Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ANAIS DA XXII CONFERÊNCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS Constituição Democrática e Efetivação dos Direitos Volume 3 GESTÃO 2013 - 2016 Diretoria Marcus Vinicius Furtado Coêlho Presidente Claudio Pacheco Prates Lamachia Vice-Presidente Cláudio Pereira de Souza Neto Secretário-Geral Cláudio Stábile Ribeiro Secretário-Geral Adjunto Antonio Oneildo Ferreira Diretor-Tesoureiro Conselheiros Federais AC: Erick Venâncio Lima do Nascimento, Luciano José Trindade e Sérgio Baptista Quintanilha; Florindo Silvestre Poesch e Fernando Tadeu Pierro – in memoriam; AL: Everaldo Bezerra Patriota, Felipe Sarmento Cordeiro e Fernando Carlos Araújo de Paiva; AP: Cícero Borges Bordalo Júnior, Helder José Freitas de Lima Ferreira e José Luis Wagner; AM: Eid Badr, Jean Cleuter Simões Mendonça e José Alberto Ribei- ro Simonetti Cabral; BA: André Luis Guimarães Godinho, Fernando Santana Rocha e Ruy Hermann Araújo Medeiros; CE: José Cândido Lustosa Bittencourt de Albuquerque, José Danilo Correia Mota e Valmir Pontes Filho; DF: Aldemario Araujo Castro, José Rossini Campos do Couto Correa e Marcelo Lavocat Galvão; ES: Djalma Frasson, Marcus Felipe Botelho Pereira e Setembrino Idwaldo Netto Pelissari; GO: Felicíssimo Sena, João Bezerra Cavalcante e Miguel Sampaio Cançado; MA: José Guilherme Carvalho Zagallo, Raimundo Ferreira Marques e Valéria Lauande Carvalho Costa; MT: Cláudio Stábile Ribeiro, Duilio Piato Júnior e Francisco Eduardo Torres Esgaib; MS: Afeife Mohamad Hajj, Alexandre Mantonvani e Samia Roges Jordy Barbieri; MG: Paulo Roberto de Gouvêa Medina, Rodrigo Otávio Soares Pacheco e Walter Cândido dos Santos; PA: Edilson Oliveira e Silva, Iraclides Holanda de Castro e Jorge Luiz Borba Costa; Edilson Baptista de Oliveira Dantas – in memoriam; PB: Carlos Frederico Nóbrega Farias, José Mário Porto Júnior e Walter Agra Júnior; PR: Alberto de Paula Machado, César Augusto Moreno e José Lucio Glomb; PE: Henrique Neves Mariano, Leonardo Accioly da Silva e Pelópidas Soares Neto; PI: Mário Roberto Pereira de Araújo, Sérgio Eduardo Freire Miranda e Sigifroi Moreno Filho; RJ: Carlos Roberto de Siqueira Castro, Cláudio Pereira de Souza Neto e Wadih Nemer Damous Filho; RN: Humberto Henrique Costa Fernandes do Rêgo, Kaleb Campos Freire e Lúcio Teixeira dos Santos; RS: Claudio Pacheco Prates Lamachia, Cléa Carpi da Rocha e Renato da Costa Figueira; RO: Antônio Osman de Sá, Elton José Assis e Elton Sadi Fülber; RR: Alexandre César Dantas Soccorro, Antonio Oneildo Ferreira e Bernardino Dias de Souza Cruz Neto; SC: José Geraldo Ramos Virmond, Luciano Demaria e Robinson Conti Kraemer; SP: Guilherme Octávio Batochio, Luiz Flávio Borges D’Urso e Márcia Machado Melaré; SE: Evânio José de Moura Santos, Henri Clay Santos Andrade e Maurício Gentil Monteiro; TO: André Luiz Barbosa Melo, Ercílio Bezerra de Castro Filho e Gedeon Batista Pitaluga Júnior. Conselheiros Federais Suplentes AC: Wanderley Cesário Rosa; AL: Aldemar de Miranda Motta Junior, Fernanda Marinela de Sousa Santos e Rodrigo Borges Fontan; AP: Alex Sampaio do Nascimento, Luiz Carlos Starling Peixoto e Vladimir Belmino de Almeida; AM: João Bosco de Albuquerque Toledano e Renato Mendes Mota; BA: Gaspare Saraceno e José Maurício Vasconcelos Coqueiro; CE: Kennedy Reial Linhares e Mário Carneiro Baratta Monteiro; DF: Evandro Luís Castello Branco Pertence, Felix Angelo Palazzo e Nilton da Silva Correia; ES: Elisa Helena Lesqueves Galante; GO: Jaime José dos Santos, Pedro Paulo Guerra de Medeiros e Reginaldo Martins Costa; MA: Daniel Blume de Almeida, Maria Helena de Oliveira Amorim e Rodrigo Pires Ferreira Lago; MT: José Antonio Tadeu Guilhen e Oswaldo Pereira Cardoso Filho; MG: Mário Lúcio Soares Quintão, Sérgio Augusto Santos Rodrigues e Sérgio Santos Sette Câmara; PB: Gilvania Maciel Virginio Pequeno, Wilson Sales Belchior e Sheyner Yasbeck Asfora; PA: José Alberto Soares Vasconcelos e Marcelo Augusto Teixeira de Brito Nobre; PR: Flávio Pansieri, Hélio Gomes Coelho Junior e Manoel Caetano Ferreira Filho; PE: Antônio Ricardo Accioly Campos, Hebron Costa Cruz de Oliveira e João Olímpio Valença de Mendonça; RJ: Luiz Gustavo Antônio Silva Bichara e Sergio Eduardo Fisher; RN: Daniel Victor da Silva Ferreira e Eduardo Serrano da Rocha; RO: Eurico Soares Montenegro Neto, Francisco Reginaldo Joca e Maria Luiza de Almeida; RR: Gierck Guimarães Medeiros, Gutemberg Dantas Licarião e Oleno Inácio de Matos; SC: Charles Pamplona Zimmermann e Wilson Jair Gerhard; SP: Aloisio Lacerda Medeiros, Arnoldo Wald Filho e Marcio Kayatt; SE: Carlos Alberto Monteiro Vieira, Jorge Aurélio Silva e Lenora Viana de Assis; TO: Carlos Augusto de Souza Pinheiro e Celma Mendonça Milhomem Jardim. Ex-Presidentes 1. Levi Carneiro (1933/1938) 2. Fernando de Melo Viana (1938/1944) 3. Raul Fernandes (1944/1948) 4. Augusto Pinto Lima (1948) 5. Odilon de Andrade (1948/1950) 6. Haroldo Valladão (1950/1952) 7. Attílio Viváqua (1952/1954) 8. Miguel Seabra Fagundes (1954/1956) 9. Nehemias Gueiros (1956/1958) 10. Alcino de Paula Salazar (1958/1960) 11. José Eduardo do P. Kelly (1960/1962) 12. Carlos Povina Cavalcanti (1962/1965) 13. Th emístocles M. Ferreira (1965) 14. Alberto Barreto de Melo (1965/1967) 15. Samuel Vital Duarte (1967/1969) 16. Laudo de Almeida Camargo (1969/1971) 17. Membro Honorário Vitalício José Cavalcanti Neves (1971/1973) 18. José Ribeiro de Castro Filho (1973/1975) 19. Caio Mário da Silva Pereira (1975/1977) 20. Raymundo Faoro (1977/1979) 21. Membro Honorário Vitalício Eduardo Seabra Fagundes (1979/1981) 22. Membro Honorário Vitalício J. Bernardo Cabral (1981/1983) 23. Membro Honorário Vitalício Mário Sérgio Duarte Garcia (1983/1985) 24. Membro Honorário Vitalício Hermann Assis Baeta (1985/1987) 25. Márcio Th omaz Bastos (1987/1989) 26. Ophir Filgueiras Cavalcante (1989/1991) 27. Membro Honorário Vitalício Marcello Lavenère Machado (1991/1993) 28. Membro Honorário Vitalício José Roberto Batochio (1993/1995) 29. Membro Honorário Vitalício Ernando Uchoa Lima (1995/1998) 30. Membro Honorário Vitalício Reginaldo Oscar de Castro (1998/2001) 31. Membro Honorário Vitalício Rubens Approbato Machado (2001/2004) 32. Membro Honorário Vitalício Roberto Antonio Busato (2004/2007) 33. Membro Honorário Vitalício Cezar Britto (2007/2010) 34. Membro Honorário Vitalício Ophir Cavalcante Junior (2010/2013). ANAIS DA XXII CONFERÊNCIA NACIONAL DOS ADVOGADOS Constituição Democrática e Efetivação dos Direitos Volume 3 Rio de Janeiro, 20 a 23 de Outubro de 2014 © Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal, 2015 Setor de Autarquia Sul - Quadra 5, Lote 1, Bloco M Brasília, DF CEP 70.070-939 Fones: (61) 2193-9600 e-mail: biblioteca@oab.org.br Tiragem: 1.000 exemplares impressos Organização: Francisca Miguel, Simone Souza dos Reis, Suzana Dias da Silva, Cristina Britto, Aline Portela Bandeira, Marina Araújo Ferraz de Castro e Marcelo Ribeiro Melo. Capa: Susele Bezerra de Miranda Fotos: Eugenio Novaes FICHA CATALOGRÁFICA Conferência Nacional dos Advogados (22. : 2014 : Rio de Janeiro, RJ) C748a Anais da XXII Conferência Nacional dos Advogados : constituição democrática e efetivação dos direitos, Rio de Janeiro, 20 a 23 de outubro de 2014 / organização: Francisca Miguel, Simone Souza dos Reis, Suzana Dias da Silva, Cristina Britto, Aline Portela Bandeira, Marina Araújo Ferraz de Castro e Marcelo Ribeiro Melo - Brasília: OAB, Conselho Federal, 2015. 3 v. ; il. ISSN 2175-5752 1. Advogado - Congresso - Brasil. 2. Direito constitucional. 3. Democracia. I. Ordem dos Advogados do Brasil. Conselho Federal. III. Título. CDDDir: 341.41504 Suzana Dias da Silva – CRB1/1964 SUMÁRIO PAINEL 30 - DIREITOS HUMANOS E O SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO.....15 A Evolução dos Direitos Humanos .................................................................................. 17 FábioKonder Comparato Espionagem internacional e a proteção dos direitos ...................................................... 27 Antonio Celso Alves Pereira Os Direitos Humanos e sua Proteção Internacional ....................................................... 33 Beinusz Szmukler A proteção da criança pela Conferência da Haia de Direito Internacional Privado .............. 38 Mônica Sifuentes Anistia, bloco de convencionalidade e controle de convencionalidade: ainda as repercussões de Gomes Lund. V. Brasil. ................................................................................................ 42 Luiz Guilherme Arcaro Conci Uma experiência suíça ..................................................................................................... 67 Gilbert Kolly PAINEL 31 - EXPRESSÃO, COMUNICAÇÃO E MANIFESTAÇÕES.......................................75 Liberdade de Imprensa .................................................................................................... 77 Carlos Ayres Britto Democratização da Mídia ................................................................................................ 81 Marcello Lavenère Machado O interesse social e a privacidade nas biografi as não autorizadas .................................. 84 Carlos Araújo Internet e mídias sociais .................................................................................................. 88 Luís Nassif A jurisprudência após a revogação da lei da imprensa ................................................... 94 José Rogério Cruz e Tucci Criminalização dos Movimentos Sociais ........................................................................ 97 Francisco Guimarães Democracia Digital ........................................................................................................ 