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AS Ciências do Desporto

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Adroaldo Cezar Araujo Gaya 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AS CIÊNCIAS DO DESPORTO 
 
INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA EPISTEMOLOGIA E 
METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA 
REFERENCIADAS AO DESPORTO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Pela amizade, pela orientação acadêmica, pela convivência fraterna, pelo 
privilégio de ter estudado na Universidade do Porto e pela saudade que me acom-
panha deste outro lado do Atlântico, dedico este ensaio com um profundo senti-
mento de gratidão aos meus amigos: 
 Jorge Olímpio Bento 
 António Texeira Marques 
 Adalberto Dias de Carvalho 
 Alfredo Faria Júnior 
 2
SUMÁRIO 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS: .............................................................................................................................5 
INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA E METODOLOGIA DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA 
REFERENCIADAS AO DESPORTO. ....................................................................................................7 
APRESENTAÇÃO ..................................................................................................................................7 
CAPÍTULO 1 ...........................................................................................................................................10 
1- SOBRE O SIGNIFICADO DA EPISTEMOLOGIA .........................................................................10 
2 - SOBRE O FENÔMENO DO CONHECIMENTO............................................................................12 
1.1- O CRITÉRIO DE AUTORIDADE............................................................................................................14 
1.2- O CRITÉRIO DA EVIDÊNCIA OU DA CORRESPONDÊNCIA.....................................................................14 
1.3- O CRITÉRIO DA UTILIDADE...............................................................................................................15 
1.4- O CRITÉRIO DA INTERSUBJETIVIDADE ..............................................................................................15 
CAPÍTULO 2 ...........................................................................................................................................17 
SOBRE A POSSIBILIDADE E A ORIGEM DO CONHECIMENTO .................................................17 
2.1- Sobre a possibilidade do conhecimento .....................................................................................17 
2.2- Sobre a origem do conhecimento ...............................................................................................27 
CAPÍTULO 3 ...........................................................................................................................................38 
SOBRE A DEMARCAÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO....................................................38 
Os postulados da ciência ou as regras do jogo científico .................................................................38 
CAPÍTULO 4 ...........................................................................................................................................42 
AS PRINCIPAIS CONCEPÇÕES METODOLÓGICAS DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA .........42 
Introdução..........................................................................................................................................42 
4.1- AS CONCEPÇÕES METODOLÓGICOS PREDOMINANTEMENTE NOMOTÉTICOS. .....................................45 
4.2- CONCEPÇÕES METODOLÓGICAS PREDOMINANTEMENTE IDEOGRÁFICAS OU INTERPRETATIVAS........46 
4.3- CONCEPÇÕES METODOLÓGICAS PREDOMINANTEMENTE DE INTERVENÇÃO SOCIAL ..........................48 
CAPÍTULO 5 ...........................................................................................................................................50 
PROCEDIMENTOS GERAIS DA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA: ESCOLHA DO TEMA, 
ESPECIFICAÇÃO DOS OBJETIVOS, FORMULAÇÃO DO PROBLEMA, CONSTRUÇÃO DAS HIPÓTESES E A 
DEFINIÇÃO DAS VARIÁVEIS. ....................................................................................................................50 
Introdução..........................................................................................................................................50 
5.1- ESCOLHA DO TEMA ..........................................................................................................................51 
5.2- ESPECIFICAÇÃO DOS OBJETIVOS.......................................................................................................53 
5.3- FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ..........................................................................................................53 
5.4- FORMULAÇÃO DA HIPÓTESES...........................................................................................................55 
5.5- ESTUDO DAS VARIÁVEIS ..................................................................................................................59 
5.5.1- Definição das variáveis ...........................................................................................................59 
5.5.2- Classificação das variáveis .....................................................................................................60 
5.5.3- Níveis de medição das variáveis -Escalas de medida- ............................................................61 
CAPÍTULO 6 ...........................................................................................................................................65 
POPULAÇÃO E AMOSTRA ........................................................................................................................65 
Introdução..........................................................................................................................................65 
6.1- TIPOS DE AMOSTRA..........................................................................................................................65 
 3
6.1.1- Amostras probabilísticas ou aleatórias ...................................................................................66 
6.1.2- Amostras não probabilísticas ..................................................................................................69 
6.2- SOBRE O TAMANHO DA AMOSTRA ....................................................................................................72 
6.3 TIPOS DE ERRO E NÍVEIS DE SIGNIFICÂNCIA .......................................................................................75 
CAPÍTULO 7 ..........................................................................................................................................79 
MÉDOTOS DE PROCEDIMENTO: DELINEAMENTOS DO TIPO EX POST FACTO..............................................79 
Introdução..........................................................................................................................................79 
7.1- ESTUDOS DESCRITIVOS ....................................................................................................................80 
Principais planejamentos descritivos ................................................................................................80 
7.2- ESTUDOS CORRELACIONAIS .............................................................................................................82 
7.2.1- Correlação linear ....................................................................................................................82 
7.3. ESTUDOS PREDITIVOS.......................................................................................................................94 
7.4- ESTUDOS COMPARATIVOS POR JUSTAPOSIÇÃO OU DIFERENCIAIS ...................................................101 
 4
 AGRADECIMENTOS: 
 
 
 
 
 
 
 A possibilidade de produzir um ensaio sobre as questões da produção do conhe-cimento no âmbito das práticas desportivas, não é uma tarefa que possa ser 
desenvolvida por um só sujeito. As idéias aqui expressas se beneficiaram de muitos 
debates, de muitos estudos, de muitas aulas e seminários. Portanto, é fruto de uma 
coletividade que, embora não possa ser responsabilizada pelas posições assumidas, são 
parceiras no processo da construção destes conhecimentos. 
 Agradeço inicialmente à Universidade do Porto, na pessoa de seu Magnífico 
Reitor Alberto Amaral. Na Universidade do Porto foi onde tudo começou. Os estudos 
de doutoramento nos permitiram um constante debate. A Faculdade de Ciências do 
Desporto e de Educação Física se constituiu num ambiente acadêmico e interpessoal ri-
quíssimo. Portanto, quero agradecer aos seus professores, alunos e funcionários com 
quem convivi entre 1991 a 1994. Todavia, um agradecimento especial a quem este livro 
é dedicado: Jorge Bento, António Marques e Adalberto Dias de Carvalho - incansáveis 
companheiros no debate acadêmico e amigos fraternos no bom vinho e no bem viver 
Portugal. 
 Agradeço ao querido amigo Francisco Sobral Leal, coordenador do Curso de 
Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade de Coimbra, pelas críticas 
quase sempre contundentes, mas sempre ricas no argumento e no rigor. Hoje, quando 
desenvolvemos no Brasil um projeto de investigação aos moldes do FACDEX de 
Portugal, o Prof. Sobral foi incansável nas orientações preliminares ao nosso grupo de 
trabalho, tendo regressado à Porto Alegre por duas oportunidades (até agora) durante as 
quais coordenou longas e produtivas sessões de estudo. 
 Agradeço ao Rui Garcia, com quem estabeleci uma relação pessoal e acadêmica 
fraterna nascida da certeza de que certos preconceitos (e até ironias), então dominantes 
em certos gabinetes da faculdade sobre o modo como pensávamos a ciências do 
desporto, não abalaria as nossas convicções. 
 Agradeço a paciência que tiveram comigo importantes intelectuais portugueses, 
que foram referências teóricas relevantes em meus estudos e com quem pude partilhar 
momentos de aprendizagem e que frutificaram numa estreita amizade. Prof. Adalberto 
Dias de Carvalho, Prof. António Texeira Fernandes, Prof. Eugênio Santos, Prof. 
Manuel Patrício, Prof. Boaventura Sousa Santos. 
 Do lado de cá do Atlântico, de onde escrevo essas linhas, os primeiros agradeci-
mentos são para a Fabíola, o Daniel e a Anelise. Meus companheiros de sempre, a 
quem devo o estímulo permanente de viver a vida sem acomodações, buscando a cada 
dia novos desafios e novos caminhos. 
 Agradeço com muita consideração e paixão os meus companheiros do 
PRODESP (Projeto Desporto), principalmente aqueles que se constituíram em perma-
nentes interlocutores, que diariamente levantam problemas, buscam soluções e permiti-
ram a elaboração de muitas das idéias que estão neste ensaio Ao Edmilson Santos, 
 5
Lisiane Cardoso, José Leandro Oliveira, Marcelo Cardoso, Marcelo Silva, Carlos 
Adelar Balbinotte e aos estudantes bolsistas dos Programas de Iniciação Científica da 
UFRGS, CNPq e FAPERS, que participam do nosso projeto. 
 Uma palavra de gratidão e de reconhecimento ao então diretor e vice-diretor da 
Escola de Educação Física da UFRGS, Dr. Ricardo Pettersen e Prof. Antônio Rangel 
que, mesmo na difícil situação em que se encontram as Universidade Públicas 
brasileiras, tem propiciado condições operacionais para que se mantenha acesa a chama 
da esperança no sentido de uma vida acadêmica rigorosamente digna, onde o ensino, a 
pesquisa e a extensão se consubstanciam em práticas solidárias e de relevância social. 
 Ao Dr. Antônio Carlos Guimarães coordenador do Laboratório de Pesquisa do 
Exercício, o reconhecimento de uma capacidade científica exuberante, que nos debates, 
nas críticas e sugestões não transige em momento algum do rigor da racionalidade e do 
método. Ao Guimarães nosso agradecimento também pelo esforço em nos 
proporcionar, dentro da escassez de recursos que então dispunha, as condições de 
trabalho que temos no LAPEX. 
 Aos meus alunos do Mestrado em Ciências do Movimento Humano da UFRGS 
e do Mestrado em Ciência do Desporto - Desporto de Crianças e Jovens- da UP, 
agradeço aos debates e a possibilidade de tê-los como interlocutores nas questões que 
trato neste estudo. 
 Ao Dr. José Vicente Tavares, como Pró-reitor adjunto de pesquisa da UFRGS, 
nossa gratidão pela disponibilidade, sempre demostrada, em auxiliar o desenvolvimento 
de nosso projeto e pelas oportunidades que nos tem oferecido para participar de grupos 
de estudos interdisciplinares. 
 Ao Dr. Alberto Reppold Filho, companheiro nos debates, no estudo e nas 
investigações sobre a produção do conhecimento em educação física e ciências do 
desporto, bem como, irmão e parceiro em todas as andanças, digamos, "existenciais". 
 As instituições de fomento à pesquisa que tem nos auxiliado através de bolsas 
de pesquisa, CNPq., PROPESP-UFRGS e FAPERS e que permitem a execução do 
Projeto Desporto e permitiram a elaboração deste trabalho. 
 Dois agradecimentos especiais. À Lisiane Torres e Cardoso, por quem passou os 
primeiros textos que foram impiedosamente criticados. À Antônio Marques, que na 
época da elaboração do livro, como presidente do Conselho Diretivo, nos concedeu a 
honra do convite para editar esse estudo no contexto das comemorações dos 20 anos da 
Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto. 
 6
INTRODUÇÃO À EPISTEMOLOGIA E METODOLOGIA DA 
INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA REFERENCIADAS AO DESPORTO. 
 
