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CONTRIBUIÇÕES SOBRE O SENTIMENTO DE CULPA DE TOTEM E TABU (1)

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CONTRIBUIÇÕES SOBRE O SENTIMENTO DE CULPA DE TOTEM E TABU (1913) E MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO (1930)	
Caroline Aparecida Amaral
Sarah Casali Cordeiro
	Um dos temas abordados no texto Mal-Estar na Civilização (1930/2010) é o sentimento de culpa. Freud abordou esse tema em obras anteriores. Com isso, selecionamos a obra Totem e Tabu (1913/2013) para fazer alguns apontamentos sobre o sentimento de culpa e em seguida apresentar as questões relevantes sobre esse tema no texto de Mal-estar na civilização. Dessa forma, o trabalho tem como objetivo esclarecer quais as contribuições para o estudo do sentimento de culpa nos dois textos de Freud.
TOTEM E TABU (1913)
Em Totem e Tabu (1913/2013) Freud demonstra sua primeira tentativa de buscar solucionar as questões ainda não compreendidas da psicologia dos povos, ou seja, é uma obra com interesse na antropologia social (Rainha, 2013). 
Para entendimento da obra, é necessário o entendimento do conceito de tabu. Freud o define que aos homens pareça perigoso, misterioso, impuro e ao mesmo tempo sagrado. O tabu deve ser mantido a distancia, mas deve ser temido nunca deve ser esquecido. Na sociedade primitiva os tabus eram vistos como algo que possuía poderes destrutivos. Freud aponta que o tabu está na raiz das leis e preceitos morais, que tem função de proteger a comunidade, por restringir o desejos humanos anti-sociais.	Por acarretar perigo social, ao se realizar um tabu existe a necessidade de punição. No princípio se acreditava que o próprio tabu se vingava. Depois a punição passou a ser exercida pelo poder divino e só por fim a sociedade teve o papel de impor a punição. Como a realização do tabu gera temor, a punição diz respeito à restrição de liberdade. Contudo, Freud afirma que o tabu permite atitudes ambivalentes, pois ao ser proibido gera o desejo de violá-lo (Goldenberg, 2009).
Nesse texto, Freud (2013/1913) coloca no mito da morte do pai primevo como origem do sentimento de culpa. O mito relata uma tribo que vivia em uma horda primeva, em que um único homem esposava as mulheres da tribo. Consequentemente, os filhos homens eram expulsos até atingirem determinada idade. Contudo, certa vez, os irmão expulsos se uniram, mataram o pai e se alimentaram dele, colocando um fim a horda primeva. Freud coloca que havia um sentimento de ambivalência dos filhos para com o pai. Ao mesmo tempo em que desejavam a morte do pai por ele ser obstáculo a realização de seus instintos, também o admiravam. Devido a essa admiração, o fato de devorar a carne do pai pode ser entendido como um ato de identificação e apropriação de parte de sua força. Sendo assim, após satisfazer o ódio, os impulsos afetuosos aparecem na forma de arrependimento, surgindo então a consciência de culpa.
Dessa forma, o que antes era impedido pela existência do pai, passou a ser impedido pela consciência de culpa, ou como Freud coloca, por uma “obediência a posteriori” (Freud, 1913/2013, p. 149). Por meio da culpa se instituíram os dois tabus da sociedade primitiva, dois desejos reprimidos do Complexo de Édipo: a morte do pai e o incesto. Isso se fez necessário para que não acontecesse a desintegração da tribo, ou seja, os instintos pulsionais precisaram ser renunciados frente à necessidade de autoconservação. No que se refere à morte do pai, o animal totêmico aparece substituto do pai, para exibição do arrependimento e para apaziguar o sentimento de culpa. 