101 Luiz Flávio Gomes Democracia Partidária ................................................................................................... 104 Antonio Augusto Brandão de Aras PAINEL 32 - GOLPE DE 64 E SEUS REFLEXOS.....................................................................111 Advocacia da Resistência ............................................................................................... 113 Técio Lins e Silva Ordenação jurídica do golpe e seus refl exos nas garantias dos direitos fundamentais ............119 Wadih Nemer Damous Filho Memória e Verdade. Para não repetir ............................................................................ 124 Pedro Dallari A Lei da Anistia em debate ............................................................................................ 130 Eugenia Augusta Gonzaga PAINEL 33 - ORÇAMENTO, FINANÇAS E TRANSPARÊNCIA........................................137 A correção da tabela do imposto de renda de acordo com a infl ação .......................... 139 Ricardo Lodi Precatórios: Cenários e Perspectivas ............................................................................. 147 Marco Antonio Innocenti Transparência das contas públicas ................................................................................ 154 José Lúcio Glomb Democracia participativa e cidadania ........................................................................... 161 Patrus Ananias A Carta do Contribuinte Brasileiro .............................................................................. 165 Maria de Fátima Cartaxo PAINEL 34 - CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.............................171 O Princípio Constitucional da Participação Popular na Administração Pública ...............173 Maria Sylvia Zanella Di Pietro A controversa responsabilidade objetiva na Lei 12.846/13 ........................................... 177 Pierpaolo Bottini A prescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário .............................................. 182 Mauricio Zockum O Acesso à Informação e Cidadania............................................................................... 187 Weida Zancaner PAINEL 35 - ADVOCACIA GLOBALIZADA E O BRASIL.............................................193 Globalização, Advogados e Economias Emergentes ...................................................... 195 David Wilkins Propriedade intelectual, acesso a recursos genéticos e biotecnologia ........................... 202 Gabriel Francisco Leonardos O legado da Copa do Mundo e as perspectivas para os Jogos Olímpicos ..................... 211 Gustavo Schmidt O Direito como fator de competitividade ...................................................................... 216 Silvia Menicucci PAINEL 36 - O SISTEMA OAB.............................................................................................227 A OAB e o direito do desenvolvimento ......................................................................... 229 Arnoldo Wald O Conselho Federal e a representação institucional da advocacia ............................... 233 Cezar Britto Gestão de Tesouraria ..................................................................................................... 237 Antonio Oneildo Ferreira Conselhos Seccionais e Subseções: o papel social e a defesa da advocacia .................... 242 Valdetário Andrade Monteiro As Caixas de Assistência e a proteção social do advogado ............................................ 246 Paulo Marcondes Brincas A Escola Nacional de Advocacia, as Escolas Superiores e a formação continuada dos advogados........................................................................................................................ 251 Henri Clay Santos Andrade O papel essencial das Comissões ................................................................................... 254 Fábio Nogueira O papel das Ouvidorias .................................................................................................. 257 José Alberto Ribeiro Simonetti Cabral Reforma Eleitoral da OAB .............................................................................................. 259 Luiz Viana Queiroz PAINEL 37 - A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA VULNERABILIDADE..................263 Cotas raciais como mecanismo de inclusão social ......................................................... 265 Humberto Adami Santos As pessoas com defi ciência e o desafi o da efetividade dos seus direitos ....................... 269 Joaquim Santana Neto O Direito Constitucional e fundamental à jurisdição indígena no Brasil ................... 279 Edson Damas da Silveira A Lei Maria da Penha ...................................................................................................... 288 Maria da Penha Maia Fernandes A Violência contra a mulher em números ..................................................................... 293 Tânia Reckziegel PAINEL 38 - INFRAESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO..............................................299 Direito fundamental ao ambiente na pós-modernidade: operadores jurídicos entre a preservação e o desenvolvimento ................................................................................... 301 Ney de Barros Bello Filho Reequilíbrio econômico-fi nanceiro de contratos de concessão e PPP ......................... 306 Maurício Portugal Ribeiro Petróleo, Pré-Sal e o futuro energético do Brasil ........................................................... 311 Gilberto Bercovici A organização jurídica da infraestrutura ...................................................................... 329 José Francisco Siqueira Neto A regulação no setor aeroportuário: dilemas e possibilidades ...................................... 333 Flávio Pansieri PAINEL 39 - MARCOS REGULATÓRIOSE SEGURANÇA JURÍDICA............................339 O papel das agências reguladoras ................................................................................... 341 Carlos Frederico Nóbrega Farias PPPs: balanços e perspectivas ......................................................................................... 345 Christian Fernandes Gomes da Rosa A nova regulação pública brasileira: economia comportamental, análise de impacto regulatório e nova governança ....................................................................................... 350 José Vicente Santos de Mendonça As Relações Entre o Antitruste e a Regulação ................................................................ 357 Ana Frazão PAINEL 40 - PRERROGATIVAS COMO GARANTIA DO CIDADÃO E INSTRUMENTO DO ADVOGADO..................................................................................................................361 Lei de Lavagem de Dinheiro e Advocacia ...................................................................... 363 Rodrigo Otávio Soares Pacheco O Advogado, Persuasão do Juiz e Prerrogativas ............................................................ 367 Lorenzo Bujoza Vadell O livre acesso do advogado aos Fóruns e Tribunais ...................................................... 370 Mário de Andrade Macieira Sigilo profi ssional e inviolabilidade do local de trabalho do advogado ........................ 374 Leonardo Accioly da Silva A violação das prerrogativas como crime de abuso da autoridade ............................... 377 Luiz Flávio Borges D´Urso A defesa legislativa das prerrogativas ............................................................................. 382 Eduardo Pugliesi 1ª TRIBUNA LIVRE ............................................................................................................. 387 Mudanças ambientais globais e a liderança do Brasil no cenário internacional .......... 389 Maria Artemísia Arraes Hermans Processo eletrônico e certifi cação digital ...................................................................... 395 Ataíde Pereira Brisola Politição da justiça e judicialização do Supremo Tribunal Federal em políticas públicas de direitos sociais ........................................................................................................... 397 Jorge Folena O direito de não produzir prova contra si mesmo: “Nemo Tenetur Se Detegere” no direito brasileiro ........................................................................................................................ 403 Karla Cuellar A Resolução n. 125 do Conselho Nacional de Justiça e o excessivo empenho paliativo dos tribunais na solução dos confl ites frente às causas da judicialização do consumo de massa ...................413 Alessandro Luis Faria Maciel A responsabilidade civil dos meios de comunicação em suas produções e veiculações de produtos infanto juvenil. .............................................................................................. 423 Sandra Helena Cabral O direito ao conhecimento da origem bilógica dos conceptos por reprodução assistida heteróloga internacional ................................................................................................. 432 Edna Raquel e Lucian Helena Por uma maior autonomia das Subseções como forma de melhor alcançar as fi nalidades da OAB .......................................................................................................................... 441 Felipe Cazuo Azuma 2ª TRIBUNA LIVRE ............................................................................................................ 445 Uma visão acadêmica dos meios alternativos de solução de confl ito ........................... 