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Centro Universitário do Estado do Pará - CESUPA Tema: Liberdade de Expressão e o Discurso do Ódio. Material de estudo: MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro – Liberdade de Expressão e o Discurso do Ódio. Data: 17/03/2014 Prof. Msc. João Paulo Mendes Neto 1. Introdução A autora enfatiza de início que para se compreender o que vem a ser o discurso do ódio e qual o tratamento jurídico que deve ser a ele conferido, imprescindível se faz delimitar o direito à liberdade em sentido amplo, qual o seu conteúdo e o papel por ela desempenhado no sistema normativo. Não deixa de mencionar seus múltiplos significados e o tratamento conferido pela Constituição de 1988 à proteção do direito à liberdade. Quanto à liberdade de expressão, é por meio dela que o indivíduo participa da vida em sociedade e das decisões do Estado. Desempenha ela importante papel na preservação da democracia, do pluralismo e do debate público aberto e livre. Por esta razão é vedada a censura e a licença, impondo- se, porém, sejam examinados os limites do exercício desta liberdade: vedação ao anonimato, proibição de violação à honra, à imagem, à vida privada e à intimidade do indivíduo, e a obrigação de indenização por danos materiais ou morais no caso do seu exercício de forma abusiva. O objetivo do trabalho foi enfocar detidamente os aspectos que envolvem o discurso do ódio, voltado em grande parte para as minorias que se sentem violadas em sua dignidade. 2. Da liberdade. 2.1 – Conceito: Para José Afonso da Silva liberdade “consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal”. No aspecto negativo, denominado de liberdade moderna, consiste no direito do indivíduo de não sofrer qualquer impedimento no exercício de uma atividade ou na realização de algo que deseja. Já a liberdade positiva, liberdade antiga, corresponde ao poder de participar das decisões políticas de uma sociedade, é o poder de autogoverno do cidadão. A liberdade dentro da lei é direito de fazer tudo os que as leis permitem. Mas há que haver uma esfera de existência humana na qual não penetra qualquer comando ou proibição. A Constituição de 1988 definiu a liberdade como direito fundamental, cláusula pétrea, constituindo núcleo essencial de seu texto. 2.2 – Liberdade religiosa e de culto. A liberdade de consciência de crença está prevista no inciso VI, do artigo 5º, da CF. A liberdade de crença é tanto de ter uma religião como de não ter religião alguma, como ocorre com os agnósticos e ateus. Também pressupõe a liberdade religiosa a ausência de imposição por parte do Estado de uma religião oficial. Admitem-se, contudo, escolas privadas confessionais. A liberdade de culto consiste no direito de exercer e praticar a religião, e de poder fazê-lo em um lugar destinado para esta atividade. 2.3 – Liberdade de consciência. É assegurada pelos incisos VI e VIII, do artigo 5º, da Constituição Federal. É o direito do indivíduo de eleger entre as várias opções a corrente filosófica, política ou ideológica que preferir, sem sofrer qualquer restrição em virtude delas. A denominada escusa de consciência prestigia o princípio da isonomia na exata medida em que se tratando de obrigação a todos imposta, exige-se o cumprimento de uma prestação alternativa que não viole as suas convicções, de acordo com regulamentação por via da lei ordinária. 2.4 – Direito à informação. Consiste no direito que cada pessoa tem de obter as informações necessárias sobre os mais diversos assuntos, ou seja, o direito de acesso ao conhecimento de maneira neutra e imparcial (art. 5º, inciso XIV, da CF), sem sofrer qualquer restrição por parte do Estado ou da sociedade. A liberdade de informação significa o direito do indivíduo de ser informado, de ter acesso a dados e notícias, bem como, a liberdade dos meios de comunicação de transmitir informações à sociedade, sem qualquer interferência, porém não de forma absoluta, uma vez que encontra limites decorrentes do próprio sistema constitucional. 2.5 – Liberdade de reunião. Vem assegurada no art. 5º, inciso XVI, da CF. Trata-se do direito que as pessoas têm de se agruparem, de forma organizada, para que possam trocar ideias, experiências e opiniões. É, pois, a manifestação coletiva da liberdade de expressão. Fica garantido o direito de convocar uma reunião, bem como todos os atos necessários para sua organização e o direito de dela participar. A reunião tem caráter transitório, não abarcando o direito de associação, que é garantido em outro dispositivo, qual seja, o do inciso XVII, do art. 5º da CF. Em jogo um direito individual no que se refere a seu titular, mas envolve direito coletivo quando se leva em consideração o seu exercício. Exige-se que a reunião seja ligada a fim lícito e que seja exercida de forma pacífica, sem armas. 