Sendo assim, em Totem e Tabu (1913/2013), Freud explica a origem do sentimento de culpa com o assassinato do pai primevo. E essa culpa é responsável por fundar a cultura. O mito coloca a ambivalência como ponto central na organização social, nas restrições morais e na religião. Para Freud, no referente a lei e a sociedade, culpa tem lugar fundamental na relação do sujeito com elas. A respeito da religião, Freud acredita que, assim como a religião totêmica, que tem a origem no sentimento de culpa, as religiões posteriores também possuem esse marco.
MAL-ESTAR NA CIVILIZAÇÃO (1930) 
Nesse texto Freud trata da formação da civilização. A civilização surge como forma de proteger o homem e regular suas relações. Para isso são criadas leis que favoreçam a todos, sendo necessária a de renuncia das pulsões e consequentemente a renúncia da felicidade individual. O autor aponta que a sociedade vive um constante mal-estar pelo fato da organização social exigir uma abdicação da felicidade individual.
Segundo Freud (2010/1930), no interior de cada indivíduo reside o instinto de vida (Eros) e o de morte (destruição). Isso porque na essência humana há uma agressividade constitucional que quando não é manifestada para fora ela se localiza no psiquismo e gera autodestruição. 
Dessa forma, essa agressividade constitucional seria um impasse à civilização. Porém, para a existência dela a agressividade é introjetada para o Eu, constituindo então o Super- eu. Dessa forma, a agressividade que o sujeito gostaria de manifestar nos outros, é liberada em direção ao próprio Eu. Então, o que chamamos de consciência de culpa é a tensão resultante do Eu e do Super-eu. Essa tensão se revela no sujeito como autopunição (autoflagelo).
No texto, Freud (2010/1930) aponta para duas origens do sentimento de culpa. Primeiro fala de uma culpa que a pessoa sente quando faz algo que se reconhece como “mau”, ou ainda pelo simples fato de ter a intenção de realizar um ato assim. Vale lembrar que o que se entente por bom ou mal é definido por influência externa. O reconhecimento do que é bom ou mal não é inato, mas sim aprendido. A princípio o mal não seria nocivo ao Eu, mas ao contrário poderia ser fonte de prazer. O que então poderia levar o sujeito a se submeter a essas influências externas? Freud (2010/1930) arrisca uma possível resposta de que tal influência só acontece devido ao desamparo e dependência do sujeito por outros. De acordo com ele o sujeito se submete ao outro devido ao medo da perda do amor que o outro sente por ele. Isso se daria porque se perdemos o amor que o outro tem por nós perde-se também a proteção que o mesmo exerce sobre nós. Com a perda da proteção ficamos sucessíveis a superioridade que esse alguém tão poderoso pode exercer em forma de castigo. Sendo assim, por medo da perda do amor do outro e de todas as implicações que isso traz, o “mau” deve ser evitado. Porém o perigo só aparece quando a autoridade descobre o ato tido socialmente como “mau”. Nas crianças o medo pode ser da autoridade paterna, no caso dos adultos a configuração é a mesma, porém o medo é da sociedade humana. Nesse estágio falamos que a autoridade é externa, contudo esse medo não é caracterizado como real. Para não possuir o sentimento de culpa, o sujeito renuncia as satisfações instintuais. 
Uma segunda origem está ligada a internalização da autoridade pelo estabelecimento do Super-eu, que modifica a consciência. É preciso lembrar-se que ao nascer a pisique da criança é um puro Id. O Eu desenvolve-se a partir do Id e é a instância psíquica que lida com a realidade externa, é ele que controla a motilidade e ás vezes sede as vontades do Id e com as interações com o outro e a internalização do que se dita socialmente ser “bom” ou “mau” (proibições) vai se constituindo o Super-eu. Poderíamos dizer que ele é a parte moral e severa do aparelho psíquico. A agressividade então, não é apenas internalizada, mas é mandada de volta ao seu ponto de origem e se volta contra o próprio individuo, contra o Eu.
