Buscar

Verbete Totalitarismo - Dicionário de Política Noberto Bobbio

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 13 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

TOLERÂNCIA 1247 
 
Igreja e de que, vice-versa, as coisas ilícitas no 
Estado não podem ser lícitas na Igreja, mesmo 
quando adotadas nos usos sagrados. 
Segue-se daí, segundo Locke, que o magistrado 
civil não deverá tolerar uma Igreja disciplinada de 
modo que quem a ela adere passe "ao serviço e à 
obediência de um outro soberano", porque, em tal 
caso, dar-se-ia lugar a uma sobreposição de 
jurisdições. Locke nega todo direito de Tolerância 
religiosa aos ateus, negadores da religião; mas 
algumas tendências relativistas ("toda Igreja é 
ortodoxa para si mesma e errônea ou herética para os 
outros") e a clara afirmação da liberdade de 
consciência e da separação entre Estado e Igreja 
fazem da Epístola um documento fundamental do 
LAICISMO (V.) . 
III. DESENVOLVIMENTO MODERNO DO PRINCÍPIO DE 
TOLERÂNCIA. — O princípio de tolerância se afirmou 
plenamente no século XVIII com o iluminismo e o 
racionalismo (é bastante conhecido o Traité sur la 
tolérance de Voltaire, de 1763, escrito por ocasião da 
condenação do protestante Jean Calas; nesse tratado 
Voltaire se propõe demonstrar que a intolerância 
religiosa não é justificada nem pela tradição judaica e 
clássica nem pela doutrina evangélica). E no século 
XIX foi um componente essencial do pensamento 
político liberal. Foi acolhido pela própria Igreja, nas 
encíclicas de Leão XIII, com muitas limitações e 
como um mal menor. Também em 1950, o padre 
Messineo contrapunha à teoria liberal da Tolerância, 
fundada sobre o agnosticismo e o subjetivismo 
religiosos, a teoria restritiva da Tolerância como 
atitude prática "que leva a suportar com indulgência e 
longanimidade uma ação ou um fato lesivos do nosso 
sentimento e dos nossos direitos". Segundo esta 
interpretação, pois que se "se tolera o mal e o erro, 
não se tolera o bem e a verdade", a Tolerância não 
deveria comportar a paridade jurídica dos cultos 
sustentada pela concepção do liberalismo agnóstico. É 
inegável que a plena explicação do princípio de 
Tolerância é incompatível com o dogmatismo 
religioso, o qual, professando a certeza da verdade 
recebida por graça, impõe o aut-aut entre verdade e 
falsidade e a divisão dos homens entre eleitos e 
réprobos. 
Os mais recentes desenvolvimentos do pensamento 
da Igreja, entretanto, contidos nas declarações do 
Concilio Vaticano Il e nas encíclicas de João XXIII e 
de Paulo VI, estão explicitamente orientados para o 
princípio de Tolerância na medida em que, 
reconhecendo e exaltando a dignidade natural da 
pessoa humana — que não foi perdida nem em 
presença do erro —, reafirmam que a busca da 
verdade é um ato voluntário do conhecimento sobre o 
qual a autoridade civil não tem poder de interferência. 
Independentes da problemática da Tolerância 
religiosa são as teorias críticas da sociedade 
contemporânea, que tendem a esclarecer os aspectos 
repressivos no panorama da Tolerância. Segundo 
Robert Paul Wolff, por exemplo, a Tolerância é a 
virtude da moderna democracia pluralista. Mas o 
pluralismo democrático, tal qual pode ser observado 
na América contemporânea e em outras sociedades 
industrializadas, apresentaria uma série de analogias 
com as sociedades feudais e corporativas enquanto se 
mostraria tolerante para com os grupos constituídos e 
não para com os indivíduos cujo comportamento se 
desvia das normas do grupo. Segundo Herbert 
Marcuse, a função liberal da Tolerância teria sido 
alterada pelas mudanças verificadas nas sociedades 
democráticas avançadas, que minaram as bases do 
liberalismo econômico e político. A Tolerância 
deveria portanto concretizar-se numa prática 
subversiva e liberante e contrapor-se à Tolerância 
decadente mascarada pela REPRESSÃO (V.) . 
BIBLIOGRAFIA. — J. LECLER, Storia della tolleranza 
nel secolo della riforma. Morcelliana, Brescia 1967. 2 
vols.; J. LOCKE. Saggio sulla tolleranza. in Scritti editi 
e inediti sulla tolleranza. ao cuidado de C. A. VIANO. 
UTET. Torino 1961; A. MESSINEO. Tolleranza e 
intolleranza, in "Civiltà cattolica". caderno 2.411, ano 
101. 2 de dezembro de 1950, vol. IV; F. RUFFINI, La 
libertà religiosa (I." ed. 1901), Feltrinelli, Milano 
1967. 
[VALERIO ZANONE] 
Totalitarismo. 
I. As TEORIAS CLÁSSICAS DO TOTALITARISMO. — 
Na Itália, começou-se a falar de Estado "totalitário" 
por volta da metade da década de 20 para significar, no 
nível de avaliação, as características do Estado fascista 
em oposição ao Estado liberal. A expressão está 
presente na palavra "Fascismo" da Enciclopedia 
Italiana (1932), quer na parte escrita por Gentile, quer 
na parte redigida por Mussolini, onde se afirma a 
novidade histórica de um "partido que governa 
totalitariamente uma nação". Na Alemanha nazista, o 
termo, ao contrário, teve pouca voga, preferindo-se 
falar de Estado "autoritário". Entretanto, a expressão 
começava a ser usada para designar todas as ditaduras 
monopartidárias, abrangendo tanto as fascistas quanto 
as comunistas. Neste sentido a empregou George H. 
Sabine no verbete 
1248 TOTALITARISMO 
 
"Estado" da Encyclopaedia of the social sciences 
(1934). Em 1940, num simpósio sobre o "Estado 
totalitário" publicado nos Proceedings of american 
philosophical society, Carlton H. Hayes descreveu 
algumas características originais do Governo 
totalitário e especialmente a monopolização de todos 
os poderes no seio da sociedade, a necessidade de gerar 
uma sustentação de massa, o recurso às modernas 
técnicas de propaganda. Em 1942, em The permanent 
revolution, Sigmund Neumann colocou em destaque o 
movimento permanente que se desprendeu dos 
regimes totalitários e que atinge, numa mutação 
incessante, os próprios procedimentos e instituições 
políticos. Todavia, não obstante tais antecedentes, o 
uso da palavra Totalitarismo para designar, com uma 
conotação fortemente derrogatória, todas ou algumas 
ditaduras monopartidárias fascistas ou comunistas se 
generalizou somente após a Segunda Guerra Mundial. 
Durante o mesmo período foram formuladas as teorias 
mais completas do Totalitarismo, a de Hannah Arendt 
(The origins of totalitarianism, 1951) e a de Carl J. 
Friedrich e Zbigniew K. Brzezinski (Totalitarian 
dictatorship and autocracy, 1956). 
Segundo H. Arendt, o Totalitarismo é uma forma 
de domínio radicalmente nova porque não se limita a 
destruir as capacidades políticas do homem, isolando-
o em relação à vida pública, como faziam as velhas 
tiranias e os velhos despotismos, mas tende a destruir 
os próprios grupos e instituições que formam o tecido 
das relações privadas do homem, tornando-o estranho 
assim ao mundo e privando-o até de seu próprio eu. 
Neste sentido, o fim do Totalitarismo é a 
transformação da natureza humana, a conversão dos 
homens em "feixes de recíproca reação", e tal fim é 
perseguido mediante uma combinação, especificamente 
totalitária, de ideologia e de terror. A ideologia 
totalitária pretende explicar com certeza absoluta e de 
maneira total o curso da história. Torna-se, por isso, 
independente de toda experiência ou verificação 
fatual e constrói um mundo fictício e logicamente 
coerente do qual derivam diretrizes de ação, cuja 
legitimidade é garantida pela conformidade com a lei 
da evolução histórica. Esta lógica coativa da 
ideologia, perdido todo contato com o mundo real, 
tende a colocar na penumbra o próprio conteúdo 
ideológico e a gerar um movimento arbitrário e 
permanente. O terror totalitário, por sua vez, serve 
para traduzir, na realidade, o mundo fictício da 
ideologia e confirmá-la, tanto em seu conteúdo, 
quanto, e sobretudo, em sua lógica deformada. Isso 
atinge, na verdade, não apenas os inimigos reais (o 
que acontece na fase da instauração do regime), mas 
também e especialmente os inimigos "objetivos", cuja 
identidade é definida pela orientação político-
ideológica do Governo mais do que pelo desejo desses 
inimigos em derrubá-lo.E na fase mais extrema atinge 
também vítimas escolhidas inteiramente ao acaso. O 
terror total que arregimenta as massas de indivíduos 
isolados e as sustenta num mundo que, segundo elas, 
se tornou deserto torna-se por isso um instrumento 
permanente de Governo e constitui a própria essência 
do Totalitarismo, enquanto a lógica dedutiva e 
coercitiva da ideologia é seu princípio de ação. ou 
seja, o princípio que o faz mover. 
No plano organizativo, a ação da ideologia e do 
terror se manifesta através do partido único, cuja 
formação elitista cultiva uma crença fanática na 
ideologia, propagando-a sem cessar, e cujas 
organizações funcionais realizam a sincronização 
ideológica de todos os tipos de grupos e de 
instituições sociais e a politização das áreas mais 
remotas da política (esporte e atividades livres, por 
exemplo), e através da polícia secreta, cuja técnica 
operacional transforma toda a sociedade num sistema 
de espionagem onipresente e onde cada pessoa pode 
ser um agente da polícia e onde todos se sentem sob 
constante vigilância. O regime totalitário não tem 
entretanto uma estrutura monolítica. Há, bem pelo 
contrário, uma multiplicação e uma sobreposição de 
funções e de competências da administração estatal, 
do partido e da polícia secreta, que dão lugar a um 
emaranhado organizativo confuso, bem distinto de 
uma típica "ausência de estrutura". Esta ausência de 
estrutura está de acordo com o movimento e a 
imprevisibilidade próprios do regime totalitário e que 
têm origem na vontade absoluta do ditador, o qual 
sempre está em grau de fazer flutuar o centro do poder 
totalitário de uma para outra hierarquia. A vontade do 
chefe é a lei do partido e toda organização partidária 
não tem outro escopo senão o de realizá-la. O chefe é o 
depositário da ideologia: apenas ele pode interpretá-la 
ou corrigi-la. Até a polícia secreta, cujo prestígio 
cresceu extraordinariamente em relação ao que 
gozava nos velhos regimes autoritários, tem um poder 
real menor, pelo fato de estar inteiramente sujeita à 
vontade do chefe, o único a quem compete decidir 
quem será o próximo inimigo potencial ou "objetivo". 
Segundo esta interpretação, a personalização do poder 
é portanto um aspecto crucial dos regimes totalitários. 
Entretanto, Arendt não faz dela explicitamente um 
terceiro pilar da noção de Totalitarismo (ao lado do 
terror e da ideologia), provavelmente para não 
perturbar a solidez da concepção essencialista e 
teleológica do fenômeno que se manifesta por 
conseqüência algo densa. 
TOTALITARISMO 1249 
 