2.6 – Liberdade de ensino. Trata o presente tópico da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber – art. 206, II, da CF. É a garantia do pluralismo e da diversidade no ensino brasileiro. Constitui garantia da liberdade de expressão na transmissão do conhecimento. Implica direito da livre criação de estabelecimentos de ensino, de adoção de linhas ideológicas, da liberdade de cátedra e da autonomia universitária. Pode ser definida como a “liberdade ideológica na transmissão do saber”. 2.7 – Liberdade de imprensa. Trata-se do direito de expressão pelos veículos de comunicação de massa, é a dimensão coletivo do direito à liberdade de pensamento, na medida em que atinge terceiros. A exigência de transmitir a verdade faz parte da liberdade de imprensa, não, porém, da liberdade de expressão, devido a seu conteúdo abstrato e subjetivo. O poder econômico deve ser contido pelo Estado para que não haja manipulação de informação, implicando o prejuízo, sobremaneira, da formação livre da opinião pública. A liberdade de imprensa não significa uma liberdade para criar os próprios meios de comunicação, que dependem de autorização dos poderes públicos. Houve preocupação com a disciplina destas questões no âmbito constitucional (arts. 220 e 222 da CF). Não só destas, mas também com o conteúdo da programação das emissoras de rádio e televisão, fixando o art. 221 da CF, princípios a serem respeitados, em sintonia com o que prevê o § 2º, inciso II, do artigo 220, da CF. 3. Da liberdade de expressão. 3.1 – A liberdade de expressão nas constituições brasileiras O Brasil, em 07.07.1996, ratificou a declaração de Chapultepec, que é um documento criado por jornalistas, escritores e juristas que contém 10 princípios fundamentais que devem nortear a liberdade de expressão e de imprensa. Assinaram esse tratado os Estados Unidos, Argentina, Bolívia, Guatemala, Paraguai, Nicarágua, Uruguai, Panamá, entre outros. Nele ficou estabelecido como primeiro princípio que “não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício desta não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo”. Há uma vedação à censura, e também às discriminações ou favores aos jornalistas em virtude do conteúdo de suas declarações, bem como a proibição de sanções aos jornalistas por criticarem ou fazerem denúncias contra o poder público. Igualmente declara-se neste documento a liberdade de informação e o sigilo da fonte. Este reconhecimento, no plano internacional, da liberdade de expressão, também sempre esteve presente em todas as Constituições brasileiras, naturalmente que sofrendo variação na extensão da proteção, conforme o sistema político adotado e conforme o grau de democracia assegurado em cada época. A Constituição em vigência (a de 1988) tinha comodesafio a eliminação das restrições de liberdade de expressão da Constituição de 1967, notadamente por via do Ato Institucional 5/98, que assim dispunha: “O ato que decretar a suspensão dos direitos políticos poderá fixar restrições ou proibições relativas ao exercício de quaisquer outros direitos públicos ou privado”. Nesse passo, a “Constituição Cidadã” de 1988 trouxe um extenso rol de direitos relacionados à proteção da liberdade: a liberdade do pensamento, de expressão, ideológica e de reunião passaram a ter destaque, igualmente, com a vedação de toda e qualquer espécie de censura ou licença. A liberdade de imprensa foi valorizada como um elemento necessário à democracia e à promoção do debate público, podendo-se dizer que ela foi tida como “parte integrante de um regime democrático”. 