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1 XV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 26 a 19 de julho de 2011 Curitiba - PR GT: Movimentos Sociais na atualidade: reconfigurações das práticas e novos desafios teóricos Movimento Estudantil e novas formas de atuação política: a relação com partidos políticos na Era Lula. Autora: Simoa Borba Lins Universidade Federal da Bahia 2011 2 Movimento Estudantil e novas formas de atuação política: A relação com Partidos Políticos na Era Lula. Simoa Borba Lins* Durante toda a nossa história republicana, os movimentos sociais vêm se diversificando, de acordo com as mudanças institucionais do Estado. Desde os anos 30, o processo de incorporação das massas urbanas à participação política se inicia seguido da ativação populista que traz à cena novos atores urbanos, por via de suas práticas e do corporativismo de Estado, chegando ao Golpe de 1964. Essa fase é o começo de um período de repressão política que intimida a “ativação do setor popular”, mas por outro lado, eclodem movimentos de contestação ao novo regime; como é o caso do movimento estudantil. A partir daí, percebe-se o “renascimento” da sociedade civil, possibilitado pelo surgimento dos “Novos Movimentos Sociais” (NMS) no bojo da transição do regime da década de 70 até a abertura do sistema político. No decorrer dos anos 80, os movimentos sociais no Brasil passaram do plano da atuação concreta para o plano das análises de seus próprios feitos, da fase do otimismo para a perplexidade e depois para a descrença. Vários fatores contribuíram para essas mudanças, com destaque para as alterações nas políticas públicas e na composição dos agentes e atores que participaram de sua implementação, chegando assim à conjuntura política da década de 90. No final dos anos 80, o Partido dos Trabalhadores (PT) ascende ao poder em várias prefeituras municipais, criando uma redefinição das posturas políticas. Em 2003, chega à presidência da República um dos maiores líderes populares do país, um ex-operário, líder sindical e fundador do PT, Luís Inácio Lula da Silva. Dentre os vários fatores que contribuíram para a sua vitória está uma redefinição da postura política adotada até então pelo PT e Lula, mudança essa já afirmada durante a campanha de 2002, com a publicação da “Carta ao povo brasileiro”, onde o futuro presidente dá sinais de que uma gestão mais liberal da macroeconomia deveria ser adotada, caso eleito. Nesse artigo analiso o Movimento Estudantil (ME) a partir de um tripé estabelecido (Governo, Partido e Movimento Social), em sintonia com as novas conjunturas mundiais que exercem particular influência na sua atuação. Veremos que as categorias antes dadas são reformuladas frente a um contexto específico, renovando as formas de atuação que ora se posicionam para o mais inovador possível ora refletem as mesmas práticas tradicionais do passado. Construiremos a análise a partir do relacionamento do movimento estudantil com os partidos políticos1, em um contexto específico: o primeiro mandato do governo petista, observando principalmente a relação 1 Refiro-me particularmente aos partidos de esquerda tais como PT, PC do B, PSB e PSTU, por estar vinculados durante o período estudado ao Diretório Central dos Estudantes, principal instituição analisada nesse trabalho. 3 em termos de submissão de um polo ao outro, da mútua equivalência entre ambos ou mesmo a posição de rejeição, como propõem os enfoques que destacam a sua autonomia. Tento entender se a relação „partido e movimento‟ realmente exprime o sentido de incorporação de interesses e dos conflitos pertinentes (o que parece ser a opção para um relacionamento positivo entre os atores em questão) ou se o partido político possui uma estrutura que decide em nome do suposto sujeito a que diz representar e educar para a vida política2, evitando dessa forma a autonomia do movimento estudantil. A conjuntura política se tornou fundamental neste trabalho diante das transformações ocorridas, após a eleição de Lula, em 2002. Por sua história, ele foi se apropriando do lugar de fala3 da mudança e não por sua faceta continuísta, relacionando assim sua vitória à produção dessa mudança. Isso nos dá melhores condições para entender a dimensão das expectativas criadas e os comportamentos políticos iniciados durante o seu governo (ALMEIDA, 2007). Dessa forma, compreendo a tendência para a formação de grupos autônomos, a partir das seguintes hipóteses levantadas: a) Existe um escoamento da própria sociedade para relações mais espontâneas e menos hierarquizadas, como abordam os teóricos dos novos movimentos sociais e os considerados “pós-modernos” (TOURAINE, 1999, SANTOS, 1995); b) Acredita-se que esse movimento político-cultural é resultado da massificação da ideologia neoliberal, durante as décadas de 70 e 80, como defendem alguns autores como Boron (2004) e Nogueira (2004); c) Esse comportamento se dá a partir da crise de representação nas democracias contemporâneas, pois como observa de Leydet (2004), essas democracias não são capazes de assegurar as novas demandas que surgem a partir dos anos 70; d) Tendemos a acreditar que esse quadro de autonomia dos movimentos sociais em relação aos partidos políticos está relacionado a um fator novo, no qual o governo de petista do presidente Lula é o principal agente, por ter provocado “frustrações” a alguns segmentos de militância da esquerda. A pesquisa que originou esse artigo se concentrou no estudo das ações coletivas e nas demandas do movimento estudantil do DCE da UFBA, durante o primeiro mandato do presidente Lula (2003- 2006). O campo empírico central para a análise foi o grupo que se autoconsidera apartidário chamado O Coletivo, que ganhou as eleições para o DCE, em 2005, em pleno período de crise do 2 Parto da concepção gramsciana de partido que tem como uma de suas atribuições propagar e organizar uma reforma intelectual e moral, no qual segundo Gramsci significa “(...) criar o terreno para um desenvolvimento ulterior da vontade coletiva nacional- popular no sentido de alcançar uma forma superior e total de civilização moderna.” (GRAMSCI, p.1976, p.8). Cf. Maquiavel a Política e o Estado Moderno sobre o conceito de vontade coletiva. 3 Segundo Almeida, o “Lugar de fala político-programático” é o lugar “discursivo que dá a possibilidade de um ator político entrar em cena com autoridade, qualificação e legitimidade pré-estabelecida para defender uma causa, assumir uma responsabilidade e tomar uma posição num determinado contexto histórico.”. 