A segunda teoria clássica, a de Carl J. Friedrich e 
de Zbigniew K. Brzezinski, define o Totalitarismo 
com base nos traços característicos que podem ser 
encontrados na organização dos regimes totalitários. 
Segundo esta colocação, o regime totalitário é 
resultante da união dos seis pontos seguintes: 1) uma 
ideologia oficial que diz respeito a todos os aspectos 
da atividade e da existência do homem e que todos os 
membros da sociedade devem abraçar, e que critica, 
de modo radical, o estado atual das coisas e que dirige 
a luta pela sua transformação; 2) um partido único de 
massa dirigido tipicamente por um ditador, estruturado 
de uma forma hierárquica, com uma posição de 
superioridade ou de mistura com a organização 
burocrática do Estado, composto por pequena 
percentagem da população, onde uma parte nutre 
apaixonada e inabalável fé na ideologia e está disposta 
a qualquer atividade para propagá-la e atuá-la; 3) um 
sistema de terrorismo policial, que apóia e ao mesmo 
tempo controla o partido, faz frutificar a ciência 
moderna e especialmente a psicologia científica e é 
dirigido de uma forma própria, não apenas contra os 
inimigos plausíveis do regime, mas ainda contra as 
classes da população arbitrariamente escolhidas; 4) 
um monopólio tendencialmente absoluto, nas mãos do 
partido e baseado na tecnologia moderna, da direção 
de todos os meios de comunicação de massa, como a 
imprensa, o rádio e o cinema; 5) um monopólio 
tendencialmente absoluto, nas mãos do partido e 
baseado na tecnologia moderna, de todos os 
instrumentos da luta armada; 6) um controle e uma 
direção central de toda a economia através da 
coordenação burocrática das unidades produtivas antes 
independentes. A combinação habilidosa de 
propaganda e de terror, tornada possível graças ao uso 
da tecnologia moderna e da moderna organização de 
massa, confere aos regimes totalitários uma força de 
penetração e de mobilização da sociedade 
qualitativamente nova em relação a qualquer regime 
autoritário ou despótico do passado e torna-os por isso 
um fenômeno político historicamente único. 
Entre a interpretação de Arendt e a de Friedrich-
Brzezinski há diferenças notáveis. Mencionarei apenas 
as principais. Antes de tudo, é diferente o modo de 
abordar o tema: Arendt procura determinar o fim 
essencial do Totalitarismo que identifica na 
transformação da natureza humana, reduzindo os 
homens a autômatos absolutamente obedientes e em 
torno deste fim ordena todos os outros aspectos do 
fenômeno; Friedrich e Brzezinski, ao contrário, não 
reconhecem nenhum fim essencial ou conatural no 
Totalitarismo e limitam-se a descrever uma "síndrome 
totalitária", isto é, um conjunto de traços 
característicos dos regimes totalitários. Em segundo 
lugar, na interpretação de Friedrich-Brzezinski falta, 
pelo menos parcialmente, a ênfase posta por Arendt 
na personalização do poder totalitário e no papel 
crucial do chefe, que detém em suas mãos os 
meandros da ideologia, do terror e de toda a 
organização totalitária. Esta segunda diferença está 
ligada, em grau considerável, a uma terceira, que diz 
respeito ao âmbito de aplicação da noção de 
Totalitarismo. Para Arendt são totalitárias apenas a 
Alemanha hitlerista (de 1938 em diante) e a Rússia 
stalinista (de 1930 em diante); para Friedrich e 
Brzezinski são totalitários, além do regime nazista e 
soviético, o regime fascista italiano, o regime 
comunista chinês e os regimes comunistas do Leste 
europeu. 
Mas existem pontos de acordo que também são 
notáveis. Em primeiro lugar, tanto Arendt quanto 
Friedrich e Brzezinski vêem no Totalitarismo uma nova 
forma de dominação política, pelo fato de ele ser 
capaz de conseguir um grau de penetração e de 
mobilização da sociedade que não tem precedentes nos 
regimes conhecidos do passado e representa neste 
sentido um verdadeiro salto de qualidade. Em segundo 
lugar, as duas interpretações concordam ao identificar 
três aspectos centrais do regime totalitário numa 
ideologia oficial, no terror policial e num partido 
único de massa. A polícia secreta que Arendt 
acrescenta a este elenco no plano institucional e o 
controle monopolista dos meios de comunicação e dos 
instrumentos de violência, assim como a direção 
central da economia, acrescentados por Friedrich e 
Brzezinski, podem considerar-se, ao menos dentro de 
certos limites, como especificações posteriores, que 
não afetam a centralização da ideologia, do terror e do 
partido único. Neste sentido, poder-se-ia dizer em 
linhas gerais que o regime totalitário dá pouca 
importância à distinção tradicional entre Estado, ou 
melhor, aparelho político e sociedade, por meio do 
instrumento organizacional do partido único de massa, 
que é plenamente maleável e pilotável a partir do 
vértice do regime, e destrói ou afeta o poder e modifica 
o comportamento regular e previsível dos corpos 
organizados do Estado (burocracia, exército, 
magistratura) , e por meio do emprego concomitante e 
combinado da doutrinação ideológica e do terror, 
dentro das formas que a tecnologia moderna oferece e 
que permitem penetrar e politizar todas as células do 
tecido social. Desde a época em que foram 
apresentadas as duas teorias que acabamos de expor 
houve a tendência de reproduzir estes três aspectos do 
Totalitarismopor parte de muitos autores que se 
ocuparam do 
1250 TOTALITARISMO 
assunto, embora com formulações e destaques 
diferentes. Raymond Aron, por exemplo, coloca entre 
as características do Totalitarismo um partido que 
monopoliza a atividade política, uma ideologia que 
anima o partido e se torna verdade oficial do Estado, e, 
através dos controles totalitários sobre a sociedade, 
uma politização de todos os erros ou os insucessos dos 
indivíduos e portanto a instauração de um terror ao 
mesmo tempo policiesco e ideológico. 
Contudo, a partir do início da década de 60, e em 
certos aspectos mesmo antes, foram-se delineando 
correntes de revisão das teorias clássicas do 
Totalitarismo, que atacaram em três direções: a 
novidade histórica do Totalitarismo, a similaridade 
entre o Totalitarismo fascista e o Totalitarismo 
comunista e a extensão do conceito de Totalitarismo a 
todos os regimes comunistas e à própria Rússia pós-
stalinista. Estas revisões demonstraram uma eficácia 
crescente nas três direções indicadas. Menor eficácia 
se verificou na pesquisa de precedentes históricos. 
Foram aventadas diversas analogias, mas não se 
alterou o caráter de substancial novidade dos regimes 
totalitários. Maior eficácia se verificou na análise das 
relações entre o Totalitarismo fascista e o 
Totalitarismo comunista. Não pôde ser contestada a 
existência de elementos de semelhança, mas também 
foram identificadas diferenças muito relevantes. A 
eficácia máxima foi encontrada na limitação do campo 
de aplicação do conceito de Totalitarismo: uma direção 
na qual, de resto, a tendência revisionista teve em vista 
a teoria de Friedrich e não (ou então apenas de forma 
indireta) a de Arendt. Será portanto oportuno 
examinar em separado estas três partes da pesquisa. 
II. TOTALITARISMO MODERNO E EXPERIÊNCIAS 
POLÍTICAS PRECEDENTES. — Vários autores 
identificaram precedentes históricos do Totalitarismo, 
tanto na Antigüidade greco-romana como no 
despotismo oriental, como ainda em algumas 
experiências políticas da Europa moderna. Para a 
Antigüidade grega e romana olhou, entre outros, 
Franz Neumann, o qual acha que tanto o regime 
espartano quanto o regime do Império Romano dos 
tempos de Diocleciano foram "ditaduras totalitárias". 
No primeiro caso, Neumann sublinha o domínio 
absoluto dos espartanos sobre os ilotas, baseado num 
terror policiesco permanente, posto em ato por grupos 
de jovens espartanos que os éforos mandavam 
clandestinamente, de tempos a tempos, para aterrorizar 
e assassinar os ilotas; e a coesão da classe dominante 
conseguida com um controle completo da sociedade e 
da vida privada por meio de técnicas e de instituições 
especiais, como a transferência para o internato 
dos meninos quando atingiam os seis anos de idade e 
um rígido esquema de educação estatal. No segundo 
caso, Neumann concentra sua atenção sobre a cruel 
política da arregimentação social através da qual 
Diocleciano procurou segurar o processo de 
deterioração da vida econômica, impondo 
compulsoriamente um Estado corporativo que 
garantisse a produção e a disponibilidade das forças de 
trabalho. Todos os mestres e as profissões foram 
organizados em corporações, tornando-se obrigatório e 
hereditário pertencer a elas. Os mineiros e os 
cavadores eram portadores de um sinal específico; os 
padeiros só podiam casar no âmbito das famílias de 
seus companheiros de trabalho; e não demorou muito 
para que a inscrição nas corporações se tornasse a 
punição oficial para o criminoso que até ali tivesse 
conseguido escapar dela. 
Sobre o despotismo oriental como antepassado do 
Totalitarismo moderno, e em particular do comunista, 
ocupou-se especialmente Karl A. Wittfogel. Este autor 
parte da concepção marxista do "modo asiático de 
produção", no qual as exigências de irrigação em larga 
escala e das obras de controle das inundações 
produziram uma intervenção maciça do Estado, o qual, 
tornando-se o organizador exclusivo do trabalho 
coletivo, se transformou também no patrão da 
sociedade. O resultado político foi um despotismo 
burocrático no qual as divisões de classe foram 
substituídas pelas distinções de grupo no seio de uma 
sociedade burocratizada, e que Wittfogel descreve 
como um sistema de "poder total". O poder do 
despotismo oriental é total porque não é travado nem 
por barreiras constitucionais nem por barreiras sociais; 
além do mais, ele é exercido em benefício dos 
governantes e está concentrado habitualmente nas 
mãos de um só homem. Ao poder total correspondem: 
um terror total, exercido através de um controle 
centralizado do exército, da polícia e dos serviços de 
informação, e mediante o recurso à técnica sistemática 
do "Governo com chicote"; uma submissão total dos 
súditos, manipulada pelo medo, simbolizada pela 
prática constante da prosternação, através da qual a 
obediência se torna a máxima das virtudes humanas; e 
um isolamento total que envolve o homem comum, o 
qual teme comprometer-se em qualquer circunstância, 
e também o funcionário burocrático e o próprio chefe 
superior que sempre apóiam quem tem poder e não 
confiam em ninguém. A este despotismo burocrático, 
que chama de "semi-empresarial", "hidráulico" e 
"oriental", Wittfogel acha que se deve aproximar, em 
sua substância, como variante do mesmo sistema, o 
despotismo que ele chama de "totalmente 
empresarial", "totalitário" ou 
TOTALITARISMO 1251 
 