Freud (2010/1930) afirma que só nesse ponto deve-se falar de sentimento de culpa. Aqui não há mais diferença entre fazer algo mau ou ter apenas a intenção (pensamento). Isso porque a autoridade que rege é o Super-eu, e dele nada se esconde. Sendo assim, apesar da renúncia instintual, o sujeito ainda sofre um castigo por possuir desejos considerados “maus”. Uma considerável quantidade de agressividade se desenvolve na criança contra a autoridade que impede com que as suas primeiras satisfações sejam realizadas, porém ela também é obrigada a renunciar a satisfação dessa agressividade.A criança então recorre a mecanismos que acolhe dentro de si mesma, por meio de identificação, essa autoridade que se torna Super-eu e do qual nada se esconde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Diante de tudo que foi exposto concluímos que a primeira origem do sentimento de culpa é devido ao medo da autoridade e a segunda o medo do Super-eu. Isso porque no primeiro momento a autoridade está fora e tem-se o medo de ser descoberto e punido por ela. No segundo momento a autoridade está internalizada em um Super-eu que não deixa escapar nenhuma intenção de satisfação instintual do Eu. A severidade que o Super-eu exerce sobre o Eu pode ter duas origens: ou provém do próprio instinto agressivo do homem ou a autoridade que a sociedade impõe é internalizada.
Em um trecho de Mal-estar na civilização Freud (1930/2010) diz: “Não podemos afastar a hipótese de que o sentimento de culpa da humanidade vem do complexo de Édipo e foi adquirido quando do assassínio do pai pelo bando de irmãos” (p.102). Nesse ponto é necessário retornarmos à segunda tópica freudiana, já que o sentimento de culpa está ligado com a formação do Super-eu e consequentemente com a dissolução do complexo de Édipo. O Super-eu é herdeiro do complexo de Édipo devido ao fato de que as tendências libidinais incestuosas direcionadas aos pais, são dessexualizadas e sublimadas por meio da identificação e da introjeção da autoridade dos pais, o que leva à formação do Super-eu. Quando, por meio de identificação, os pais são tomados como modelo é preciso levar em consideração a existência de sentimentos ambivalentes, já que o amor e a admiração que é dirigida aos pais também tem algo de hostil, no qual o desejo de morte e destruição está presente. Esta ambivalência afetiva provoca um conflito, pois os sentimentos hostis e agressivos não podem ser dirigidos ao objeto e, com a repressão exercida pelo Super-eu, voltam-se contra o Eu com a mesma intensidade que o mesmo teria em realizar tal desejo. Desta maneira, o Super-eu na tentativa de reprimir os instintos agressivos castiga o sujeito com um severo e profundo sentimento de culpa.
Por fim, uma contribuição nova de Mal-estar na civilização, que não havia sido apresentada em Totem e Tabu, é a de diferenciação entre arrependimento e sentimento de culpa. Freud levanta a hipótese de que é mais apropriado falar em arrependimento por ter feito uma ação má, já que apenas na intenção de um ato mau a pessoa já é capaz de se sentir culpada.
	
REFERÊNCIAS 
Freud, S. (2010). O mal-estar na civilização. In: O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias, à psicanálise e outros textos (P. C. L. de Souza, trad., pp. 14-122). São Paulo: Companhia das letras. (Trabalho original publicado em 1930).
Freud, S. (2013). Totem e tabu: algumas concordâncias entre a vida psíquica dos homens primitivos e a dos neuróticos. (P. C. L. de Souza, trad.). São Paulo: Penguin Classics Companhia das letras. (Trabalho original publicado em 1913).
Goldenberg, F. (2009). É possível uma sociedade sem culpa? O lugar da culpabilidade nos processos de subjetivação. Rio de Janeiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Recuperado em 20 de outubro de 2013, de http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/13503/13503_3.PDF.
Rainha, A. T. (2013). Estudo do Sentimento de Culpa na Teoria Freudiana (1892-1924). Maringá, Universidade Estadual de Maringá: Departamento de Psicologia, Programa de Pós Graduação em Psicologia. Recuperado em 18 de outubro de 2013, de http://www.ppi.uem.br/Dissert/PPI_UEM_2013_Amanda.pdf.

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