 
 
 
APRESENTAÇÃO 
 
 Nosso objetivo ao propor este trabalho é o de estimular a reflexão sobre alguns 
aspetos referentes à epistemologia e a metodologia da investigação e suas possíveis im-
plicações na interpretação das formas da produção do conhecimento científico no 
âmbito do desporto, formas de conhecimento normalmente reunidas sobre a 
denominação de ciências do desporto. 
 Sob o ponto de vista teórico, considerando a concepção multidisciplinar1 que 
configura as chamadas ciências do desporto2, ou seja, definindo-as com um agregado de 
disciplinas científicas onde coabitam, convergente e divergentemente, objetivos e 
objetos que, de formas diversas e diferenciadas, assumem o desporto como campo de 
investigação científica (a biologia, a psicologia, a antropologia ,a sociologia, etc., e 
num espaço mais definido de intervenção a pedagogia do desporto e o treino 
desportivo), torna-se evidente que não temos a pretensão de apontar novas 
interpretações sobre o fenômeno do conhecimento. O que pretendemos com este 
trabalho é, tão simplesmente, oportunizar aos professores de educação física e cientistas 
do desporto, cujos cursos de formação e pós graduação dão pouca ênfase a essas 
questões, um conhecimento aplicado capaz de estimular uma visão crítica sobre o 
conhecimento que utiliza e/ou que produz. 
 De certa forma, o que nos propomos realizar neste ensaio de revisão é a possibi-
lidade de esboçar uma espécie de manual introdutório sobre a epistemologia e a 
metodologia da investigação referenciadas à produção do conhecimento científico no 
âmbito das práticas desportivas. 
 Configura-se como o conteúdo desta monografia o curso que desenvolvemos em 
nossa atividade docente no programa de mestrado em Ciências do Movimento Humano 
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil) e, como professor visitante-con-
vidado, no programa de mestrado em Ciência do Desporto - Desporto de Crianças e 
Jovens- da Universidade do Porto (Portugal). 
 Vamos apresentá-lo dividido em três partes: 
 
1 Entendemos por multidisciplinaridade quando para realizar uma investigação, se faz apelo ao contributo 
de diferentes disciplinas, tratando-se, contudo, de uma colaboração fortemente localizada e limitada 
quanto ao seu alcance: os interesses próprios de cada umadas disciplinas implicadas não sofrem 
qualquer alteração, conservando-se uma completa autonomia dos seus métodos bem como de seus 
objetos particulares. (Cf. CARVALHO, A.D. Epistemologia das Ciências da Educação, Afrontamento, 
Porto, 1988). 
2 Sobre o perfil epistemológico das ciências do desporto, publicamos As Ciências do Desporto no Espaço 
de Língua Portuguesa. Uma Abordagem Epistemológica. Universidade do Porto, Faculdade de Ciências 
do Desporto e de Educação Física. Porto, 1994. 
 7
 Na primeira, mais especificamente voltada às questões epistemológicas discor-
remos sobre o significado da epistemologia e, em seguida, em capítulos sucessivos, 
referimos aspetos relacionados à possibilidade e à origem do conhecimento. Nestes 
capítulos pretendemos especular, no âmbito da filosofia do conhecimento, sobre as 
seguintes questões: O que é o conhecimento? O que determina a validade de um 
determinado conhecimento? Pode o sujeito conhecer o objeto? Podemos conhecer o 
mundo real? Podemos captar o objeto em toda sua dimensão? Podemos desvelar as leis 
que regem o universo? Onde reside a origem do conhecimento? Na razão ou na 
experiência? Em relação à essência ou natureza do conhecimento: o sujeito determina o 
objeto ou o objeto determina o sujeito? 
 Na segunda parte, que denominamos como processo geral da investigação cien-
tífica, mais centrado na metodologia da investigação, primeiramente vamos discutir 
sobre os critérios de delimitação do conhecimento científico. Vamos discorrer sobre os 
principais pressupostos que caracterizam o conhecimento científico como um código de 
linguagem e racionalidade que os distingue do conhecimento do senso comum, do 
conhecimento religioso ou místico, do conhecimento filosófico. E mais, damos ênfase 
às técnicas e aos processos gerais da investigação enfatizando a delimitação dos 
objetivos, a formulação de problemas de investigação, o enunciado de hipóteses, a defi-
nição das variáveis e os principais métodos de abordagem e procedimento. 
 Na terceira parte, mais voltada especificamente para as questões referentes a 
epistemologia das ciências do desporto, vamos apresentar uma síntese do perfil das ci-
ências do desporto no que se refere a suas tendências epistemológicas, metodológicas e 
sobre o conteúdo do conhecimento produzido, assumindo como pressuposto que tais 
formas de saber poucas vezes tem sido capazes de responder as questões específicas de 
interesse dos intervenientes nas práticas desportivas. Finalmente, vamos especular no 
sentido da possibilidade epistemológicamente justificada da delimitação da ciência do 
desporto enquanto disciplina científica e acadêmica relativamente autônoma, consubs-
tanciada por objeto teórico formal quadro conceitual e linguagem própria, metodologias 
adequadas, instituições de formação e de investigação relativamente autônoma e a 
configuração de uma comunidade científica com identidade definida. 
 Enfim, desejamos que este trabalho, na perspectiva de um livro texto para cursos 
de metodologia da investigação científica no âmbito da educação física e desportos, 
possa contribuir para o efetivo desenvolvimento de concepções epistemológicas e meto-
dológicas mais adequadamente críticas. E , da mesma forma, esperamos que seja possí-
vel avançar na construção de um quadro teórico transdisciplinar3 capaz de esboçar niti-
damente os contornos da ciência do desporto enquanto uma disciplina relativamente au-
tônoma. 
 
 
3 Por transdisciplinaridade entende-se uma perspectiva de trabalho e de produção de conhecimento onde 
se alcança um método comum que procura satisfazer prioritariamente as exigências específicas de um 
novo objeto. Anuncia-se e realiza-se a emergência de uma nova disciplina, de um nova ciência, sem que 
isso aniquile os seus diferenciáveis matizes constituintes. Com efeito a idéia de transdisciplinaridade 
traduz, de uma maneira exata, a heterogeneidade constitutiva dessa ciência em que a multiplicidade das 
suas vertentes se submete à unidade de seu objeto. Este não é mais um simples objeto ou sub-objeto 
comum, ele é antes o objeto único de uma única ciência. (Cf. CARVALHO, A.D. Op.Cit.). 
 8
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
I PARTE 
SOBRE O SIGNIFICADO DA EPISTEMOLOGIA E O 
FENÔMENO DO CONHECIMENTO 
 
 9
CAPÍTULO 1 
 
 
 
1- SOBRE O SIGNIFICADO DA EPISTEMOLOGIA 
 
 Epistemologia (episteme = conhecimento + logos = teoria, discurso) configura-
se como a disciplina que trata da possibilidade, da origem, da natureza, da forma, da 
validade do conhecimento4. Em outras palavras, a epistemologia enquanto saber 
globalmente considerado, pode ser entendida como o estudo metódico e reflexivo sobre 
as diversas formas de conhecimento (seja ele senso comum, teológico, filosófico ou 
científico) de sua organização, de sua formação, de seu desenvolvimento, de seu 
funcionamento e de seus produtos intelectuais5. 
 Portanto, é nesta ampla perspectiva, como referem AUROUX e WEIL6, que 
tantas vezes surgem ambigüidades na compreensão do termo que ora é referido como 
teoria e filosofia do conhecimento, ora como teoria e filosofia da ciência. 
 Do nosso ponto de vista a epistemologia, enquanto filosofia e teoria do conheci-
mento, abrange um espectro mais amplo tratando, para além da ciência, das diversas 
formas do conhecimento e do saber7. Por outro lado, enquanto reduzida a formas de 
conhecimento científico, assumimos que são passíveis de diferenciação os estudos 
sobre a filosofia da ciência e a teoria da ciência. 
 Enquanto filosofia8 da ciência, a epistemologia trata dos condicionamentos 
lógicos e formais, das condições éticas e históricas, da estrutura global das formas do 
conhecimento. São, por exemplo, os estudos sobre analítica e dialética que dividem, ao 
longo da história, filósofos de todas as épocas9. 
 Enquanto teoria da ciência, a epistemologia trata de temas ligados mais especifi-
camente ao âmbito do desenvolvimento de conhecimentos inerentes a cada disciplina 
científica. São por exemplo: no campo da psicologia os estudos de epistemologia 
genética de Piaget, no campo da história a epistemologia arqueológica de Foucault, nas 
ciências sociais a epistemologia crítica de Habermas, na matemática o teorema de 
Gödel, na biologia celular a auto-organização de Atlan, etc. 
 