"comunista", no qual a função econômica de base não 
é constituída pelo simples controle centralizado da 
água, mas pelo controle centralizado de todos os 
recursos fundamentais. 
Também Barrington Moore, embora não co-
dividindo a colocação de Wittfogel, estuda o 
despotismo oriental e em particular o indiano e o 
chinês, para detectar os antecedentes históricos do 
Totalitarismo moderno, sublinhando, a propósito, a 
obra de estandardização e de uniformização da 
burocracia estatal, a existência de um sistema bem 
desenvolvido de espionagem e de delação recíproca e 
uma doutrina política caracterizada por um 
racionalismo amoral interessado unicamente na técnica 
política mais eficaz. Um precedente ainda mais 
semelhante ao Totalitarismo moderno é encontrado 
por Moore na ditadura teocrática de Calvino em 
Genebra. O objetivo de Calvino era construir um 
Estado cristão sobre o modelo da teocracia israelita 
do tempo dos reis e fundado sobre a doutrina da 
predestinação. A ditadura de Calvino, que teve o seu 
período de pleno desenvolvimento durante os últimos 
anos da vida do reformador (1555-1564), exerceu 
grande influência sobre os hábitos e o pensamento do 
dia-a-dia da população, chegando a proibir as festas e 
os passatempos preferidos de Genebra, a decretar o 
corte dos vestidos e o tipo de sapatos que o cidadão 
devia calçar. Por outro lado, não modificou 
substancialmente a ordem política anterior, mas 
procurou condicioná-la e imbuí-la do espírito do 
calvinismo. Neste sentido, agiu tanto em relação às 
instituições representativas criadas pela burguesia 
quanto em relação às próprias eleições. O principal 
instrumento institucional da ditadura foi o 
Concistório, que na origem fora concebido apenas 
como um meio para superintender as questões 
matrimoniais e que em determinado momento se 
tornou o centro principal do controle político, moral e 
religioso, desenvolvendo também funções de polícia 
secreta e de censura moral. 
Não é o caso de examinar um por um todos os 
pontos de vista acima expostos para avaliar 
detalhadamente o grau de validade ou de analogia que 
eles encerram. Podemos admitir na verdade que em 
todos estes pontos de vista existem elementos de 
verdade, no sentido de que existem efetivas 
similaridades entre os regimes despóticos e absolutos 
por eles lembrados e o Totalitarismo moderno. Mas 
estas analogias não são decisivas já que, após terem 
sido enumerados todos ospossíveis confrontos e terem 
sido fixados todos os possíveis pontos de contato, o 
Totalitarismo conserva, não obstante tudo, algumas 
características fundamentais que são especificamente 
e apenas suas, como reconhecem, aliás, também, 
alguns 
dos autores que pesquisaram sobre esses antecedentes 
históricos. As características que permanecem 
específicas e únicas do Totalitarismo são, de um lado, 
a associação da penetração total do corpo social 
através de uma mobilização permanente e total, que 
envolve toda a sociedade num movimento incessante de 
transformação da ordem social, e, de outro lado, a 
intensificação até um grau máximo, sem precedentes 
na história, desta penetração-mobilização da 
sociedade. 
Nos precedentes históricos antes lembrados está 
claramente ausente a mobilização total da sociedade. 
Esparta era uma sociedade estática, fundada sobre a 
exploração dos ilotas mas, em contrapartida, Esparta 
não pedia aos escravos a participação política nem a 
sustentação ativa do regime. O mesmo deve ser dito 
do Império Romano no tempo de Diocleciano e dos 
trabalhadores arregimentados compulsoriamente para 
as corporações. As sociedades típicas do despotismo 
oriental eram também, como reconhecem Wittfogel e 
Moore, tradicionais e estacionárias. Nelas, o poder 
despótico se contentava com a obediência absoluta do 
súdito sem exigir a ortodoxia ideológica e a adesão 
entusiástica ao regime, Finalmente, a ditadura 
teocrática de Calvino, que por sua vez tentava modelar 
a vida privada dos cidadãos, não possuía um 
movimento ativista contínuo nem uma mobilização 
ininterrupta tendo em vista a transformação radical da 
sociedade, que são características típicas do 
Totalitarismo do século XX. Nestes precedentes 
históricos falta também a intensificação máxima da 
penetração da sociedade, que distingue o 
Totalitarismo, e que somente os instrumentos 
oferecidos pela tecnologia moderna e a combinação de 
mobilização e penetração conseguiram obter. 
Wittfogel admite que os despotismos orientais, embora 
tenham conseguido impedir o crescimento de eficientes 
organizações secundárias, não tiveram à mão 
instrumentos de eficácia e de alcance universal que 
permitem aos regimes totalitários estender o controle 
total às organizações primárias e a cada um dos 
cidadãos. Observações semelhantes podem ser feitas 
para todos os Estados absolutos de vastas dimensões 
que o passado recordou, inclusive o regime de 
Diocleciano. Também os regimes absolutos de 
pequenas comunidades, como Esparta ou Genebra, 
carecem de força de penetração e de arregimentação 
da atividade econômica e da inteira vida social que 
encontramos no Totalitarismo. De uma forma geral, 
quando passamos "da doutrina e do aparelho de 
controle destes regimes pré-industriais ao exame da 
sua influência sobre a população governada", afirma 
precisamente Moore, "percebemos imediatamente uma 
diferença fundamental entre as velhas formas e 
1252 TOTALITARISMO 
 
