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ABDALA JR Introdução à análise da narrativa (1 ed 1995)

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DIRETORIA 
Luiz Esteves Sa um; 
Maurício Femarces ::: ~s 
Vicente Paz Fer .... ~-:-=: 
Patrícia Ferna"'::e.s :: 
José Ga"a-=ass :: -
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Impressão e acabamento: Ii.s G _;: -~ :.& 
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ISBN 85-262-.ri -
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Sf!DE 
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EDITORA AFILIADA 
Mlllla:::a:nt:iai~l ::1e Catalogação na Publicação (CIP) 
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Mhlll6w u" u"' - Sao Paulo : Scipione, 1995. -
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ê~ ~au) 2. Narrativa (RetÓrica) 
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CDD-801 • 953 
tm1~ j:'IE"a :;atálogo sistemático: 
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MARGENS DO TEXTO 
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Benjamin Abdala Junior 
' 
I 
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editora scipione 
Sumário 
~N - 7 
ANÁLISE, DESCRIÇÃO, INTERPRETAÇÃO 
, 
TEXTO CRITICO 
GÊNERO LITERÁRIO 
TEXTO CRÍTICO 
-PROSA DE FICÇAO 
O ROMANCE E A NOVELA 
, 
TEXTO CRITICO 
O CONTO 
, 
TEXTO CRITICO 
a.-
- 19 
, 
AUTOR, NARRADOR, AUTOR IMPLICITO 
, 
LEITOR E NARRATARIO 
, 
HISTORIA E DISCURSO 
, 
TEXTO CRITICO 
U_1 E..XEMPLO 
-~" 
- 34 
, 
ti 
ti 
FRIED:\IAN 
, 
, 
~~ D_:\ HISTORIA NO DISCURSO NARRATIVO 
-OES ENTRE CATEGORIAS NARRATIVAS 
!iRRATIVA 
....- TICO 
• 
' 
~~ 
A personagem - 39 
PESSOA E PERSONAGEM 
-CARACTERIZAÇAO DA PERSONAGEM 
PERSONAGENS SIMPLES E COMPLEXAS 
PERSONAGENS PLANAS E REDONDAS 
-FUNÇOES DAS PERSONAGENS 
TEXTO CRÍTICO 
........ ~~ 
O espafO - 47 · 
ESPAÇO E AMBIENTE 
, 
, 
ESPAÇO REFERENCIAL E ESPAÇO TEXTUAL 
-A REPRESENTAÇAO DO ESPAÇO 
-A TENSAO PERSONAGEM/ESPAÇO SOCIAL 
. TEXTO CRÍTICO 
~~ 
O tempo- 53 
' 
, 
, 
OS TEMPOS EXTERNOS A NARRATIVA 
OS TEMPOS INTERNOS DA NARRATIVA 
- , 
DIREÇAO DO TEMPO DA HISTORIA NO DISCURSO 
' 
PROPORÇÃO DO TEMPO DA HISTÓRIA XO DISCCRSO 
- . 
PROJEÇAO DO TEMPO D_t\ HISTORL-\ :XO DISC{:RSO 
, 
TEXTO CRITICO 
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~! t ~IUill ,A •• 
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···- - - · - ~-
. ·- --··------~~~~------------------~ 
, - -ANALISE, DESCRIÇAO, INTERPRETAÇAO 
análise literária da narrativa envolve conhecimento de 
seus elementos estruturais, ou se·a o omín[o de de-
terminadas categorias (conceitos da a at·va, que serão 
· apresentados e discutidos neste livro.. esses con-
ceitos básicos possibilita ao ai no a-- a·s rigorosa, 
com observações críticas mais e ..,-: as. A des-
crição desses elementos estru ra s .... f'1 a e fcrnecer 
r • - e I a 
matena para uma argumentacae oc1n1o em 
que o aluno principiante na a -,ao te a de-
fesa de um ponto de vista c _ 
Sem essa linha de a ........ 
central a ser desen o · 
turais da narrativa e 
- -pressupoe essa a 
se for fe ita e,..,..,, 
-
- -
- -
o r;a se 
tretan o de e 
-curso e nao 
A análise litera a 
montagem do texto a 
literal dessa palavra e a s 
princípio configurador (uma est:n 
plicar o sentido de sua const ~-~ 
. , . , 
v1sta uma srntese - 1sto e/ u a 
-analisado: 
' ..... 
, •., • I 
Análise e interpretação represeE _ ...... "'·""' 
damentais do estudo do texto, isto é .. o 
respecti\d.:..TTien~e o "momento da pane~~ e 
completando o ~[rculo hermenêutica. o · = terp 
em entender o ~~do pela parte e a _ at: e pe .......... 
análise e a ar.~::Se pela síntese. C\.: -DIDO 
analítico do tJoemn. ão Paulo, FFLCH C 1:,.ei" i-...-
.L 
s.d. p. 20. ) 
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_...a :déia 
s estru-
. , . 
ss •erana 
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cnt1co 
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entos 
........ -ão .. A-
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, . 
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s b-
-a 
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e 
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a 110, 
, 
TEXTO CRITICO 
Análise entende-se, antes de mais por uma questão de coe-
rência etimológica 1, como decomposição de um todo nos seus ele-, 
mentos constitutivos. Sendo esse todo um texto literário de variável 
extensão, a análise conceber-se-á então como atitude descritiva que 
assume individualmente cada uma das suas partes, tentando des-
cortinar depois as relações que entre essas distintas partes se es-
tabelecem; noutra perspectiva, poder-se-á ainda observar que a 
elaboração de uma análise literária deve cingir-se2, por parte do 
crítico, a uma tomada de posição racional, a uma atitude objetiva-
mente científica em que os elementos textuais devem predominar 
sobre a subjetividade do sujeito receptor3. 
Não pretendem estas afirmações inculcar a idéia de que uma 
leitura analítica se submete invariavelmente às mesmas regras ( ... ) 
Assim não acontece, em primeiro lugar porque, segundo pensamos, 
não é possível propor um esquema único de análise aplicável de 
modo indiferenciado a qualquer texto, ao contrário do que fre-
qüentemente se encontra consignado em certos manuais ( ... ) E 
assim pensamos é porque estamos convictos de que uma análise que 
se pretenda efetivamente científica deve subordinar-se, antes de 
mais, a uma perspectiva crítica definida 4 ( ... ) 
Não se pense, porém, que com o processo de análise a que se 
submete o texto literário se completa a sua avaliação crítica ou que a 
simples desmontagem dos seus elementos constitutivos satisfaz as 
legítimas ambições de uma leitura minimamente válida5. A este 
propósito parece-nos elucidativo evocar aqui as limitações a que 
desde logo submetem certas análises puramente mecanicistas ( ... ) 
Porque pensamos que é necessário completar a abordagem da 
obra literária a um nível que supere a restrita enumeração e des-
crição das partes em que aquela se decompõe, desposamos6 a idéia 
de que qualquer leitura crítica ( ... ) deve passar da fase analítica a 
uma outra fase predominantemente sintética que é a interpretação. 