4 governo Lula, o que já é apontado como um indicativo para a hipótese que consiste na interferência deste nas práticas do movimento estudantil, especificamente no tocante à sua relação com os partidos políticos. Alguns autores acreditam que o Partido dos Trabalhadores (partido do presidente Lula) nasce com a bandeira de ser o catalisador dos movimentos sociais, através da sua ótica participativa, cuja dimensão é fundamental para eles. Todavia esse discurso sofre um impacto ao assumir o poder e altera a visão das formas de participação direta junto com o pretendido controle do poder pela base da sociedade. Além do mais, a interpretação da continuidade ou prolongamento dos movimentos sociais, passando pelo partido até chegar ao poder e ao quadro partidário, recebe muitas críticas. Entre estas, as dificuldades dos movimentos de passar à esfera política e de agir sobre o jogo políticoinstitucional (RUCHEINSKY, 1998). Esse tipo de abordagem está presente neste estudo como referência para analisarmos os estudantes que seguem o discurso da autonomia. É importante destacar que o governo Lula, apesar de ser um governo vinculado mais a setores populares, adotou medidas principalmente de cunho econômico com caráter mais liberal, afastando- se das concepções ideológicas tradicionais do seu partido, o PT. Quanto a isso, Bourdieu analisa as lutas que têm lugar em cada partido e observa que uma de suas práticas mais constantes do campo político, é: (...) a que se estabelece entre os que denunciam os compromissos necessários ao aumento da força do partido (portanto daqueles que dominam), mas em detrimento da sua originalidade, quer dizer, mediante o abandono das tomadas de posição, distintas, originais, nativas e que reclamam por um regresso às raízes, por uma restauração da pureza original e, quer dizer, o alargamento da clientela, nem que seja à custa de transações de concessões ou mesmo de uma baralha metódica de tudo que as tomadas de posição originais do partido podem ter de demasiado „exclusivo‟. (1998, p.184). Sobre esse aspecto Haber (1996) confere o decréscimo e a crise de mobilização dos movimentos sociais à incapacidade de algumas lideranças, antes ligadas aos movimentos, de criar ou implementar políticas sociais, após ascenderem pelo voto a cargos no poder, levando assim à descrença popular. Haber afirma que algumas delas até ajudaram a programar políticas de cunho neoliberal, políticas essas que têm gerado desemprego e exclusão social. Por outro lado, há autores que possuem uma visão distinta da concepção de Haber, já que consideram que os movimentos sociais seriam a expressão da crise das instituições políticas, mormente no que tange à fragilidade do ato de cidadania, afirmado através do pleito eleitoral e da representação política (RUCHEINSKY, 1998). Isto quer dizer que as mobilizações proporcionadas pelos movimentos sociais se apresentam como uma nítida manifestação da crise em que estão envolvidas as 5 instituições políticas. Essa crise afetaria tanto os partidos políticos, na sua perspectiva de representação nos diversos níveis do poder de decisão quanto às outras instituições políticas. O fato é que, dentro do movimento estudantil universitário baiano, a ampliação de grupos “autônomos”, durante o período estudado, tornou-se cada vez maior e a força política deles seguiu o mesmo ritmo. Portanto, questiono a possibilidade da manutenção da autonomia política e cultural, a influência e consolidação de alianças, tendo ao mesmo tempo presente o acesso às instâncias nas quais se tomam decisões, posto que, o sistema político moderno requer para seu funcionamento, o exercício da representação política proporcionada fundamentalmente por meio da organização partidária. Assim como é questionado se a tendência à busca de representação política por parte dos movimentos autônomos será reconhecida pela disputa democrática e mais, se a tênue participação e exercício democrático no interior do movimento podem vir a influenciar efetivamente os partidos que se pautam por regras, hierarquias e burocracias. Os efeitos da globalização e do neoliberalismo nos movimentos sociais. O mundo moderno encontra-se hoje em meio a um processo de mudança acelerado que acaba deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades, assim como está abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. Muitas dessas mudanças devem-se à globalização, pois se referem àqueles processos atuantes numa escala global que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado. Segundo Giddens, “A globalização implica um movimento de distanciamento da ideia sociológica clássica de „sociedade‟ como um sistema bem delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentre na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço” (Apud, HALL, 2002, p.68). É diante desse contexto mundial que cabe a pergunta: como fica a sociedade civil organizada? Parece óbvio que os processos de globalização tendem a solapar a capacidade dos Estados para o exercício das funções cruciais de controle e regulação da economia e da sociedade. Junto a isso, existe o fantasma do neoliberalismo que provocou mudanças tão profundas para a sociedade quanto à globalização. O neoliberalismo deixou como legado dentre outros fatores a destruição da intervenção social do Estado em nome e benefício do mercado. 6 O peso dado à sociedade civil se torna cada vez maior, teóricos da democracia, por exemplo, depositam suas esperanças na sociedade civil para gerar solidariedade, tornar públicas as grandes questões e democratizar a ordem mundial vigente (COHEN, 2003). Alguns autores, por exemplo, enfatizam o aspecto dinâmico, criativo e contestador da sociedade civil, percebendo as associações informais e os movimentos sociais como um fenômeno distinto das associações e instituições voluntárias mais formalizadas e das organizações de classe (Melucci, 1986; Touraine. 1999). Segundo Cohen, o reconhecimento dessa dimensão nos permite articular duas perspectivas: A sociedade civil como fonte dinâmica e inovadora para a tematização de novos problemas; formulação de novos projetos; criação de novos valores e novas identidades coletivas; e a sociedade civil como autonomia cívica institucionalizada. Permite também considerar que, por sua capacidade dinâmica (ação coletiva), o formato institucional da sociedade civil e da sociedade política pode se tornar alvo de lutas pela democratização. (2003, p.6). Diante da globalização, a sociedade civil organizada sofre os mais graves efeitos, a soberania do Estado começa a tornar-se parcialmente desagregada, propondo assim uma sociedade civil global diante de modelos e normas internacionais. Outro efeito está associado à questão de identidade, ou seja, as velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o mundo social estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. É o que chamam de “crise de identidade”; essas fragmentações são referentes às paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que no passado tinham nos fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais (HALL, 2002). Essas categorias sociais são atributos possíveis, que se tornam visíveis e relativamente fixos, quando reconhecidos publicamente pelo outro. “Esse conceito abarca a dimensão intersubjetiva de redes sociais: Cada rede representa um repertorio mais ou menos delimitado de reconhecimento coletivo, que dá sentido e direção aos laços sociais” (MISCHE, 1997, p. 139). Sob o ponto de vista do neoliberalismo, que surge a partir das ideias de Hayek como saída para a crise do Keynesianismo nos anos 70 e 80, percebemos que a teoria encontra-se hoje em fase de transição. Os ideais neoliberais de Estado mínimo, privatizações, mercantilização do Estado, desregulamentação e ajustes de clara orientação monetarista, entre outros, provaram ao longo do tempo ser incompatíveis com o sistema democrático que se tornou o único sistema legitimo nos últimos anos (BORON, 