447 Nivea Maria Dutra Pacheco A busca da efetivação do direito de “acesso à justiça” através da substituição processual inclusiva, tendo como destinatário qualquer pessoa desprovida de condições mínimas e de capacidade própria para o exercício de seus direitos e garantias fundamentais ...... 455 Alcides Pereira de França Razoabilidade e proporcionalidade como referencial de aplicabilidade da justiça ..... 462 Viviane Bastos Licitação e tecnologia da informação: o surgimento do pregão eletrônico ................. 471 Carina Raubach As ideias jurídicas do Padre Antonio Vieira ................................................................. 479 João Batista Ericeira Justiça restaurativa para a criança e o adolescente: uma Justiça que humaniza o processo socioeducativo ................................................................................................................ 485 Carina B. Gouvêa A efetivação dos direitos fundamentais ......................................................................... 493 Noélia Castro de Sampaio A política agrária e a agricultura familiar brasileira: A construção de um reconhecimento jurídico ........................................................................................................................... 498 Bruna Nogueira Almeida Ratke Da relação entre a crise de representitividade no modelo democrático brasileiro e as manifestações populares de junho de 2013 ................................................................... 506 João Quinelato de Queiroz 3ª TRIBUNA LIVRE ............................................................................................................. 515 Princípios fundamentais do Estado democrático: paradoxos e desafi os ...................... 517 Sérgio Sant’anna A repercussão geral analisada pela sociedade aberta de intérprete ............................. 524 Adriana Cecílio Marcos dos Santos Ortotanásia: adoção de cuidados paliativos e efetividade do direito existencial à autoder- terminação ..................................................................................................................... 529 Hildeliza Lacerda e Raquel Veggi A proteção da pessoa idosa por meio das disposições penais do Estatuto do Idoso ............539 André Luis da Silva Gomes A tutela dos Estados sobre os recursos hídricos à luz da Constituição de 1988 ........... 545 Mariana Matos Oliveira Controle jurisdicional de políticas públicas em saúde ................................................. 552 Rodrigo Vieira Silveira Política nacional de cultura como instrumento da efetivação dos direitos culturais no Brasil..................................................................................................................................561 Katia Bizinotto Resumo Atualização de débitos judiciais e extrajudiciais tendo como indexador índices mercado- lógicos ............................................................................................................................. 571 Raimundo Cândido da Silva Júnior O estímulo à indústria do descumprimento dos direitos básicos do consumidor no con- tecioso de massa ............................................................................................................. 575 Sérgio Luiz Cordeiro Fernandes Devido processo legal administrativo: Direito fundamental indissociável da democracia ....581 Helemara Maria 4ª TRIBUNA LIVRE ............................................................................................................. 585 O “novo” constitucionalismo e a (in)justiça fi scal no Brasil – Th e new constitucionalism and the (in)justice tax in Brazil. .................................................................................... 587 Claudio Carneiro A garantia do acesso à justiça por meio da mediação de confl itos e o papel do advogado nesse contexto .................................................................................................................595 Joyce Cristina de Oliveira Rezende A função social da propriedade urbana e a sustentabilidade das cidades emergentes ........604 Lucimara Deretti O controle dos atos de gestão da adminitração pública no regime próprio de previdência através da participação popular .................................................................................... 612 Márcia Cristina Lamego e Sônia Regina Lamego Lino Nepotismo no serviço público brasileiro: um descompasso entre o regime jurídico administrativo e a aplicabilidade da Súmula Vinculante n. 13 .................................... 621 Caroline Lobato Judicialização excessiva de insumos e medicamentos em desfavor do Estado: uma proposta de análise sobre as políticas públicas e os efeitos negativos de sua inefi cácia para as fi nanças públicas e o abarrotamento do judiciário ...................................................................... 631 Th aís Vasconcelos Garcia de Oliveira e Ana Lúcia Damascena O papel da advocacia no aprimoramento da democracia participativa: o caso da efetivação das políticas públicas ...................................................................................................... 640 Rogério Magnus Varela Gonçalves A extinção da carteira de previdência dos advogados de São Paulo ............................. 641 Maurício Canto A geometria da exclusão ................................................................................................. 645 Jorge L. B. Alves Junior Crimes contra os direitos humanos nas redes sociais .................................................... 654 José Marques de Vasconcelos Filho Painel 30 DIREITOS HUMANOS E O SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO CONFERENCISTAS Fábio Konder Comparato Antonio Celso Alves Pereira Beinusz Szmukler Mônica Sifuentes Luiz Guilherme Arcaro Conci Gilbert Kolly MESA Presidente: Georghio Alessandro Tomelin Secretário: Raimundo Ferreira Marques Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal 17 30.1 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS FÁBIO KONDER COMPARATO1 Para que se possa entender a essência dos direitos humanos, é indispensável compreender que toda organização social é estruturada em torno de dois elementos: o sistema de valores éticos, vigente nessa sociedade, e a organização de poderes. O conjunto dos valores éticos de natureza social constitui o cerne daquilo que, nas ciên- cias sociais contemporâneas, passou a chamar-se mentalidade coletiva, correspondente ao que Montesquieu denominou o espírito das leis. Sua vigência, durante certo tempo, engendra o estabelecimento de costumes; vale dizer, comportamentos sociais persistentes. Quanto à organização de poderes, ela apresenta sempre uma estrutura hierárquica, culminan- do com o poder supremo ou soberania. É justamente em função do titular desta, como salientou Aristóteles,2 que são classifi cados os regimes políticos. O poder soberano impõe à coletividade normas de conduta; ou seja, aquilo que se denomina, propriamente, direito positivo (ius positum). Tais elementos estruturais são intimamente inter-relacionados, de tal modo que, quando ocorre uma séria contradição entre eles, a organização social tende a desfazer-se. O poder supremo, ainda que dispondo do monopólio da força armada, não pode jamais exercer-se em detrimento dos valores dominantes na sociedade. Correlatamente, uma instituição social é capaz de moldar durante muito tempo, mesmo depois de abolida, a mentalidade e os costumes de um povo. Foi o que sucedeu no Brasil com a escravidão legal de africanos e afrodescendentes, a qual durou quase quatro séculos, e engendrou, entre os negros e pobres de modo geral, uma atitude de servilismo em relação aos potentados privados e ao patronato político, atitude essa que perdura até hoje. Como pôde constatar uma missão da ONU em visita ao Brasil no fi nal de 2013, os negros formam a maioria das pessoas assassinadas; são os que têm menor escolaridade, menores salários, maior taxa de desemprego, menos acesso aos serviços de saúde; são os que morrem mais cedo, os que têm a menor participação no PIB, e que mais lotam as prisões. Mas são também os que menos exercem funções políticas ou na Administração Pública. Vejamos então sucintamente, com base nessas observações preliminares, a evolução histórica dos direitos humanos. A exposição será desenvolvida em duas partes, sendo a primeira relativa ao período transcorrido até o presente, e a segunda concernente à prospectiva desse sistema de direitos nas décadas vindouras. Evolução dos Direitos humanos até o Presente Durante milênios, em todas as civilizações mundo afora, mentalidade coletiva e organização de poderes foram moldados pela fé religiosa. Dado o caráter dogmático e exclusivista da maior parte das religiões, notadamente as monoteístas, o seu sistema ético costuma ser fi xado uma vez por todas, defi nitivamente, com a repulsa dos seguidores de outros credos. Ora, o homem, em sua própria essência, é um ser histórico. O que signifi ca que a espécie humana não cessa de desenvolver-se com o passar do tempo, em todas as suas dimensões: física, mental e social. Essa evolução contínua altera, necessariamente, os padrões éticos tradicionais, 1 Professor Emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Doutor em Direito da Universidade de Paris, Doutor Honoris Causa da Universidade de Coimbra, Titular da Medalha Rui Barbosa da Ordem dos Advogados do Brasil. 