(REIS, Carlos. Técnicas de análise textual. Coimbra, Almedina, 1976. 
pp. 35-37) 
Comentário: Carlos Reis defende a ,idéia de q e a ara 
do texto pressupõe Jluma tomada de pos·cã 
parte do crítico. Ela se i ·c· a a es 
quando se devem busca e - -
correlações só serã 
1. Coe§ .... -::~ -- -
2. um·:a ~-~-:::. 
- · c .. es (pre-
-p ,.. 
4. Um a ::J.e -,.., • E -3: ·o og :.:.:.ã 
5. Uma e _ ... a a Z!B n po . a::: 
6. Defen-.l.e......,as. 
9 
• 
• 
• • 
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• ~~-,~-- · ·--·-------------------=--~------------~-------------------------~--------~ 
coerência: coerência, em primeiro lugar, em termos de uni-
dade de perspectiva (se sua abordagem é predominantemente 
sociológica, por exemplo, ele deve valorizar os dados de sua 
descrição, dentro dessa perspectiva); coerêncdar entendemos, 
em termos de ponto de vista crítico, como apo tamos na in-
trodução deste tópico (só interessam~ na es,.. ·çãor os dados 
que tiverem alguma relação com a lin
a entação ou 
defesa de um ponto de vista crítico'. 
Carlos Reis é contra as rece ·tas ara a ar-a se r terária, tal 
como costumam aparecer em certos rn a a,... e :c ares. Esses 
livros esquemáticos têm a ambiçã s:5s e resolver 
, 
todos os casos, e acabam por e .a a a-- .... ~ ·stas". E 
muito freqüente o aluno apegar-se c --- ~-- ·as re acred itar 
que as u(tilizando estará fazendo --- ---"'"a~·a c Ele não 
entende, nesses casos, que a a""'= ~ ::s:saria a ar-
gumentação, na qual ele de - ~ o:e .a coe-
rência de seus argume tos ai) um 
ponto de vista particular. 
A análise crítica e e 
idéias. E isso não se -
mente receitasr 
também oco e 
de proce · 
las de ~ ,... -
Carr - _ 0 -= 
c ea 
constr cã 
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seu(s) tema s , tema 
qual se desen o c a 
JJAmorfT). O assunto v s 
eretamente desenvol ·a 
entre uma personagem e 
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A , 
GEN~:RO LITERARIO 
atitude do escritor diante do mundo faz com que ele 
busque uma forma que seja adequada ao texto que 
constrói. Essas formas podem ser ciassificadas em três 
grandes grupos, denominados gêneros iterários, de acordo 
com a melhor tradição dos estudos crfticos: 
- o gênero lírico (forma em que o escr':or e 
que ocorre quando resulta de u a re a ãn 
teriorizada do escritor com o mundo 
- o gênero narrativo (forma pe'a qua 
pressão de objetividade e que s~ 
temporal, com uma sucessão e a 
formação dos fatos contados ; 
- o gênero dramático (forma ~a =l --
trás da representação e da fa -
criou). 
Há textos que podem se 
ficuldades, num gênero espec :-
possam se situar p edo · a 
nero, não são faci me !:SS 
aluno se aperceber 
da predomi râ,...,c'a as-
bre as àos o -r--
Prazeres, 
estabelece 
e 
entre o mar e -a 
Aí estaya o rr1ar. 
-
-
manas. E ali estava a m ~-"' 
vivos. Como o ser hun1an -
mesmo2, tornara-se o mai 
sangue. Ela e o mar. (8. ed. Ri 
-• 
-
-
-
As correspondências mulher a e 
subjetivo do narrador. Por outro ladow esse ~ 
também apresenta dramatizações {o q e -
própr[as do gênero dramático), quando a 
senvolve através da fala das próprias pe so a 
' 
1. Quem está de pé é -~r , 8e;sonagem centra : ~ 
ais subjetivo e 
itiva ou in-
• • 
'""r a uma lm-
·~a dinâmica 
• 
e trans-
- =ser o 
-
... 
e 
s 
2. Refere-se ao autoco:-- ec eflto do homem, _. - ·s':afi-
A • • • tenc1a tnconsctente e na ra . 
-
-
. - A noite de ~oje está me parecendo um sonho3. 
- Mas não é . E que a realidade é inacreditável. · 
- Que badalar de sino é esse? 
,. 
- E do relógio da Glória que marca de quinze em quinze mi-
nutos com badaladas que deixam as pombas assustadíssimas. (Op. 
c i t., p. 161 ) ' 
O badalar dos sinos da igreja da Glória, no Rio de Janeiro, 
é referido pelas personagens e não pelo narrador. O narrador, 
nessas situações, cria a ilusão, para o leitor, de que não in-
terfere na narrativa. As reflexões apresentadas, ao contrário do 
que se verificou no exemplo anterior, seriam da personagem e 
não de sua autoria. 
Os gêneros apresentam subgêneros, isto é, fo rmas lite-
rárias que se mantêm dentro das características do gênero a 
que pertencem. Exemplos de subgêneros: 
- gênero lírico (soneto, canção, elegia, ode, etc.); 
- gênero narrativo (romance, novela, conto, crônica, etc. ); 
- gênero dramático (drama, t ragédia, comédia, auto, farsa, 
etc.). 
Cabem algumas observações em relação ao gênero nar-
rativo, objeto de est udo neste livro: a epopéia é uma narrativa 
em versos, praticada no passado, em especial na época do 
Renascimento, como Os lusíadas, de Luís de Camões. Mo-
dernamente, as histórias épicas aparecem em prosa. O crítico 
húngaro Georg Lukács afirmou que o romance é a epopéia da 
burguesia, isto é, um texto em prosa cuja forma se identifica 
com os valores dessa classe social. Sempre houve formas 
narrativas, e estas aparecem adaptadas ao contexto psicoló-
gico, histórico e social de cada época. 
, 
TEXTO CRITICO 
, 
e a 
• 
nca, 
3. Esta r; ....... c -a a .::; :!e ._::{, e .a ~C';'"' o seu a é .: _ sses. 
4. Emi S-a g ...... ~- r de Cc ,... ceitos i .:. ........ e...,tais de pae~ r:a c de Janeiro, 
Tem;:: n 3 ""as :::. o "'972. 