2004; NOGUEIRA, 2004). Ainda assim, segundo Boron, há um claro triunfo ideológico e cultural do neoliberalismo, que influenciou os demais setores da sociedade, inclusive os movimentos sociais. Como legado, podemos observar que à medida que as políticas neoliberais avançaram foramsurgindo outros modelos de contestação, a exemplo dos movimentos contra as reformas estatais, a 7 ação da cidadania contra a fome, movimento de desempregados, ações de aposentados, lutas de algumas categorias profissionais informais que emergiram no contexto de crescimento da economia informal. Algumas dessas ações coletivas surgiram como resposta à crise socioeconômica, atuando mais como grupos de pressão do que como movimentos estruturados. Outro aspecto, que se encontra hoje no centro do atual debate da teoria política, está relacionado a um discurso que aponta que o neoliberalismo deixa como legado a decadência das instituições representativas, a chamada “crise de representatividade”. Ela se deve principalmente a ideia de que o Estado passou para segundo plano em nome da proclamada virtude do mercado e pela opinião crescente da favorável substituição do Estado pela sociedade civil no encaminhamento de soluções para os diferentes problemas sociais (NOGUEIRA, 2004). Essa crise, segundo Leydet (2004), pode ser apontada a partir de alguns sintomas que testemunham o mal-estar que padece o sistema representativo. O primeiro sintoma consiste na reivindicação de direitos específicos de representação em favor de grupos historicamente marginalizados. O segundo reflete-se mais na pretensão de grupos oriundos da sociedade civil, de acreditarem representar mais autenticamente a vontade popular do que o Parlamento. Já o terceiro, consiste na popularidade de medidas que permitem aos cidadãos fazer ouvir diretamente sua voz, como, por exemplo, os referendos. Para Leydet, essa crise pode ser pensada a partir da incapacidade dos sistemas (que tanto pode ser o liberal quanto o republicano) e sua rigidez em dar conta desses novos movimentos sociais que disseminaram nos anos 70, e que testemunharam a força de novas preocupações com o meio ambiente, com as reivindicações dos grupos feministas, étnicos, de jovens, etc. Assim, a sociedade civil aparece como o lugar possível de um verdadeiro projeto democrático, ao passo que a legitimidade democrática do Estado, considerada antes de tudo um aparelho burocrático que busca seus próprios fins, é questionada. A disseminação da ideia de que é nas associações voluntárias da sociedade civil que se torna maior a participação dos cidadãos na vida pública de seus países, faz da sociedade civil, em detrimento do Estado, o lugar de expressão autêntica das aspirações democráticas dos cidadãos. Porém, segundo Leydet, os movimentos sociais, as associações voluntárias que formam essa sociedade civil, não sendo eleitas pelo conjunto de cidadãos, dificilmente podem pretender uma melhor representatividade que a dos eleitos, criando assim um verdadeiro paradoxo. Essa pretensão ecoa na evolução da própria teoria democrática que, sem esperança de poder pensar a reforma efetiva das instituições políticas formais, pensa no deslocamento do centro da gravidade da democracia da assembleia representativa para a sociedade civil, o espaço púbico. Os defensores da teoria deliberativa da democracia, na verdade, cientes do declínio das instituições representativas oficiais, tentam pensar na realização do princípio de deliberação 8 pública, não mais primeiramente no seio dos parlamentos, mas, antes nas associações voluntárias da sociedade civil. (LEYDET, 2004, p.82). Leydet acredita que a questão da representatividade dos grupos diversos da sociedade civil nas deliberações públicas se coloca, porque muito desses grupos reivindicam para a sociedade civil, os representantes autênticos da vontade popular. Essa pretensão é exemplificada nos discursos de vários grupos antiglobalização que recusam aos governos o direito de falar em nome de seus eleitores e nutrem-se da consciência que as próprias autoridades políticas têm da fraqueza de sua legitimidade e também do fato de que uma boa parte dos cidadãos não se reconhece mais no jogo político oficial e não se sente representada. Mas Leydet acredita também, que essas mudanças transformariam o Estado, na melhor das hipóteses, em um aparelho institucional que refletiria as particularidades da sociedade civil, permitindo que os compromissos instáveis, por definição, sejam realizados entre interesses diversos para preservar certa forma de paz civil; logo a política não seria mais negociação e se tornaria algo pré-político. Assim a crise de representação, da qual resulta na pretensão da sociedade civil de representar no sentido eminente a vontade popular, produz problemas importantes, porque contribui para tornar a autoridade política incapaz de desempenhar o papel próprio que lhe é atribuído na democracia, o de formar uma vontade comum. Toda essa movimentação, segundo Nogueira (2004), faz parte da crescente preocupação com a estruturação do aparelho do Estado. A problematização a respeito da reforma do Estado, aos poucos foi perdendo a convicção de que ele poderia ser reformado rapidamente a partir de parâmetros tecnocráticos e economicistas, indiferentes à dimensão humana, fazendo com que se voltassem às atenções para a sociedade civil. Buscou-se compensar a inoperância governamental e a subsunção do Estado ao capital, com uma aposta categórica na potência reformadora da sociedade civil. Entretanto, segundo o próprio autor, a sociedade civil que emerge dessa visão é despolitizada: “(...) não se dispõe como um espaço de organização de subjetividade, no qual pode ocorrer a elevação política dos interesses econômico-corporativos ou, em outros termos a „catarse‟, a passagem dos interesses do plano „egoístico-passional‟ para o plano „ético-político.” (2004, p.102). O que significa que a sociedade civil não é a extensão mecânica da cidadania política ou da vida democrática, suas dimensões políticas precisam ser construídas, e para Nogueira, só a partir de laços orgânicos com o Estado é que isso seria possível, pois sem isso a sociedade civil não consegue aparecer como terreno no qual se luta pela hegemonia. Já para Touraine (1999), o papel do Estado, agente central ao mesmo tempo da modernidade e das reformas, foi há muito tempo substituído pelo par, às vezes conflituoso e dinâmico, formado pela 9 economia de concorrência e pelos movimentos sociais, que procuram libertar-se do patronato do poder público, enquanto combatem aqueles que se conformam a uma lógica propriamente capitalista. Para ele, o apelo ao Estado enfraquece os agentes econômicos e entrava a formação de novos atores sociais. Mas não é de mais Estado ou de mais mercado que precisamos, mas sim de menos Estado e menos mercado, e de mais iniciativas, negociações, projetos, conflitos propriamente sociais, por meio dos quais construir-se-ão as relações indispensáveis (e constantemente mutáveis) entre as obrigações e as possibilidades da economia e as demandas ou a resistência dos atores sociais. Não é à toa que a „classe política‟ é severamente julgada pelo público: nem o parlamento, nem os sindicatos, nem os debates de opinião, parecem ter desempenhado um