o Totalitarismo contemporâneo. Os controles do 
Totalitarismo moderno incidem mais profundamente 
sobre o tecido social em grau superior ao de qualquer 
outro período histórico. Sob este aspecto, são 
realmente únicos". 
As características únicas do Totalitarismo tornaram-
se possíveis, por seu lado, graças a condições sociais 
particulares realizadas no mundo contemporâneo. Elas 
são reavivadas na formação da sociedade industrial de 
massa, na persistência de uma arena mundial dividida 
e no desenvolvimento da tecnologia moderna. 1) A 
industrialização tende a produzir, de um lado, a 
desvalorização dos grupos primários e intermédios e 
a atomização dos indivíduos, e deste modo torna 
possível um decisivo incremento da penetração 
política, e, de outro lado, produz a urbanização, a 
alfabetização, a secularização cultural e o ingresso 
das massas na política, impondo, desta forma, um 
incremento decisivo da mobilização política. É por 
isso que o Totalitarismo, como forma extrema do 
despotismo moderno, teve de criar coercitivamente 
uma sustentação de massa virtualmente coextensivo a 
toda a sociedade. 2) Além disso, nas condições 
sociais criadas pela industrialização, a persistência de 
uma arena mundial dividida, e, por conseqüência, 
insegura e ameaçadora, tende a envolver na guerra e na 
preparação bélica parcelas cada vez maiores dos 
recursos e das atividades da nação, até transformar o 
país inteiro numa enorme máquina de guerra. Dessa 
forma a anarquia internacional favorece um 
crescimento explosivo da penetração-mobilização, 
especialmente nos países mais expostos aos perigos 
externos. 3) Finalmente, ocorre também lembrar que a 
penetração-mobilização totalitária da sociedade não 
seria atuável sem os instrumentos colocados à 
disposição pela tecnologia moderna. Basta pensar no 
efeito que o desenvolvimento tecnológico exerceu 
sobre os instrumentos da violência, sobre os meios de 
comunicação de massa, sobre os meios de transporte, 
sobre as técnicas de organização, de registro e de 
cálculo, que tornam possível a direção central da 
economia, e ainda sobre as técnicas de vigilância e de 
controle da polícia secreta. 
III. TOTALITARISMO FASCISTA E TOTALITARISMO 
COMUNISTA. — As diferenças entre Totalitarismo 
fascista e Totalitarismo comunista devem ser 
reportadas às diferenças entre fascismo e 
comunismo, em geral. Estas últimas são, antes de 
tudo, diferenças de ideologia e de base social. 
A ideologia comunista é um conjunto de princípios, 
coerente e elaborado, que descreve e 
orienta para uma transformação total da estrutura 
econômico-social da comunidade. A ideologia 
fascista, que se constituiu na mais radical versão, 
nazista, é um conjunto de idéias ou de mitos, bem 
menos coerente e elaborado, que não prevê nem 
orienta para uma transformação total da estrutura 
econômico-social da comunidade. A ideologia 
comunista é humanística, racionalista e universalista: 
seu ponto de partida é o homem e sua razão; é por 
isso que ela assume a forma de um credo universal 
que abrange todo o gênero humano. A ideologia 
fascista é organicista, irracionalista e anti-
universalista: seu ponto de partida é a raça, concebida 
como uma entidade absolutamente superior ao homem 
individual. Ela toma por isso a forma de um credo 
racista que trata com desprezo, como uma fábula, a 
idéia ética da unidade do gênero humano. A 
ideologia comunista pressupõe a bondade e a 
perfectibilidade do homem e tem em mira a 
instauração de uma situação social de plena igualdade 
e liberdade: neste quadro a "ditadura do proletariado" 
e a violência são simples instrumentos, necessários 
mas temporários, para alcançar o escopo final. A 
ideologia fascista pressupõe a corrupção do homem e 
tem em mira a instauração do domínio absoluto de 
uma raça acima de todas as outras: a ditadura, o 
Führerprinzip e a violência são princípios de governo 
permanentes, indispensáveis para manter sujeitas e 
para liquidar as raças inferiores. A ideologia 
comunista, enfim, é revolucionária: apresenta-se como 
a herdeira dos ideais do iluminismo e da Revolução 
Francesa, aos quais pretende dar um efetivo conteúdo 
econômico e social com uma revolução profunda da 
estrutura da sociedade. A ideologia fascista é 
reacionária: ela é a herdeira das tendências mais 
extremas do pensamento contra-revolucionário do 
século passado, em seus componentes irracionalistas, 
racistas e radicalmente antidemocráticos; e em certos 
aspectos como os mitos teutônicos, o juramento 
pessoal perante o chefe, a ênfase dada à honra, o 
sangue e a terra, voltam-se para o passado até uma 
ordem pré-burguesa. 
As diferenças de base social dizem respeito, de uma 
maneira geral, ao ambiente econômico-social, e, de 
uma maneira especial, à base de sustentação de massa 
e de recrutamento do novo regime, assim como aos 
comportamentos recíprocos do novo regimee da 
velha classe dirigente. O comunismo se instala 
habitualmente numa sociedade onde o processo de 
industrialização e de modernização se está iniciando 
ou se encontra no primeiro estágio e assume a tarefa de 
uma industrialização e de uma modernização forçada 
e rápida. O fascismo normalmente se instala 
TOTALITARISMO 1253 
 
numa sociedade onde o processo de industrialização 
e de modernização já está avançado e num ponto 
bom. Seu objetivo não é tanto a industrialização e a 
modernização da sociedade, mas sim a mobilização e 
a obediência de uma sociedade já industrializada e 
modernizada aos próprios fins. No comunismo, a 
base de sustentação de massa do regime e a fonte 
privilegiada do recrutamento da elite são constituídas 
pela classe operária e pelo proletariado urbano. No 
fascismo, a base de sustentação de massa do regime e 
a fonte privilegiada do recrutamento da elite são 
constituídas pela classe pequeno-burguesa: 
empregados, camponeses, pequenos comerciantes, 
militares e intelectuais frustrados, que se sentem 
esmagados entre a grande burguesia e as organizações 
do proletariado. A esta sustentação do fascismo se 
juntam bem depressa a finança e o apoio dos grandes 
financeiros e dos grandes industriais. O comunismo, 
finalmente, debela e liquida completamente a velha 
classe dirigente, tanto a econômica como a da 
administração do Estado. O fascismo mantém em 
grande parte a velha classe dirigente, seja econômica, 
seja burocrática ou militar, procurando fazer dela, 
antes de tudo, uma aliada, para depois convertê-la 
num instrumento da própria política. 
Estas diferenças podem ser atenuadas ou 
retificadas num caso ou em outro. Em particular, pelo 
que toca à ideologia, deve-se observar que a ideologia 
nazista, embora não exija uma transformação total da 
estrutura econômico-social da comunidade, impõe 
entretanto uma transformação radical da ordem 
político-social: ela pretendia revolucionar a carta da 
Alemanha e da Europa, eliminando os hebreus e 
instaurando o domínio absoluto da raça superior sobre 
as inferiores. O fato de a ideologia nazista não ter 
dirigido a obra de transformação para as relações 
econômicas e de ter orientado parcialmente a 
agressividade para fora e não para dentro do corpo 
social não muda a circunstância de que ela tem em 
vista uma transformação radical da ordem político-
social. Por outro lado, a ideologia comunista nem 
sempre foi uma doutrina coerente e uma guia coerente 
da ação política: precisamente na fase totalitária do 
regime soviético, as bruscas e arbitrárias mudanças de 
rumo por parte de Stalin mostram que a mesma foi em 
grande parte uma racionalização da conduta do 
ditador. Quanto à base social, observe-se que antes da 
Revolução os bolcheviques receberam apoio não só 
do proletariado mas ainda de uma parte da burguesia; 
e que da mesma forma os nazistas tiveram o apoio não 
só da pequena e da grande burguesia mas também de 
uma parte do proletariado urbano, se bem que em 
proporção reduzida em relação ao seu peso reduzido em 
relação à população total. Além disso, se é verdade 
que parte da grande finança e da grande indústria 
financiou e apoiou os nazistas nas fases da instauração 
e da consolidação do regime, da mesma forma é 
verdadeiro que, quando o regime entrou cm sua fase 
totalitária, a grande finança e a grande indústria se 
tornaram instrumentos da política nazista em maior 
grau do que esta era instrumento daquelas. 
Entretanto, feitas estas correções, como é justo que 
se faça, o resultado não muda muito. Em seu 
conjunto, as diferenças de base social e de ideologia 
acima enunciadas permanecem reais e profundas; e, na 
perspectiva por elas delineada, fascismo e comunismo 
são dois fenômenos clara e definitivamente 
contrapostos. 
Mas o que mais se deve objetar àqueles que 
destacam tais diferenças entre fascismo e comunismo é 
que elas não são um argumento pertinente contra o uso 
do conceito de Totalitarismo para designar tanto 
regimes fascistas como comunistas, ou melhor, para 
designar uma certa fase histórica do sistema comunista 
soviético e uma certa fase histórica do sistema nazista 
alemão. Não são um argumento pertinente as 
diferenças de ideologia porque, com base em ideologias 
de conteúdos diferentes, podemos construir praxes de 
domínio político substancialmente análogas. E não 
são um argumento pertinente as diferenças de base 
social porque, partindo de um ambiente econômico-
social diferente e de uma composição social de 
sustentação de massa diferente, podemos chegar, 
igualmente, a praxes de domínio político 
substancialmente análogas. Na Alemanha de Hitler e 
na Rússia de Stalin verificou-se precisamente este 
fenômeno. Em cima de bases sociais e de ideologias 
diferentes criou-se uma praxe política 
fundamentalmente semelhante, feita de um partido 
monopolista, de uma ideologia de transformação da 
sociedade, do poder absoluto de um chefe, de um 
terror sem precedentes e. por conseqüência, da 
destruição de toda a linha estável de distinção entre 
aparelho político e sociedade. Se chamarmos e 
interpretarmos esta praxe política através do nome e do 
conceito de Totalitarismo, então poderemos e 
deveremos usar tal nome e tal conceito todas as vezes 
que (e só) existir a praxe correspondente, que se 
realize num sistema fascista ou num sistema 
comunista. Daí se segue que é legítimo falar de 
"Totalitarismo fascista" e de "Totalitarismo 
comunista" no sentido indicado. Mas segue-se 
também que é ilegítimo usar tais expressões se com 
elas quisermos dizer que o comunismo e o fascismo são 
fenômenos necessariamente totalitários por natureza. 
No que toca ao comunismo, em sua 
1254 TOTALITARISMO 
 