4 Cf. SOUZA,D. Epistemologia das Ciências Sociais, Horizonte, Lisboa, s.d.,p.13. 
5 Cf. JAPIASSU, H. Introdução ao Pensamento Epistemológico. 2ªed. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 
1977,p.24. 
6 Dicionário de Filosofia. Asa, Lisboa, 1991, p 106. 
7 São vários os textos que discorrem sobre as possíveis diferenças entre a expressão saber e 
conhecimento. Todavia uma síntese bem claramente apresentada pode ser lida em Bombassaro, L.C. As 
Fronteiras da Epistemologia. Como se produz o conhecimento. 2ªed. Rio de Janeiro, Vozes , 1992, p.19 
a 25. 
8 No sentido de situar historicamente as diversas concepções filosóficas sobre a questão do conhecimento 
sugiro a leitura de Gaarder, J. O Mundo de Sofia. 6ªed. Presença, Lisboa, 1995. 
9 Importante trabalho sobre esse tema encontra-se em CIRNE LIMA, C. A Questão da Contradição. 
PUC-RS. Porto Alegre, 1992. 
 10
 Jean PIAGET10, na condição auto-referenciada de epistemólogo em sua obra 
Lógica e Conhecimento Científico, sugere uma forma interessante sobre a compreensão 
das diversas expressões da epistemologia. Para este autor a epistemologia geral pode 
ser compreendida através de três perspectivas: as epistemologias meta-científicas, para-
científicas e científicas propriamente ditas. 
 No primeiro caso trata-se das epistemologias que partem de uma reflexão sobre 
as ciências e tendem a prolongá-la numa teoria geral do conhecimento. Situam-se neste 
espaço pensadores como Platão, Aristóteles,Descartes, Leibnitz, Hume, Kant, Hegel, 
Marx. 
 Nas epistemologias para-científicas, trata-se de, apoiando-se numa crítica das ci-
ências, alcançar um modo de conhecimento distinto do conhecimento científico e, nor-
malmente, configurando-se em oposição a este. Neste grupo estão entre outros: 
Bergson, Husserl, Wertheimer , Merlou-Ponty, Jaspers, Heideger. 
 Finalmente, nas epistemologias científicas, trata-se de permanecer no interior 
das ciências. 
 Em tais casos, a crítica epistemológica deixa de constituir uma simples 
reflexão sobre a ciência: ela torna-se então instrumento do progresso científico 
enquanto organização interior dos fundamentos, e sobre tudo enquanto 
elaborada exatamente pelos mesmos que utilizarão esses fundamentos e que 
sabem portanto de que é que têm necessidade, em vez de os receberem de fora a 
título de presentes generosos, mas pouco utilizáveis e que por vezes estorvam11. 
 Entre os autores inseridos nesta perspectiva epistemológica estão por exemplo: Comte, 
Bachelard, Bertalanfy, Wittgenstein, Popper, Khun, Thom, Atlan, Morin12. 
 No presente ensaio, sendo nosso propósito tratar de uma forma específica de co-
nhecimento - o conhecimento científico no âmbito do desporto - adotamos como 
referência operacional a definição de epistemologia específica tal como expressa por 
Japiassu13. Deste modo, vamos nos dedicar a uma Epistemologia específica, que 
conforme o autor citado, trata de estudar de modo próximo um objeto intelectualmente 
constituído em unidade definida de saber, e de estudá-lo de modo próximo, detalhado e 
técnico mostrando sua organização, seu funcionamento e as relações com outras 
formas de saber, bem como outras disciplinas. 
 Entendemos que é nessa perspectiva, a de uma epistemologia específica, que va-
mos encontrar por exemplo em Piaget e Colaboradores14 referências a uma epistemolo-
gia da física, epistemologia da biologia, epistemologia das ciências humanas, epistemo-
logia da lógica, epistemologia das matemáticas, etc. Na área da educação discute-se 
sobre uma epistemologia das ciências da educação15 e especificamente no âmbito da 
educação física e desportos podemos perceber tentativas em esboçar uma epistemologia 
 
10 PIAGET, J. Lógica do Conhecimento Científico. Vol.1, Civilização, Porto, 1980, p.46. 
11 Ibidem, p.54 
12 Possivelmente se possa afirmar que tanto Morin como, principalmente, Atlan, já possam ser situados 
na perspectiva meta-científica na medida em que suas obras tendem a discutir a temática do 
conhecimento como um todo, para além da ciência. Veja, por exemplo, Atlan, H. Tudo, Não, Talvez - 
Educação e Verdade. Instituto Piaget, Lisboa, s.d. e Morin, H et Kern, A.B. Terra Pátria. Instituto 
Piaget, Lisboa, s.d. 
13 Op. Cit., p.24 
14 Piaget, J (ed.) Lógica e conhecimento científico. Volumes 1 e 2. Porto, Civilização, 1981. 
15 Ver por exemplo Cravalho, A.D. Epistemologia das ciências da educação. Porto, Afrontamento, 1988. 
 11
da motricidade humana16 e, tal como pretendemos fazer valer, uma epistemologia da(s) 
ciência17(s) do desporto18. 
 
 
 
 
 
2 - SOBRE O FENÔMENO DO CONHECIMENTO 
 
 Falar sobre o conhecimento, enquanto objeto do próprio conhecimento, requer 
uma interpretação de seu significado que pode ser delineada a partir de vários métodos. 
Por exemplo: podemos nos referir a sua gênese no âmbito da psicologia como fez 
Piaget em sua epistemologia genética; através da análise de sua estrutura lingüística 
como fazem os filósofos analíticos tais como Ernst Tugendhat19; tendo em vista seus 
determinantes socioculturais como fazem os historiadores da ciência como Bachelard20, 
Khun21, ou sob o ponto de vista da neurobiologia como António Damásio22
 Neste curso, acompanhando a perspectiva de análise de Johannes Hessan23 situ-
amo-nos na possibilidade de uma descrição através de um processo de reflexão sobre 
aquilo que experenciamos ou que vivenciamos quando discorremos ou discutimos sobre 
o conhecimento. Este método de inspiração fenomenológica assume, de certa forma, 
uma perspectiva descritiva e se desenvolve na tentativa de superação de diversas subje-
tividades (do professor e seus alunos) através de uma síntese intersubjetiva construída 
no diálogo que , dessa forma, se constitui em requisito imprescindível para o 
desenvolvimento de nosso programa. 
 Como tal, como ponto de partida para nossa discussão, a primeira questão que 
propomos é a seguinte: O que se considera como conhecimento? O que é conhecer? O 
que é o conhecimento? 
 Vamos argumentar no sentido que o fenômeno do conhecimento pode ser ex-
presso em seus principais aspetos da seguinte forma: 
 O conhecimento representa a expressão/apreensão/construção mental e co-
municação formal de um objeto24. 
 
16 Sérgio, M. Para uma epistemologia da motricidade humana. Lisboa, Compêndium, 1987. 
17 Sobre epistemologia da ciência do desporto publicamos Das ciências do desporto à ciência do 
desporto. Notas introdutórias para uma epistemologia da ciência do desporto. Revista Horizonte 11(63) 
67-76, 1994. 
18 Haag ,H. et all. Sport science in Germany: An interdisciplinary anthology. Berlim, Springer-Verlag, 
1992. 
19 Tugendhat,E. Lições introdutórias à filosofia analítica da linguagem. Ijuí, Uniijuí, 1992. 
20 Bachelard, G. La formación del espíritu científico, Madrid, Ed. Madrid, 1974. 
21 Khun,T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo, Perspectiva, 1975. 
22 Damásio, A.R. O Erro de Descartes. Emoção, Razão e Cérebro Humano. 15ª ed. Europa-América. 
Mem-Martins, 1995. 
23 Cf. Teoria do conhecimento. Coimbra, Arménio Amado, 1987. 
24 Referimo-nos simultaneamente aos termos expressão/ apreensão/contrução e comunicação formal, por 
constituirem critérios advindos de distintas correntes filosóficas sobre o conhecimento, tais como o 
inatismo, o empirismo, o construtivismo e o apriorismo. 
 12
Não obstante, seja qual for a concepção sobre o conhecimento definida a partir dos 
diferentes termos acima referidos, sempre teremos como expressão do conhecimento 
uma relação entre, no mínimo, dois elementos: de um lado um sujeito cogniscente (que 
expressa, ou apreende, ou constrói, ou comunica formalmente) e, de outro, um objeto 
cogniscível (que é expresso, ou apreendido, ou construído, ou reconstruído e 
comunicado pela linguagem formal)25. 
 Nestes termos, numa primeira aproximação, poderíamos dizer que o conheci-
mento pode ser expresso na relação entre um sujeito e um objeto (considerando que o 
próprio sujeito e sua comunidade podem se configurar no objeto do conhecimento). 
 Todavia, a menos que tenhamos a convicção que o conhecimento é inato 
(inatismo), ou nos é dada de fora por algum ente ou entidade superior (dogmatismo), 
devemos reconhecer que a constituição de qualquer expressão do conhecimento requer 
outras exigências. Exigências que se consubstanciam nas determinantes histórico-
sociais, ou se preferirmos a episteme, percebida no sentido foucaultiano, como o código 
cultural de uma época26. 
 Mas vejamos, através de um exemplo muito simples, como se processa esta rela-
ção sujeito-objeto-episteme em nosso cotidiano. Imaginemos a seguinte situação: 
alguém nos vem descrever a bola de voleibol e, entre outras características, predica-a 
como de forma geométrica oval. Nestas condições, certamente concluiríamos que tal 
indivíduo não CONHECE a bola de voleibol, não CONHECE a bola de râguebi ou, 
provavelmente, não CONHEÇA nem uma e nem outra. Diríamos, de outra maneira, que 
tal afirmação não é verdadeira, ou seja, não corresponde a verdade pois, na medida em 
que conhecemos pelo menos a bola de voleibol, sabemos que, em VERDADE, ela é 
esférica. 
 Este simples exemplo é suficiente para nos fazer perceber que o conhecimento 
para ser adequadamente compreendido, exige algo mais que arelação sujeito-objeto. 
Exige portanto, a necessidade de uma mediação ou de um critério que determine, nesta 
relação, o que é conhecimento válido frente ao que é um "conhecimento" não válido 
(não conhecimento?). Esse critério, em princípio, configura-se na concordância entre o 
pensamento do sujeito e o "real" do objeto descrito, mediado por um determinado 
código de compreensão (a episteme). Este critério corresponde ao conceito 
epistemológico de verdade ou validade (que passaremos a referir como 
verdade/validade). 
 Verdade/validade de um enunciado, enquanto categoria epistemológica, é a 
(pretendida) concordância intersubjetiva entre o conteúdo do pensamento 
expresso em linguagem formal e o objeto num determinado quadro de referências. 
 Todavia, devemos reconhecer que tal conceito de verdade/validade nos impõe 
uma outra dificuldade. Se não vejamos: o que determina se há ou não a concordância 
entre o pensamento e o objeto? Ou seja, em que constitui o critério que define verda-
de/validade? 
 Desta forma, agora já, necessitamos de uma outra categoria ou operador formal 
para definir o CONHECIMENTO - essas categorias ou operadores configuram-se como 
os CRITÉRIOS DE VERDADE. 
 