papel decisivo numa história reduzida ao lento esboroamento da economia planejada, sob os golpes da concorrência internacional e das inovações tecnológicas. Todas as lutas sociais, das mais defensivas às mais inovadoras, são positivas na medida em que ampliam o campo político, entendido no sentido amplo, ou seja, o espaço público. (ibid, p.110) Para Touraine, os movimentos sociais se efetuarão de fato a partir da reconstrução de nossa capacidade de ação política, o que passa primeiro pela formação de novos movimentos sociais. São esses novos movimentos sociais que vêm criando uma alternativa ao modelo liberal e à globalização, com sua lógicaincludente baseada em questões identitárias e culturais. Contudo, é importante destacar que esses movimentos ora influenciados pelas políticas econômicas e sociais adotada pelos governos ora pelas manifestações que surgiram a partir da década de sessenta e setenta, possuem características específicas no que se refere aos modelos democráticos de participação e representação. É nesse aspecto da relação dos movimentos sociais com as formas convencionais de representação que me concentrarei a partir de agora, sobretudo na sua relação com os partidos políticos, relação essa que se torna cada vez mais ambígua ou até mesmo contraditória, conforme apontam alguns teóricos. Representação política, movimentos sociais e partidos políticos. Segundo o filósofo político Norberto Bobbio, existe um debate secular sobre representação política que conduz a uma dupla proposta conflitante entre si, que resulta em duas perguntas fundamentais. Uma diz respeito aos PODERES DO REPRESENTANTE (como representa?) e o outro ao CONTEÚDO DA REPRESENTAÇÃO (que coisa representa?). Para Bobbio, da primeira pergunta podemos retirar duas respostas, uma é se o indivíduo representa no sentido de delegado ou no sentido fiduciário, ou seja, se é delegado ele é pura e simplesmente porta-voz. Se, ao invés disso, ele é fiduciário ele tem o “poder de agir com certa liberdade em nome e por conta dos 10 representados, na medida em que, gozando da confiança deles, pode interpretar com discernimento próprio de seus interesses” (BOBBIO, 1986, p. 46). Na segunda pergunta (que coisa?) também podem ser dadas duas respostas: ou o individuo pode ser representante dos interesses gerais dos cidadãos ou ele apenas representa os interesses particulares. Sendo assim, Bobbio acredita que se o representante é convocado para representar interesses gerais não é necessário que ele pertença à mesma categoria profissional (Daí a categoria dos políticos profissionais). Se, ao invés disso, a representação for para interesses específicos de uma categoria “normalmente ele pertence à mesma categoria” (Ibid.). Bobbio observa que os movimentos estudantis foram os pioneiros a seguir essa lógica pelo seu caráter contestador, rompendo dessa maneira com a política vista até então. Segundo Bobbio, Foram os movimentos estudantis os primeiros a mandar pelos ares os seus organismos representativos pelo fato de que os representantes eram fiduciários, e não delegados, e a impor através de suas assembleias o princípio do mandato imperativo. Imediatamente ficou claro que se tratava de uma representação orgânica, isto é, dos interesses particulares, isto é, daquela representação na qual o representante deve pertencer à mesma categoria do representado. (Ibid., p.47). Nesse caso, Bobbio levanta de um lado, a relação que existe entre a figura do representante como delegado e da representação dos interesses particulares e do outro, a relação entre a figura do representante como fiduciário e a representação de interesses gerais. Sob essa lógica, os partidos políticos teriam uma relação de fiduciário ou de delegado diante dos movimentos sociais? Tentarei analisar essa questão ao longo da análise, mas por ora questiono as distintas interpretações realizadas. Retomando a análise de Leydet sobre representação, já que para ela a ideia de que os grupos que têm interesses distintos apenas podem ser representados adequadamente por seus próprios representantes, o que ela chama de “exigência de presença” é na verdade uma radicalização que surge a partir do sentimento de decepção experimentado pelos grupos marginalizados, diante de poucas mudanças concretas conseguidas, após o sufrágio e a elegibilidade. Ela acredita que isso cria algumas questões que precisam ser resolvidas: uma, seria a ideia de que os representantes nesse modelo possuem uma característica de ativistas que defendem que a causa dos seus é positiva somente numa determinada situação, onde o número de representantes que não se considera assim deva ser substancialmente superior, para assegurar uma representatividade completa, já que uma assembleia de ativistas, segundo Leydet, não seria capaz de lidar com os compromissos necessários para resolver as desavenças que caracterizam a vida política. A outra, é que a radicalidade da “exigência de presença” para ela, é uma regressão, pois não se pode 11 considerar que um homem, por exemplo, não tenha a capacidade nem vontade de representar adequadamente os interesses específicos de uma mulher. Assim, essa radicalidade, vista na democracia contemporânea, conduz ao questionamento da capacidade do parlamento para assegurar essa forma de representatividade. Bourdieu, no seu estudo sobre a representação política (1998), faz uma interpretação bastante enriquecedora sobre a conduta das instituições políticas em relação aos seus representados. Ao referir-se aos partidos políticos, particularmente aos de esquerda, Bourdieu enfatiza a questão do autoritarismo dos representantes por possuírem os instrumentos de produção dos interesses políticos, como podemos verificar nesse trecho de sua obra, Os que dominam o partido e têm interesses ligados com a existência e a persistência desta instituição e com os ganhos específicos que ela assegura, encontram na liberdade, que o monopólio da produção e da imposição dos INTERESSES POLÍTICOS INSTITUIDOS lhes deixa, a possibilidade de imporem os seus interesses de mandatários como sendo os interesses dos seus mandantes. Isso se passa sem que nada permita fazer a prova completa de que os interesses assim universalizados e plebiscitados dos mandatários coincidam com os interesses não expressos dos mandantes, pois os primeiros têm o monopólio dos instrumentos de produção dos interesses políticos, quer dizer, politicamente expressos e reconhecidos, dos segundos. (BOURDIEU, 1998, p.169). Nesse sentido, Bourdieu considera os partidos políticos como monopolistas, por concentrarem o capital político nas mãos de um grupo. Por sua vez, os movimentos sociais que possuem uma conduta alternativa a essa prática, travam uma árdua batalha contra as formas tradicionais de luta política e representação para poderem legitimar as suas posições dentro de um campo político tradicional. Assim, ao referir-se à crise de representação, ele acaba por caracterizá-la como um caráter “apolítico” da sociedade, e confere ao monopólio dos interesses políticos a culpa pela sua existência. Ele acredita que ela é refletida na crise das instituições políticas. É com respeito a essa crise que hoje atinge as instituições que se fundamenta a análise das relações dos movimentos sociais com os