5. Narra: vos. 
13 
• 
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-
• 
épica ou dramática, não só por não apresentar apenas característi-
cas de um único gênero, mas também porque essas características 
não se projetam , na constituição da linguagem, sempre da m~sma 
maneira. (SOARES, Angélica. Gêneros literários. São Paulo, Atica, 
1989. pp. 18-19) 
Comentário: Embora as noções de lir~smo, narratividade 
e dramaticidade continuem v álidas,. e · ante para o aluno 
observar a dinâmica que existe ert :. s generos. Eles consti-
tuem categorias importantes para ... s: á literário, mas o 
aluno deve observar inic ia lmen~e -~ .. a ser analisado para 
depois fazer as suas deduções. ento contrário (a 
partir da apresentação em ve s :s • • o do texto) pode 
levar a enganos. Dev e ser Ire e que os autores 
românticos romperam com _ !"'P"' - - ::ss"' oos dos gêneros 
literários e que os mo\i c- : ... :: - E"" a levaram essa 
ruptura ainda mais onge -- - r.,.s isar no texto 
cada um dos gêneros 
-PROSA DEF 
Pe 
-cessa c a e a: _ --:: --
.. tempo u..s ·a-~ 
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como 
ta m b é l"':!!"'lPo 
p inturav o ·ne----
serva, exi ste~, 
bém na língua oral e as 
romance, a novela e 
prosa de ficção. 
ORO CEEANOVEL 
O romance é, na prosa de f icção, a f 
longa. Em razão desse fato, as cat egor"as 
gênero (com o personagem, espaço, temo a ... 
cem com interconexões bastante ela ra as 
mente nessa extensão (de que resulta aiores 
o fator que vai levar o romance a se s g ·r --
conto e da crôn"ca. Não poderíamos te a a'II"'W""! 
curta, inclusive cor.tos, co m tais intercc nex ões? E 
com muitas narrativas cu rtas que aprese ta gr-
ração nas categ,o rias do gênero. Crifcos impo 
vêem diferença ent re romance e novera. a g (ate 
e na Espanha, por exemplo, o romance é a ad 
1A 
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-?., a 
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TEXTO CRITICO 
' 
Nos séculos XII e XIII, chamava-se romança o poema em língua 
românica6 que narrava feitos heróicos e aventuras galantes, em 
oposição ao poema em latim. A· palavra novela, emprestada do ita-
liano no século XIV, substituiu em espanhol e inglês o termo ro-
mance. Em português, novela passou a designar narrativa menos 
extensa e menos complexa que o romance. Nas origens, novela 
salientou a inclinação da narrativa romanesca para o novo, original, 
contrária ao poema épico, cultor de grandezas antigas7 . 
Já se vê que a literatura produzida em latim e a que ia surgindo 
em língua popular não se distinguiam só nos idiomas. O romance 
retratou, desde o começo, conflitos individuais e vida cotidiana, 
opondo-se a noções medievais latinas, que privilegiavam qualidades 
fixas, persistentes ainda em epopéias nacionais como a Chanson de 
Roland8 e o Poema de Mio Cid9 , obras em que não se admite con-
taminação de lealdade e traição, amplamente praticada pelo ro-
mance10. -
Os leitores de romance, ao se libertarem da oralidade11 me-
dieval, adquiriram novos hábitos. O romance criou núcleos não 
sujeitos ao púlpito, veículo privilegiado de idéias e centro de coe-
são social12. A leitura, restrita a um reduzido número de clérigos 
letrados, conquistou novos espaços. Lido isoladamente, o romance 
abalou a vida em comunidade, exigida pelas outras artes (pintura, 
teatro, canto, arquitetura, oratória) 13. Dirigindo-se ao indivíduo 
fora da sociedade, o romance favoreceu o tratamento de pro-
blemas reservados, de conflitos interiores. O romance nos leva ao 
individualismo
que amadurece em fins do século XVIII. Muitas 
razões conduziram o leitor ao romance. O mundo imaginário' 
oferece espaço para repousar das agressões cotidianas. O enredo 
apresenta coerências que os fatos recusam. O discurso ficcional, 
disseminando palavras, elide14 o silêncio e o medo da morte. 
Neutralizada a aspereza da vida no tempo da leitura, o leitor se 
reaparelha para enfrentá-la com renovado vigor. 
6. Língua derivada do af . Sãc ~:::r.--as ... 
o francês, o italia o c ga ::r.....,._. 
romeno o sardo e c ,.._......, .... ,.,, 
7. O poema eo cc. e 
gló ·as e ....... 
8. A t .. ·a ""es·.......-t-~. ,..,. . .~~s.-, .. n.r+· 
9. Au iG .. a ESC'"':C Jtr 
1 O. No c- ~ - e .. """'"'.a :: ~ ----
1/tra·""' ---
. "-'- d 
11 Na rr.-.4· - .,_ - -=- - ~=- • . o ' .. - ...:::% :...M,_. ::: ...... ....- - --'--·-
12. Nas ~-e ~~ ::....,-sE -:: .. ~e: · 
._. 
pro\ e .,_. .e c: o:t""' - ::-
ligiosCEi 
13. Nessas ,..,.-:-_a 
14. Elimi""'a. 
-
~;::s OC"rlições ser /Jieal" ou 
• • a .. lonas . 
socia.: e .. a_. histórias de 
, . 
'"':: ~ partar:el"':~s et1cos ou re-
:cr;:s. ~,_-D da arte e .. a em .ocal público. 
15 
O Dom Quixote, de Cervantes15, foi o primeiro romance de 
envergadura, aparecendo numa época em que os ideais cavaleires-
cos se tornaram inviáveis. A realidade concreta recusou os sonhos da 
cavalaria andante. A exigência de homens práticos como Sancho 
repelia Dom Quixote com seus sonhos. 
( ... ) 
Na década de 50 [do século XX], tornaran1-~e intensos os ru-
mores da rnorte do romance, quando um grupo de ficcionistas 
franceses (Alain Robbe-Grillet, Michel Butor, Nathalie Sarraute) 
afrontam preceitos consagrados da arte romanesca tais como tem-
po, espaço, ação. Sartre, ao cha1nar de anti-romances essas produ-
ções, declara que destroem o romance sob nossos olhos. Enrique-
ceram, na verdade, a arte de narrar com recursos reservados à ci-
nenlatografia. 
No momento em que o romance parecia ter esgotado todas as 
possibilidades de inovar, estoura o romance latino-americano, e al-
cançam notoriedade mundial Julio Cortázar, García Márquez; Var-
gas Llosa, Miguel Angel Asturias, Alejo Carpentier, Carlos Fuentes, 
Cabrera Infante, Guimarães Rosa. 