25 Relevante é a relação entre conhecimento e saber que hoje é discutida em vários autores como Garder, 
J; Damásio,A.; Atlan, H.; Morin, E. Obras referenciadas ao fim deste manual. 
26 Cf. Foucault, M. As palavras e as coisas. Lisboa, Edições 70, s.d. 
 13
 Os critérios de verdade/validade representam os meios para verificar a ade-
quação ou falseamento de uma descrição (de um conhecimento). 
 Até aqui parece, estamos percorrendo um caminho sem fim, que é expresso pela 
necessidade de dependurarmos um conceito noutro "ad infinitum". Entretanto, ao nosso 
ver, este caminho na epistemologia é superado por critérios mais ou menos arbitrários27, 
critérios que identificaremos como os critérios usuais de verdade/validade, sobre os 
quais passamos a discorrer brevemente. 
 
 
 
1.1- O critério de autoridade 
 Como refere Pedro Demo, embora a autoridade não seja, por si mesma, argu-
mento algum, não se pode desconhecer o fenômeno constante de que a evocação de 
certas autoridades desperta imensa respeitabilidade28. 
 Podemos freqüentemente observar a presença do critério de autoridade no dis-
curso científico e pedagógico no âmbito das práticas desportivas quando o professor 
evoca constantemente certas autoridades. Por exemplo, um fisiologista do desporto que 
pretende demonstrar seu ponto de vista sobre a relevância do treino aeróbio valendo-se 
de citações de autores diversos (Astrand, Pollock, Fox, Willmor, etc.) ou um filósofo do 
desporto que faz valer seu quadro epistemológico, dando ao seu argumento a força de 
determinadas autoridades (Kant, Hegel, Marx, Husserl, etc.). Ou seja, nestes casos, o 
professor deposita nos autores referenciados a força do seu argumento. Em outras pala-
vras, o professor usa a autoridade de outrem afirmando sua mensagem como válida. 
 Outra evidência da presença do critério da autoridade é claramente expressa na 
relação treinador-atleta onde o primeiro, muitas vezes o todo-poderoso (a autoridade) 
determina (na maioria das vezes reproduz) a verdade. Verdade que se consubstancia nas 
tarefas a serem cumpridas (sem discussão) pelos atletas (que, por sua vez, reconhecem 
e legitimam o papel da autoridade ao treinador). 
 Também no âmbito do conhecimento científico se observa com freqüência a 
adoção do critério de autoridade: quando um investigador ou professor 
(justificacionista), por exemplo, afirma que determinada tese está provada 
cientificamente e com isto pretende dar como definitiva a sua argumentação na 
convicção que o conhecimento científico é portador da verdade definitiva. Nota-se 
ainda, claramente, a presença do critério de autoridade nas formas dogmáticas do 
conhecimento, tais como o conhecimento religioso e político-ideológico. 
 
1.2- O critério da evidência ou da correspondência 
 O critério de evidência revela que são verdadeiros os juízos que assentam na 
presença ou realidade imediata do objeto pensado. Vejamos um exemplo: ao 
observarmos por microscopia as fibras musculares esqueléticas dos membros inferiores 
de um maratonista e de um sedentário, tornam-se patentes uma série de diferenças 
 
27 Arbitrários no sentido de que após a ilusão positivista não se deva acreditar na possibilidade da 
delimitação de critérios absolutos e a-históricos. 
28 Demo, P. Metodologia científica em ciências sociais. Sãp Paulo, Atlas, 1989, p.41. 
 14
estruturais e funcionais. Sendo possível controlar as diversas variáveis, de modo que a 
única variável interveniente na observação seja o treino desportivo, se torna evidente 
que ao treino desportivo corresponde as causas responsáveis pelas alterações morfo-
funcionais. 
 O critério de evidência ou correspondência é usual nas formas predominante-
mente empíricas do conhecimento, ou seja, estão presentes no conhecimento científico 
e tecnológico e no senso comum. 
 No conhecimento científico e tecnológico, o critério de evidência exige uma du-
pla correspondência. Deve ser coerente na relação com os dados da percepção, ou em 
outras palavras, o conhecimento anunciado deve corresponder com aquilo que se obser-
va realmente (o aumento do número de mitocôndrias em nosso exemplo anterior) e, por 
outro lado, deve ser coerente na dinâmica interna da comunicação ou discurso. Neste 
segundo caso, que conhecemos como a necessidade lógica formal do discurso, a 
validade representa a verdade do pensamento consigo mesmo. Esta exigência define-se 
como o princípio da Não-Contradição. 
 O princípio da Não-Contradição, tomado na formulação clássica que lhe foi 
dada por Aristóteles no livro Gama da Metafísica, diz: é impossível predicar e não 
predicar o mesmo do mesmo modo sob o mesmo aspeto e ao mesmo tempo29. Ou seja 
não podemos simultaneamente afirmar das condições do tempo, por exemplo: agora 
chove- não chove. Porque a afirmação chove neste momento, por coerência formal eli-
mina a possibilidade do não chove neste mesmo momento. Portanto, como afirmamos 
acima, podemos inferir que nosso pensamento concorda com ele mesmo quando está 
livre de contradições. 
 
1.3- O critério da utilidade 
 O critério da utilidade, consiste na definição da verdade/validade a partir da 
finalidade prática que assume o objeto descrito. Está presente nas concepções 
pragmáticas do conhecimento onde o verdadeiro/válido significa útil, valioso, 
fomentador da vida. 
 Está implícito no critério de utilidade uma concepção especial de ser humano 
como um ser prático, um ser de vontade e ação. O homem não é essencialmente um ser 
teórico ou pensante, seu conhecimento recebe o sentido e o valor de seu destino prático. 
A sua verdade/validade consiste na congruência dos pensamentos com os fins práticos 
do homem em que aqueles resultem úteis e proveitosos para o comportamento prático 
deste. 
 Portanto, nesta perspectiva o conhecimento é reconhecido enquanto tal, quando 
faz emergir formas de intervenção no real concreto. 
 
1.4- O critério da intersubjetividade 
 O critério da intersubjetividade consiste na definição da verdade/validade 
enquanto consonância com um padrão aceito por uma determinada comunidade. 
 
29 Cirne-Lima, C.R.V. Sobre a contradição. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1993, ps. 55 e 56. 
 15
 A intersubjetividade é uma espécie de consenso que impõe as regras do jogo e 
faz com que se aceite ou não este ou aquele tipo de observação ou verificação no seio 
de uma comunidade científica30. 
 Vejamos um exemplo: 
A medicina, ainda há menos de 70 anos, condenava o exercício físico como fator de 
risco para as doenças isquêmicas do coração.Tal recomendação tinha como argumento 
a evidência analisada através do exame usual na época (o raio X) que os corações de 
cardiopatas, bem como os atletas treinados, apresentavam-se dilatados. Desta maneira, 
o exercício deveria ser causador de anomalias cardíacas. Haviam teorias científicas que, 
baseadas nessa evidência, explicam o fenômeno. vejamos: 
 A distância que o oxigênio do sangue capilar deve cobrir para atingir a 
porção central de uma fibrila será muito maior em um coração hipertrofiado. 
As fibrilas musculares alimentam-se através de sua superfície mas consomem 
oxigênio em proporção a seu volume. Como o volume das fibrilas cresce em 
proporção ao quadrado, à medida que a fibrila crescer, sua capacidade de 
alimentação não acompanhará a solicitação metabólica31. 
Portanto se o exercício físico faz crescer o volume das fibrilas, por conseguinte, ele é 
indiretamente causador da insuficiência cardíaca. 
 Neste exemplo podemos perceber com clareza que, a partir de um conceito geral 
tido como consensual no âmbito de uma determinada comunidade científica - o coração 
dilatado é sintoma de insuficiência cardíaca - conclui-se sobre os efeitos prejudiciais do 
treino desportivo. Como tal, embora o critério de evidência esteja presente quando da 
constatação por Raio X que o coração dos atletas eram dilatados tal como os corações 
dos cardiopatas, tal constatação precedia de um conceito ou teoria aceita intersubjetiva-
mente pela comunidade médica de que coração dilatado representa insuficiência 
cardíaca. 
 Como veremos mais adiante, o critério de intersubjetividade tem sido muito 
referido na epistemologia . É especialmente evidente no sentido de pensamento coletivo 
ou capital intelectual em E. Durkheim32, de paradigma expresso por Tomas Khun33, de 
episteme em Foucault34, sujeito epistêmico em Piaget35, núcleo duro dos programas de 
investigação em Lakatos36, temática em Holton37, mundo vital em Habermas38, etc. 
 Não obstante, independente das concepções sobre o que representa conhecer ou 
o conhecimento, um conjunto de questões se impõe. Por exemplo: é possível conhecer? 
Onde está a origem do conhecimento? O que determina o conhecimento? Portanto, será 
 
