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Dolo e culpa em crimes de trânsito e suas consequências Artigo jurídico DireitoNet

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23/05/2015 Dolo e culpa em crimes de trânsito e suas consequências ­ Artigo jurídico ­ DireitoNet
http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7138/Dolo­e­culpa­em­crimes­de­transito­e­suas­consequencias 1/3
DN DireitoNet Artigos
Dolo e culpa em crimes de trânsito e suas
consequências
Fruto da desenfreada tendência de imputação de dolo eventual em
homicídios praticados na condução de veículos, é comum (e não é nova) a
confusão que se faz entre essa modalidade de dolo — dolo eventual — e a
culpa consciente.
Por Vander de Melo
Para tornar possível a vida em sociedade surge o direito positivo que é o direito posto e
imposto pelo Estado materializado em um conjunto de regras de condutas às quais estão
submetidos os integrantes do grupo social. Qualquer conduta, individual ou coletiva, que
ponha em risco ou ofenda bem tutelado pelo Direito, tem-se a ilicitude jurídica que pode ter
consequências meramente civis (ilícitos civis) ou sanções penais (ilícitos penais: crimes e
contravenções).
Quando as sanções de natureza civis contempladas no ordenamento jurídico não se mostram
eficientes para impedir a ocorrência de ilícitos jurídicos graves, como aqueles que atingem
interesses transindividuais e bens jurídicos relevantes, que põem em risco a convivência social,
o Estado reage contra os respectivos autores e passa a tipificar o ato praticado como crime,
prevendo as respectivas penas comináveis, e o faz por meio de um conjunto normativo
classificado como Direito Penal. Todavia, ao Estado não é dado o poder de aplicar sanções
penais arbitrariamente, impedem-no as garantias da reserva legal e da anterioridade,
constitucionalmente asseguradas no inciso XXXIX do art. 5º da Constituição da República,
caracterizadas no importante princípio anunciado logo no primeiro artigo do Código Penal ao
sentenciar que não há crime sem uma lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação
legal.
Diante de uma notícia da ocorrência de um crime de gravidade manifesta, aflora o sentimento
de animosidade movido pela emoção, acompanhado do desejo de punição severa e da
imediata prisão do acusado de tê-lo praticado. É o que acontece, por exemplo, em acidente de
trânsito com resultado morte ou lesão corporal grave, notadamente quando as vítimas são
crianças ou mulheres grávidas e haja suspeita, ainda que não perfeitamente delineada, de o
condutor do veículo, que supostamente deu causa ao acidente, conduzia o automóvel sob
efeito etílico ou de outra substância entorpecente qualquer. Ecoam vozes, algumas até de
formação jurídica, outras sem qualquer familiaridade com o direito penal, como jornalistas,
classificando o crime como doloso (e não culposo) reclamando uma sanção penal imediata.
Pois bem.
23/05/2015 Dolo e culpa em crimes de trânsito e suas consequências ­ Artigo jurídico ­ DireitoNet
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Para começo, é de grande relevo anotar, que a Lei 9.503 (de 1997) introduziu no sistema
jurídico o Código de Trânsito Brasileiro e na rubrica Dos Crimes em Espécie, ao tratar do
homicídio e da lesão corporal (vide artigos 302 e 303 do CTB), utiliza o adjetivo culposo; do
substantivo culpa sequer cogita. Assim, portanto, questionamentos versando sobre a
existência de dolo ou culpa no chamado crime de trânsito tem sua resolução fincada nos
preceitos codificados no Estatuto Penal, à luz de cada caso concretamente considerado, e não
pela Lei de Trânsito.
Anoto que o Código Penal não conceitua o crime culposo, ao contrário disso, limita-se apenas à
declaração, no inciso II do artigo 18, que o crime é culposo “quando o agente deu causa ao
resultado por negligência, imprudência ou imperícia”. A imprudência, aliás, não cabe naquele que,
ao descumprir regras de trânsito termina por provocar acidente e ferir pessoas. A culpa não se
presume. Corolário da responsabilidade penal objetiva, a presunção de culpabilidade pelo
resultado lesivo ficou no passado distante, tempo em que o simples infringir de um dispositivo
regulamentar, como avançar cruzamento com o sinal semafórico vermelho, conduzir veículo
em velocidade incompatível para o local etc, era bastante para justificar a punição do agente.
Para o sistema repressivo penal moderno a responsabilidade é sempre subjetiva, o que afasta
a idéia de culpa presumida, de modo que a culpa depende de prova; não se admitindo sua
presunção ou dedução, ilação ou perspectiva genérica para sua configuração e punição do
agente.