Nos últimos anos, quando o realismo mágico16 já não causa o 
impacto do princípio, mencionam-se com respeito prosadores de 
Portugal, um país adormecido para a prosa desde Eça de Queirós e 
considerado feudo de líricos. De fato, nomes como Virgílio Ferreira, 
José Saramago, Augustina Bessa Luís e Lobo Antunes conferem a 
Portugal lugar de destaque no elenco dos ficcionistas contemporâ-
neos. Em breve não teremos mais o direito de ignorar os ro-
n1ancistas das novas repúblicas africanas17. (SCHÜLER, Donaldo. 
/ 
Teotin do ro1nance. São Paulo, Atica. 1989 ) 
so 
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15. M iguel ae--
16. Tendência -
anterior. 
17. Entre esses r .... 
de Angola. 
• 
.. 
• e a do 
-
mance 
-
.,, ...,.., 
... 
:'J.,.reso~nde ao de-
e o --· 'd o pode 
a a'*"· as 
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G 
-
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?" e e con:rar 
- e e encontrar no 
... ~ a ... oerenc·a entre os fatos 
- corre na vida desse leitor. En-
ance pode servir, por outro lado, de 
c'alização desse leitor, permitindo a ele 
- o nos fatos que vivencia na vida prática. 
:a-ão implica uma tensão entre sonho e 
• 
-;::2 edra (1547-1616. escritor espanhol. 
c é3 ~arece em autores mencionados no parágrafo 
' 
..__...,_...- e :Je mencionar: José Luandino Vieira e Pepetela, 
16 
-
realidade, tensão equivalente à que Donaldo Schüler localiza 
no 11primeiro romance de envergadura", Dom Quixote. No 
romance, há a possibilidade de o leitor, ao se divertir com a 
história contada, conhecer um pouco mais de si e da realidade 
que o rodeia. Além disso, ele pode ainda sonhar com um 
• 
mundo menos 11áspero", sem as carências e necessidades que 
ele encontra em seu cotidiano. 
O CONTO 
A característica principal do conto, por ser uma narrativa 
curta, é a condensação das categorias da narrativa. Isso não 
significa que ele seja uma forma narrativa sempre mais sim-
ples que os romances: há contos literários bastante com-
plexos. Entretanto, o que caracteriza o conto é a sua brevidade, 
o que leva o escritor a hierarquizar os fatos a serem narrados 
de forma a provocar no leitor um efeito marcante. 
, 
TEXTO CRITICO 
O conto é uma forma breve. Esta afirmação, que aparece toda 
vez em que se tenta definir o conto, nos leva a um conhecido ditado: 
"No conto não deve sobrar nada, assim como no romance não 
deve faltar nada''. 
( ... ) 
No entanto, mesmo em Poe18, a questão não era propriamente 
e tão simplesmente a do tamanho. E também para Norman Fried-
man, em "What makes a short story short?" (1958), a brevidade, 
considerada como fator diferencial, baseia-se apenas nos sintomas e 
não nas causas19. A questão não é: ''ser ou não ser breve''. A questão 
é: ''provocar ou não maior impacto no leitor''. 
Neste caso, o conto pode ter até uma forma mais desen,·olvida 
de ação, isto é, um enredo formado de dois ou mais epi ódio-. ~­
assim for, suas ações, no entanto, são independentes. en 
no romance dependem intrinsecarnente d e 
O conto é, pois, conto. qu.and -
modo diferente das ap ·e..;;P-r."' ~· ... ~ 
ineren te11J.enle c_t ,.,..,.,n ,.,,_T· 
panes. J\. has 
conde .. 1-.:;)d. 
Pode 2~ =.-
18. Edga.. = ~~ .:::!' · 2 -==- . 
19. o us ...... :--- - .,.:3:_..d~ - ...... -.J . 
Jlcausa -~ .:o .... ma e c ~s7~ á~ scre q:....e e -:- SE :2-
20. Isto e, m _ .ns ~ .J-: e his""""...., .• " . 
17 
de 
- . e por uma 
.. ~o . 
• 
.---~----------------
Daí a conclusão a que chega Norman Friedman: 
um conto é curto porque, mesmo tendo uma ação longa a mostrar, sua 
ação é melhor mostrada numa forma contraída. ou numa escala de 
proporção contraída ( p. 134) . 
Para tanto, mobiliza alguns recursos narrativos favoráveis a este 
intento de seleção, mediante omissão, expansão, contração e pontos de 
vista. 
O que não se pode afirmar é que uma estória é curta porque 
tem um certo número de palavras ou porque tem mais unidade ou 
porque enfoca mais o clímax que o desenvolvimento da ação. 
O que podemos considerar, afirma Norman Friedman, é como 
e por que tais recursos acontecem e os modos vários de responder a 
estas questões, de acordo com as possíveis combinações de tais ele-
mentos narrativos. Ou seja: de como aparecem tais combinações em 
cada conto. (GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do conto. 2. ed. São 
., 
Paulo, Atica, 1985. pp . 63-65) 
• 
Comentário: A forma curta do conto provém de um mo-
. -e T' c à sua construção - o contista deve concentrar 
:-e·, .... u.s a a ocasionar um determinado impacto no leitor. Toda 
_ a arrativa direciona-se para propiciar esse 
ao contrá rio , o narrador apresenta uma 
_ "U -- ,, ~, ,,ro:!e não deve llfaltar nada". 
e e s- .,.. 
a cons:- -
Nádia Ba~E: ::: = 
impacto e11.'lr." 
ele; contra ·r 
,... . 
.. 
E 
vanc1a; e aprese a 
-
as vozes das pers 
do conto. Tudo iss 
• 
-
.. 
-
-
provocar um 1mpac o - -
' 
-
-lo. 
,,. :pacto" no leitor/ o contista 
a ~·::...,ar o que é importante para 
= ;:: ~c. e, po·s de acordo com 
- ,. . 
- E_ - : esse c1a para esse 
ados com 
~ _s ele-
- - -
-
• 
-
-• 
• 
-
' 
• 
I' . 
AUTOR, NAR OR, AUTOR IMPLICITO 
a análise de uma narrativa, o autor é o sujeito que a 
escreve, o escritor que recebe da realidade em que vive 
os estímulos que o levam a produzir o texto. Tais cor-
respondências entre o autor e seu ambiente cultural são ele-
mentos auxiliares da análise literária: permitem-nos entender 
como certos fatores externos ao texto acabam por ser inte-
riorizados,
como aponta Antonio Candido, contribuiAdo assim 
para o entendimento do processo de construção da narrativa. 
Entretanto, na análise do texto é fundamental a utilização 
de um outro conceito - o de narrador. Entidade fictícia, como 
as personagens e a história contada, o narrador acaba por 
constituir uma verdadeira persona (máscara, personagem}, 
que narra os acontecimentos. O narrador não pode ser con-
fundid-o com o autor, mesmo quando a narrativa é contada na 
tercei ra pessoa do singular. 