30 Morin,E. O Método IV. As idéias: A sua natureza, vida, habitat e organização. Mem-Martins, Europa-
América, 1991. 
31 Rigatto, M. O treinamento físico: Premissas fisiológicas. In Simpósio Nacional sobre Arterosclerose 
Coronariana, 2. São Paulo, 1973, ps. 264 a 266 e 275 a 277. 
32 Cf. Durkheim, E. As Regras do Método Sociologico. Lisboa, Presença, 1980. 
33 Cf. Kuhn,T. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo, Perspectiva, 1979. 
34 Cf. Foucault, M. As palavras e as coisas. Lisboa, Edições 70, sd. 
35 Op.Cit. 
36 Cf. Lakatos,I. Proofs and refutations. London, Cambridge University Press, 1976. 
37 Cf. Holton,G. In. Carrilho, M.M. Epistemologia. Posições Críticas. Lisboa, Gulbenkian, 1991, p.241. 
38 Cf. Siebeneichler,F.B. Jürgen Habermas. Razão Comunicativa e Emancipação. Rio de Janeiro, Tempo 
Brasileiro, 1989, ps 117 e ss. 
 16
partir destas interrogações que iremos discorrer, nos próximos capítulos, sobre as 
principais correntes epistemológicas. 
CAPÍTULO 2 
 
 
SOBRE A POSSIBILIDADE E A ORIGEM DO CONHECIMENTO 
 
 Vimos que o conhecimento representa a relação entre sujeito e objeto num qua-
dro teórico de referências (episteme ou paradigma) determinado historicamente nas 
relações socioculturais. Todavia, quando estudamos epistemologia configuram-se como 
conteúdos inerentes ao seu espaço teórico a tentativa de encontrar respostas para um 
conjunto de questões que, não obstante sua complexidade, definem as principais corren-
tes do pensamento epistemológico. Essa questões, podemos enquadrá-las em dois níveis 
que identificamos como: sobre a possibilidade e sobre a origem do conhecimento. 
 
 
 2.1- Sobre a possibilidade do conhecimento 
 Pode o sujeito conhecer o objeto? 
 Podemos conhecer o mundo real? 
 Podemos captar o objeto em toda sua dimensão? 
 Podemos desvelar as leis que regem o Universo? 
 Pode nossa consciência refletir adequadamente a realidade objetiva? 
 Pois são as diversas tentativas de soluções a essas questões que vão delinear as 
principais correntes epistemológicas sobre a possibilidade do conhecimento. 
 
2.1.1- Dogmatismo (de doutrina fixada, dogma39): modo de pensamento que opera com 
conceitos e fórmulas invariáveis. Ou seja, no dogmatismo não faz sentido se discutir so-
bre a possibilidade do conhecimento, posto que em sua lógica, é evidente que o sujeito 
apreende o objeto que lhe é dado diretamente pela percepção. 
 Portanto, desta perspectiva, no dogmatismo é evidente que o conhecimento não 
é percebido como uma relação sujeito-objeto na medida em que tanto o objeto como a 
percepção são dados de maneira absoluta na corporeidade. Confunde-se40 pois, percep-
ção e pensamento no ato de conhecer e nesta confusão, torna-se evidente que o conhe-
cimento para o dogmatismo não é considerado como uma questão própria de conheci-
mento. 
 O dogmatismo é a posição mais antiga na filosofia do conhecimento, está 
presente nos pré-socráticos41, pensadores que voltados totalmente para o ser e a 
natureza, não percebiam, como foi dito acima, que o conhecimento é, ele próprio, um 
problema de conhecimento. 
 
39 Cf. Hessen,J. Op. Cit., p.37. 
40 Confunde-se aquí tem o significado explícito de con-fundir =fundir juntos. Portanto aspectos que estão 
juntos e não, como no senso comum tantas vezes é percebido, no sentido de exclusão mútua. 
41 Filósofos jônios da natureza, os eleáticos, Heráclito, os pitagóricos. Cf. Hessen, J. Op.Cit.,p 39. 
 17
 Na modernidade o dogmatismo assume uma perspectiva diferenciada, ou seja, 
assume fronteiras com limites mais reduzidos. Refere-se a campos determinados de 
saber, onde, por conseguinte se pode falar em dogmatismo ético, religioso, político, etc. 
Neste quadro, os conceitos invariáveis de operação que caracterizam o dogmatismo, 
limitam-se a áreas específicas. 
 Em Kant podemos observar, por exemplo, que o dogmatismo representa o pro-
ceder dogmático da razão pura sem a crítica de seu próprio poder. Assim se refere Kant 
aos sistemas metafísicos de Descartes, Leibnitz, criticando nesses pensadores o uso da 
metafísica sem antes ter examinado a capacidade da razão humana para tal uso. 
 Nas publicações no âmbito do desporto, principalmente nas áreas sócio-antropo-
lógicas, muitas vezes observam-se posições dogmáticas que se expressam na imposição 
de determinados autores ou de determinadas correntes de pensamento, sem permitir 
qualquer espaço de reflexão sobre o seu uso. São estudos que normalmente se caracteri-
zam por um conjunto de citações de pequenos insertos de importantes filósofos, muitas 
vezes em contexto impróprio, com o intuito de justificar determinados pontos de vista 
contra ou a favor do desporto42. 
 
2.1.2- Ceticismo 
 Enquanto o dogmatismo considera a possibilidade do conhecimento como algo 
compreensível por si mesmo, no ceticismo esta possibilidade é negada. Para o ceticismo 
é impossível o conhecimento no sentido de uma apreensão real do objeto portanto, de-
vemos nos abster de formular juízos. 
 Se por um lado o dogmatismo, de certa forma, desconhece o sujeito, o 
ceticismo, por sua vez, desconhece a significação do objeto na medida em que sua 
atenção dirige-se inteiramente aos fatores subjetivos do conhecimento humano. Por 
outro lado, ao dirigir-se inteiramente aos fatores subjetivos do conhecimento humano, 
torna-se evidente que o ceticismo não aceita a possibilidade de uma verdade universal, 
e, por conseqüência, ao não aceitar a possibilidade de uma universalidade não pode, na 
realidade, configurar-se como conhecimento. Portanto, para o ceticismo, não háa 
possibilidade do conhecimento. 
 Por outro lado, formalmente, o ceticismo radical ou absoluto configura-se numa 
contradição performativa. Isto porque ao afirmar que não pode haver conhecimento, 
cria ele próprio um conhecimento (o conhecimento de que não pode haver 
conhecimento). Ou seja, negar o conhecimento é uma afirmação auto-referente que 
explode como contradição (...) Se tal proposição é verdadeira, (não existe a 
possibilidade do conhecimento) então ela é falsa (pois se não há a possibilidade do 
conhecimento a própria proposição de que não há a possibilidade do conhecimento 
sendo verdadeira desfaz-se na contradição, portanto: ela é sempre falsa43. 
 Todavia, tal como ocorre com o dogmatismo, para além do ceticismo absoluto 
ou radical pode-se referir ao ceticismo como negação da existência de determinadas 
formas específicas do conhecimento. Esse ceticismo localizado surge por exemplo em 
 
42 Uma análise da produção científica nas ciências do desporto nos países de língua portuguesa está 
publicada em Gaya, A.C.A. As ciências do desporto nos países de língua portuguesa. Uma abordagem 
epistemológica. Porto, Universidade do Porto, 1994. 
43 Cf. Cirne-Lima, C. R. V. Op. Cit., p. 114. 
 18
relação à ética (ceticismo ético), em relação à metafísica (ceticismo metafísico), em 
relação à religião (ceticismo religioso ou agnosticismo). Podemos ainda nos referir ao 
cetismo enquanto método do conhecimento. É nessa perspectiva que vamos encontrar o 
ceticismo metódico de Descartes e Kant e o ceticismo sistemático em Popper. Tais 
pensadores fazem uso do ceticismo na forma da dúvida sistemática, realçando a 
necessidade da permanente crítica sobre a produção do conhecimento. É assim, por 
exemplo, que Popper44 delimita o conhecimento científico como uma forma de 
conhecimento passível de ver demonstrada, por observação e dedução, a sua 
falibilidade. 
 Uma forma especial de ceticismo em nossa Contemporaneidade, está implícito 
em algumas correntes do pensamento pós-moderno45. Ao abdicar da possibilidade da 
unidade da razão e das metanarrativas, em prol de sua fragmentação, cai num 
relativismo absoluto que, por sua vez, permite a emergência de um "vale tudo", 
destruindo, consequentemente, os quadros referencias sobre valores, atitudes e o sobre 
o próprio conhecimento. 
 Conforme Cirne Lima, essa fragmentação da razão, e como resultado, a deca-
dência do pensamento sistemático começa na filosofia por Nietzsche e Kierkegaard, 
passa pela destruição da metafísica ocidental proposta por Heidegger e desemboca nos 
plúrimos jogos de linguagem de Wittgenstein46. 
 Ouve-se hoje entre os que fazem Filosofia quase só o louvor ao particular, à 
mudança de paradigmas, à pluralidade de subsistemas; a unidade das múltiplas formas 
de racionalidade é sempre posta em segundo plano47. 
 Cirne-Lima, em seu livro Sobre a contradição, refere um exemplo do ceticismo 
pós-moderno nas palavras de Górgias que assim se expressa sobre o absoluto; 
 (...) nós podemos reformular suas teses para caracterizar as 
perplexidades filosóficas de nossos dias: não há sentido nenhum no mundo e na 
História; e se, apesar de tudo, houvesse um tal sentido, não poderíamos 
conhecê-lo; e mesmo que conhecêssemos, não poderíamos sobre ele falar48. 
 