2 Política 1383 b, 5 e ss. 18 An ai s da X XI I C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os Vo lu m e 3 moldados pela fé religiosa. Por exemplo, a maioria das religiões aceitou como legítimas, até o século XIX, as práticas de escravidão, bem como a tortura de réus em processos penais. Ainda hoje, nas religiões monoteístas, a mulher tem um estatuto inferior ao do homem. A grande transformação cultural teve início por volta do século VIII a. C., ao se abrir aquele momento histórico que Karl Jaspers denominou período axial (Achsenzeit).3 Ele representou, com efeito, uma espécie de eixo histórico, separando aos poucos, defi nitivamente, o passado e o futuro. Foi nesse período histórico, a partir do século VI a. C. na Jônia e do século seguinte em Atenas, que surgiu o primeiro sistema de explicação do mundo, fundado na razão humana e não mais na fé religiosa: a fi losofi a. Principiou-se, desde então, a conceber a existência de direitos e deveres próprios do ser humano, não revelados ou impostos pela divindade. Na Baixa Idade Média europeia, nasce a civilização capitalista, que se tornou, graças à sua rápida expansão nos séculos ulteriores, a primeira civilização mundial da História. O espírito próprio do capitalismo, para usarmos da expressão consagrada de Max Weber, é formado por várias características radicalmente opostas à tradição milenar dos povos indo-eu- ropeus, a saber, o individualismo, com a busca do próprio interesse material como fi nalidade última da vida; a submissão da esfera de vida pública à vida privada; a concorrência, em lugar da cooperação social; a substituição das tradições ancestrais por um modelo de vida voltado para o futuro; o domínio tecnológico como instrumento de progresso. Os empresários europeus, ao se deslocarem para outras regiões do globo terrestre, fi zeram questão de aceitar as religiões nelas professadas, desde que lhes fosse reconhecida a liberdade de atuação no campo econômico. Passaram, até mesmo, a manter relações comerciais com as organizações religiosas, ou a fi nanciar seus empreendimentos, acabando por tornar algumas delas verdadeiras empresas capitalistas. Quanto à estrutura de poder, própria do capitalismo, ela sempre apresentou um caráter dúplice, nos dois sentidos da palavra: dobrado e dissimulado. De acordocom o princípio de separação entre a vida pública e a esfera privada, estabele- ceu-se a distinção política entre o Estado e a sociedade civil, sustentando-se que o empresariado submete-se ao poder estatal, desde que o Estado não interfi ra na vida econômica privada. Na realidade histórica, porém, como Fernand Braudel bem advertiu, “o capitalismo só triunfa quando se identifi ca com o Estado, quando é o Estado”.4 Foi justamente no período de decadência do Ancien Régime na Europa, quando a classe burguesa passou a acumular crescente poderio econômico diante dos estamentos privilegiados – o clero e a nobreza –, que surgiram as primeiras declarações modernas de direitos humanos: o Habeas-Corpus Act de 1679 e o Bill of Rights de 1689, na Inglaterra; bem como as declarações constitucionais das Revoluções Americana e Francesa do fi nal do século XVIII. Na verdade, tais direitos e liberdades individuais foram instituídos pelo novo titular da soberania – a classe burguesa –, em seu próprio interesse e benefício. Em razão disso, estabeleceu-se nesse campo, desde o início, uma duplicidade enganadora. Enquanto a burguesia defendia vigorosamente o respeito às liberdades individuais, como forma de contrapoder privado diante da possível opressão estatal, na realidade política tais liberdades passaram a existir unicamente para os próprios burgueses. A crescente divisão entre a minoria abastada e a multidão de pobres ou miseráveis, a partir da Revolução Industrial, tornava prati- camente impossível o exercício, por estes últimos, dos direitos e garantias declarados nos textos jurídicos ofi ciais. O mesmo ocorreu com o princípio fundamental da isonomia. Como afi rmou o personagem de um romance de Anatole France,5 “a lei, em sua majestosa igualdade, proíbe tanto ao rico quanto 3 Cf. Vom Ursprung und Ziel der Geschichte, 1ª ed. em 1949, 8ª ed., Munique-Zurique (R. Piper & Co. Verlag), 1983, pp. 19-42. 4 La dynamique du capitalisme, Éditions Flammarion, 2008, p. 68. 5 L’Aff aire Cranquebille. Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal 19 ao pobre furtar um pão, mendigar nas ruas ou dormir sob as pontes”. Ou então, segundo a bem conhecida fórmula, cunhada por George Orwell em Animal Farm, “todos são iguais; sempre há, todavia, alguns mais iguais do que outros”. A forma de produção industrial estabeleceu, sobretudo na relação de emprego entre operá- rios e patrões, uma funda desigualdade de posições jurídicas, a qual passou a ser vigorosamente denunciada pelos pensadores socialistas, comunistas e anarquistas, desde meados do século XIX. Mas os direitos humanos de conteúdo econômico e social somente começaram a ser introduzidos nos ordenamentos jurídicos estatais, por efeito da transformação mundial provocada pela Grande Guerra de 1914 – 1918. A Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919 foram as primeiras a declarar tais direitos. Acontece que o processo de crescente desigualdade socioeconômica, desencadeado pela Revolução Industrial capitalista, estabeleceu-se não apenas dentro de cada país, mas também entre as diferentes regiões do globo. Assim é que, até o fi nal do século XVIII, a diferença estimada entre a nação mais rica e a mais pobre do planeta sempre foi inferior à proporção de 2 para 1. A partir do início do século XIX, todavia, tal relação foi sendo alargada, sem cessar e rapidamente, de modo que no início do século XX ela já era de 540 para 175; em 1950, de 1.054 para 203. Ao cabo da primeira década do atual século, verifi cou-se que a renda nacional per capita do Burundi era 624 vezes menor do que a da Noruega, fato jamais registrado no curso da História. A razão disso é que, inexistindo uma organização dotada de poder político no plano in- ternacional, as nações mais desenvolvidas, econômica e socialmente, passaram a exercer uma dominação incontrastável sobre todas as regiões subdesenvolvidas. Seja como for, as atrocidades sem conta, praticadas pouco antes da Segunda Guerra Mundial e durante o seu desenrolar, calaram fundo na consciência ética da humanidade. Em 1945, foi criada a Organização das Nações Unidas, cuja Carta de fundação expressa, logo em seu preâmbulo, que os povos nela reunidos resolveram “reafi rmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas”. Lamentavelmente, porém, a ONU foi criada pela oligarquia das potências vitoriosas na Segunda Guerra Mundial, as quais estabeleceram, em seu próprio benefício, o privilégio do poder de veto no Conselho de Segurança. Em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou por unanimidade, embora com várias abstenções, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual constituiu um marco histórico. Pela primeira vez, os representantes da quase totalidade dos Estados então existentes afi rmavam, solenemente, que “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. O fato é que, logo após o encerramento do segundo confl ito bélico mundial, despontou, na consciência coletiva das populações exploradas pelo capitalismo internacional, um sentimento de revolta contra as potências coloniais, e a disposição de lutar pelo estabelecimento de um sis- tema de controle internacional do poder econômico. Em abril de 1955, 23 países asiáticos e três africanos, reunidos em Bandung, na Indonésia, declararam-se independentes em relação aos dois blocos de potências antagônicos que se enfrentavam na chamada Guerra Fria, dando origem ao movimento mundial dos países do Terceiro Mundo; expressão cunhada pelo economista francês Alfred Sauvy, em alusão ao Tiers État do Ancien Régime. Iniciou-se, então, a construção de uma nova espécie de direitos humanos, fundada no prin- cípio de que todos os povos, à imagem dos seres humanos, são livres e iguais, em dignidade e direitos. É o que declara o artigo 19 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Direitos dos Povos de 1981. Na segunda metade do século XX, a humanidade em seu conjunto principiou a tomar cons- ciência de que ela, também, como todos os demais integrantes da bioesfera, está sujeita ao risco 20 An ai s da X XI I C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os Vo lu m e 3 de extinção. Os direitos da humanidade passaram, desde então, a ser ofi cialmente declarados; por exemplo, na Convenção sobre o Direito do Mar de 1982 e na Convenção sobre a Diversidade Biológica de 1992. Persiste, contudo, um obstáculo maior à efetiva aplicação dos direitos dos povos e dos direitos da humanidade: é a ausência de uma organização do poder político no plano mundial. Com isto, podemos passar a cogitar das perspectivas futuras do sistema de direitos humanos, no mundo todo. O Aperfeiçoamento do Sistema de Direitos Humanos Duas ponderações preliminares fazem-se necessárias. Em primeiro lugar, o princípio de que o respeito integral aos direitos humanos é o funda- mento de um autêntico Estado de Direito, pois a proteção da dignidade humana constitui o fator de legitimidade última de toda organização política. Em segundo lugar e correlatamente, o princípio de que o fundamento de validade dos direitos humanos não se encontra no direito positivo, nacional ou internacional – vale dizer, na vontade dos que exercem o poder – mas sim na consciência ética coletiva. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, celebrada em 1969, aplica esse prin- cípio em seu artigo 53, ao dispor sobre as normas imperativas de direito internacional geral, denominadas ius cogens: “É nulo o tratado que, no momento de sua conclusão, confl ita com uma norma imperativa de direito internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu conjunto, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida, e que só pode ser modifi cada por nova norma de direito internacional geral da mesma natureza.” Já anteriormente, aliás, a Constituição (Grundgesetz) da República Federal Alemã de 1949, em seu art. 1º, distinguiu os direitos humanos em geral (Menschenrechte) daqueles que denominou direitos fundamentais (Grundrechte): os primeiros, declara o texto constitucional, são “o funda- mento de toda comunidade humana, da paz e da justiça universais”; ao passo que os segundos são os direitos humanos expressamente declarados no texto constitucional. Isto posto, vejamos quais as medidas mais adequadas para aperfeiçoar o sistema de direitos humanos, tanto no plano nacional quanto no internacional. A – O aperfeiçoamento do sistema de direitos humanos no plano nacional Nesse particular, refl etindo sobre a realidade específi ca de nosso país, parece-me indispensável sejam adotadas as seguintes medidas. (a) A instituição de um autêntico regime democrático De acordo com o artigo XXI da Declaração Universal dos Direitos Humanos, “todo homem tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de repre- sentantes livremente escolhidos”. Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal 21 A Constituição Brasileira de 1988, por sua vez, declara solenemente, em seu art. 14, que a soberania popular será exercida, não só pela via eleitoral, mas também pelo plebiscito, o referen- do e a iniciativa popular. Acontece que a mesma Constituição, em seu art. 49, inciso XV, dispõe como sendo da competência exclusiva do Congresso Nacional “autorizar referendo e convocar plebiscito”; sendo que esta última norma foi interpretada pela Lei nº 9.709, de 1998, como dando aos representantes do povo no órgão legislativo o poder de decidir, em instância suprema, quan- do e como a vontade popular poderá ser manifestada. Ou seja, os mandatários políticos não se submeteriam às decisões do mandante. Como se percebe, de acordo com essa interpretação, a democracia brasileira, tal como o deus romano Janus, teria duas faces: a ofi cial, de mera aparência, e a face oculta, consagrando o poder oligárquico. Inconformado com esse despautério, propus ao Conselho Federal da OAB a apresentação à Câmara dos Deputados de um projeto de lei para revogar a Lei nº 9.709, de 1998, e subordinar a regra do art. 49, XV da Constituição ao princípio fundamental, expresso no art. 14. Ou seja, a competência exclusiva do Congresso Nacional diz respeito, tão só, à regularidade procedimen- tal do plebiscito e do referendo; ela não alcança, em hipótese alguma, a substância da vontade soberana expressa pelo povo, por meio desses instrumentos constitucionais. Tal proposta converteu-se no Projeto de Lei nº 4.718, de 2004, daquela Casa do Congresso Nacional, projeto esse que, até hoje, não chegou à votação fi nal. Mas a instituição de um autêntico regime democrático, entre nós, não depende apenas da não-submissão da vontade popular, no plebiscito e o referendo, à deliberação do Congresso Nacional. Ela deve completar-se com a introdução, em nosso ordenamento constitucional, do referendo revocatório de mandatos eletivos, ou seja, o recall. Nesse sentido, tive ocasião de oferecer a dois senadores uma minuta de proposta de emenda constitucional, transformada ofi cialmente na PEC nº 73, de 2005, ainda em tramitação no Senado. (b) A regulação legislativa dos dispositivos constitucionais sobre comunicação social Transcorrido mais de um quarto de século da promulgação do texto constitucional, vários dispositivos do Capítulo V do Título VIII ainda carecem de efetividade, em razão da inexistência de lei regulamentadora. Por exemplo, o art. 220, § 5º, que proíbe sejam os meios de comunica- ção social, direta ou indiretamente, objeto de monopólio ou oligopólio; ou a norma do art. 221, inciso I, segundo a qual a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão deverão atender ao princípio da “preferência a fi nalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”. Ninguém ignora que em nosso país, a partir do regime empresarial-militar instaurado com o golpe de Estado de 1964, os principais veículos de comunicação social passaram a ser submetidos ao controle de um oligopólio empresarial, que dita as regras de produção e programação das emissoras de rádio e televisão, sem atender ao princípio estabelecido na norma constitucional que acaba de ser citada. Ora, na era da sociedade de massas, a manutenção do povo em posição meramente passiva, no que diz respeito aos meios de comunicação social, prejudica substancialmente o funciona- mento do regime democrático. Por essa razão, tomei a iniciativa de propor a um partido político com representação no Congresso Nacional e a uma confederação nacional de trabalhadores o ajuizamento, perante o Supremo Tribunal Federal, de duas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão (ADO nº 10 e 11), as quais já receberam parecer em grande parte favorável da Procuradoria-Geral da República. 22 An ai s da X XI I C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os Vo lu m e 3 (c) O aperfeiçoamento do sistema de garantias fundamentais, já existente A História demonstra que o integral respeito aos direitos humanos somente ocorre, quando há garantias judiciais adequadas. Não basta haver declarações constitucionais ou legais das prer- rogativas básicas do ser humano, na linha da tradição francesa, iniciada com a Revolução de 1789. Essa grande verdade tornou-se evidente no mundo todo, quando do surgimento, a partir do fi nal do século XIX, dos primeiros direitos econômicos e sociais. É que tais direitos dependem essencialmente, para sua implementação, de políticas públicas, vale dizer, programas de ação governamental, objetivando proteger as parcelas mais carentes da população, no que diz respeito a bens socioeconômicos fundamentais, como o trabalho, a saúde, a educação, a previdência e a assistência sociais; bens esses a que têm direito, não indivíduos isolados, mas grandes parcelas da coletividade. Nessas condições, é de todo insufi ciente criar garantias de proteção meramente individual. Impõe-se o aparelhamento de instituições de garantia coletiva, sobretudo em um país onde se instalou, desde os tempos coloniais, a mais funda desigualdade social. Entre nós, a defesa da dignidade humana passa, em primeiro lugar, pela realização dos direitos humanos de conteúdo econômico e social, dado que eles representam a condição de possibilidade para a extensão, às camadas mais pobres, dos direitos e liberdades individuais clássicos. E a quem deverá incumbir o exercício dessas garantias de ordem coletiva? Em primeiro lugar, ao Ministério Público, pois a ele compete precipuamente, conforme o disposto no art. 127 da Constituição, a defesa dos interesses individuais e sociais indisponíveis, como são aqueles que constituem objeto dos direitos fundamentais. Além do Ministério Público, tal prerrogativa deveria também incumbir, segundo o modelo inaugurado pelo Código de Defesa do Consumidor de 1990 (art. 82), às associações que incluam, entre suas fi nalidades institucionais, a defesa de algum dos direitos sociais declarados no art. 6º da Constituição Federal. Dado que os direitos humanos de caráter econômico e social, como salientado, têm por objeto políticas públicas, sendo que toda política pública é fi nanciada com recursos orçamen- tários, entendo que cabe a propositura de ações civis públicas, toda vez que os orçamentos não prevejam verbas de receita sufi cientes para atender às despesas relativas às políticas de proteção aos direitoseconômicos e sociais; ou então, toda vez que as despesas previstas deixem, injusti- fi cadamente, de ser efetuadas. (d) O aperfeiçoamento do sistema de controles institucionais Como sabido, a essência do Estado de Direito consiste no estabelecimento de controles ins- titucionais, ou seja, dentro dos próprios mecanismos de funcionamento dos Poderes Públicos. O primeiro sistema de controle institucional historicamente criado, a partir da proposta for- mulada por John Locke e retomada por Montesquieu, consistiu em dividir a organização estatal em três esferas bem delimitadas de competência: a de legislar, a de executar as leis e a de julgar os litígios relativos à sua aplicação. Hoje, como sabido, esse quadro institucional de competências foi largamente ampliado: o Legislativo não apenas edita leis, mas também controla a atividade dos demais Poderes; o Executivo não se limita a executar as leis, mas é dotado de competência para realizar políticas públicas, ou programas de ação governamental; e o Judiciário passou a controlar não apenas a aplicação das leis, mas também e principalmente, o respeito à Constituição. Além disso, foram criados outros órgãos estatais dotados de autonomia, como o Ministério Público. Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal 23 Ora, no tocante ao funcionamento do Judiciário e do Ministério Público, o sistema de con- troles estabelecido pela Constituição Brasileira revela-se, a todas as luzes, insufi ciente. Sem dúvida, a Emenda Constitucional nº 45, de 2004, representou um avanço nessa maté- ria, ao criar o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público. Tais órgãos, porém, não só apresentam uma estrutura inadequada para o exercício do controle em âmbito nacional, como ainda carecem de maior autonomia para o exercício de seu poder de fi scalização, dado que a maior parte de seus membros componentes pertence à própria categoria a ser controlada. Por outro lado, se considerarmos em particular o Supremo Tribunal Federal, somos cons- trangidos a reconhecer que esse órgão de cúpula do nosso Judiciário, ao qual foi atribuída ex- pressamente a guarda da Constituição (art. 102), não se submete a nenhum controle efetivo, nem do Conselho Superior da Magistratura, nem de qualquer outro órgão estatal; o que representa uma fl agrante violação ao princípio do Estado de Direito, declarado solenemente logo no artigo de abertura da Constituição da República. Impõe-se, por conseguinte, estabelecer de modo expresso a competência do Conselho Su- perior da Magistratura para fi scalizar o cumprimento, pela nossa mais alta Corte de Justiça, das disposições da Lei da Magistratura e da própria Constituição Federal. Ainda quanto ao sistema de controles institucionais dos Poderes Públicos, convém considerar o funcionamento da Polícia Judiciária. O que se observa, nesse particular, é a sua submissão ao Poder Executivo, de acordo com a tradição dos regimes presidencialistas em toda a América Latina. Embora essa tradição não tenha sido mantida no Brasil em relação aos Prefeitos Municipais (o que para o caso nada signifi ca, pois os Municípios não têm o serviço de Polícia Judiciária), ela espraiou-se para o terreno estadual, com o advento da República Federativa, tornando o chefe do Poder Executivo dos Estados, bem como seus auxiliares imediatos, completamente imunes à investigação policial. Por outro lado, ela fez dos órgãos policiais, não raras vezes, simples instrumento repressivo dos Governadores de Estado contra seus adversários políticos. Impõe-se, portanto, a instituição da autonomia da Polícia Judiciária, atuando como órgão auxiliar do Poder Judiciário. Finalmente, não se deve nunca esquecer o princípio de que em um regime autenticamente democrático a competência para exercer o controle direto da ação dos Poderes Públicos pertence, antes de tudo, ao próprio povo. Soberania signifi ca, essencialmente, poder supremo de controle sobre todos os órgãos de poder a ela subordinados. Assim, de acordo com o precedente inscrito no art. 157 da nossa Constituição de 1824 em relação aos magistrados, dever-se-ia admitir uma ação popular criminal contra qualquer agente público pela prática de crimes contra a Administração Pública, sem prejuízo da competência própria do Ministério Público. Além disso, segundo proposta por mim apresentada ao Conselho Federal da OAB, que a encaminhou à Câmara dos Deputados, onde foi transformada no Projeto de Lei nº 6.997, de 2006, qualquer cidadão deveria poder ajuizar ação civil de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Finalmente, o controle do povo soberano sobre as ações ou omissões dos Poderes Públicos deve completar-se com a instituição, junto a todos os órgãos estatais, de ouvidorias populares, ou seja, órgãos de inspeção cujos chefes sejam eleitos diretamente pelo povo. B – O aperfeiçoamento do sistema de direitos humanos no plano internacional O advento da civilização mundial capitalista, acompanhado pelo expressivo crescimento demográfi co nos últimos séculos, acelerou o processo de unifi cação da humanidade, com o aper- 24 An ai s da X XI I C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os Vo lu m e 3 feiçoamento do sistema de transportes, a intensifi cação das relações econômicas internacionais e, sobretudo, com o surgimento da comunicação por via eletrônica. Na última década, mais de um terço da população mundial obteve acesso à internet, e mais de 85% passaram a se comunicar por meio de telefones celulares. Ora, o poder capitalista mundial cuidou desde logo de submeter ao seu controle as principais organizações internacionais, a começar pela ONU. E isto especifi camente em matéria de direi- tos humanos. Assim é que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos encontra-se, hoje, praticamente sem recursos para exercer suas funções. O Alto Comissário de Direitos Humanos, ao tomar posse de seu posto, na segunda metade de 2014, declarou que o orçamento do órgão por ele dirigido é insufi ciente para custear os gastos mais elementares, até o fi nal do exercício de 2015. Ele equivale ao montante do que se gasta em média na compra de iPhones no mundo em um só dia. Ora, a humanidade enfrenta hoje dois problemas de extrema gravidade, os quais põem em risco sua sobrevivência: a deterioração crescente da biosfera e a intensifi cação do terrorismo internacional organizado. Tal signifi ca que o primeiro e mais fundamental dos direitos humanos – o direito à vida – acha-se atualmente em estado periclitante na face da Terra. O que caracteriza a biosfera, no contexto do universo, é a sua dimensão ínfi ma e a exiguidade dos recursos naturais que a compõem. Ora, tais recursos, a partir da Revolução Industrial de me- ados do século XVIII, têm sido submetidos a um processo de contínua destruição, principalmente pelo incessante aquecimento da atmosfera. Segundo levantamento efetuado pela Organização Meteorológica Mundial em 2014, o ritmo de concentração de gases de efeito estufa acelerou-se nos últimos trinta anos, em grande parte devido à acentuada destruição de fl orestas. Em estudo realizado com base em imagens colhidas por satélite, verifi cou-se que, desde o início do atual século, 104 milhões de hectares de fl orestas foram destruídos. O nosso país, juntamente com o Canadá e a Rússia, está entre os principais responsáveis por esse desmatamento gigantesco, e não assume suas responsabilidades. Na Cúpula do Clima, realizada em Nova York em setembro de 2014, o Brasil recusou-se de início a aprovar a declara- ção de encerramento, estabelecendo o fi m do desmatamento mundial em 2030, sob o pretexto de que tal proposta contraria o estabelecido em nossa legislação. O que equivale a reconhecer que, para o Estado Brasileiro, sua soberaniacoloca-se acima do bem comum da humanidade. Por tudo o que se acaba de expor, é inadmissível que a destruição sistemática do meio am- biente não conste, como deveria, da enumeração dos crimes contra a humanidade, expressa no art. 7º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional de 1998. Outro sério perigo para a convivência dos seres humanos no plano mundial é a intensifi - cação do terrorismo organizado, sobretudo de base religiosa. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados estimou, recentemente, que em razão desse estado generalizado de violência, sobretudo na África e no Oriente Médio, existem hoje mais de 50 milhões de refugia- dos no mundo todo. Na verdade, essas e muitas outras adversidades, que a espécie humana enfrenta no presente, somente serão resolvidas quando for instituída uma organização política dotada de efetivo poder mundial. Ela pressupõe, de um lado, a superação, em todos os povos, da mentalidade localista ou nacionalista, mediante a difusão de um espírito comunitário de alcance mundial, tal como anunciado por Cícero há mais de vinte séculos, ao falar de uma sociedade comum do gênero humano (communis humani generis societas).6 Pressupõe, correlatamente, o abandono, em todos os Estados, do princípio da soberania absoluta. A origem desse princípio encontra-se na Paz de Westfália, de 1648, que pôs fi m à Guerra dos Trinta Anos entre as principais monarquias católicas e protestantes da Europa Continental. 6 De Offi ciis, III, 28. Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal 25 Tal acordo intermonárquico engendrou, a partir do século XIX, o imperialismo nacionalista e racista, que acabou por desencadear duas guerras mundiais na primeira metade do século XX. Sem dúvida, a abolição do princípio da soberania nacional absoluta somente será alcançada ao cabo de um processo de longo prazo. Seu desenvolvimento, no entanto, pode e deve ser adiantado, com a adoção de algumas medidas preparatórias no seio da Organização das Nações Unidas. Trata-se, antes de mais nada, de abolir o direito de veto dos cinco membros permanentes do seu Conselho de Segurança (República Popular da China, Rússia, França, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Estado Unidos da América), privilégio que os torna detentores de um poder oligárquico mundial. Por outro lado, é indispensável criar uma sanção efetiva ao descumprimento, por um Es- tado-membro, de decisão tomada por algum órgão ou agência de organização internacional a que pertença. O mais simples, a meu ver, consistiria em suspender pleno iure o direito de voto desse Estado em qualquer órgão ou agência da organização internacional, até que a decisão seja cumprida. Como se sabe, o Estado Brasileiro tem se recusado a dar execução à Sentença condenatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, proferida em novembro de 2010 no caso Gomes Lund e outros v. Brasil. E isto, não obstante tenhamos aderido à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em cujo artigo 68 estipula-se que os Estados-membros da Organização são obrigados a cumprir as decisões daquela Corte, em todos os casos em que forem partes no res- pectivo processo. A esse respeito, tive a honra de representar um partido político com assento no Congresso Nacional, na propositura da ação de descumprimento de preceito fundamental nº 320, perante o Supremo Tribunal Federal. Tal ação ainda não foi julgada, mas já recebeu parecer favorável da Procuradoria-Geral da República quanto ao seu objeto principal: a inaplicação da Lei de Anistia de 1979 aos responsáveis por graves violações de direitos humanos. Ainda no campo judiciário, importa abolir a cláusula de reconhecimento facultativo da ju- risdição de tribunais internacionais, criada originalmente para a Corte Internacional de Justiça, por proposta do então representante do Brasil perante a Liga das Nações, o embaixador Raul Fernandes. A regra de jurisdição obrigatória, aliás, já existe no atual funcionamento do Tribunal Europeu de Direitos Humanos. Finalmente, como complemento natural de todas essas medidas, seria recomendável estatuir, por resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, que as convenções de direitos humanos, adotadas no seio de organizações internacionais, devem ser cumpridas por todos os seus Estados-membros, ainda que não hajam votado pela sua aprovação. Em sua obra fundadora do direito internacional,7 Grócio salientou que as convenções entre Estados, analogamente aos contratos do direito privado, podem classifi car-se em duas grandes espécies: as bilaterais e as multilaterais. As primeiras, disse ele, dirimunt partes, isto é, separam os interesses próprios das partes contratantes, ao passo que as segundas communionem adferunt, vale dizer, criam relações de comunhão. Ora, esse objetivo comunitário é mais acentuado no caso de convenções multila- terais votadas no seio de uma organização internacional, cujas decisões, tal como no âmbito das sociedades ou associações do direito privado, são normalmente tomadas por votação majoritária e não por unanimidade. Relembre-se, aliás, a esse respeito, que os direitos humanos são objeto de normas imperativas de direito internacional geral (jus cogens). Conforme o já citado artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, tais normas não podem ser derrogadas por tratados internacionais; ou seja, elas constituem mandamentos jurídicos superiores à competência estatal. 