Entre a figura do autor e a do narrador é ainda possível 
colocar uma terceira categoria: a do autor implícito. Na fala do 
narrador podem aparecer certas idéias que são no fun_9o do 
• 
autor- não o autor perfeitamente consciente do que diz, mas 
com motivações profundas que escapam à sua própria cons-
ciência. Ao se colocar entre as categorias de autor e de nar-
radorr a do autor implícito pode propiciar uma abordagem 
l'iterárfa sem os riscos do biografismo (análise presa à bio-
grafia do escr"tor. sem estudo sério do texto) ou, em sentido 
sep,... : ·s ... o de a análise formalista (estudo ex-
& ,..e~_ a: '"'e : s'ae a fato de aue 
: c '1i1 ~ ·-= -:a r: .., = ... : .. c a .. e. 10 e n · e to 
i. E 
e ·= .. -- --e ata às diferenças entre o autor e o narra-
dor, es·ã_ :::_ -;; .. .e: 9as entre o leitor (o indivíduo que efeti-
vamente ~ - -: e o narratário (o destinatário imediato da 
comunicaçã_ : 'Mó= jnatário é um leitor implícito no texto e o 
leitor é que_,· -·iE:. arr-ente -lê a narrat iva. 
• 
Cria-se ass ~ ara o leitor, uma imagem interna que é a 
do narrador/ q -- =~ - .... ·a o texto, e a imagem, também interna 
ao texto, do e··a~ a quem ele se destina. Essa última é a 
imagem do narranarr ~ 
20 
-
( 
' 
• 
, 
HISTORIA E DISCURSO 
Há hoje o reconhecimento, na crítica literária, da ne-
cessidade de se considerarem dois níveis inerentes à estrutura 
da narrativa: o nível da história e o do discurso. A história é 
formada pelo conjunto dos fatos relatados e constitui o plano 
do conteúdo da narrativa. São· fatos fictícios, no caso da prosa 
de ficção, mas que procuram manter uma relação de verossi-
milhança (semelhança} com a realidade. O discurso é o plano 
da expressão desse conteúdo . 
• 
Dessa forma, uma determinada história pode ser contada 
de várias maneiras, destacando-se umas partes, selecionando-
se outras para serem resumidas e suprimindo-se ainda outras. 
Isto é, essa história pode ser expressa no texto (nível do dis-
curso), conforme a escolha do narrador. E este escolhe, tendo 
em vista os efeitos que quer suscitar no narratário. 
, 
TEXTO CRITICO 
Entre o autor implícito, o narrador e ·o leitor, podem 
ocorrer aproximaçõ·es de ponto de vista ou distanciamentos. O 
ponto de vista do narrador sobre um determinado assunto 
pode estar mais próximo ou mais distante dos pontos de vista 
de suas personagens. Esse narrador pode se aproximar ou se 
distanciar das normas aceitas por seu leitor. A mesma variação 
de ponto de vista também pode ocorrer com o autor implícito, 
em relação ao narrador, personagens e leitor. Ao estudar essas 
variações de ponto de vista, Wayne C. Booth, em A retórica da 
ficção, observa que: 
Para fins práticos, o mais importante destes tipos de dis-
tanciamento é, talvez, o que fica entre o narrador falível ou pouco 
digno de confiança e o autor implícito que se faz acompanhar pelo 
leitor no seu juízo sobre o narrador.( ... ) Se descobrimos que ele não 
é digno de confiança, transforma-se o efeito total da obra. que ele 
nos transmite . 
.... ( ... ) A falta de termos melhores, chamei ao narrado_ fidedign 
quando ele fala ou atua de acordo com as OI m.~., ~ 
as normas do autor implícito .. e pouco digno de .... ..., ... .A..&.. 
~ 
não o faz. E verdade q 1e 
fidedignos usam e abLL..'rG.. .......... _..._. 
· digno de co n~.~.a ....... '-·L.O< 
ganadore 
pouco~ 
fiança ã 
li h e rad"""~· L....,...,. 
de algc. 
- --
21 
• 
• 
Comentário: Ao se analisar uma narrativa, percebe-se 
qual o ponto de vista do autor implícito, narrador, personagens 
e narratário. O autor implícito, por exemplo, pode sentir-se 
afetivamente próximo de uma determinada personagem ou 
dela se distanciar, quando esta fizer uma ação com a qual ele 
não concorde. Particularmente importante para Booth, é o re-
curso a narradores que não merecem confiança, para provocar 
determinados efeitos no leitor. Por exemplo, num caso ex-
tremo, quando a história é narrada por um louco, todo o relato 
fica comprometido. 
De qualquer forma, os modos de pensar a realidade do 
autor, autor implícito e narrador devem ser levados em con-
sideração na análise. Eles são os ''filtros" da narrativa, com 
pontos de vista particularizados. Por exemplo, um dos fatores 
da ambigüidade na apresentação de Capitu, no romance Dom 
Casmurro, de Machado de Assis, vem do fato de o narrador ser 
Bentinho: essa personagem e seu olhar preconceituoso leva o 
leitor a desconfiar de seu ponto de vista. Além disso, Bentinho 
era o marido que se sentia traído pela esposa (Capitu) e não 
teria, devido a essa circunstância, o distanciamento necessário 
para narrar os acontecimentos de forma mais objetiva. 
UM EXEMPLO 
As três categorias - autor, narrador e autor implícito -
acabam por ser utilizadas numa análise mais integral do texto 
, 
narrativo. E importante, entretanto, que não sejam con-
fundidasjf a•r!bu indo-se ao autor o que é do narrador e a este o 
o e é d a ... or · 1c· o. leja os m exemplo, na seguinte 
~ . 
assagern e a _ e a amos: 
-
" 
• romanc s a-
personage ,.,. 
- ""'"..,..,.._ n Elii'Lar 
llrna e pada 
· ~parates. Penso em 
- êm relação com os desenhos: 
"""'""-"·e-o r. o secretário, políticos, sujeitos 
_ :-ezam porque sou um pobre-diabo. (13. 
~- 7l.p.20) 
a tor do romance é Graciliano Ramos, 
s o na caracterização psicossocial de suas 
-- ,..rrador é Luís da Silva, que considera seu 
• 
3. A personagem ,.. a ...... = "E ,8 romance é o frustrado Luís da Silva. Marina era 
' a sua noiva, que ~ - c:- uma personagem execrável, Julião Tavares. 
22 
• 
-
comportamento um absurdo, algo desarranjado e incon-
gruente: não vê sentido no jogo de palavras, nas imagens ra-
biscadas no papel e no seu devaneio por situações e pessoas. 