2.1.3- Ecletismo 
 O dogmatismo e o ceticismo, enquanto posições extremas no espectro das dis-
cussões sobre a possibilidade do conhecimento pela radicalidade que assumem engen-
dram, eles próprios, posições intermediárias que pretendem conciliá-los. Entre tais 
 
44 Popper, K. A demarcação entre ciência e metafísica. In. Carrilho, M. M. Epistemologia. Posições 
críticas. Lisboa, Gulbenkian, 1991. 
45 Pensadores como Baudrillard e Maffesoli que referenciados por Boaventura Sousa Santos como pós-
modernos reconfortados (...)pensam que as crises das grandes teorias traz consigo a insensibilidade em 
relação à questão social e a impossibilidade de pensar o futuro e na emancipação. (Jornal Zero Hora, 
Caderno de cultura. O pós-moderno inquieto pede prudência. Entrevista com Boaventura Souza Santos. 
25 de março de 1995 ,2º caderno ,p.7.) Ver também sobre o tema outras obras do autor referenciado, pela 
ordem : Um Discurso sobre o Método, 5ª ed. Porto, Afrontamento, 1991; Introdução a uma Ciência Pós-
moderna, Porto, Afrontamento, 1989.; Pela Mão de Alice. Porto, Afrontamento, 3ª ed., 1994. 
46 Cf. Cirne-Lima, C. R. V. Op. Cit., p.49 
47 Habermas, J. apud Cirne Lima, Ibidem, p.49. 
48 Idem, Ibidem, p.51. 
 19
posturas, identificadas por Sousa49 em seu conjunto como ecléticas, situam-se o 
subjetivismo e o relativismo para os quais não há uma verdade universalmente válida; o 
objetivismo e o criticismo que crêem na possibilidade de uma verdade universalmente 
válida, sendo, todavia, que o segundo não o faz sem antes examinar todas as afirmações 
da razão humana; e o pragmatismo que substitui o conceito de verdade enquanto 
concordância entre pensamento e objeto, em troca do critério de utilidade ou da prática 
utilitária que tal conhecimento possa engendrar. 
 Vejamos suas principais características. 
 
2.1.3.1-Subjetivismo 
 No subjetivismo, há um limite para o qual o conhecimento é considerado 
válido, esse limite é o próprio sujeito, sujeito que conhece e julga. Ou seja, o homem é 
a medida das coisas, portanto não haverá uma verdade universalmente válida. Se 
qualquer de nós julga, por exemplo que 2 x 2 = 4, este juízo só é verdadeiro para o 
próprio (...); para os outros pode ser falso50. 
 Este subjetivismo coloca o mundo das idéias e o conjunto dos princípios do co-
nhecimento no sujeito. Tal sujeito apresenta-se como o ponto de que depende, por 
assim dizer a verdade do conhecimento humano51. Todavia, devemos considerar, como 
já o fizemos anteriormente quando discorremos sobre o ceticismo, que na realidade 
formal o subjetivismo se transforma em ceticismo, pois se o conhecimento tem validade 
limitada somente ao sujeito cogniscente, por conseqüência nenhum conhecimento 
poderá ser válido para mais do que um sujeito. Este pressuposto impõe ao conceito de 
verdade/validade uma situação de tal forma anárquica, que se torna impossível 
concebê-la, e por conseqüência, por esse critério tudo pode ser verdade e, portanto, tudo 
(que neste caso é o mesmo que nada) é conhecimento. 
 Situam-se nesta corrente de pensamento, embora suas especificidades, os pensa-
dores sofistas, Spengler, Husserl, Heideger. 
 Ao observarmos as publicações no espaço das Ciências do Desporto, podemos 
verificar um aumento significativo nos últimos anos de trabalhos especulativos de 
cunho subjetivista. Embora, um conjunto relativamente numeroso de trabalhos cujo o 
rigor teórico e metodológico é muito precário, verificamos que tal subjetivismo ocorre 
com freqüência. Todavia, devemos salientar, que curiosamente muitos desses ensaios, 
cujas teses e argumentações são frutos de idealizações solitárias de autores 
ideologicamente comprometidos apenas com sua subjetividade, portanto, escritos sem 
qualquer critério de cientificidade (ou validade científica), distantes das evidências 
empíricas e, inclusive, freqüentemente carentes de coerência lógica, tantas vezes 
pretendem se identificar no âmbito do materialismo histórico e dialético. 
 Outros autores, identificados como de tendência existencialista, tantas vezes, se 
deixam seduzir por conceitos metafísicos de corporeidade, de ludicidade e, desta forma, 
tão distantes das crianças e jovens sobre os quais escrevem, propõe uma nova educação 
física ou um novo desporto: sem regras, sem competição, sem conteúdos formais, sem 
 
49 Souza, D. Op. Cit., p.2. 
50Hessen, J. Op. Cit., p. 46. 
51 Idem, ibidem, p. 91. 
 20
diretividadee até mesmo, uma educação física teórica necessariamente sem 
movimentos corporais, o que convenhamos atinge as raias do pleno absurdo. 
 
 
2.1.3.2- Relativismo 
 Tal como no subjetivismo, para o relativismo há um limite para o qual o conhe-
cimento é considerado válido. Todavia, enquanto no primeiro caso é o sujeito a 
referência limite, para o segundo, o relativismo, são os fatores externos ao sujeito que 
determinam a validade do conhecimento. 
 Em outras palavras, para o relativismo não há qualquer verdade definitiva ou ab-
soluta ou universalmente válida; toda a verdade é relativa e depende de fatores externos 
ao sujeito. Esses fatores externos podem ser representados pela influência do meio 
cultural, do espírito do tempo ou momento histórico, ou mesmo dentro dos códigos de 
linguagem e racionalidade de determinadas comunidades (comunidade científica ou 
comunidade religiosa, por exemplo). 
 Oswald Spengler, expressa os princípios do relativismo em sua obra Decadência 
do Ocidente. Só há verdades em relação a uma humanidade determinada52. 
 O círculo de validade das verdades coincide com o círculo cultural e 
temporal do qual procedem os seus defensores. As verdades filosóficas, 
matemáticas e das ciências naturais só são válidas dentro do círculo cultural a 
que pertencem. Não há uma filosofia, nem uma matemática, nem uma física 
universalmente válidas, mas uma filosofia fáustica e uma filosofia de apolíneo, 
uma matemática fáustica e uma matemática apolínea, etc. 53. 
 Em nossa Contemporaneidade, considerando a tão anunciada crise do paradigma 
da modernidade, o relativismo, embora menos radical que o de Spengler, tem sido reto-
mado com muito vigor. Os jogos de linguagem de Winnicott e Wittgenstein, as con-
figurações de Norbert Elias tem se constituído em idéias muito bem aceitas por 
cientistas e filósofos das mais diversas matizes disciplinares da pós-modernidade que 
desacreditam do absolutismo das meta regras. 
 Aceitar jogar o jogo de diversos sistemas interpretativos diferentes, 
científicos, filosóficos, místicos, artísticos, tendo o cuidado de não misturar as 
regras -tal seria a atitude correta a tomar nos caminhos do conhecimento para 
aqueles que pretendem, simultaneamente, obedecer a uma preocupação com o 
rigor e com a racionalidade e não fechar vias que abriram, cada uma de per si, 
formas diferentes e específicas de racionalidade54. 
 Tal citação retirada de Henri Atlan, traduz-se na perspectiva superadora do pen-
samento positivista que pretendia ver na racionalidade científica a única e verdadeira 
forma de racionalidade. E mais do que isto, Atlan, entre outros55, entende que são diver-
 