complexa história, a praxe totalitária se realizou 
apenas no regime stalinista. Por sua vez, o fascismo 
não é também essencialmente totalitário, não obstante 
sua ideologia, que concebe a violência e a 
personalização do poder como princípios permanentes, 
se aproximar muito mais da essência do 
Totalitarismo. 
Por outro lado, as diferenças entre fascismo e 
comunismo produzem efeitos relevantes na própria 
praxe totalitária. Esta assume, nos diferentes sistemas, 
caracteres parcialmente diversos, em relação ao 
direcionamento político geral do sistema político; e 
adquire, além disso, nos diferentes sistemas, uma 
diversa dinâmica evolutiva. O objetivo político geral 
do comunismo é a industrialização e a modernização 
forçadas em vista da construção de uma sociedade 
"sem classes". O objetivo geral do fascismo é a 
instauração da supremacia absoluta e permanente da 
raça eleita. Por isso, nos dois tipos de sistema, o 
Totalitarismo está ligado, por exemplo, a uma política 
econômica diferente: de um lado, procede-se a uma 
estatização completa das atividades econômicas e, de 
outro, mantém-se a máxima parte da economia na 
esfera privada, buscando dobrá-la aos próprios fins; o 
Totalitarismo está ligado também a um tipo de 
violência diferente: em certos casos, o resultado mais 
característico é o campo de trabalhos forçados, 
expressão da violência como meio para construir uma 
nova ordem; em outros, o resultado mais 
característico é o campo de concentração, expressão da 
vontade de destruição pura e simples de uma raça 
considerada inferior. Quanto à dinâmica evolutiva 
diferente, podemos lembrar a distinção feita por A. J. 
Groth, que se baseia no diferente grau de 
vulnerabilidade dos regimes totalitários. Os sistemas 
comunistas são menos vulneráveis porque destroem a 
velha classe dirigente e replasmam integralmente a 
estrutura social. Por isso, uma vez consolidados e após 
criarem uma sociedade substancialmente homogênea, 
podem diminuir a violência de massa e a política 
totalitária e empregar instrumentos de Governo mais 
apoiados na persuasão e no consenso. Contrariamente, 
os sistemas fascistas sãomais vulneráveis porque 
deixam intactas, em larga escala, a velha classe 
dirigente e a mesma estrutura econômico-social. Dessa 
forma, eles vão provavelmente ao encontro de crises 
ocorrentes, provocadas pelos antagonismos que se 
produzem com este ou aquele grupo da velha classe 
dirigente, e das quais não podem sair vitoriosos, senão 
por meio de uma nova intensificação da violência de 
massa e da política totalitária. De resto, como já foi 
observado, a violência de massa, para o sistema 
nazista, é um princípio permanente de Governo, para 
conseguir e conservar o domínio da raça superior 
sobre as inferiores. 
Compreende-se, a partir desta perspectiva, por que 
o fato de as teorias clássicas do Totalitarismo 
ignorarem ou subestimarem de maneira drástica as 
profundas diferenças entre fascismo e comunismo não 
deixou de ter notáveis conseqüências negativas. 
Quanto à teoria de Friedrich e Brzezinski, esta 
ignorância ou subestima é um dos fatores que estão na 
origem da indevida extensão do conceito de 
Totalitarismo a todos os regimes comunistas; e da 
desconcertante previsão — feita em 1956 na base da 
tendência anterior dos "sistemas fascistas" e dos 
"sistemas comunistas" — de que "as ditaduras 
totalitárias continuarão a tornar-se cada vez mais 
totais, mesmo que o ritmo desta intensificação possa 
diminuir". 
No que diz respeito a Arendt, a ignorância ou 
subestima a que me referi é um dos fatores que 
explicam alguns aspectos um tanto carregados de sua 
interpretação do fenômeno totalitário. Para Arendt, o 
Totalitarismo é uma espécie de essência política 
inteiramente fechada em si mesma, que não é alterada 
pelos diversos ambientes econômico-sociais e pelo 
conteúdo da ideologia: a sua natureza é a 
transformação dos homens em feixes de reação 
intercambiável, uma transformação posta em 
movimento pela lógica deformada da ideologia e não 
pelo seu conteúdo. Ora, esta definição da natureza da 
ideologia me parece um modo de difundir uma 
interpretação dos efeitos de certas instituições do 
terror totalitário, como os campos de concentração, 
com o fim mesmo do domínio totalitário; e a confusão 
tornou-se possível, entre outras coisas, pelo fato de 
que Arendt vai muito além do processo da abstração e 
não presta atenção suficiente aos contextos e às 
conotações diferenciadas das diversas experiências 
totalitárias. Considerado sob este último ponto de 
vista, o Totalitarismo aparece, muito mais 
simplesmente, como uma tendência-limite da ação 
política na sociedade de massa, um certo modo 
extremo de fazer política, caracterizado por um grau 
máximo de penetração e de mobilização 
monopolística da sociedade, que ganha corpo na 
presença de determinados elementos constitutivos. O 
Totalitarismo, enquanto tal, assume diversos aspectos 
e está associado a diversos fins e diversas metas, 
conforme o sistema político particular no qual encarna 
e o relativo ambiente econômico-social. 
IV. O PROBLEMA DA EXTENSÃO DO 
CONCEITO DE TOTALITARISMO. — A crítica 
revisionista ataca a tendência representada por 
Friedrich. e traduzida na linguagem prática da política 
em alargar a aplicação do conceito de Totalitarismo a 
TOTALITARISMO 1255 
 