partidos políticos. Os governos atuais, sobretudo os de esquerda com suas contradições práticas – ideológicas, corroboram para a criação de movimentos sociais que não querem servir de base para os partidos políticos, criando um quadro novo, tanto para a formação desses movimentos quanto para a reestruturação dos partidos considerados populares que mantinham na base de suas práticas políticas o diálogo com esses movimentos sociais. A política de esquerda, em 1981, levou ao cúmulo da irresponsabilidade, e desde então, os governos, de esquerda como os de direita, foram obrigados a adotar políticas econômicas realistas, sem contudo convencerem a maioria da nação, e talvez a si próprios, de que a adaptação à economia globalizada não impossibilitava, de modo algum, uma política de proteção social (...) Esse atraso político e intelectual 12 não mereceria atenção, se não nos impedisse de compreender corretamente as reivindicações, protestos e revoltas atuais que são não só fundadas,como devem também assegurar o nascimento de novos movimentos sociais e de novas forças políticas, sem os quais novas instituições representativas não poderão revitalizar-se e nossa democracia continuará a enfraquecer-se. (TOURAINE, 1999, p.105). Para Touraine, os movimentos sociais assumirão uma forma que certamente não está baseada nos movimentos operários de antigamente, pois os movimentos sociais de hoje mostram que a democracia representativa é incapaz de aceder a realidades propriamente sociais e que a ação social organizada é quase sempre exterior aos sistemas políticos. Os movimentos sociais atuais têm coberto áreas do cotidiano de difícil penetração por outras entidades como instituições partidárias, sindicatos ou igrejas. Aspectos referentes à subjetividade dos indivíduos, relativos a sexo, crenças e valores têm encontrado mais tolerância dentro da sociedade civil organizada do que nas entidades políticas tradicionais. Demandas tipo, políticas de ações afirmativas para negros, política pública para as mulheres e gays, estão entre as principais reivindicações da agenda política do movimento estudantil atual, mostrando que o ME é um movimento que marca um campo empírico aberto a novas indagações teóricas e práticas por se manter no “entre - lugar” entre formas tradicionais e inovadoras de militância. O espaço de atuação dos movimentos sociais pode ser interpretado também do ponto de vista do cenário em que os atores estabelecem relações, de um campo de atuação ou medindo forças com outros atores sociais ou apostando no consenso. No decorrer do desenvolvimento dessas relações, tende a ocorrer a conjunção ou a tensão de forças políticas. Se na história, segundo Gramsci: O resultado dos embates entre forças sociais em conflito não está dado de antemão e, portanto, se as decisões e vontade política exercem um papel importante na construção dos acontecimentos, então faz sentido apresentar o papel do partido como educador das vontades, como intelectual orgânico e coletivo, trabalhando com os mais diferentes níveis de concepção de mundo (GRAMSCI apud RUSCHEINSKY, 1998, p. 78). Dessa forma, a relação entre movimentos sociais e partidos políticos pode ser interpretada pelo encaminhamento da ação política. Gramsci realça a importância do partido político na estruturação de dimensões como o político, o cultural, o social e a ética dos setores subalternos na luta pelos direitos civis e sociais. Porém isso não significa que os partidos possam substituir os movimentos sociais ou que o último sucumba ao outro. Para ele, os movimentos sociais e partidos possuem papéis e objetivos diferentes, quanto à consolidação do poder de decisão na sociedade, mas podem conectar-se de forma frutífera em campos e momentos determinados. 13 Sobre outro ângulo, Melucci (1989) e Boaventura (1995) possuem uma argumentação que distancia os movimentos sociais das esferas institucionais como o Estado ou os Partidos. Melucci levanta a abertura de novos espaços de atuação, além da distinção tradicional entre Estado e sociedade civil, ele defende um “espaço público intermediário”, cuja função é para ele “(...) não institucionalizar os movimentos, nem transformá-los em partidos, mas fazer a sociedade ouvir suas mensagens e traduzir suas reivindicações na tomada de decisão política, enquanto o movimento mantém suas autonomia” (Ibid, p.64). Para o sociólogo Boaventura Santos, os Novos Movimentos Sociais (NMS) ocorrem no marco da sociedade civil e não no marco do Estado e em relação ao Estado mantêm uma distância calculada e simétrica da que mantêm em relação aos partidos e aos sindicatos tradicionais. Ele acredita que a novidade maior dos NMS não reside na recusa a política, mas, ao contrário, no alargamento da política para além do marco liberal da distinção entre Estado e sociedade civil. Seguindo essa mesma linha, Alain Touraine (1989) acredita que o campo da ação dos movimentos sociais localiza-se no seio da sociedade e eles se contrapõem a institucionalização política não sem consolidar, entretanto, na maioria das vezes, um relacionamento com a institucionalidade, que pode vir a usurpar a condição do sujeito da ação social. Nesse sentido, por serem populares, esses movimentos só podem organizar-se dentro da estratégia política da esquerda. Porém tendem a se distanciar e a se manter independentes dos partidos políticos existentes, seja de direita ou de esquerda, sem aderir a quadros partidários. Diante dessas análises, é necessário levantar a discussão sobre a concepção da autonomia, que ocorre dentro do contexto no qual se destaca o assunto sobre a crise institucional e também se configura com uma base histórica clara. Sob essa perspectiva, Claus Offe (1983) ao enfatizar a abordagem dos novos movimentos sociais afirma que eles englobam elementos culturais e políticos e, para sua expressão social e sua visibilidade coletiva, não utilizam canais institucionais já existentes. “Os canais tidos como tradicionais no campo político, tais como sindicatos e os partidos políticos, tendo exaurido sua capacidade de expressão das reivindicações, são preteridos e substituídos por outras formas de encaminhamento das reivindicações. O sistema partidário perde em funcionalidade e credibilidade, por que não oferece os espaços nos quais as demandas podem ser processadas.” (OFFE, 1983, p.97). Assim, permite-se uma leitura de que as mobilizações populares incrementam a ação política pela esfera da participação em detrimento da esfera representativa. Desse modo, na condição coletiva, fruto das demandas de interesses comuns, os partidos deixam de ser referências importantes como canais de expressão política de interesse. A participação direta definirá o limite da ação política, 14 pois através dela os agentes sociais instituem novos caminhos e espaços nos quais circunscrevem a identidade dos atores. Contudo, há autores que concentram suas análises na ação coletiva, na medida em que elas se institucionalizam. Autores como Boschi (1989), mostram em que sentido e com que intensidade os movimentos tendem a direcionar-se rumo à ação institucional, e não a sua rejeição. Para eles, uma interpretação pela ótica institucional dá conta de aspectos importantes que envolvem os movimentos, tornando-os mais abrangentes