Esse é o seu nível de consciência, uma consciência falsa. Na 
' 
verdade, as imagens que ele registra são bastante coerentes: 
aí estão os motivos que o levaram a assassinar o seu rival 
Julião Tavares. Esse nível de cpnsciência é do autor implfcito, 
que ultrapassa as limitações da personagem narradora. Como 
indicamos, a categoria do autor implícito fica entre a do nar-
rador e a do aütOi. ~~as rnarcãs textuais do autor impiícito, 
aparecem observações que nos levam ao autor não apenas em 
termos de sua consciência, mas sobretudo de estruturas de 
profundidade, que escapam à sua consciência. 
Assim, derivados do nome do objeto desejado (Marina), 
encontramos dois campos de significados: o do amor em re-
lação à amada (11ar", limar", "rima", llamar"), que envolve o · 
campo de significado oposto, o do ódio (11ira", ''arma"). Ou, se 
quisermos, o ódio interiorizado, envolvido por imagens e 
procedimentos líricos que, ao ser deflagrado, explode o objeto 
amado Marina, em várias partes. 
Em seguida, Luís da Silva traça rabiscos nos quais apa-
recem a lira amorosa e a espada do ódio, imagens que se 
associam à 11Cabeça da mulher". Essas imagens não são dis-
parates, como pretende Luís da Silva. Inclusive, erroneamente, 
essa personagem julga que pensa em "indivíduos e objetos 
que não têm relação com os desenhos". Novo engano, essas 
personagens e objetos têm relação íntima com Luís da Silva: 
os "processos" (ele poderia envolver-se num deles pelo as-
sassinato de Julião Tavares), os "orçamentos" (ele vivia en-
redado
por eles, porque seu trabalho não era reconhecido e 
ganhava pouco), o "diretor" (o patrão, a quem alienava a sua 
força de trabalho) e os 11Sujeitos remediados" (a classe média 
que o desprezava porque ele ganhava pouco) . 
. ~ 
23 
• 
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-
• 
I '..r 
I ' I , 
-
\ 
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• 
co narratzvo 
, 
, 
foco narrativo é o ponto ou o ângulo através do qual o 
narrador nos conta a história. A história pode vir direta- , 
mente de um seu relato, quando, por exemplo, ele nos 
resume ou contextualiza um determinado acontecimento: 
• 
Hamlet observa a H orácio1 que há 1nais coisas no céu e n a 
terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que 
dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de no1:embro de 
1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma 
cartomante; a diferença é que o fazia por ou tras palavTas. 
- Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois 
saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes 
mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as 
cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa ... " Confessei que 
sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim 
declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas 
que não era verdade ... 
- Errou! - interrompeu Camilo, rindo. 
- Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho an-
dado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não 
ria ... (ASSIS, Machado de. "A cartomante". In: ABDALA JUNIOR, 
Benjamin. Contos brasileiros. São Paulo, Scipione, 1993. p. 12) 
Nota-se que o narrador de liA cartomante", no primeiro 
parágrafo, está interpretando o que as personagens Rita e 
Camilo teriam dito uma à outra. Ele se coloca como inter-
mediário entre os fatos relatados e o leitor: este conhece o que 
se passou indiretamente, através da voz do narrador. Já no 
segundo parágrafo o foco narrativo desloca-se do narrador 
para a personagem Rita. Os fatos que ela relata são filtrados 
por sua consciência. Se no primeiro parágrafo a voz do nar-
rador mostra-se bastante culta, ajuizando o diálogo entre as 
personagens, no segundo, a voz narrativa da personagem, 
contando o que se passou entre ela e a cartomante, já é bas-
. "' t ante 1ngenua. 
Em seguida, vem o diálogo entre Rita e Camilo. Observe 
que não aparece a voz do narrador. Na verdade, ele cria a 
· usão de que desapareceu, escondendo-se por trás das per-
sonagens que dialogam. Não temos nessa cena uma atitude 
narrat iva por parte de Rita: ela apenas vivencia a cena. 
Como se observa, o foco da narração não é fixo: oscila 
.._..._nsta temente. Entretanto, cada narrativa vai ter um foco 
a dominante, que circunscreve e delimita os demais. 
m e~ do dramaturgo inglês William Shakespeare. 
25 
No caso, é dominante o foco que aparece no primeiro pará-
grafo - um foco onde o narrador domina totalmente o universo 
ficciona l, podendo limitar o seu ângulo de visão ou não, de-
pendendo do suspense que quer provocar no leitor, no relato 
da história. . 
Observe-se, também, que a mudança de foco não se re-
veste apenas de um sentido formal, deixando a história mais 
próxima ou mais distante do leitor, que a observa diretamente 
ou com intermediários ..(os ~ chamados mediadores da narrati-
~ mn r ur • 
va). Quando muda v mediador, os fatos são filtrados por uma 
forma diferente de cOflsc-iência narradora, com im-plicaÇões de · 
conteúdo. Os fatos são selecionados e interpretados de acordo 
com . p modo de pensar a realidade dos narradores (que 
escrevem com o verbo na terceira pessoa do singular), das 
personagens narradoras (que se valem da primeira pessoa do 
singular) ou das personagens que vivenciam uma cena. 
O foco narrativo é também chamado de ponto de vista, 
visão da narrativa, perspectiva narrativa, aspecto da narrativa, 
etc., dependendo do crítico ou da tradição crítica. No Brasil são 
mais comuns as designações foco narrativo e ponto de vista . 
su O E CENA • • . 
• 
C:orre su ár·o na narrativa quando o narrador apresenta 
s fa--s e a-a."'-'1.,.<-J··S a is~ó r;-' a q;.1e nos conta . Ao nível da his-
- -
-
.-1. cena : ..... '"' 
de form a reduzida; no 
,.,.,.. . "" c _ .... a~a,..:::.;~e com urna duração 
-
. -e IS C rs ar;ra - e ...,..... 8 
co r r e n o p I a n o d a · s o a a a ra a ""'e """a .., -
rat ivo o narrador apresenta os fat s, a ce a e e s representa 
Na cena o narrador cria a ilusão de que a se ê c a a rrar a 
dos diálogos ocorreu tal como ele as registra as, na verdade 
é ele quem as conduz e pode interromper o dia logo quando lhe 
interessa r. 
Não obstante, esse controle do narrador é mais discreto 
por trás das personagens que se transformam em seus atores. 
Ele introduz pequenos indicadores cênicos sobre os lugares 
onde se encont ram as personagens, e rápidos comentários 
sobre elas. Nesses momentos há dramatização do relato e o 
gênero narrativo se apropria de um modo de representação 
que é próprio de outro gênero, o dramático. Os fatos são dis-
postos como se nós estivéssemos assistindo a uma peça de 
teatro, com a ação sendo conduzida através das falas e re-
presentações das personagens. 