todos os regimes comunistas. Contra a liceidade desta 
operação, os críticos procuram mostrar a 
heterogeneidade substancial entre o regime stalinista e 
os outros regimes comunistas, assim como a 
descontinuidade entre o regime stalinista e o regime 
soviético pós-stalinista. Neste sentido, a crítica 
revisionista dirige sua atenção para três pontos: a 
diversidade do papel e do peso do terror; a diversidade 
da personalização do poder; a atenuação da 
importância da ideologia e, de uma forma geral, de 
muitos controles típicos do domínio totalitário. 
Que os primeiros autores que elaboraram e 
aplicaram o conceito de Totalitarismo tivessem visto 
no terror um elemento fundamental desse conceito, 
não podemos pôr em dúvida. Para H. Arendt, como 
vimos, o terror "é a essência do Totalitarismo"; para 
Brzezinski sua "característica mais universal" (The 
permanent purge, 1956); para Merle Fainsod é "o eixo 
do Totalitarismo" (How Russia is ruled, 1953); para 
Friedrich e Brzezinski, seu "nervo vital". Segundo esta 
colocação inicial, o terror totalitário se diferencia do 
terror usado pelos velhos regimes autoritários tanto 
pela qualidade como pela quantidade. Ele atinge até os 
inimigos presumidos ou "objetivos" e outras vítimas 
inocentes: nesse caso, as vítimas não se tornam objeto 
do terror porque são "inimigos" ou "traidores", mas 
tornam-se "inimigos" ou "traidores" porque são objeto 
do terror; atinge profundamente camadas inteiras ou 
grupos profissionais ou grupos étnicos, e os atinge de 
modo contínuo e capilar: todos se sentem sob o 
constante controle da polícia e ninguém pode dizer-se 
livre do terror totalitário. Esta espécie de terror é um 
instrumento essencial do domínio totalitário: inibe 
qualquer tipo de oposição, força a adesão e a 
sustentação entusiástica do regime e conduz a um 
ponto máximo a penetração e a mobilização política da 
sociedade. 
Ora, a ação do terror totalitário — assim entendido 
— se encontra na Rússia stalinista dos anos 30, 
especialmente a partir de 1934, e depois também no 
período pós-guerra, através dos grandes expurgos, da 
liquidação de grupos sociais inteiros e dos quadros 
dirigentes do partido, das deportações em massa, dos 
campos de concentração e de trabalho forçado; e na 
Alemanha hitlerista, especialmente a partir de 1937-
1938, no pleno predomínio das SS sobre as demais 
organizações policiais e sobre o Ministério do Interior, 
no pogrom contra os hebreus, na deportação e na 
eliminação de hebreus, de "ociosos", de "anti-sociais", 
de doentes mentais e outros, e nos campos de 
concentração e de extermínio. Tudo era realizado, quer 
na Rússia, quer 
na Alemanha, através de uma densa rede de vigilância e 
de espionagem policial. Tal ação de terror totalitário 
não se encontra na Itália fascista nem nos países 
comunistas do Leste europeu, salvo alguns episódios 
isolados do período do máximo poder de Stalin. 
Também não se encontra na Rússia pós-stalinista, cuja 
diferença mais macroscópica em relação ao período 
precedente consiste precisamente num declínio 
substancial do terror em termos de quantidade e de 
qualidade, como demonstram muitos testemunhos de 
cidadãos soviéticos e segundo confirmação de 
numerosos estudos de observadores especializados do 
sistema político soviético. Esta mudança está expressa 
numa multiplicidade de inovações normativas e 
institucionais, como a abolição da comissão especial 
do Ministério do Interior, que tinha o poder de 
deportar sem processo para os campos de 
concentração, a abolição de um poder análogo da 
polícia política, a abolição dos processos secretos 
contra as pessoas acusadas de delitos contra o Estado, 
as limitações impostas à jurisdição dos tribunais 
militares, a redução das sanções cominadas para 
violações da disciplina do trabalho, a introdução de 
numerosas garantias processuais, e assim por diante. 
Mas, para além de todas estas inovações normativas e 
institucionais, o que menos aconteceu na Rússia pós-
stalinista foi a onda de terror onipresente que pesava 
em todos os setores da vida social. O regime soviético 
permanece uma ditadura monopartidária, que recorre 
amplamente a meios coercitivos; mas o dinamismo 
específico do terror totalitário é uma lembrança do 
passado. 
A conclusão que é preciso tirar destas considerações 
é a mesma que desde o início tirou H. Arendt: a 
limitação do campo de aplicação do conceito de 
Totalitarismo apenas para os regimes de Hitler na 
Alemanha e de Stalin na Rússia. Vários autores 
preferiram, por sua vez, modificar o conceito de 
Totalitarismo no sentido de uma atenuação radical do 
papel do terror, para poder estender sua aplicaçãoa 
todos os regimes comunistas e à Rússia pós-stalinista. 
M. Fainsod, que havia vislumbrado no terror o "ponto 
de apoio" do Totalitarismo, falou mais tarde de um 
"Totalitarismo racionalizado", no qual o terror tem 
simplesmente "um certo lugar" (How Russia is ruled, 
2.' ed., 1963). Friedrich, que havia definido o terror 
como o "nervo vital do terrorismo", afirmou mais: que 
havia supervalorizado o fenômeno que no 
"Totalitarismo amadurecido" se reduz à presença de 
um "terror psíquico" e de "um consenso geral" 
(Totalitarian dictatorship and autocracy, 2.ª ed., 1965). 
E. Brzezinski, que identificara no terror a 
"característica mais universal "do Totalitarismo", 
abandonou mais tarde 
1256 TOTALITARISMO 
 
essa característica falando de "um Totalitarismo 
voluntário" (Ideology and power in Soviet Union 
1962). Mas estas correções de rumos, esclarece a 
crítica revisionista, servem apenas para justificar a 
incorreta postura de fazer alinhar sob o conceito 
comum de Totalitarismo tipos de regimes políticos que 
são visivelmente diferentes em relação à função do 
terror, e através desse processo em relação ao grau de 
penetração e de mobilização política da sociedade, à 
qual a noção de Totalitarismo se refere de maneira 
particular. 
Um outro ponto acentuado é o de que os dois 
protótipos de regime totalitário, que são a Alemanha 
de Hitler e a Rússia de Stalin, se diferenciam dos 
outros sistemas, que se pretendem atrelar ao conceito 
de Totalitarismo, por uma personalização do poder 
levada até os limites mais extremos. Deveremos 
lembrar que Friedrich e Brzezinski não atribuem uma 
importância estrutural à personalização do poder. Por 
seu lado, Arendt, que coloca exatamente a Alemanha 
de Hitler e a Rússia de Stalin como pontos de 
referência, sublinha várias vezes e de modo claro o 
papel crucial do ditador; mas depois, quase a despeito 
de suas próprias afirmações, não faz disso um 
elemento constitutivo do conceito de Totalitarismo. Ele 
procura imputar toda a brutalidade do domínio 
totalitário à lógica deformada da ideologia: uma 
interpretação sobre a qual pesa sua orientação 
conservadora e veladamente tradicionalista e sua 
hostilidade para com toda e qualquer ideologia política. 
Os dados de fato que temos à disposição, tanto para a 
Alemanha de Hitler quanto para a Rússia de Stalin, 
convencem-nos, bem ao contrário, de que o terror 
totalitário foi desligado não apenas de uma ideologia 
de transformação radical da sociedade mas também, e 
de forma determinante, da ação do poder pessoal, ou 
seja, da estratégia adotada pelo ditador para conservar 
seu poder e dos traços característicos de sua 
personalidade. 
Esta tese, segundo a qual o poder pessoal do 
ditador é uma condição essencial para o 
funcionamento do domínio totalitário, foi fortemente 
defendida por Robert C. Tucker. Num ensaio publicado 
em 1961, ele pôs à luz as deficiências do conceito 
clássico de Totalitarismo como instrumento de análise 
comparada; mas, por um lado. não determina os 
aspectos comuns que os regimes totalitários dividem 
com outros regimes e, por outro, não especifica de 
modo satisfatório os mesmos aspectos que distinguem 
os regimes totalitários. Quanto ao primeiro ponto, 
Tucker propôs a categoria geral dos regimes 
revolucionários de massa e monopartidários. 
caracterizados por um movimento revolucionário 
conseguido através de uma mobilização mais ou 
menos intensa das massas e dirigido por um partido 
único: fazem parte desta categoria, tanto os sistemas 
monopartidários comunistas, como os sistemas 
fascistas e nacionalistas. Quanto ao segundo ponto, 
Tucker se deteve na análise da presença de um líder 
pessoal que se liberta do controle da oligarquia do 
partido e prefere governar em grande parte com a 
polícia secreta e com o terror total e permanente, para 
assegurar uma obediência absoluta às suas ordens, 
tanto por parte do homem comum, como por parte 
dos mais altos dignatários do regime. Esta 
característica é comum — dizia Tucker — aos 
"regimes fascistas" e à ditadura stalinista (mas não 
aos demais regimes comunistas, incluindo a ditadura 
soviética pós-stalinista e a pré-stalinista). 
Voltando ao tema, num ensaio de 1965, Tucker 
restringiu o âmbito dos regimes totalitários apenas à 
Alemanha do tempo de Hitler e à Rússia de Stalin, 
defendendo a opinião de que o maior defeito das 
teorias clássicas do Totalitarismo está em atribuir 
exclusivamente ao fanatismo ideológico todo o 
dinamismo do poder e do terror totalitário, com a 
conseqüência de esquecer ou minimizar de forma 
drástica a incidência do fator pessoal, representado 
pelo ditador. Tal incidência está associada, não apenas 
ao fato de que Hitler e Stalin eram autocratas absolutos 
que detinham uma soma de poder sem precedentes na 
história, mas ainda com alguns traços comuns 
(paranóicos) da sua personalidade, que constituíram 
um forte impulso que motivou seu comportamento de 
ditadores totalitários. Com base nos fatos que 
conhecemos, concluía Tucker, não se pode deixar de 
reconhecer que a personalização do poder e portanto a 
personalidade do chefe é um dos componentes 
regulares e constitutivos da "síndrome totalitária". 
Recentemente, a pesquisa sobre o papel crucial da 
personalização do poder no domínio totalitário se 
desenvolveu. Leonard Schapiro, que é mais um 
defensor do que um crítico do conceito de 
Totalitarismo, acha que a primeira e a mais destacada 
característica do fenômeno seja exatamente a 
presença de um chefe. Tal presença é um fator mais 
importante do que a ideologia, uma vez que tanto o 
conteúdo quanto a aplicação desta tem no chefe seu 
árbitro exclusivo; é também mais importante do que o 
partido, na medida cm que o chefe procura subordinar 
este à sua vontade, e, de uma maneira geral, mais 
importante do que qualquer outro fator e por isso mais 
determinante (Schapiro, 1969). Também, Hannah 
Arendt. na introdução à terceira edição de seu livro 
(1966), sentiu a necessidade de chamar novamente a 
atenção, de maneira mais pronunciada, sobre o papel 
do ditador 
TOTALITARISMO 1257 
 
