação à validade da analogia é a celeuma em torno da questão de ser o cérebro um computador. Essa con trovérsia acha-se obscurecida por contraditórias convic ções filosóficas. Existem alguns que se deleitam com a idéia dereduzir todos os fenômenos, inclusive as opera ções mentais e as emoções, a eventos físicos; e existem outros que repelem essa idéia. O teórico de sistemas gerais contorna esse assunto. Interessa-se pelo grau até onde a operação de um cérebro pode ser assemelhada à de um computador. A resposta a essa questão não está no que “ são” um cérebro e um computador (essas ques tões são vestígios da metafísica pré-científica), mas, an tes, o que os cérebros e computadores fazem. Na medida em que algumas operações do cérebro podem ser repre sentadas como o comportamento de um sistema com uma estrutura hipotética e propriedades dinâmicas, e na medida em que esse sistema pode ser simulado por um computador, tanto o cérebro como o computador pa recem ser realizações de um certo tipo de sistema geral. (Note-se que não se trata da mesma coisa que dizer que o cérebro é um computador.) O limite real até onde essa 42 analogia pode ser levada torna-se uma questão empírica, mais do que metafísica. É claro que uma reintrodução de um problema facilita uma busca significativa de novos conhecimentos, tanto no reino do processamento da in formação automática (tecnologia de computadores) co mo no da fisiologia cerebral. Nesse contexto, o conceito de quantidade de informação, acima debatido, serve para ligar estruturas teóricas de conteúdo amplamente diverso mas com estruturas semelhantes. Ainda um outro exemplo de esclarecimento de certos problemas de longa data pela colocação de idéias de teo ria de sistemas em uma estrutura matemática é visto nas recentes aproximações matemáticas de certos aspec tos das relações internacionais. A idéia de equilíbrio de poder foi, durante muito tempo, importante na concei- tuação das relações internacionais. A idéia deriva clara mente de uma analogia com o equilíbrio físico. Como tal, está aberta a todas as objeções levantadas contra o pensamento analógico. É, contudo, possível construir vários modelos matemáticos de relações de poder entre Estados. O objetivo é ver que conseqüências teóricas po dem ser rigorosamente (isto é, matematicamente) ti radas dos vários modelos. Já vimos como a análise mate mática traz ao primeiro plano distinções cruciais entre equilíbrios estáveis e instáveis (estados constantes). A propriedade de estabilidade é uma propriedade geral dos sistemas. Se o conjunto das relações entre os estados que competem entre si pelo poder constitui um sistema, então este também tem certas propriedades de estabi lidade ou instabilidade, dependendo dos parâmetros de sua dinâmica. Os sistemas econômicos são também caracterizados por graus de estabilidade ou instabilidade em certas fa ses de sua existência. Na medida em que certos aspectos de um sistema econômico (flutuação de níveis de pro dução, preços, ou capital de investimen to) podem se 43 r enquadrar em um modelo matemático, as questões a respeito de seu equilíbrio e de sua estabilidade podem ser resolvidas por rigorosa dedução matemática, mais do que por conjeturas intuitivas. Seria precipitado tirar conclusões definitivas acerca da estabilidade do sistema econômico ou internacional a partir das propriedades de vários sistemas hipotéticos oferecidos como modelos. No entanto, um exame dessas conseqüências puramente teóricas não pode deixar de ser instrutivo no sentido de ampliar o repertório conceituai dos teóricos. Os modelos matemáticos trazem ã nossa atenção aspectos de fenômenos que, de outra forma, po deriam não nos ter ocorrido. Nestes últimos anos deu-se ênfase aos aspectos pro- babilísticos ou de estoque dos processos. Os modelos cor respondentes são baseados na suposição de que as tran sições de um sistema de Estado a Estado são governadas pelas probabilidades. Surge a questão: um sistema assim definido ainda é um exemplo de complexidade organi zada? (Pois comumente pensamos em organização em termos de contingências bem definidas de eventos, mais do que em termos