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A via democrática Da parte dos comunistas e da maior parte dos socialistas italianos a acusação que se levanta contra a social-democracia, repetida nos últimos dias por ocasião do artigo de Craxi em L'Espresso, é a de que ela não tem possibilidade de superar o capitalismo. Na verdade, mesmo nos países onde militam de há muito fortes partidos social-democráticos, o capitalismo não foi eliminado. Isso não nos impede de dizer que a acusação é muito superficial e mostra mais uma vez como a paixão prevalece sobre a razão no debate político. Se o termo "social-democracia" ainda tem sentido e não é usado, como freqüentemente acontece na esquerda italiana, como um epíteto, ele pretende indicar a ideologia segundo a qual uma meta, que é o socialismo, pode e deve ser alcançada através de um método, que é a democracia. Não vejo como possa ser definido de outra maneira. Quem acha que pode defini-lo de outra forma, que se apresente. Algumas vezes me acontece duvidar se essa definição é exata e pensar se alguém tem o segredo de uma definição diferente que, entretanto, não consigo imaginar. É um fato que os dois grandes partidos da esquerda italiana não perdem nenhuma oportunidade para fazer solenes declarações sobre sua absoluta fé democrática, sobre o repúdio da via revolucionária, sobre a incindibilidade entre socialismo e democracia, sobre o respeito a todos os princípios que permitem distinguir uma sociedade democrática de uma sociedade autocrática. Apesar de tudo isso, esses dois grandes partidos quase sempre parecem aborrecidos quando alguém os chama de social-democráticos. Se alguém deseja ofendê-los é só chamar-lhes "social-democratizados"; se se desejar proclamar sua decadência ou degeneração, é bastante dizer que eles passaram por um inexorável processo de "social-democratização". De minha parte, considero boa, até prova em contrário, a definição corrente que dela nos transmitiu a tradição histórica. Uma vez admitido que por social-democracia se deve entender o socialismo através da democracia, conclui-se que um partido social- democrático, não importa o nome, desde que preste homenagem à democracia, deve submeter-se à primeira condição para o funcionamento de um regime democrático, que é a regra da maioria. Isso implica que esse partido, para empreender a marcha em direção ao socialismo, deve obter antes de mais nada a maioria absoluta das cadeiras no Parlamento. Não é preciso ter um conhecimento muito profundo da história dos países onde existem desde há muito partidos socialistas e comunistas para saber que a maioria absoluta das cadeiras no Parlamento foi obtida até hoje por pouquíssimos partidos de esquerda existentes em países governados democraticamente e que nenhum deles, à exceção do partido social-democrático sueco, conseguiu mantê-la por um certo período de tempo. Até hoje isso não ocorreu na França, que também é um país com longa tradição socialista e forte movimento operário. Não ocorreu na Espanha nem em Portugal, que acabam de sair de um longo período de opressão política e econômica. Não aconteceu até hoje e parece que não deverá acontecer na Itália num futuro próximo. Ao contrário, para aqueles que pensam fantasiosamente numa alternativa de esquerda para a Itália, ocorre lembrar que não alimentem muitas ilusões, tenham paciência e a proponham como um programa a longo prazo. Alguém deveria me explicar como é que uma esquerda democrática — sinceramente democrática e com uma maioria de cadeiras no Parlamento para ser capaz de cumprir um programa de governo — pode ser tão difícil de contentar em relação à social- democracia e pode acusá-la de não estar em condições de eliminar o capitalismo, quando para começar a abatê-lo deveria dispor de uma maioria que não tem e não está Próxima de ter. Em vez de criticar um hipotético modo social-democrático de governar que ainda não foi posto à prova e que por essa razão não pode ser acusado de não ter conseguido seus objetivos, a esquerda italiana e grande parte da esquerda européia deveriam perguntar-se por que é que, apesar da já secular propaganda anticapitalista dos partidos socialistas e comunistas, estes não conseguiram ainda convencer com êxito a maioria dos cidadãos, em quase todos os países, de que o capitalismo é um sistema que deve ser derrubado. A coisa é tanto mais surpreendente na medida em que os próprios partidos católicos se confessam, em palavras, anticapitalistas. Numa recente polêmica sobre a necessidade de aca- bar com o capitalismo houve a intervenção de um católico que defendia que "o mundo democristão não pode ficar insensível ao problema". Se apesar de tantos liquidadores, se apesar de comunistas, socialistas e cristãos de várias confissões continuarem a vituperá-lo, o capitalismo ainda existe e consegue ganhar dos partidos de esquerda e desarmar os católicos nos países democráticos e precisamente nos países em que é livremente criticado, isso quer dizer que o capitalismo é um sistema que não se deixa facilmente abater por via democrática. Qualquer que seja a razão da obstinada resistência de um sistema que muitos desdenham e que todos os partidos de esquerda deram como moribundo em várias ocasiões, esse é o problema. Alguém poderia suspeitar maliciosamente que o capitalismo resiste porque, pelo menos nos países democráticos, a maior parte dos cidadãos adultos, aqueles que votam, preferem-no ao sistema oposto. Mas não quero nem de leve colocar hipóteses que possam parecer ingênuas ou cínicas. Limito-me a fazer uma simples constatação: até nos países onde os partidos de esquerda podem desenvolver livremente sua propaganda e organizar os quadros de seus filiados não existe ou então é muito restrita uma maioria socialista; e, quando existiu, sempre foi efêmera. Não falo, para evitar reações facilmente previsíveis, do maior país capitalista do mundo, onde nem sequer existe um partido socialista. Dessa constatação, entretanto, parece-me lícito concluir uma advertência. Não seria salutar para uma esquerda democrática, ou seja, para uma esquerda que deseja chegar ao socialismo através da persuasão e não através da imposição, procurar compreender por que é que o moribundo não morre e por que é que após cada aparente recaída ele reage, se expande e gera imitadores, geralmente péssimos, em vez de censurar os ineptos social-democratas (ou "social-traidores", de boa memória) de não tê-lo ainda eliminado? Moral: a social-democracia faz aquilo que pode nos limites do método democrático que declara querer seguir. Faz aquilo que lhe permite fazer a sua força política, que num país democrático se mede em geral pela sua força eleitoral; força que até agora não tem sido grande nem duradoura e que sempre foi extremamente contrastada. Quem a acusa de não ser capaz de superar o sistema capitalista e de ser limitada, mesmo nos países onde conseguiu formar governos homogêneos, para o corrigir, não se lembra de revelar que no fundo não suporta o método democrático e não confia num certo método para atingir um certo fim. Mas então por que continuar a gritar aos quatro ventos que democracia e socialismo são incindíveis? Para concluir, quem continua a acusar a social-democracia de não ter condições de derrubar o capitalismo deveria dizer claramente se deseja um socialismo sem democracia, e só assim seria coerente, ou se se contentar, ao menos por agora, com aquele socialismo que num sistema capitalista avançado é compatível com a democracia. Tertium non datur. Terceiro caminho não existe. Parece-me que tanto os comunistas quanto os socialistas italianos, em vez depassarem o tempo lançando na cara uns dos outros a traição do socialismo ou da democracia, ganhariam mais se começassem a convencer-se de que a terceira via entre o leninismo (ou traição da democracia) e a social-democracia (ou traição do socialismo) é apenas uma idéia da razão ou, pior ainda, um produto da imaginação, e já que uns e outros proclamam sua fé indefectível na democracia, deveriam prosseguir com energia, inteligência e confiança e, se possível, de comum acordo — a única via consentida e de fato praticada nos países democráticos. 19 de agosto de 1979
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