7 De Jure Belli ac Pacis, livro II, cap. XII, §§ 3 e 4. 26 An ai s da X XI I C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os Vo lu m e 3 Propostas Conclusivas Do que acaba de ser exposto, decorrem as seguintes propostas, que trago à discussão e votação da XXII Conferência Nacional dos Advogados: (a) O Conselho Federal da OAB deve propugnar a aprovação do Projeto de Lei nº 4.718/2004, apresentado à Câmara dos Deputados, regulamentando a realização de plebiscitos, refe- rendos e iniciativas populares, em função do princípio da soberania do povo, declarado no art. 14 da Constituição Federal. (b) O Conselho Federal da OAB deve propugnar a aprovação da Proposta de Emenda Consti- tucional nº 73/2005, apresentada ao Senado Federal, introduzindo em nosso ordenamento jurídico o referendo revocatório de mandatos eletivos (recall). (c) O Conselho Federal da OAB deve manifestar, publicamente, sua posição favorável à com- pleta regulamentação legislativa dos dispositivos constitucionais sobre comunicação social. (d) Ao Ministério Público, segundo o disposto no art. 127 da Constituição Federal, bem como a associações que incluam entre suas fi nalidades institucionais a defesa de algum dos direitos sociais declarados no art. 6º da Constituição Federal, conforme lei a ser editada, deve competir a propositura de ação civil pública, toda vez que um orçamento público não contenha previsão de receita bastante para fi nanciar políticas públicas de proteção aos direitos sociais, ou quando as despesas orçamentárias, previstas para tanto, deixem de ser efetuadas. (e) Deverá ser feita a reforma constitucional do Conselho Nacional da Magistratura e do Conselho Nacional do Ministério Público, a fi m de que tais órgãos tenham uma estrutu- ra adequada para o exercício de suas funções em todo o território nacional, bem como para que os representantes das respectivas categorias a serem controladas não formem a maioria dos seus integrantes. (f) Impõe-se estabelecer, de modo expresso, a submissão do Supremo Tribunal Federal ao controle do Conselho Nacional da Magistratura. (g) A Polícia Judiciária, na sua qualidade de órgão auxiliar do Judiciário, deve atuar com autonomia em relação ao Poder Executivo. (h) Há de ser admitida, em nosso ordenamento jurídico, uma ação popular criminal contra todo e qualquer agente público por crimes contraa Administração Pública, sem prejuízo da competência própria do Ministério Público. (i) O Conselho Federal da OAB deve propugnar a aprovação do Projeto de Lei nº 6.997/2006 na Câmara dos Deputados, o qual estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para a propositura da ação de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. (j) O Estado Brasileiro deve propor a inclusão expressa como crime contra a humanidade, no art. 7º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, da destruição sistemática do meio ambiente. (k) O Estado Brasileiro deve propor a abolição do direito de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. (l) O Estado Brasileiro deve manifestar-se a favor da abolição da cláusula de aceitação fa- cultativa da jurisdição dos tribunais internacionais. (m) O Conselho Federal da OAB deve manifestar, junto ao Supremo Tribunal Federal, seu apoio explícito à arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 320, relativa à inexecução, pelo Estado Brasileiro, das conclusões da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Gomes Lund e outros v. Brasil. (n) O Estado Brasileiro deve propor, na Assembleia Geral das Nações Unidas, seja aprovada a recomendação de que as convenções de direitos humanos, adotadas no seio de organi- zações internacionais, devem ser cumpridas por todos os Estados-membros, ainda que não hajam votado pela sua aprovação. Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal 27 30.2 ESPIONAGEM INTERNACIONAL E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS ANTONIO CELSO ALVES PEREIRA8 O espetacular avanço nas tecnologias da informação iniciado nas últimas décadas do século passado, e que prossegue acelerado nestes primeiros tempos do Terceiro Milênio, levou o soci- ólogo espanhol Manuel Castells, em sua análise da sociedade informacional global, a sublinhar, com propósito, que tais conquistas transformaram “o nosso o modo de pensar, de produzir, de consumir, de negociar, de administrar, de comunicar, de viver, de morrer e de fazer a guerra.9 Essa realidade, deriva das redes internacionais de informação das quais resulta uma virtualidade profundamente transformadora, que encolhe os horizontes do mundo, integra culturas, infl ui, sobremaneira, nos processos de socialização e na construção de uma sociedade civil universal, divulga a ciência, acelera e torna simultâneos acontecimentos históricos, enfi m, realiza uma “combinação dos tempos artifi ciais produzidos pela tecnologia com os ritmos de vida das pessoas”.10 Sabemos da natureza universal e ambivalente da ciência e da tecnologia. Assim, da mesma maneira que a comunicação instantânea produz, no contexto de uma cibercultura, um novo mundo e uma nova linguagem, que se espraia universalmente pela internet, por outro lado, as sociedades nacionais que têm o amplo domínio dessas tecnologias, como é caso dos Estados Unidos , dos países ricos da União Europeia e da China, são as únicas que podem se utilizar, nos planos internacional e interno, da equação que expressa, de fato, controle, domínio e poder na sociedade contemporânea, por meio da conjugação de conhecimento, informação e velocidade, conforme se pode entender consultando os estudos de Paul Virilio sobre velocidade e política.11 Ao centralizarem o controle, o monopólio e o constante desenvolvimento do vetor tecnológico, munem-se essas sociedades nacionais de instrumentos que permitem a manifestação do lado nega- tivo, perverso, das tecnologias da informação, na medida elas as utilizam para invadir a privacidade, exercer vigilância, violar correspondências, cercear a imprensa, espionar pessoas e governos e avançar sobre a soberania dos Estados e outros direitos inalienáveis do ser humano. Em decorrência disso, “há que assegurar que a ciência e a tecnologia, e as comunicações, militem em favor dos direitos humanos universais”. 12 Em 1968, na Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, os Estados presentes ao evento, em Teerã, já apontavam o perigo dos avanços científi cos e tecno- lógicos para os direitos do ser humano, ao proclamarem, solenemente, entre outros temas, que, “embora as recentes descobertas científi cas e progressos tecnológicos tenham aberto grandes perspectivas de progresso econômico, social e cultural, tais desenvolvimentos podem, no entanto, colocar em risco os direitos e liberdades dos indivíduos e exigirão atenção contínua”. Nessa matéria, não podemos apontar apenas os países dominantes como vilões. Assim, como exemplo, entre outros, Cuba, Arábia Saudita e Coréia do Norte manipulam internamente infor- mações, bloqueiam sites e blogs opositores, fi ltram as notícias para divulgação na mídia televisiva, ações que constituem verdadeiros atentados à liberdade de opinião e de expressão. Como é do conhecimento geral, indivíduos, redes privadas, e todos os países e governos do mundo, pobres ou ricos, democráticos ou não, espionam, como sempre espionaram, sua própria população e os Estados inimigos ou mesmo os amigos. A espionagem é uma atividade humana tão antiga quanto a prostituição. Está na Bíblia – em Números 13:1-30, Moisés utiliza-se, por recomendação divina, 8 Professor de Direito Internacional da UERJ e ex-reitor da mesma universidade. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direi- to da Universidade Veiga de Almeida. Diretor geral do Centro de Ensino Superior de Valença. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional. 9 CASTELLS, Manuel. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. v. III. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999, p. 412. 10 MARRAMAO, Giacomo. Poder e Secularização. Tradução de Guilherme Alberto Gomes de Andrade. São Paulo: UNESP, 1995, p. 12. 11 Ver: VIRÍLIO, Paul. Velocidade e Política. Tradução de Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Estação Liberdade, 1996 e, do mesmo autor, A Bomba Informática. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. 