e duradouros. Sendo assim, o intuito de atingir a representação política via uma ação integrada junto à institucionalidade assegura formalmente os direitos dos movimentos sociais. Nesse mesmo contexto, ao analisar os movimentos na ótica da ação institucional, Ruth Cardoso (1994) alerta para o fato de que as interpretações sobre a institucionalização estão quase sempre ligadas à ideia de refluxo dos movimentos, sem que se faça uma interpretação mais aprofundada a respeito do contexto político em que eles estão inseridos “(...) a institucionalização, ocorre num outro contexto político. É outra fase não porque se desenvolva autonomamente pela dinâmica dos próprios movimentos, mas porque, na verdade, representa um novo contexto político no qual os movimentos vão atuar” (CARDOSO, 1994, p. 83). O Coletivo e o Governo Lula Formado durante a greve estudantil da UFBA, que durou mais de três meses no ano de 2004, o grupo Coletivo4 tinha como principal reivindicação mudanças na Reforma Universitária proposta pelo governo Lula. Seus integrantes acreditavam que a reforma se originava dentro de uma estrutura capitalista de clara hegemonia neoliberal5. É também durante a greve que a relação dos estudantes com os partidos políticos começa a ficar abalada, a partir das Assembleias Estudantis, onde os grupos partidários começam ase posicionar contra a greve, desrespeitando o posicionamento das Assembleias Estudantis dentro do Conselho Universitário, demonstrando inclusive já sinais da interferência do governo Lula nessa relação. É importante relembrar que Governo Lula, já nos primeiros anos, a partir das reformas propostas como a reforma da previdência e a reforma universitária abriu margem para uma forte oposição, ao 4 O nome Coletivo veio na campanha para o DCE, em 2005, mas para maior facilitação denominaremos este nome desde a formação do grupo, que é denominado de M-15 (Movimento 15 de julho), nome que faz referência à data da greve de 2004. 5 Ata de Reunião Ordinária do Conselho Universitário de 28 de julho de 2004 e 02 de agosto de 2004. 15 seu governo, entre os setores mais esquerdistas, incluindo os movimentos sociais. Essa oposição se reflete dentro dos Movimentos Sociais também, como um agravante da crise de representação que as instituições políticas vêm passando a exemplo dos partidos políticos. No período da greve estudantil da UFBA, o DCE mantinha a regra da proporcionalidade, no qual as chapas que participavam da eleição obtinham um número de cargos proporcional à sua votação. Portanto, o DCE era composto na época pela UJS (União da Juventude Socialista – ligada ao PC do B), Articulação de Esquerda (Corrente do PT), Contraponto (grupo ligado a Força Socialista, futura APS – também corrente do PT) e Flores de Maio (Corrente onde seus participantes tinham forte vinculação com o PT, apesar de negarem essa relação partidária)6, não obtendo assim uma unicidade dentro do DCE. A partir da greve, o grupo dos independentes (O Coletivo) se fortalece com um discurso de autonomia e independência em relação aos partidos, governos e reitoria e em defesa da majoritariedade (sistema no qual a chapa eleita assume todas as diretorias), garantindo assim a vitória para o DCE da UFBA, em 2005, numa eleição com recorde de votação com mais de 8000 votos e com uma margem de votação em relação ao segundo colocado de aproximadamente 1000 votos7. Eles acreditavam que os partidos políticos se relacionavam com o ME sobrepondo seus interesses partidários em detrimento às demandas do ME, e que a proporcionalidade na gestão do DCE descentraliza as tomadas de decisão onde cada partido ou tendência priorizaria os interesses de suas organizações políticas, tornando-se uma gestão sem metas. O M.E é um Movimento Social organizado que deve ter autonomia, por isso não aceitamos que continue sendo utilizado como correia de transmissão de partidos políticos ou qualquer outra organização que visam apenas seus próprios interesses. Entendemos que as nossas entidades (DCE e UNE) devem se aproximar dos estudantes, pois a realidade atual é um distanciamento absurdo entre os representantes e representados. A consequência disso é visível – direções que afirmam falar e agir em nome dos estudantes, quando na verdade priorizam a defesa dos projetos dos seus grupos. Defendemos fóruns amplos e democráticos e direções que respeitem esse espaço, não ferindo os princípios construídos pelos estudantes. (Panfleto distribuído durante a campanha em 2005). O discurso de oposição do grupo Coletivo aos grupos partidários dentro do ME, está fortemente baseado na relação destes com Governo Lula. Eles acreditavam que os grupos partidários tinham sofrido uma espécie de “anestesia”, após a eleição do novo presidente, já que os partidos dos quais eles faziam parte são parte da base de apoio ao Governo. De fato, tomando como referência as Atas do Conselho Universitário, comparando-as com o período anterior a eleição do presidente Lula 6 A Flores de Maio se estabelecia dentro do DCE como uma corrente vinculada ao Reitor da UFBA Naomar, o que lhe garantiu bastantes críticas durante a greve. 7 Isso pode ser uma evidência de uma tentativa de mudança do eleitorado estudantil, já desgastado com os grupos partidários, principalmente durante o período que foi realizado a eleição, em pleno auge da crise do “mensalão” do governo Lula. 16 (Governo Fernando Henrique Cardoso) pode se perceber a diminuição das reivindicações do DCE (que naquele momento estava em regime de proporcionalidade, ou seja, dividindo a sua diretoria com grupos ligados ao PT e ao PC do B) no que se refere ao Governo Federal. Pautas reivindicatórias do ME no Conselho Universitário. Pauta Reivindicatória Período FHC Período Lula Política 33,3% 16,9% Acadêmico/Administrativo 61,3% 77% Cultural 5,3% 5.3% Total 100% 100% Dados tirados a partir das Atas do Conselho Universitário do período que vai de 2000 -2005. É possível perceber uma queda de 16,4% nos níveis de reivindicações políticas que estão relacionadas diretamente como pautas de cunho mais ideológico, referentes às questões mais amplas de estrutura econômica e política. Há também, principalmente em 2003 (primeiro ano do Governo Lula), a ausência total de discursos do ME que façam referência ao governo federal, durante as reuniões do Conselho Universitário. Isso acontece mesmo quando outros conselheiros questionam a necessidade de pressionar o governo federal para adquirir mais verbas para a universidade. O mesmo não pode ser dito durante o período de FHC, onde os estudantes faziam fortes críticas ao governo. Além de um discurso de oposição à relação do partido com o ME, há também um forte sentimento de desconfiança perante as entidades de representação estudantis tradicionais tal como a UNE, esse sentimento ocorre também pela forte influência dos partidos na direção dessas entidades. 8 Nesse sentido, o antagonismo entre partido político e movimento estudantil se baseia na ideia de que tipo de representação o ME quer pra si. Retomando a análise de Bobbio das distintas formas de representação (delegado ou fiduciário), verifica-se que o ME reivindica uma representação de delegado, ou seja, de porta-voz, o que não ocorre, já que os partidos políticos detêm pra si a liberdade de agir em nome e por conta dos representados, baseando-se no discurso de que eles possuem o discernimento próprio para agir, segundo os interesses da categoria, isto é, uma representação fiduciária. 