Fruto da desenfreada tendência de imputação de dolo eventual em homicídios praticados na
condução de veículos, é comum (e não é nova) a confusão que se faz entre essa modalidade de
dolo — dolo eventual — e a culpa consciente, mesmo por pessoas que supomos conhecedoras
do Direito Penal, no que cabe lembrar a lúcida e sempre atual advertência de JOSÉ BARCELOS
DE SOUZA, ao anotar que “o que costuma ocorrer, efetivamente, em delitos de trânsito, não é um
imaginado dolo eventual, mas uma culpa consciente, grau mais elevado da culpa, muito próxima do
dolo, que, entretanto, não chega a configurar-se”[1], posição esta com a qual me filio pelas
insuperáveis razões que passo a narrar.
Primeiro porque, da conceituação do Código Penal para o dolo na primeira e na segunda parte
do inciso I do artigo 18, se pode defluir que referido Estatuto preferiu as teorias da vontade
(quanto ao dolo direto) e do assentimento (quanto ao dolo eventual) à teoria da representação,
teoria esta que tem o dolo como a pura e simples possibilidade de previsão do resultado,
dando importância a inteligência e a consciência do agente em detrimento da vontade voltada
ao fim especial de agir. Vejamos o anunciado no inciso I do artigo 18 do Código Penal. “Diz-se o
crime” (art. 18, início): “doloso, quando o agente quis o resultado (teoria da vontade, dolo direto)
ou assumiu o risco de produzi-lo” (teoria do assentimento, dolo eventual).
A primeira parte do inciso I do artigo 18, o Estatuto Repressivo trata do dolo direito, traduzido
no fim especial de agir objetivando um resultado (matar, ferir), como na hipótese em que o
agente, na condução do veículo, o direciona contra seu desafeto e o atropela, causando-lhe
lesão corporal (art. 129) ou matando-o (art. 121). A segunda parte do inciso em comento cuida
do dolo eventual que tem por característica a circunstância de a vontade do agente não ser
dirigida para o alcance do resultado (no que se diferencia do dolo direto) e, embora previsível,
mesmo prevendo o risco, o agente não se detém, como que consentindo o resultado, como
por exemplo, aceitando o risco de matar ou ferir, o motorista vai com seu automóvel na
direção de um grupo de pessoas porque está atrasado para um compromisso; a prática de
“roleta russa” apontando para alguém.
Embora a culpa consciente avizinha-se do dolo eventual, trata-se de institutos inconfundíveis, vez
que, no dolo eventual, o agente, embora prevendo o resultado não o aceita como possível
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(lesionar pessoas ou matá-las, porque dirigia embriagado, por exemplo), enquanto que, no
dolo eventual, o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele venha a ocorrer. A lei
penal equipara apenas a culpa inconsciente (aquela em que o agente não prevê o resultado que
é previsível) e culpa consciente (e não o dolo eventual) com previsão do resultado, isto porque
segundo a Exposição de Motivos do Código Penal, “tanto vale não ter consciência da
anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela, mas confiando, sinceramente, em
que o resultado lesivo não sobrevirá”.
Logo, a constatação de o motorista envolvido em acidente de trânsito, com resultado morte(art. 121 do CP), ou lesão corporal (art. 129), haver ingerido bebida alcoólica ou substância
outra capaz de modificar as funções mentais e de provocar alterações neurológicas, não é
bastante para caracterizar o dolo eventual, o que se tem, na hipótese, é configuração clara da
culpa consciente, porque nesta o resultado é previsível pelo agente (o motorista, no caso deste
artigo), mas ele espera, sinceramente, não ocorrerá, por entender que sua habilidade evitará o
resultado. Veja se não é bem este pensar do motorista que dirige depois de haver ingerido
bebidas alcoólicas, ultrapassa foral vermelho. Nestas condições tem-se por presente a culpa
consciente, não o dolo eventual.
De todo o exposto é possível se concluir em sustentação indesmentível, que o fato só e só, de
conduzir veículo sob efeito de álcool ou qualquer outra substância intorpecedora, lícita ou
ilícita, ou porque nestas condições o motorista agiu em desconformidade com as regras de
trânsito, e estas condutas foram determinantes para o resultado (homicídio ou lesão corporal),
não transforma crime culposo em doloso, sendo certa apenas as reprimendas administrativas
e sanções de natureza penal previstas no Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/1997), em seu
artigo 302 (detenção, de dois a quatro anos, caso resulte morte), e no artigo 303 (detenção, de
seis meses a dois anos, para lesão corporal), sem prejuízo da reparação dos danos materiais, e
eventualmente morais, se não for o caso de culpa concorrente. A compensação da culpa
somente não é admitida na lei penal, mas a admite a lei civil codificada, anote-se. 
[1] BARCELOS DE SOUZA, José. Bol. IBCCrim nº 73/11. In: DELMANTO. Celso... (et al). Código
Penal
comentado, 6ª ed., Rio de Janeiro: Renovar. 2002, p. 33.

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