12 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de Direitos Internacional dos Direitos Humanos. Volume II. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 1999, p. 343. 28 An ai s da X XI I C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os Vo lu m e 3 de 12 espiões para obter informações sobre os cananitas. No conhecido livro “A Arte da Guerra”, de autoria do general chinês SunTzu, escrito no século IV a. C. o autor dedica todo um capítulo, o 13º, o último da obra, sobre o recurso à espionagem. Mas foi a partir do século XV, época em que já estava avançado o processo de formação do Estado moderno, que a espionagem se estruturou como atividade imprescindível ao Estado. Neste painel sobre “Direitos Humanos e o Sistema Internacional de Proteção”, cabe-me discutir o grave problema da utilização das tecnologias da informação por Estados com o objetivo de espionar países, empresas e lideranças políticas e indivíduos, como aconteceu recentemente, ou seja a ciberes- pionagem , com a invasão da privacidade, dentre outros, da presidente do Brasil Dilma Rousseff e da chanceler da Alemanha, Angela Merkel, por meio de escuta e gravações de comunicações telefônicas e de leitura de e-mails, como discutiremos em seguida. Em relação à Alemanha, cabe assinalar que ao tomar conhecimento de que estava sendo espionada, a chanceler Angela Merkel manifestou sua total repulsa ao ato da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, afi rmando que “espionar os amigos é totalmente inaceitável”; entretanto, o jornal alemão Süddeutsche Zeitun, ( Zi) conforme matéria publicada no jornal espanhol El País, edição de 15 de agosto de 2014, divulgou que o Serviço de Inteligência Federal Alemão, o BND, espionara a senhora Hillary Clinton quando ela ocupava o cargo de Secretária de Estado dos Estados Unidos. Outro jornal, o Der Spiegel, estampou matéria denunciando que o Serviço Federalde Inteligência Alemão es- pionara também o substituto da senhora Clinton na Secretaria de Estado, o senador John Kerry, utilizando, nesse caso, as redes de escuta dos serviços de inteligência alemães no Oriente Médio. Esses fatos violam não somente as próprias normas internas desses países como, especialmente, os compromissos internacionais decorrentes dos tratados internacionais que compõem o extenso cor- pus juris, que reúne os tratados e convenções internacionais sobre a proteção dos direitos humanos universais ratifi cados por esses Estados. 13 Em junho de 2013 a imprensa de todo o mundo, com base nas revelações do ex-agente da CIA e ex-contratado da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos – NSA, Edward Snowden, divulgadas pelo jornalista Glenn Greenvald no jornal britânico Th e Guardian, e também pelo jornal norte-americano Th e Washington Post, deu ampla publicidade sobre os programas de vigilância global das agências norte-americanas de informação, sobretudo da NSA, – os Estados Unidos têm 14 agências de espionagem –por meio dos quais a referida agência estava espio- nando via satélites espiões e outros instrumentos eletrônicos, bilhões de telefonemas, e-mails e outras formas de comunicação, não somente no interior dos Estados Unidos, como também em todo o mundo. Setenta milhões de telefonemas de cidadãos franceses foram alvo e escuta pelas agências norte-americanas. O governo e cidadãos brasileiros, empresas, como a Petrobrás, em razão das grandes descobertas de petróleo no chamado pré-sal, e a própria presidente Dilma Rousseff , foram também espionados. Além disso, agentes de outro serviço norte americano de informação – o Special Collection Service – chegou a montar no Brasil um serviço para ter acesso aos sistemas de países mais protegidos, como a China e o Irã, na medida em que, à épo- ca, o Brasil não possuía ainda legislação sobre o uso da internet.14 Tais ações evidenciam total desrespeito aos direitos humanos e um verdadeiro atentado à soberania nacional, ao mesmo tempo em que criam tensões desnecessárias com países aliados com os quais os Estados Unidos mantêm estreitas relações diplomáticas e comerciais. O governo brasileiro reagiu energicamente. A presidente Dilma cancelou a visita de Estado que, a convite do presidente Barack Obama, faria aos Estados Unidos. Da mesma forma, México e França reagiram com veemência, conforme o jornal Le Monde, quando tomaram conhecimento de que a mesma agência norte-americana havia espionado milhares de comunicações telefônicas e e-mails nos dois países. Mencionamos 13 MÜLLER, Enrique. A Alemanha espionou chamadas de Hillary Clinton e John Kerry. El País Internacional, edição de 15 de agosto de 2014. http://brasil.elpais.com/brasil/2014/08/15/internacional/1408125226_497237.htm - Consulta em 17/10/2014. 14 Espionagem americana ameaça a soberania do Brasil. Ver em: http://amp-mg.jusbrasil.com.br/noticias/100599512/espionagem-ame- ricana-ameaca-a-soberania-do-brasil Consulta em 17/10/2014. Ordem dos Advogados do Brasil Conselho Federal 29 que em todas as épocas os Estados recorreram à espionagem como instrumento de segurança nacional. O direito internacional consagra o direito de conservação e defesa dos Estados. Nessa perspectiva, o Estado pode legitimamente estabelecer órgãos de informação e contrainformação para atuarem segundo sua legislação interna e, ao mesmo tempo, respeitando a normativa inter- nacional pertinente, sobretudo, os tratados e convenções de direitos humanos, que protegem o direito à privacidade. Ao direito de conservação e defesa dos Estados corresponde a obrigação de respeitar a soberania e o dever de não praticar qualquer ato que se traduza em intervenção indébita nos assuntos de um Estado, consoante a Declaração Relativa aos Princípios que Regem as Relações Amistosas e a Cooperação entre os Estados Conforme a Carta das Nações Unidas, ado- tada pela Assembleia Geral da ONU, em 24 de outubro de 1970. Vale lembrar que a Carta da Organização dos Estados Americanos, em seu capitulo IV, ao dispor sobre os direitos e deveres fundamentais dos Estados, estabelece, no artigo 13, que o “Estado tem o direito de defender a sua integridade e independência e de promover a sua conservação”, ordenando, também, no artigo 19, que nenhum Estado “tem o direito de intervir, direta ou indiretamente, seja qual for o motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro. Este princípio exclui não somente a força armada, mas também qualquer outra forma de interferência ou de tendência atentatória à personalidade do Estado e dos elementos políticos, econômicos e culturais que o constituem”. Os Estados Unidos e todos os países que em nome do direito de conservação e defesa tomam medidas ilegais, violam os direitos humanos, por meio de ações contrárias ao seu próprio direito interno e ao direito internacional, evocam a velha doutrina da “razão de Estado”, para justifi car ações contrárias à consciência jurídica universal e os direitos humanos. Maquiavel, no século XVI, quando se consolidava o processo de secularização e a edifi cação do Estado Moderno, cunhou a expressão “razão de Estado”, que se projetou como doutrina nos séculos seguintes, constituindo-se em um dos principais suporte do poder soberano do Estado. Visava, como ainda hoje, a segurança do Estado e autorizava o governante, para garanti-la, usar de todos os meios, inclusive violar regras jurídicas e morais, políticas e econômicas. Na vigência do sistema vestfaliano, cujo único sujeito de direito na ordem pública interna- cional era o Estado, a “razão de Estado” era uma doutrina de primeira grandeza assegurada, entre outros princípios, pelo jus ad bellum, o direito à guerra, que hoje os Estados, após a Carta das Nações Unidas, só podem argüir em situação de legítima defesa. No século XIX, e até primeira metade do século XX, sob a infl uência, dentre outros fatores, da fi losofi a do direito de Hegel, o Direito Internacional reduzia-se a um mero direito interestatal, que situava o indivíduo sob a tutela absoluta do Estado, por não reconhecer-lhe personalidade jurídica internacional, ofere- cia-lhe, no campo externo, a possibilidade de reivindicar direitos apenas sob a tutela do instituto da proteção diplomática. Emancipado, hoje, pelo reconhecimento de sua condição de sujeito de direito na ordem pública internacional, o ser humano tem ampla autonomia para arguir seus direitos violados pelo Estado, recorrendo aos mecanismos internacionais de monitoramento e, especialmente, aos tribunais internacionais de direitos humanos. A velha doutrina da “razão de Estado”, em cujo nome tantos crimes foram cometidos, tantos direitos humanos foram usurpados, está hoje limitada pelo direito internacional, assim como a própria soberania estatal. Sob a égide desse mesmo direito, o Estado responde hoje no plano internacional por todos os seus atos, tanto em consequência daqueles tipifi cados como de jure gestionis como, também, de jure imperii. O Estado, como categoria político-jurídica de natureza histórica, sujeito, portanto, às transformações de toda a natureza que constroem a história da humanidade, modifi ca-se sob a égide do processo dessas mudanças. Nesse contexto, humanizou- se o direito internacional, consagrou-se de forma incontestável e defi nitiva o reconhecimento da personalidade internacional do ser humano, fato que redefi niu a fi nalidade do Estado, ou seja, ele hoje existe para o ser humano, para garantir seus direitos fundamentais, de acordo com as normas internas e internacionais, e para a realização do bem comum.15 15 Ver CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Volume III. Porto Alegre: 30 An ai s da X XI I C on fe rê nc ia N ac io na l d os A dv og ad os Vo lu m e 3
Compartilhar