26 
A TIPOLOGIA DE NO FRIED ' 
O crítico norte-americano Norman Friedman em O ponto 
de vista na ficção: o desenvolvimento de um conceito crítico 
estudou o foco narrativo em textos marcantes das literaturas 
ocidentais e chegou à seguinte conclusão: na história dessas 
literaturas, cada vez mais, o narrador, ao contar uma história, 
sabe menos. 'O narrador mais ar1tigo conhecia em profundi-
dade tudo o que relatava. Comportava-se como um pequeno 
deus na história: estava em todos os lugares e aju·zava todos 
" 
os fatos que apresentava. A medida o ue s afastam os dos 
tempos iniciais da narrativa e entramos em nossa época o 
narrador vai limitando seu ângulo de visão e caca vez ais v ai 
desaparecendo do relato da história. 
Para Norman Friedman, a narrativa caminha, então] de 
uma predominância no modo de apresentação na forma de 
sumários para uma ênfase no modo de representação cênica. 
Com base nesse estudo estabeleceu uma tipologia de focos 
narrativos. Essa tipologia segue esse caminhar das literaturas 
ocidentais, de um modo de apresentação predominantemente 
sumarizado para o cênico: 1) Onisciência do autor-editor; 2) 
Onisciência neutra; 3) 11Eu" como testemunha; 4) ''Eu" como 
protagonista; 5) Onisciência multisseletiva; 6) Onisciência se-
letiva; 7) Modo dramático; 8) Câmara. 
1) Onisciência do autor-editor 
O narrador comporta-se como um deus em seu universo 
ficcional: está em todos os lugares e em todas as épocas. 
Conhece o que está dentro das personagens (seu mundo in-
terior) e o seu contexto histórico. Este narrador aparece com 
uma voz narrativa em terceira pessoa e tem toda a liberdade 
para narrar, adotando todas as posições possíveis: por dentro 
ou por fora da personagem ou enquadrando-a em relação aos 
acontecimentos indicados na narrativa. 
Além de tudo conhecer e de ter a máxima liberdade 
possível para escolher como contar os fatos,, esse narrador 
ainda interfere na história, com comentários. As vezes esses 
comentá rios se tornam verdadeiros ensaios sobre matéria fi -
losófica, social, etc. Por isso, por se intrometer de forma 
arcante na história que conta, esse narrador é chamado de 
intruso a Literatura Brasileira, o grande escritor que se valeu 
e P a guio de visão foi Machado de Assis: 
nYeniente ao romance que o leitor ficasse muito 
~ :31L1ber quem era Miss Dollar. Mas por outro lado, sem a 
.:.'1iss Dollar, seria o autor obrigado a longas di-
heriam o papel sem adiantar a ação. Não há 
ou apresentar-lhes Miss Dollar. ( · · ~Iiss Dollar''. 
· ."\!achado de Assis. Rio de Jane·ro, Jackson 
-
2 
Como se observa, o narrador dirige-se ao leitor. E, em-
bora
não pretendesse fazer digressões, faz uma pequena di-
gressão. O narrador assume-se como editor do ·texto, no 
sentido de quem organiza o texto para a publicação, isto é, o 
autor-editor. 
2) Onisciência neutra 
O narrador é onisciente, domina todo o universo ficcional, 
mas procura criar a ilusão de que não interfere na história. Este 
foco diferencia-se do anterior pelo fato de que o narrador não 
faz intrusões, isto é, não faz comentários explícitos. Para o 
leitor, a presença desse narrador de terceira pessoa é evidente, 
só que ele não interrompe o relato para colocar os seus pontos 
de vista críticos. 
A onisciência neutra deixa no le~tor a impressão de que a 
história se desenvolve por conta própria: 
Desceu do trem nessa manhã. Passou pela plataforma e cami-_ 
nhou em direção à rua. Depois começou a andar _mais calma-
mente, deixando que as pessoas saídas da estação, apressadas, pas-
sassem. Atravessou a rua paralela à fábrica e parou na esquina. 
Uma tumultuosa multidão estava junto ao prédio, sobre a calçada, 
como em um antigo ajuntamento popular - há muito tempo que . 
não se podia fazer esse tipo de m anifestação. Ali, as pessoás exi-
giam qu~ se abrissem os portões da fábrica para que entrassem. 
_ TOB..:-\. .Roni ::ai er. ··f ilhos do medo". In: Crônicas da vida ope-
~ .. -~- · o "' c:_ o o \rro. 979. p. 154) 
E ocalizando o que ocorre 
· scienteor e le é ~ ,. ... _ -
-
-
--. .. g eve a 
ão se a ~a12e'" es~~ e ~ -
a M a se desenvo ve o :e :J o a . .,.. . 
ando se intensificaram as ma · esta -es cas 
-
sonagem que o narrador focal iza não e esse a a e -
menta. E a ~~neutralidade" do narrador é apare te: na verdade 
ele adere ao ponto de vista dos operários, quando os coloca 
como llpessoas" a exigir a abertura dos portões. Se seu ponto 
de vista fosse contrário, ele os rotularia de /'baderneiros", 
11Vândalos", ~~subversivos", etc. 
3} 11Eu" com·o t estemunha 
, 
E um foco de primeira pessoa, onde o narrador é uma 
personagem de menor re levo e que re lata fatos ocorridos com 
a personagem central ou personagens centrais. Este foco é 
mais limitado que o anterior: o narrador só consegue narrar o 
que viu ou pesquisou, não conseguindo penetrar na cons-
28 
-
ciência das personagens. Um bom exemplo de uma narrativa 
com foco predominante 11Eu" como testemunha é o romance 
A cidade e as serras, de Eça de Queirós: 
-
Então o meu Príncipe, sucumbido, arrastou os passos até ao 
seu gabinete, começou a percorrer todos os aparelhos com-
pletadores e facilitadores da vida- o seu telégrafo, o seu telefone, o 
seu fonógrafo, o seu radiômetro, o seu gramofone. o seu microfone, 
a sua máquinà de escrever, a sua máquina de contar. a sua imprensa 
elétrica2, a outra magnética, todos os seus utensílios, todos os seus 
tubos, todos os seus fios ... Assim um suplicante percorre altares de 
onde espera socorro. E toda a sua suntuosa mecânica se conseryou 
rígida, reluzindo frigidamente, sem que uma roda girasse, nem uma 
lâmina vibrasse, para entreter o seu senhor. (In: Obras de Eça de 
Queirós. v. I. Por to, Lello & Irmão Ed ., s.d. p. 419) 
Percebe-se o ponto de vista da personagem narradora (Zé 
Fernandes) que narra a vida de seu amigo Jacinto de Tormes, a 
quem chama de ''Meu Príncipe". Zé Fernandes é um pro-
vinciano e não aceita os inventos- para ele, são instrumentos 
frios, que entediavam as pessoas. Observem-se as apreciações 
dessa personagem, ao filtrar os acontecimentos de acordo com 
sua perspectiva: ele vê Jacinto como um suplicante, diante dos 
aparelhos mecânicos, que não se sensibilizam. 