8 Cf. Meninos com Asas: Uma análise sobre as ações estudantis que paralisaram Salvador em 2003 – Entre o Espontaneísmo e as instituições. Monografia da autora sobre A Revolta do Buzú, onde analisa a forte rejeição do movimento estudantil em relação às entidades estudantis justamente pela sua relação com os partidos políticos. 17 Contudo, apesar de levantar a bandeira da autonomia, não demora muito para que o grupo seja atraído pela sedução do discurso partidário (mesmo não o reconhecendo). Após estarem à frente do DCE há mais ou menos três meses, alguns de seus membros mais influentes entram na corrente O Trabalho, apesar de pertencer ao PT, e acreditam que não estavam sendo usurpados por nenhuma força partidária. Essa corrente, mesmo sendo integrante do Partido dos Trabalhadores, possui forte resistência a sua institucionalização, aos direcionamentos do Governo Lula, não assumindo cargos no governo, possuindo assim uma visão muito crítica a esse governo. Essa visão é muito parecida inclusive com o posicionamento que o grupo O Coletivo tem do governo Lula, uma posição que exige a ruptura do governo com as agências internacionais, alianças políticas não ideológicas e com a continuidade do modelo econômico do governo Fernando Henrique Cardoso. Cabe lembrar que,a mudança do discurso do presidente Lula exemplificada na “Carta ao povo brasileiro”, influenciou a relação do ME da UFBA com os partidos, que consequentemente acentuou a chamada crise de representação, já discutida anteriormente. A emergência do PT com a vitória de Lula foi saudada como uma possibilidade de mudança no quadro da representação política, como partido de origem popular, de procedimentos e com métodos de ação de cunho participativo, que sugeria uma nova maneira de fazer política, inclusive como a utopia de que através dele os excluídos acreditavam que alcançariam voz e vez e poderiam criar instrumentos que permitissem falar por si mesmos. Entretanto, ao lançar um projeto de poder referente a toda sociedade brasileira, o governo cria um distanciamento logístico de interesses corporativos em relação a interesses de alguns movimentos sociais, provocando frustrações e um novo dimensionamento das relações. Essa mudança foi sentida, a partir das novas configurações de forças estabelecidas, após o período Lula, como mostra essa entrevista com um ex-integrante do PT, hoje filiado ao PSOL, quando perguntado sobre como ele vê o ME, após a eleição de Lula: Infelizmente, muito fragmentado depois da era Lula. Antes nós brigávamos, mas tínhamos o inimigo comum: FHC e seus aliados. Depois da eleição de Lula, a esquerda se fragmentou muito, dada as diferentes interpretações sobre o governo, e o movimento refletiu isso, tendo crônicas dificuldades de unificar-se por pautas mínimas, já que todas as alianças são baseadas em ser contra ou a favor do governo Lula. O sentido dessa afirmativa pôde ser percebido, durante a greve de 2004, já discutida anteriormente, onde os direcionamentos dos grupos que participaram dependiam do tipo de relação que estes mantinham com o Governo, passando obviamente pela via partidária. Nesse sentido, reconhece-se a influência do governo Lula na relação do ME com os partidos políticos seja ao nível de 18 contestação criando uma nova ótica de participação seja na interferência dos posicionamentos tomados no cotidiano, durante a atuação política. A partir da entrada de dirigentes no Trabalho, acusações são feitas referentes à forte influência dessa corrente na prática do DCE, levando o grupo a um racha entre seus diretores, que causa um desgaste a imagem do grupo. A opção pela via partidária no interior do movimento social ou enquanto militante deste, pode ser vista, segundo Rucheinky (1999), como resultante do exercício de um comprometimento, de uma cultura política determinada. Inclusive pode implicar o empenho pela alteração do contexto que envolve a coletividade de modo a implementar os objetivos do comprometimento. “A opção pelo apoio a um partido político ou a relação complexa no sentido de somar esforços em determinados assuntos e ocasiões, tende a ser uma perspectiva de junção de esforços para consolidar a representação política e atuar sobre a instância institucional no intuito de transformar as relações sociais.” (RUSCHEINSKY, 1999, p. 34). Portanto, o que se observa é uma forma híbrida de relacionamento entre dois atores sociais, que obviamente está associada dentro de um contexto pós-moderno onde os indivíduos estão à procura de outras formas de relacionamento e experimentações. Vivencia-se um quadro histórico marcado por novas configurações das identidades culturais do sujeito, referentes a um processo de formação da identidade que em vez de ser algo dado, acabado, se desenvolve ao longo do tempo, continuamente, estando o sujeito “sempre a formando”. Esta característica soma-se a um “jogo de identidade”, onde o sujeito não mais apresentaria uma “identidade mestra”, mas várias. O sujeito pós-moderno não seria mobilizado por apenas uma “viga mestra” (MISCHE, 1996; HALL, 2002). As profundas transformações que veem ocorrendo em virtude do processo de globalização exigem um entendimento adequado do modo pelo qual se constituem as identidades políticas coletivas e as possíveis formas de emergência dos antagonismos, dentro de uma variedade de relações sócias. De fato, é fundamental dar-se conta de que o político não é algo que tem localização específica, determinada, na sociedade e que todos os tipos de relações sociais podem tornar-se palco de conflitos políticos. (MOUFFE, 2001) Enquanto o discurso da autonomia reforça a tese de uma crise das instituições políticas tradicionais (LEYDET, 2004; TOURAINE, 1991), há após a inserção do grupo no poder um restabelecimento das formas tradicionais, que reforça a concepção gramsciana de conceber o partido como um unificador de interesses gerais que atua junto ao movimento social como um agregador de interesses (GRAMSCI, 1976). Ou seja, no início da formação do grupo há a existência de uma forte 19 rejeição às instituições políticas formais, onde o discurso autônomo atrai uma parte dos estudantes menos simpáticos a essas formas tradicionais de atuação política e a relação que esses grupos partidários mantinham com o Governo Lula, principalmente durante a greve onde as reivindicações sobre a Reforma Universitária deixaram bastante explícita essa posição. Porém, após um período de práticas dentro da gestão, percebe-se que o partido político é um ator que fortalece a luta de classe e consegue dar amplitude à visão do movimento. As causas para essas mudanças estão relacionadas à visão que o grupo adquiriu e que estão pautadas no princípio gramsciano do partido como educador da vontade coletiva. Para Gramsci, o partido tem como uma de suas atribuições propagar e organizar uma reforma intelectual e moral, que significa “(...) criar o terreno para um desenvolvimento ulterior da vontade coletiva nacional-popular no sentido de alcançar uma forma superior e total de civilização moderna.” (GRAMSCI, p.1976, p.8). Isto