de eventos determinados pela sorte.) Pode-se dar duas respostas: primeira, a distinção entre contingências determ in istas e probabilísticas não é acentuada. As probabilidades tendem para a certeza quando a probabilidade de um dos eventos possíveis se aproxima de um deles. Portanto, uma teoria probabilísti- ca de sistemas proporciona uma estrutura intermediária teórica útil entre o caos e a organização. Na verdade, o grau de organização de um sistema pode ser conveni entemente definido de acordo com o afastamento do comportamento observado de uma linha básica determi nada por eventos puramente fortuitos. Segunda, numa vasta população de sistemas, as probabilidades tornam- se freqüências e, assim, o determinismo é, em um certo 44 sentido, restabelecido nas distribuições das caracterís ticas do sistema observadas. A introdução de modelos probabilísticos e de esto que para descrever sistema coloca todo o aparato con ceituai da teoria dos processos de estoque à disposição da teoria geral dos sistemas. Do mesmo modo que todos os outros conceitos matemáticos, os derivados da teoria dos processos de estoque são independentes de conteúdo e, portanto, propiciam oportunidades adicionais para integração de teorias de conteúdos amplamente diferen tes. As estatísticas de acidentes, divórcios, greves, elei ções, etc., são todas deriváveis de modelos de estoque apropriados. Os parâmetros desses modelos constituem as características do sistema correspondente. Estes são parâmetros estruturais independentes do conteúdo e, portanto, blocos de construção adequados para as teorias unificadas correspondentes que atravessam os conceitos especiais derivados de conteúdos especiais. Ao chamar a atenção para as vantagens metodoló- gicas da teoria geral dos sistemas, especialmente de suas formulações matemáticas, não devemos esquecer, natu ralmente, as limitações dessa posição. As conclusões a respeito das semelhanças estruturais entre dois ou mais sistemas são válidas apenas se os modelos matemáticos correspondentes~são representações suficientemente fiéis dos sistemas. De fato, entretanto, a formulação de um modelo matemático é, muitas vezes, tarefa extremamen te difícil. Alguns sistemas desafiam toda tentativa de descrição matemática. Até agora, todas as sugestões para a construção de modelos matemáticos de um cérebro per maneceram como meras sugestões. Não existe tal mode lo; nem tampouco parece factível, se por modelo se en tende mais que a descrição de algumas feições muito especiais de funcionamento neural em termos matemá ticos. 45 Uma confiança demasiado forte na teoria geral ma temática dos sistemas, portanto, pode ter uma ou duas conseqüências infelizes. Primeira, longe de serem mo delos adequados, podem, contudo, ser levados muito a sério por falta de melhores modelos tratáveis. Segunda, porque pode-se desperdiçar esforços tentando sujeitar à análise matemática sistemas tão complexos que não po dem, de forma alguma, prestar-se a essas análises, com o conseqüente desprezo de outros enfoques, como, por exemplo, o enfoque puramente organicista que, afinal de contas, conheceu considerável sucesso na biologia clássica. Seria prudente, portanto, considerar a teoria geral matemática dos sistemas como um acréscimo im portante ao repertório conceituai do cientista, mais do que um método destinado a deixar na obscuridade todos os outros métodos mais antigos. Bibliografia Brillouin, L . Life, thermodynamics, and cybernetics. American Scientist, v. 36, p. 554-68, 1949. Schroedinger, E. What is life? New York, Macmillan, 1945. Shannon, C. E. & Weaver, W. The mathematical theory of communication. Urbana, 111., University of Illinois Press, 1949. Szilard, L . Uber die Entropieverminderung in einem thermodynamischen System bei Eingriffen intelligenterWesen. Zeitschrift fü r Physik, v. 53, t. 1, p. 840-56, 1924. Von Bertalanffy, L. General system theory, a criticai review. General Systems, v. 7, p. 1-22, 1962. Whitehead, A. N. Science and the modem world. New York, Pelican Mentor Books, 1948. Wiener, N. Cybernetics. New York, J. Wiley, 1948. 46
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