52 Cf. Hessen, J. Op Cit, p. 48. 
53 Idem, ibidem, p. 48. 
54 Atlan, H. Com razão ou sem ela. Intercrítica da ciência e do mito. Lisboa, Instituto Piaget, 1994, 
p.233. 
55 Ver nesta perspectiva a excelente obra do filósofo português Carrilho,M.M. Jogos de Racionalidade. 
Edições Asa, Porto, 1993. 
 21
sas as formas de racionalidade, o discurso místico, filosófico e científico se 
consubstanciam em códigos de linguagem que atuam em freqüências distintas, com 
regras distintas, todas elas com suas razões, legítimas ainda que diversas. Não obstante, 
o que, segundo esta corrente, torna-se ilegítimo é a unificação de todas essas formas de 
racionalidade numa expressão de conhecimento único. 
 Afirmamos que é com razão que distinguimos os objetos e os métodos 
das ciências da natureza e das ciências do homem e também os das tradições 
místicas e míticas, onde aprendemos a reconhecer a possibilidade de uma outra 
racionalidade. E que sem razão alguns tentam unificar o todo na síntese de um 
conhecimento iniciático, onde seria revelada uma Realidade Última, eterna e 
ubiquitária 56. 
 Esta análise de Atlan, que conduz evidentemente ao relativismo do conheci-
mento, não pode ser confundida com um niilismo ou com um confusionismo, cujo o 
lema será "vale tudo". Como afirma este autor, bem pelo contrário, o rigor das regras de 
interpretação impõe-se tanto mais, e torna-se tanto mais possível de alcançar, quanto 
maior for o seu reconhecimento como tal, e, consequentemente, quanto mais elas 
permitem circunscrever os seus domínios de aplicação legítima. 
 Demarcar o relativismo no âmbito dos saberes e conhecimentos sobre as 
práticas desportivas é tarefa simples. A própria multidisciplinaridade das ciências do 
desporto, como evidenciaremos adiante, no que se refere aos limites do conhecimento 
científico são evidentes. Ao considerarmos, por exemplo, os discursos sobre a 
capacidade de rendimento desportivo vamos perceber que a biologia, a psicologia, a 
pedagogia, o treino desportivo discorrem sobre este campo de investigação através de 
diferentes objetos teóricos formais. São discursos claramente diferenciados, elaborados 
a partir de metodologias distintas, linguagem específicas que tantas vezes não são 
conciliáveis. 
 Uma clara evidência sobre a dificuldade de perceber estas diferenças se 
consubstancia no campo da educação física, onde tantas vezes se configura um conflito 
entre investigadores da área biológica e das ciências sociais, ambos sem perceberem 
que defendem posições reducionistas na medida que pretendem possível descrever toda 
a dimensão plural do desporto exclusivamente a partir de seu quadro teórico disciplinar. 
Tantas vezes não percebem esses investigadores que as descrições sobre o desporto da 
biologia tem um conjunto de regras próprias que as diferenciam relativamente ao seu 
objeto de estudo científico, seja da psicologia, da sociologia, da pedagogia, etc., e mais, 
e que nenhuma delas poderá sozinha explicitar toda a complexidade das práticas 
desportivas. 
 Da mesma forma poderíamos demarcar as diferenças entre os discursos sobre as 
práticas desportivas expressas no código de leitura da filosofia, da razão poética, do 
senso comum ou do conhecimento religioso. Não se pode negar a racionalidade 
inerente a cada uma destas formas de conhecimento, o que se torna evidente é a 
necessidade de relativizar cada uma delas no âmbito de suas regras, ou melhor, 
interpretá-las respeitando as regras de seus distintos jogos de linguagem e de 
racionalidade. 
 A desconsideração das regras de linguagem e de racionalidade das diversas 
formas de conhecimento tem proporcionado em muitos estudantes e pesquisadores 
 
56 Atlan, H. Op. Cit. p.10. 
 22
jovens, uma evidente confusão teórica e metodológica. Tantas vezes inspirados por 
concepções holísticas, na maioria das vezes sem a clara e rigorosa compreensão do que 
se trata, outras vezes, mesmo sem condições teóricas (por exemplo, teorizando sobre a 
teoria das catástrofes sem perceber absolutamente nada de sua origem matemática) 
projetam-se investigações que na perspectiva da descrição das totalidades, não passam 
de discursos especulativos, repetitivos, cansativos, e, o que é lamentável, sem qualquer 
rigor. São discursos que, se por um lado pretendem esboçar as complexas relações do 
todo, por outro, seu produto intelectual não vai além de um discurso confuso, sem rigor 
e, quase sempre, de uma superficialidade evidente e constrangedora. 
 São teses, por exemplo (principalmente na área da aprendizagem e desenvolvi-
mento motor), que auto-classificam-se como modelos emergentes da teoria dos 
sistemas dinâmicos que, todavia, se desenvolvem com o uso de modelos matemáticos 
tradicionais. São dissertações (na área da psicologia, antropologia, e filosofia) e que, 
contraditoriamente com os objetivos anunciados, pretendem uma totalidade do ser 
humano (o holismo), mas que normalmente quando referentes às atividades corporais, 
servem para minimizar a relevância de ações tais como o desporto, a ginástica , a 
competição, o rendimento corporal, centrando-se em categoriasque tantas vezes nada 
mais representam que um discurso de pregação ideológica, política, ou mística. 
 Todavia, diga-se de passagem, este fenômeno que não é exclusivo da educação 
física e das ciências do desporto, estando evidente em áreas como a educação, psicolo-
gia, administração de recursos humanos, enfermagem, etc., tem o mérito de, pelo 
menos, desmitificar (embora corra o risco de criar outro mito) o absolutismo da 
racionalidade científica pretendido pelo paradigma da modernidade expresso na 
filosofia positivista e possibilitar, desde que satisfeita as exigências de rigor e 
coerência, a relativização inerente às diferenças no discurso, na linguagem e na 
racionalidade que se expressam nas diferentes formas de conhecimento. 
 
2.1.3.3- Objetivismo 
 Diferentemente do subjetivismo e do relativismo que não apontam para uma 
verdade universalmente válida, o objetivismo confere esta possibilidade ao real 
concreto que se expressa em nossa percepção. 
 Para o objetivismo, o conhecimento é a apreensão do real concreto, ou seja o co-
nhecimento existe no objeto - portanto para além do sujeito -. Sujeito que, por sua vez, 
sendo capaz de apreender o real do objeto, justifica a possibilidade da consolidação de 
uma verdade universalmente válida. 
 Para o objetivismo, o objeto é o elemento decisivo na relação sujeito-objeto 
como expressão do conhecimento. Portanto, é o objeto que detêm o conhecimento que 
poderá ser apreendido pelo sujeito. Assim sendo, podemos afirmar que o sujeito, de 
certo modo, toma sobre si as propriedades do objeto reproduzindo-as. O conhecimento 
é como se fosse uma fotografia da realidade. 
 É nisto que reside justamente a idéia central do objetivismo. Segundo ele, os ob-
jetos são algo dado, algo que representa uma estrutura totalmente definida, estrutura 
que é reconstruída, digamos assim, pela consciência cognoscente57. Para o objetivismo, 
 
57 Hessen,J. Op Cit., p.88 a 89. 
 23
o homem nasce como uma tábua rasa (ou um balde vazio na expressão de Popper) onde 
através da experiência serão gravadas em forma de conhecimento os dados do real con-
creto. 
 Embora a concepção objetivista possa ser encontrada em filósofos como Hume 
e Locke, Johannes Hessen58 refere Platão como o primeiro filósofo a defender o objeti-
vismo. A sua teoria das idéias seria a primeira formulação clássica da noção 
fundamental do objetivismo. 
 As idéias são, segundo Platão, realidades objetivas. Formam uma or-
dem substantiva, um reino objetivo. O mundo sensível tem em frente o supra-
sensível. E assim como descobrimos os objetos do primeiro na intuição sensível 
na percepção, descobrimos os objetos do segundo numa intuição não sensível: a 
intuição das idéias 59. 
 Tratando-se do conhecimento produzido nas ciências do desporto, a concepção 
objetivista se expressa claramente no modelo de investigação de cunho empirista que se 
limita a coletar e apresentar dados, sem qualquer exigência de interpretação ou valora-
ção dos fenômenos investigados. Esses modelos de pesquisa, que em outro lugar carac-
terizei como empirismo ativista60, partem do princípio que sendo o conhecimento um 
decalque do real, basta "fotografá-lo" e, como tal, exercer qualquer juízo de valor sobre 
essa realidade já se torna uma questão subjetiva que, por conseguinte, já não se pode 
considerar como um conhecimento universalmente válido. 
 Grande parte da investigação científica em ciências do desporto nos anos 70 e 
80, principalmente na área biológica (cineantropometria e fisiologia), se apresentavam 
com essas características. Trabalhos que insistentemente se limitavam à coleta de dados 
(porcentagem de gordura, medição das principais capacidades condicionais e 
coordenativas, comportamento da variáveis fisiológicas), que acabavam por descrever 
determinados fenômenos porém, sem resultar, propriamente em teorias que fizessem 
avançar o quadro conceitual das ciências do desporto61. 
 
2.1.3.4- Pragmatismo 
 O pragmatismo, assim como o ceticismo, abandona o conceito de verdade consi-
derado como a concordância entre o pensamento e o real. Todavia, o pragmatismo não 
se detém na pura e simples negação da possibilidade do conhecimento e da verdade 
como o ceticismo, mas propõe substituir o conceito, ou melhor, o critério de verdade. 
Portanto, para o pragmatismo será a prática utilitária o critério definidor do conceito de 
verdade. 
 O pragmatismo modifica desta forma o conceito de verdade, porque 
parte de uma determinada concepção do ser humano. Segundo ele, o homem 
não é essencialmente um ser teórico ou pensante, mas sim um ser prático e de 
 