totalitário, afirmando entre outras coisas que o regime 
totalitário deixou de existir na Rússia com a morte de 
Stalin, assim como deixou de existir na Alemanha com 
a morte de Hitler. "Não foi o fim da guerra, mas a 
morte de Stalin, oito anos depois, que foi decisivo. 
Como pode ser observado olhando as coisas em 
retrospectiva, esta morte não foi simplesmente seguida 
por uma crise de sucessão e por um degelo temporário, 
mas por um autêntico e inequívoco processo de 
destotalitarização". 
No que diz respeito à mudança do regime soviético 
desde os tempos da ditadura totalitária de Stalin até 
hoje, é particularmente pertinente a distinção feita por 
Samuel P. Huntington (que não releva o elemento 
terror) entre sistemas monopartidários revolucionários 
e sistemas monopartidários estabilizados. Esta 
distinção constitui a terceira perspectiva sob a qual 
pode ser considerado, em sentido revisionista, o 
problema da extensão do conceito de Totalitarismo. Na 
verdade, dos sistemas monopartidários 
revolucionários, que tendem a transformar a sociedade 
e impõem por conseqüência uma politização mais ou 
menos avançada da própria sociedade, fazem parte os 
próprios regimes totalitários (especialmente os de tipo 
comunista), ainda que Huntington não enfrente a 
questão da sua individuação específica. O que interessa 
a este cientista político é descrever a evolução e a 
mudança dos regimes monopartidários revolucionários 
em geral. Através de um complexo processo de 
transformação, consolidação e adaptação, eles se 
convertem em sistemas claramente diferentes: os 
regimes monopartidários estabilizados, nos quais não 
apenas existe a tendência a dar menor importância à 
personalização do poder, mas também se atenua o 
problemada ideologia e se dá apoio significativo aos 
mesmos controles políticos sobre uma sociedade que se 
articula em atividades cada vez mais complexas e 
diversificadas. Com o processo de transformação, tem 
lugar a destruição da velha ordem e a sua substituição 
por novas instituições políticas e por novos modelos 
sociais. Uma vez que o principal do processo de 
transformação foi posto cm ato, a concentração sobre a 
ideologia e sobre a liderança carismática torna-se 
disfuncional para a manutenção do sistema, o qual 
tende por isso a consolidar-se com a instauração da 
supremacia do partido — em lugar do chefe em pessoa 
— como fonte da legitimidade e do poder. Por outro 
lado, a criação de uma sociedade relativamente 
homogênea leva consigo a emergência de novas forças 
sociais (uma classe técnico-empresarial, de grupos de 
interesse, uma inteligência dotada de espírito de 
independência), que obrigam o partido a sujeitar-se a 
um processo de adaptação, com o qual redefine o 
próprio papel na sociedade. 
Por fim, o sistema monopartidário estabilizado, que 
é o resultado do processo de transformação, 
consolidação e adaptação, difere do sistema 
monopartidário revolucionário pelas seguintes razões: 
a ideologia é menos importante como elemento 
plasmador dos fins e das decisões dos chefes, enquanto 
que as considerações pragmáticas assumem maior 
valor; a liderança política tende a ser oligárquica, 
burocrática e institucionalizada, em vez de ser pessoal, 
carismática e autocrática; as fontes de iniciativa estão 
localizadas entre as elites tecnocráticas e empresariais 
em vez de se concentrarem apenas na elite do partido, 
transformando-se o aparelho do partido em mediador 
entre a estabilidade e a mudança; surge uma 
pluralidade de importantes grupos de interesse e o 
aparelho partidário torna-se o agregador e o regulador 
de interesses em competição; na ribalta aparece uma 
inteligência dotada de espírito de independência que se 
ocupa da crítica ao sistema; a participação popular não 
é mais o produto exclusivo da mobilização do partido, 
mas também da competição eleitoral no seio do mesmo 
partido. Este modelo do sistema monopartidário 
estabilizado, que pode aplicar-se aos sistemas 
comunistas do Leste europeu e em muitos dos seus 
aspectos característicos também ao atual regime político 
da União Soviética, é substancialmente diferente do 
sistema monopartidário revolucionário. Em certos 
casos, as diferenças que existem entre estes tipos de 
regime, afirma Huntington, podem ser distintas das que 
dividem um regime monopartidário revolucionário do 
velho regime czarista tradicional. A conclusão é 
evidente: não se pode aplicar aos regimes 
monopartidários estabilizados as categorias próprias 
para interpretar os regimes monopartidários 
revolucionários ou, e ainda com maior razão, as 
categorias adequadas para interpretar os sistemas 
especificamente revolucionários e monopartidários, que 
são os regimes totalitários. 
V. CONCLUSÃO. — Radicalizando as críticas a que a 
noção foi submetida, alguns autores defendem que 
Totalitarismo é um epíteto emocional da luta 
ideológica e política em vez de ser um conceito 
descritivo da ciência; que teve essencialmente a 
função de justificar a política americana durante a 
guerra fria e que convém por isso eliminá-lo do léxico 
da análise política. Esta acusação não é, quanto ao seu 
conteúdo, fora de propósito, mas ultrapassa 
decisivamente o signo Por uma parte, é difícil negar 
que a noção de Totalitarismo tenha sido usada para 
1258 TOTALITARISMO 
 