3.2 – Conceito de liberdade de expressão Consiste no direito de cada indivíduo de pensar e abraçar as ideias que desejar sem sofrer restrição ou retaliação por parte do Estado. E tendo em vista o objeto do presente estudo, que é o discurso do ódio, a autora trata a liberdade de expressão como gênero, que abarca a liberdade de pensamento, pois diz respeito à expressão de qualquer “concepção intelectiva”. É nesta linha que André Ramos Tavares concebe que a liberdade de expressão implica a liberdade de manifestação do pensamento por qualquer forma ou veículo. O direito de calar, de não exteriorizar o pensamento, que vem previsto no art. 5º, LXIII da CF, encontra-se protegido pela liberdade de manifestação do pensamento. As liberdades públicas relacionam-se a direitos de liberdade que o Estado garante com uma postura negativa de não fazer. Tomás de Domingo reconhece que a liberdade de expressão exerce uma tríplice função: a de formação da opinião pública, a de instrumento para exercício dos demais direitos dentro da democracia e a de controle dos poderes públicos. A liberdade de expressão envolve não somente um não-fazer Estatal, como também uma atuação positiva do Estado para que seja implementada, por exemplo, investindo na educação pública. A ausência de condições econômicas mínimas impossibilita o exercício da liberdade em todas as suas dimensões. Para que se proteja efetivamente a liberdade individual há que haver igualdade. Elas, entretanto, podem colidir. Há casos em que o excesso de autodeterminação individual pode constituir violação à isonomia. De outro lado, a exaltação da isonomia, na busca de uma justiça social, pode sufocar a liberdade. A relação da opinião pública com a democracia parece decorrer do fato de que ela é formada, precipuamente, pela discussão de matérias referentes ao interesse público. A dimensão civil da liberdade de expressão é a de livre expressão de ideias, opiniões etc... Já a dimensão política desta liberdade está em que esta liberdade de expressão possa contrariar o governo, o Poder Público, sem sofrer coações. Assegurar a pluralidade de opiniões significa conceder mais opções, mais alternativas para que cada indivíduo forme sua própria convicção. 3.2.1 – Vedação à censura. Esta proibição vem estipulada no inciso IX, do art. 5º, e também no § 2º do art. 220, ambos da CF, e não se dirige somente ao Estado, mas para toda e qualquer entidade que esteja em condições de proibir a livre manifestação do pensamento, como igrejas, partidos políticos e associações. Censura vem a ser todo procedimento pelo qual os Poderes Públicos visam a impedir a circulação de certas ideias. A censura pode ser prévia ou a posteriori. Nesta linha, a licença seria a autorização para a manifestação do pensamento, que também é vedada. Não significa censura o conjunto de medidas que o Estado toma no exercício do seu poder de polícia no sentido de responsabilizar os sujeitos pela comunicação de suas ideias, ou classificar a exibição de um filme por faixa etária tendo em vista os interesses de crianças e adolescentes, o que encontra fundamento no art. 220, § 3º da CF. A proibição da censura é uma forma de fomentar o pluralismo, que é um dos fundamentos do Estado brasileiro previsto no art. 1º, IV da CF. E porque esta vedação veio na nossa Constituição no mesmo dispositivo que trata da liberdade de expressão, ela é aplicável a todas as formas de expressão, e nãos somente aos meios de comunicação, tanto que houve repetição desta proibição no § 2º do art. 220 da CF. 3.3. Limites à liberdade de expressão. Os limites à liberdade de expressão devem sempre ser interpretados de maneira restritiva. O próprio Texto Constitucional de 1988 traz restrições expressas à liberdade de expressão, que são: a vedação do anonimato, a proteção à imagem, à honra, à intimidade e à privacidade, bem como o direito de resposta no caso de abuso do direito de expressar do indivíduo. 3.3.1 – Vedação ao anonimato. Esta a previsão do art. 5º, inciso IV da CF. Tal vedação não significa que em todos os textos deva constar o nome de seus autores. O que se está a exigir, tão somente, é que haja um responsável pela emissão daquelas ideias e pensamentos, como ocorre com os editais de jornais, em que a responsabilidade pelo que é veiculado é assumida pela direção do periódico. 3.3.2 – Direito de resposta e indenização por danos morais e materiais. Tanto a Constituição como o direito penal tutelam a honra, a intimidade e a privacidade das pessoas. Na CF, há o inciso V, do art. 5º, que assegura o direito de resposta e a indenização em questão. O direito de resposta deve ser proporcional ao agravo, e não se confunde com a garantia da correlata indenização. Consequências do abuso da liberdade de expressão também são previstas de forma autônoma no direito penal (arts. 138 ao 140 do Código Penal). 