58 Idem, ibidem, p.89. 
59 Idem, ibidem, p.89. 
60 Gaya, A.C.A. Por uma ciência do desporto para além do empirismo ativista e do intelectualismo 
militante. In Bento,J.O. e Marques, A.T. As Ciências do Desporto a Cultura e o Homem. Universidade 
do Porto, Porto, 1993. 
61 Ver também sobre o tema Gaya,A.C.A. As Ciências do Desporto nos Países de Língua Portuguesa. 
Uma abordagem epistemológica. Universidade do Porto, Porto, 1994. 
 24
ação. O seu intelecto está integralmente ao serviço da sua vontade e da sua 
ação. O intelecto é dado ao homem, não para investigar e conhecer a verdade, 
mas sim para poder orientar-se na realidade62. 
 Em outras palavras, para o pragmatismo, a verdade consiste na congruência dos 
pensamentos com os fins práticos do homem, em que eles resultem úteis e proveitosos 
para a resolução de seus problemas práticos. 
 O pragmatismo, concepção filosófica de origem norte-americana que tem em 
Peirce, James e Dewey seu principais sistematizadores, consubstancia-se numa corrente 
de pensamento claramente antagônica ao relativismo das representações ou das 
crenças. O anti-representacionismo - o abandono de uma versão contemplativa 
(spector) do conhecimento e o conseqüente abandono da aparência\realidade - 
constitui-se o argumento dos principais defensores do pragmatismo63. 
 As crenças são verdadeiras ou falsas, mas não representam nada. É bom 
vermo-nos livres de representações e, com elas, da teoria da verdade como 
correspondência, porque é o pensar que há representações que engendra o 
relativismo64. (...) Porque não pensamos em descobrir como as coisas são ou 
descobrir a verdade como um projeto inequivocamente definido(...)65. 
 Numa perspectiva recente, apresentada pelo eminente sociólogo português 
Boaventura Sousa Santos da Universidade de Coimbra, o pragmatismo é discutido den-
tro de uma epistemologia denominada por seu autor de pós-moderna66. Inserido na teo-
ria da dupla ruptura epistemológica como paradigma emergente da pós-modernidade, 
Sousa Santos, após demarcar os avanços da racionalidade científica expressos na 
ruptura bachelardiana (1ª ruptura) e de mostrar as crises contemporâneas deste mesmo 
paradigma (numa visão Khuniana), avança para a necessidade da concepção da segunda 
ruptura epistemológica. A segunda ruptura representaria a necessidade do 
conhecimento científico romper com seus limites estreitos de uma racionalidade 
mistificadora de verdade absoluta, como pretendida pelo positivismo clássico, e 
reconhecer o senso comum como uma outra forma de racionalidade prática que deve 
interagir com o conhecimento científico. 
 Tal como sucede com os obstáculos epistemológicos, a dupla ruptura 
não significa que a segunda ruptura neutralize a primeira e que, assim, se 
regresse ao status quo ante, à situação anterior à primeira ruptura. Se esse 
fosse o caso regressar-se-ia ao senso comum e todo o trabalho epistemológico 
seria em vão. Pelo contrário, a dupla ruptura procede de um trabalho de 
transformação tanto do senso comum como da ciência. Enquanto a primeira 
ruptura é imprescindível para constituir a ciência, mas deixa o senso comum tal 
como estavaantes dela, a segunda ruptura transforma o senso comum com base 
na ciência constituída e no mesmo processo transforma a ciência. Com essa 
dupla transformação pretende-se um senso comum esclarecido e uma ciência 
prudente, ou melhor, uma nova configuração do saber que se aproxima a 
 
62 Hessen, J. Op. Cit., p. 51. 
63 Murphy,J. O Pragmatismo de Peirce a Davidson. Porto, Edições Asa, 1993, p. 9. 
64 Idem, ibidem, p.9. 
65 Idem, ibidem, p. 11. 
66 Santos, B.S. Introdução a uma Ciência Pós-moderna. Op.Cit. 
 25
phronesis aristotélica, ou seja, um saber prático que dá sentido e orientação à 
existência e cria o hábito de decidir bem (...)67. 
 No tocante às ciências do desporto, uma das principais críticas que sistematica-
mente temos vindo a referir se consubstancia na clara distância entre os conhecimentos 
produzidos pela investigação científica e as necessidades eminentes dos intervenientes 
nas práticas desportivas. Como sugerimos noutro ensaio68, ao analisarmos cuidadosa-
mente o conhecimento produzido nas ciências do desporto, percebemos que ele se 
configura, em grande parte, numa prática teórica, ou seja, constitui-se num sistema mais 
ou menos autônomo que se desenvolve a partir de abstrações intelectualistas sobre o 
desporto que não levam em consideração a realidade concreta onde essas práticas 
realmente decorrem. Tratam de um desporto abstrato, que consubstancia uma prática 
teórica (ou teorética) que, para além disso é autofágica na medida que se alimenta e 
sobrevive a partir de si própria. É a partir dessa realidade e principalmente, por não 
concordarmos com ela que defendemos o pragmatismo proposto por Sousa Santos na 
perspectiva da demarcação de uma ciência do desporto enquanto disciplina autônoma 
tendo como eixo condutor a segunda ruptura epistemológica. 
 Com esta concepção pretendemos, sem perder o rigor inerente ao processo de 
produção do conhecimento científico, constituir um conhecimento prático, pragmático, 
que poderá se constituir em teorias capazes de apontar soluções para os problemas con-
cretos advindos das práticas desportivas e de seus diretos intervenientes: os professores, 
treinadores e demais agentes desportivos. 
 Atingir tais finalidades requerem alguns postulado: Ouvir o discurso cotidiano 
dos intervenientes das práticas desportivas (de professores, treinadores, atletas etc., cla-
ramente expressos na racionalidade imediata do senso comum); sistematizar seus 
discursos a nível de teorias científicas (1ª ruptura) e devolvê-lo como senso comum 
aperfeiçoado (2ª ruptura - na forma de um discurso articulado distinto da linguagem 
técnica da ciência, mas com rigor e capacidade de proporcionar soluções teóricas para 
problemas práticos). 
 Em outras palavras isto representa, como afirma Sousa Santos69, três níveis de 
orientação. O primeiro refere-se ao desnivelamento entre os discursos científico e do 
senso comum. O segundo, é progressivamente superar a dicotomia contemplação/ação. 
O terceiro constitui-se na busca de um novo equilíbrio entre adaptação e criatividade. 
Ou seja, em outras palavras isto significa que os conhecimentos produzidos pela ciência 
possam ser expressos em linguagem acessível e que possam incentivar a criatividade 
na ação de transformar este próprio conhecimento ao invés de apenas exigir a adaptação 
dos sujeitos a seus pressupostos normativos. 
 
 2.1.3.5- Criticismo. 
 O criticismo representa uma corrente de pensamento que, pode-se dizer, não é 
dogmático e nem cético, mas sim reflexivo e crítico. 
 O criticismo partilha com o dogmatismo a confiança fundamental na 
razão humana. O criticismo está convencido de que é possível o conhecimento, 
 
67 Idem, ibidem, p. 45. 
68 Gaya, A.C.A. Por uma ciência do desporto... Op.Cit.,p. 85. 
69 Op.Cit., ps. 45 a 49. 
 26
de que há uma verdade, Mas enquanto que esta confiança leva o dogmatismo a 
aceitar despreocupadamente, por assim dizer, todas as afirmações da razão 
humana e a não reconhecer os limites ao poder do conhecimento humano, o 
criticismo, neste caso mais próximo ao ceticismo, junta à confiança no 
conhecimento humano, em geral, a desconfiança perante todo o conhecimento 
determinado70. 
 O criticismo tem por princípio submeter ao exame todas as afirmações da razão 
-portanto, configura-se numa concepção de característica evidentemente reflexiva e 
crítica. Considera-se como o criador dessa corrente epistemológica sobre a origem do 
conhecimento o filósofo alemão Emanuel Kant. O criticismo é o método de filosofar 
que se define pela constante investigação das fontes das próprias observações e 
objeções e as razões em que as mesmas assentam. 
 O primeiro passo nas coisas da razão pura, aquilo que caracteriza a 
infância da mesma, é dogmático. O segundo passo é cético e ajuda à 
circunspeção do juízo, impulsionado pela experiência. Mas é necessário um 
terceiro passo, o do juízo amadurecido e viril71. 
 O criticismo portanto, parte do pressuposto de que o conhecimento é possível. 
Partindo desta posição entra num exame crítico das bases do conhecimento humano, de 
sua origem, de sua natureza , enfim de seus pressupostos e condições mais gerais.
 
 No espaço de produção do conhecimento nas ciências do desporto, é pratica-
mente inexistente a reflexão crítica ao nível proposto pelo criticismo. Pode-se referir in-
clusive, que na análise que levamos à cabo nas publicações intelectuais referentes aos 
países de língua portuguesa, a filosofia kantiana é plenamente ignorada. Por outro lado, 
os níveis dos trabalhos publicados, que tantas vezes se apresentam sem o adequado 
nível de coerência lógica e consistência fatual, consubstanciam uma falta de rigor que 
torna evidente a ausência de qualquer crítica epistemológica mais concretamente 
efetivada na constituição do conhecimento produzido. 
 
 
 
2.2- Sobre a origem do conhecimento 
 
 Onde reside a origem do conhecimento: 
 Na razão? 
 Na experiência? 
 Com o intuito de situar adequadamente essas questões introdutórias vejamos 
uma situação concreta. Por exemplo: quando afirmamos que atletas treinados em resis-
tência aeróbica apresentam melhor desempenho em provas de longa duração, fazemo-lo 
baseados em duas observações: 1º) que identificamos os indivíduos treinados; 2º) que 
os treinados apresentam melhores desempenhos em provas de longa duração e baixa 
intensidade que indivíduos não treinados. Como se pode facilmente deduzir, tais 
afirmações são fruto de nossa experiência na medida em que percebemos o que seja um 
 
70 Cf. Hessen, J. Op Cit, p.54. 
71 Kant, E. Apud Hessen,J . Idem à nota 65. 
 27
indivíduo treinado e que também pela observação detectamos que seu rendimento é 
superior aos não treinados. 
 Todavia, nossas afirmações apresentam outros elementos que não estão contidos 
na experiência. Nossas afirmações não só referem que se distinguem sujeitos treinados 
dos não treinados e que os treinados apresentam maior desempenho em provas de longa 
distância e intensidade baixa, mas principalmente, infere que entre estes dois processos 
existe uma relação íntima, melhor dizendo, existe uma relação causal. Portanto, 
poderíamos deduzir da experiência as duas primeiras observações, não obstante, já a 
relação entre elas é um processo do pensamento, é uma elaboração conceitual, é uma 
construção teórica, é uma atividade da razão. 
 Posto este exemplo, retomemos as questões introdutórias. O conhecimento 
apoia-se de preferência, ou mesmo exclusivamente, na experiência ou no pensamento? 
Onde reside a origem do conhecimento, na experiência ou na razão? 
 Responder a estas questões nos permite discorrer sobre as principais correntes 
epistemológicas referentes a origem do conhecimento.

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