é, os militantes do grupo coletivo sentiram necessidade de ter uma base intelectual que lhes orientasse a fim de dar continuidade a sua organização, tendo uma base política de apoio. Nesse sentido, o apartidarismo não se sustenta por não criar discussões mais amplas dentro do cenário político, limitando-se apenas a questões internas do movimento, ou seja, os movimentos sociais não têm como se manter se não tiverem uma orientação programática para seguir. Cabe lembrar que a própria dinâmica do Movimento Estudantil reforça essa posição, já que uma das características principais do ME é de alta rotatividade dos seus membros, isto é, o fato do ME ser um movimento onde seus atores não perduram ao longo dos anos, fortalece a necessidade dos grupos formados de garantir a sua existência a partir de uma estrutura programática, além de seus limites da universidade. Nesse aspecto, o partido político se torna o principal agente para exercer esse papel. Segundo Boschi (1985), o direcionamento dos movimentos sociais para a ação institucional leva esse movimento a aspectos importantes como no caso de alicerçar uma forma organizativa, efetuada pela consciência jurídica e que reforça os laços entre os membros mobilizados. Importa reter da diversidade desse enfoque institucional uma possível tendência à institucionalização dos movimentos sociais mais abrangentes e duradouros. Isto quer dizer, referenciar-se pelo sistema institucional não se apresenta necessariamente como um fato alheio à cultura política e à vida social mediada pelos movimentos. Sendo assim, o intuito de atingir a representação política via ação num partido constitui uma aproximação integradora junto à institucionalidade, a qual, por sua vez, pretende ser a forma de assegurar formalmente os direitos sociais requeridos. 20 Considerações FinaisO governo Lula ao declarar-se comprometido com uma política econômica conservadora e liberal, cria nos diversos setores populares da sociedade civil organizada, um clima de decepção em face de toda a sua trajetória política do passado. Esse fator atua diretamente numa reconfiguração das formas do diálogo entre os movimentos sociais e o partido político, trazendo à tona a ideia do desgaste da representação política via partidária. Esse discurso foi bastante utilizado pelo grupo estudado O Coletivo na tentativa de angariar representatividade no ME da UFBA, (durante o período da greve estudantil de 2004) ao aproveitar-se das disputas políticas internas e partidárias (seja entre tendências ou não), naquele período. A relação que esses grupos mantinham com a esfera partidária e consequentemente como o Governo atuou decisivamente para o fortalecimento de um discurso apartidário, no momento onde a maior questão reivindicativa do ME era a Reforma Universitária proposta pelo Governo Federal. Nesse sentido, o grupo O Coletivo “surfou” na onda da decepção provocada pelo governo Lula, aproveitando-se desse quadro para o seu fortalecimento, principalmente durante a campanha para o DCE, em 2005, em pleno auge da crise do “mensalão”, possuindo um discurso de autonomia frente ao Governo, Partido e Reitoria, como se percebe no discurso de um dos panfletos distribuídos na campanha: “Estamos num momento de efervescência do país, onde percebemos claramente que precisamos agir com organização para uma transformação social deste sistema corrupto e desigual.” Isso não quer dizer que a atuação dos grupos vinculados aos partidos que fazem parte da base do Governo não tenha sido modificada, principalmente ao compararmos com o período FHC (Fernando Henrique Cardoso). De fato, é possível perceber que existiu principalmente no primeiro ano do Governo Lula, uma ausência de reivindicações do ME no que se refere ao governo federal e durante a greve de 2004, uma tentativa de poupar esse governo de críticas face às pautas apresentadas, o que, como disse antes, fortaleceu e muito o crescimento do grupo independente. Entretanto, a entrada de alguns membros do grupo O Coletivo na corrente O Trabalho do PT, dá uma reviravolta na análise pretendida nesse estudo, isso porque ao iniciar a pesquisa, o grupo ainda não tinha tido nenhuma aproximação orgânica com partidos. Através de fluxos e refluxos, a construção do relacionamento apresenta contradições que a pesquisa levou em consideração ao delineá-la. Ao longo do período estudado, foram perceptíveis as mudanças nas relações conflitantes entre um conjunto de mobilizações e a institucionalidade. Tais mudanças oscilam entre 21 a defesa da autonomia e independência em face dos meandros partidários e do aparelho estatal e uma postura de vínculo partidário e comportamento de alinhamento com a corrente a qual se aproximou, seguindo em direção à esfera institucional. O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é a necessidade de passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e focalizar aqueles processos que são produzidos na articulação dos diferenciados contextos. Ao considerar a relação entre os movimentos sociais, a administração pública e as instituições partidárias, podemos concluir que o movimento aqui estudado não se configurou como possuindo autonomia, porém tampouco o partido representou uma forma superior de consciência social e de organização, no sentido de ser o educador que se dirige aos movimentos sociais, pois, se isso fosse verdade, o discurso autônomo nem mesmo existiria. O que houve foi uma relação pragmática entre o ME e o partido, que vem da necessidade do movimento de perdurar ao longo dos anos. Portanto, é desconstruída a necessidade de um antagonismo, em detrimento dos interstícios ou sobreposições, já que os atores não mais se estabelecem como possuindo uma identidade única, como é o caso do grupo “Coletivo” que inicia sua formação, defendendo o discurso da autonomia e tendo a maioria dos seus membros escolhido, na gestão, um ponto de vista positivo sobre a presença dos partidos políticos. Poderíamos falar de um retorno às formas tradicionais, possuindo, contudo, novos espaços de sociabilidade, ou seja, os estudantes não foram atraídos pelas velhas formas de atuação política, mas sim este movimento se “reciclou” para garantir um melhor diálogo com as distintas formas de militância. Outro aspecto conclusivo nesse trabalho se refere à superação da fase em que se insistia na unidade de interesses entre mobilização popular e oposição ao governo, assim como se reinterpreta o fato de que a fragmentação dos movimentos sociais adviria do influxo dos partidos políticos. A relação estabelecida entre as instâncias governamentais e o quadro partidário não se confunde com a forma peculiar de superar o caráter localista dos movimentos, pois seria manter uma visão estanque em dois campos. A complexidade do relacionamento instrumental consiste em que este implique ora em apoio ora em pressão. *Simoa Borba Lins é Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Bahia. 22 REFERÊNCIA BIBLIOGRÀFICA: ALMEIDA, Jorge. Evolução de imagem do governo Lula e comportamento eleitoral em 2006. Política & Sociedade, Salvador, n. 10, abril de 2007. ___________. Estado, hegemonia, luta de classes e os dez meses do governo Lula. 2007. BOAVENTURA e AVRITZER. 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