3.3.3 – Direito à imagem, à honra, à intimidade e à privacidade. A proteção em apreço é trazida pelo inciso X, do art. 5º, da CF. Em caso de violação à intimidade há que se verificar qual o interesse público existente na divulgação de uma informação relativa a essa intimidade. Essas garantias garantias constituem limites à liberdade de expressão. 3.4 – A liberdade de expressão e as relações privadas. Os direitos fundamentais vinculam tanto o Estado como particulares ou grupos sociais. Vinculam, ainda, o legislador e a jurisprudência. Pode haver conflito entre direitos fundamentais, por exemplo entre a liberdade de imprensa e o direito à intimidade. Os particulares têm obrigação só negativa, ou seja, a de não violar ou obstaculizar o direito do outro. Diferentemente ocorre com o Estado neste tema da liberdade de expressão, já que ele têm a obrigação negativa, e também a positiva, de promoção ou de facilitação do respectivo exercício. 4. Discurso do ódio. 4.1 – Aspectos polêmicos da liberdade de expressão. Atualmente o Estado já não se ocupa, como antes, do combate aos ataques à sua honra, considerada como honra pessoal, mas da proibição das manifestações de opinião que representem um ataque ao seu fundamento de legitimidade. Sob esta ótica apresenta-se de interesse saber se o discurso do ódio, a incitação à pornografia e o financiamento público às atividades culturais e artísticas estão ou não abarcados pelo direito fundamental à liberdade de expressão. 4.1.1 – Incitação à pornografia. O tema do sexismo coloca a mulher como objeto e, assim, em inferioridade para com o homem. Neste contexto, manifestações que impliquem menosprezo ao sexo feminino, como ocorre com a divulgação da pornografia a toda a sociedade, estão a merecer que o Estado regule tal faceta da liberdade de expressão. Na visão de Ronald Dworkin, divulgação desta ordem não reclama proibição, mas proteção, tanto quanto qualquer outra manifestação. 4.1.2 – Financiamento público das atividades artísticas e das campanhaseleitorais. O incentivo a determinado projeto cultural no cenário público deve preservar a diversidade e primar pelo pluralismo, sem que gere privilégio a certo grupo, em detrimento de outro. O financiamento público de campanhas, compensando as desigualdades do financiamento privado, encontra fundamento constitucional no princípio da isonomia, pois confere igualdade de tratamento aos partidos políticos no âmbito do repasse de recursos. 4.2 – Discurso do ódio. Consiste na manifestação de ideias que incitam à discriminação racial, social ou religiosa em relação a determinados grupos, na maioria das vezes, as minorias. Envolve a perpetração da marginalização ou subordinação das pessoas pertencentes ao grupo explorado, mediante o desprezo, ou inclusive o insulto, sobretudo quando trata de traços pessoais que o indivíduo afetado não pode trocar por sua própria vontade, por exemplo, a cor da pele ou seu sexo. Entende-se que a teoria revisionista, por questionar a existência do holocausto ocorrido durante a 2ª Guerra Mundial, estaria incitando a volta daquele regime. Estas manifestações de ódio e desprezo são incompatíveis com o respeito à dignidade da pessoa humana, dado que resultam na exclusão de pessoas de determinadas atividades e, até mesmo, do debate público. Sistemas como o alemão e o francês criminalizam o discurso do ódio pela sua potencialidade de levar a uma predisposição ao cometimento de ações ilegais, racistas ou xenófobas. O discurso do ódio se infirma tão-somente pelo fato de não existir uma verdade absoluta, que não comporte discussão. Ele também pode refletir retaliação de uma minoria que foi dominada, voltado contra pessoas que nada teriam a ver com a violência outrora sofrida pela minoria: exemplo – judeus contra jovens alemães, classificados de assassinos e nazistas. Se para determinado indivíduo deixar de ser ofendido for necessário que ele deixe seu grupo, renunciando opções políticas, crenças e opção sexual, isso significará obrigá-lo a negar a própria personalidade e identidade. Há que se ter cuidado para que, ao se combater o discurso do ódio, não seja gerada intolerância ainda maior. Se a regra geral é não se proibir a liberdade de expressão, a questão que se coloca é a de saber se o discurso do ódio, em vista da proibição pela ordem constitucional da prática de racismo e discriminação, estaria amparado por aquele direito à liberdade de expressão.
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