importantes e inflexíveis usos ideológicos no período 
da guerra fria. Mas, por outra parte, o que estava em 
jogo nesta instrumentalização ideológica era a 
extensão do campo de aplicação do conceito de 
Totalitarismo, não o conceito em si mesmo. Alargar o 
nome de Totalitarismo a todos os sistemas comunistas 
teve o significado político-ideológico de canalizar 
contra o adversário a deprecação e a hostilidade que a 
palavra leva em si, porque designa particularmente, 
dentro de uma significação já consolidada, 
particulares experiências políticas do passado recente 
que foram objeto de uma condenação quase unânime. 
Em si mesmo, entretanto, o conceito de Totalitarismo, 
desde que seja reconduzido à sua função de 
representar aquelas experiências políticas, e apenas 
essas, não causa nenhuma deformação ideológica, mas 
constitui um importante instrumento descritivo com 
todas as condições regulares de fazer parte do 
vocabulário da análise política. Ele designa, na 
verdade, um certo modo extremo de fazer política na 
sociedade de massa, bem real e claramente 
identificável, que se manifestou em nosso século com 
conotações de novidade e de grande relevância 
histórica. 
Retomando e resumindo os pontos mais eficazes 
das teorias e das revisões críticas do Totalitarismo 
expostas atrás, acredito que o fenômeno possa ser 
descrito sinteticamente com base em sua natureza 
específica, nos elementos constitutivos que 
contribuem para o formar e nas condições que o 
tornaram possível em nosso tempo. A natureza 
específica do Totalitarismo deve ser identificada dentro 
de características amplamente reconhecidas pela 
pesquisa e que são denotadas pela própria palavra: a 
penetração e a mobilização total do corpo social com 
a destruição de toda linha estável de distinção entre o 
aparelho político e a sociedade. É importante 
sublinhar a ligação entre o grau extremo da 
penetração e o grau extremo da mobilização, uma vez 
que a ação totalitária penetra a sociedade até em suas 
células mais secretas, exatamente na medida em que a 
envolve inteiramente num movimento político 
permanente. Os elementos constitutivos do 
Totalitarismo são a ideologia, o partido único, o 
ditador e o terror. A ideologia totalitária dá uma 
explicação indiscutível do curso histórico, uma crítica 
radical da situação existente e uma orientação para a 
sua transformação também radical. E dirigindo a ação 
para um escopo substantivo (a supremacia da raça 
eleita ou a sociedade comunista) em vez de a dirigir 
para instituições ou para formas jurídicas, justifica-se 
um movimento contínuo para aquele fim e para a 
destruição ou a instrumentalização de qualquer 
instituição e do próprio ordenamento 
jurídico. O partido único, animado pela ideologia, 
contrapõe-se e se sobrepõe à organização do Estado, 
derrubando sua autoridade e o comportamento regular 
e previsível; politiciza também os mais diferentes 
grupos e as mais diversas atividades sociais, minando-
lhes a lealdade e os critérios de comportamento para 
os subordinar aos princípios e aos imperativos 
ideológicos. O ditador totalitário exerce um poder 
absoluto sobre a organização do regime, fazendo 
flutuar as hierarquias a seu bel-prazer, e sobre a 
ideologia de cuja interpretação e aplicação ele é dono 
exclusivo, garantindo e intensificando ao máximo a 
imprevisibilidade e o movimento da ação totalitária, 
através de sua vontade arbitrária, de suas táticas 
móveis para manter seu poder pessoal e do impacto 
dos traços característicos de sua personalidade. O 
terror totalitário, que é derivado conjuntamente do 
movimento de transformação imposto pela ideologia e 
da lógica da personalização do poder, inibe toda 
oposição e as críticas as mais inofensivas e gera 
coercitivamente a adesão e a sustentação ativa das 
massas ao regime e à pessoa do líder. As condições 
que tornaram possível o Totalitarismo são a formação 
da sociedade industrial de massa, a persistência de 
uma arena mundial dividida e o desenvolvimento da 
tecnologia moderna. De um lado, o impacto da 
industrialização nas grandes sociedades modernas, no 
quadro de uma arena mundial insegura e ameaçadora, 
permite e favorece a combinação de penetração e de 
mobilização total do corpo social. De outro lado, o 
impacto do desenvolvimento tecnológicono que toca 
aos instrumentos da violência, os meios de 
comunicação e as técnicas organizacionais de 
vigilância e de controle permitem um grau enorme de 
penetração-mobilização monopólica da sociedade sem 
precedentes na história. 
A exagerada dinâmica da política totalitária 
realizou-se até agora nas fases de desenvolvimento 
mais intenso do domínio de Stalin na Rússia e de 
Hitler na Alemanha. A este propósito convém lembrar 
dois pontos: o primeiro, que deriva diretamente da 
afirmação anterior, é o de que o conceito de 
Totalitarismo não pode aplicar-se a todos os regimes 
comunistas nem a todos os regimes fascistas; o 
segundo é que o fato de o Totalitarismo ter-se 
desenvolvido dentro de um sistema fascista ou 
comunista não autoriza a concluir uma similaridade 
fundamental entre fascismo e comunismo. Quanto ao 
segundo ponto, expus anteriormente as profundas 
diferenças de ideologia, de base social, de orientação 
política e de dinâmica evolutiva que fazem do 
fascismo e do comunismo dois fenômenos políticos 
radicalmente diferentes e contrapostos, com o 
corolário 
TOTALITARISMO 1259 
 
de que a emergência da política totalitária em 
determinados períodos da história da Rússia soviética 
e da Alemanha nazista teve um fundo de condições 
econômico-sociais e uma finalização concomitante do 
impulso mobilizador da sociedade, que eram 
inteiramente diversos. Quanto ao primeiro ponto, 
expusemos já as muitas razões que impedem estender 
o conceito de Totalitarismo a todos os sistemas 
comunistas, incluindo as ditaduras soviéticas pré e 
pós-stalinistas. Algo mais, entretanto, importa 
acrescentar para justificar a afirmação de que não era 
totalitário nem sequer o fascismo italiano, que por 
alguns era considerado o terceiro tipo de 
Totalitarismo e do qual nasceu o próprio nome de 
Totalitarismo. 
Na Itália fascista, a penetração e a mobilização da 
sociedade nunca se comparou àquela que os regimes 
hitlerista ou stalinista conseguiram, nem também 
contou com os elementos constitutivos do 
Totalitarismo em sua dimensão específica. A 
ideologia fascista teve mais uma função expressiva do 
sentimento de comunhão dos membros do partido do 
que uma função instrumental de guia persistente da 
ação política; e, faltando-lhe também o componente 
da supremacia de uma raça eleita, não teve em vista 
uma transformação radical da ordem social. O partido 
fascista foi uma organização relativamente fraca. 
Diante dele, a burocracia estatal, a magistratura e o 
exército conservaram grande parte de sua autonomia. 
Sua ação de doutrinação ideológica foi limitada e fez 
seus pactos por exemplo com as poderosas 
organizações católicas. O terror totalitário fracassou 
quase que totalmente. Entretanto, esteve presente nele 
a personalização do poder, mesmo sem ter atingido o 
ponto de derrubar a instituição monárquica; mas, 
precisamente pela falta dos demais elementos 
característicos do Totalitarismo, Mussolini não 
conseguiu jamais reunir em suas mãos um poder 
comparável com o de Hitler ou de Stalin. 
Puxando os fios destas considerações que fazemos 
a título de conclusão, podemos fixar sinteticamente as 
seguintes proposições sobre a validade e a utilidade 
do conceito de Totalitarismo: ele designa um certo 
modo extremo de fazer política, antecipando-se a uma 
certa organização institucional ou a um certo regime; 
este modo extremo de fazer política, que penetra e 
mobiliza uma sociedade inteira ao mesmo tempo que 
lhe destrói a autonomia, encarnou apenas cm dois 
regimes políticos temporalmente circunscritos; por 
ambas as razões, o conceito de Totalitarismo tem um 
valor muito limitado na análise comparada dos 
sistemas políticos; entretanto, ele é um conceito 
importante que não podemos nem de- 
vemos minimizar, porque denota uma experiência 
política real, nova e de grande relevo que deixou uma 
marca indelével na história e na consciência dos 
homens do século XX. 
BIBLIOGRAFIA — S. NEUMAN, Permanent 
revolution. Praeger. New York 1965"; H. ARENDT. 
Origini del totalitarismo (1951). Comunità. Milano 
1967; J. L. TALMON, Le origini della democrazia 
totalitaria (1952). Il Mulino. Bologna 1967; 
Totalitarianism. ao cuidado de C. J. FRIEDRICH, 
Harvard University Press. Cambridge. Mass. 1954; C. 
J. FRIEDRICH e Z. K. BRZEZINSKI, Totalitarian 
dietatorship and autocracy. Harvard University Press. 
Cambridge, Mass. 1956 (2.ª ed. revista apenas por 
FRIEDRICH. Praeger. New York 1965); F. NEUMANN. LO 
Stato democratico e lo Stato autoritario (1957), Il 
Mulino. Bologna 1973; K. A. WITTFOGEL, Il dispotismo 
orientale (1957). Vallechi, Firenzi 1968; B. MOORE 
JR.. Potere político e teoria sociale (1958). Comunità. 
Milano 1964; cap. II; R C. TUCKER, Towards a 
comparitive politics of movement-regimes, in "American 
political science review", vol. LV (1961), pp. 281-89; 
H. BUCHHEIN. Totalitäre Herschaft. Muenchen 1962; 
A. J. GROTH, The "isms" of totalitarianism, in 
"American political science review". vol. LVIII (1964), 
pp. 888-901; R. C. TUCKER. The dictator and 
Totalitarianism, in "World polities", vol. XVII. julho 
de 1965. pp. 555-83; R. ARON, Démocratie et 
totalitarisme, Gallimard. Paris 1965; H. J. SPIRO, 
Totalitarianism, in International encyclopaedia of the 
social sciences, vol. XVI, Collier-Macmillan, New 
York 1968. pp. 106-13; C. J. FRIEDRICH, M. CURTIS e 
B. R. BARBER. Totalitarianism in Perspective: three 
views. Paeger, New York 1969: L. SCHAPIRO, The 
concept of Totalitarianism. in "Survey". 1969, pp. 93-
115; S. P. HUNTINGTON, Social and institutional 
dynamics of one-party systems, in Authoritarian polities 
in modern society, ao cuidado de S. P. HUNTINGTON e 
C. H. MOORE, Basic Books, New York, 1970. pp. 3-
47; L. SCHAPIRO, Totalitarianism. Pall Mall. London 
1972. 
[MARIO STOPPINO] 
Transformismo. 
As origens do termo, com toda a probabilidade, 
devem remontar a um discurso eleitoral pronunciado 
por Agostinho Depretis em outubro de 1876, quando 
já era chefe reconhecido do partido de esquerda e 
quando havia pouco tempo que chegara à Presidência 
dos Ministros após a chamada "revolução 
parlamentar", ou seja, após a substituição da direita 
histórica pela esquerda na liderança do país, que 
governou ininterruptamente desde a Unificação em 
diante. No texto

Outros materiais

Outros materiais