4) 11Eu" como protagonista 
O narrador, neste caso, é o protagonista da ação: ele 
conta, em primeira pessoa, fatos relacionados com ele mes-
mo, tal como os vivencia ou vivenciou. Se no foco anterior o 
narrador podia circular em torno da personagem principal e 
contextualizar as suas ações, neste, o ponto de vista localiza-se 
num centro fixo, o da personagem protagonista, registrando 
suas percepções, sentimentos e pensamentos: 
Era um menino triste. Gostava de saltar com meu- p ....... - ""'""',.,; 
fazer tudo o que eles faziam. Metia-me com o: !TI e _ 
parte. Mas, no fundo, era um 1nenino tri e _ o-:-r 
pensar comigo mesmo, e solitário a _..· ...... 
da horta, ouvindo sozinho a can r· p:r;:-"~.'Sí~ 
do. Menino de engenho. 1 . ed. Ri 
pp. 65-66) 
O narrador já adulto escreve so e _. = 
ponto de vista se divide: por um lado, escre e _ 
-
I 
-
-
eu 
I to 
....,. ...... -.... u ava em sua residênc·a. rta princ· -: -
:a..,.., ... ,~. ~ -.=.os os principais inventos ae sua ép8~ 
-3 de Paris 
29 
' 
que analisa o seu passado. Sua visão é, pois, amadurecida. Por 
outro, a coerência do relato obriga-o a se limitar ao que a 
criança podia sentir ou perceber. 
Com esse tipo de foco, quanto mais o narrador se 
aproximar do tempo em que conta a história, isto é, quanto 
mais próximo estiver dos acontecimentos re~atados, menor 
será o amadurecimento de sua visão. No caso mais ex-
tremado, ele pode contar os fatos à medida que os vive. Se o 
narrador morrer, termina a história ... 
5) Onisciência multisseletiva 
Para Norman Friedman, este foco, como o próximo, -só 
ocorre com o discurso indireto livre. São focos que dramati-
zam a consciência das personagens: temos aí o registro de 
suas percepções, pensamentos e sentimentos como eles estão 
sendo produzidos, sem resumos do narrador. Convém obser-
var que nos focos de onisciência anteriormente mencionados 
o narrador também penetra na consciência das personagens, 
com a diferença de que o faz através de resumos. 
Como dissemos, à medida que expomos a tipologia de 
Norman Friedman, cada vez mais nos afastamos da ênfase nos 
s· ár':s arrativos em função da representação na forma de 
sel"'' as. este foco., ter.; os f/cenas" interiores das personagens. 
E ae"" · e ..,o ·sc·ê c·a" porque o narrador penetra no 
.. 
..... 
a a e s ·e ale rão f i ltra o que encontra: 
=-= =~ - : .... ~e 1Ii en os são registrados 
,. _ __._... ..... - ::::-~:: e orrr a caótica/ sem 
-
... _ -= a ical de dis-
.. .. 
-
... - -- -
• -~ -
--
-Jtl-- :arme to 
as as 
~a o·s, neste casa .... a r -
s agens: múltiplas percepções s e esr-- _a 
exempl ificar, observe a focalização do assun o - o z a e ...... -
de uma personagem do conto ~~versões sobre um z a-
menta", da coletânea Quando fui morto em Cuba, de Roberto 
Drummond: 
la versão 
(como o homem que fuzilou 
podia contar) 
( ... ) 
Ele agora guarda a garrafa de uísque no bolso. Toma três goles 
e guarda. Guarda e ... cl!tando o samba. Escutando o samba e cha-
mando a árvore maora de :Maria. Eu rezo para santa .Genoveva. Rezo 
e puxo o gatilho do fuzil. · 
( ... ) 
3() 
' 
2a versão 
(como a mulher do homem ' 
que fuzilou podia contar) 
( ... ) 
Ele sabe que vai morrer. N"a solidão da mata Yai morrer. Es-
cutando um samba de carnaYal yai mon-er . ... Ieu marido grita no 
gramofone. Grita e atira ( ... ) Os tiros espantam o bem-te-\i e meu 
marido reza ( ... ) Meu m arido atira rezando . Para o _<fen~no Jesu de 
Praga. -
( ... ) 
3 a versão 
(como o homem que foi 
fuzilado podia contar) 
( ... ) 
Eu desligo o samba no toca-fitas. Fica este silêncio na mata. Só 
as batidas do meu coração. E este bem-te-vi cantando. E ele me olha 
pela mira do fuzil. Ele limpa a mira com um pedaço de pano . 
Pedaço de pano amarelo do vestido da mulher. Ele olha na mira. 
Olha e vê a mulher dele descalça. Vê a mulher descalça e reza uma 
Ave-Maria. Meu pai reza duas Ave-Marias para o patrão. Uma no 
~lmoço. Outra no jantar. Mesmo que não tinha jantar. (São Paulo, 
Atica, 1982. pp. 59-66) 
6) Onisciência seletiva 
A diferença, em relação ao tipo anterior, é que temos, 
neste caso, a focalização da consciência de apenas uma per-
sonagem: o leitor só conhece
suas percepções, sentimentos e 
pensamentos. Observe, nesse sentido, o ponto de vista cen-
tralizado em Ana, personagem do conto l/Amor", de Clarice 
Lispector, que fixa os horrores do universo doméstico e da 
condição feminina: 
Mas a vida arrepiava-a, como um frio. Ouvia o sino da escola, 
longe e constante. O pequeno horror da poeira ligando em fios a 
parte inferior do fogão, onde descobriu a pequena aranha. Carre-
gando a jarra para mudar a água - havia o horror da flor se en-
tregando lânguida e asquerosa às suas mãos. O mesmo trabalho 
ecreto se fazia ali na cozinha. Perto da lata de lixo, esmagou com o 
... forrrüga. O pequeno assassinato da forrriga. O mínimo corpo 
~,.,.. .. _-\s gotas d'água caíam na água parada do tanque. O s be-
e: 
e verão. O horror dos besouros inexpressivos. Ao redor 
......... vida silenciosa, lenta, insisten te . Horror, horror. (Laços de 
~- Rio de Janeiro, José Olympio, 1977. pp. 27-28) 
;;> .;;J a passagem, uma dramatização da consciência de 
e seu ponto de vista, o leitor penetra nos hor-
a mundo doméstico - um tema recorrente em 
e ficção de Clarice Lispector. Todos os fatos 
sonagem são filtrados por seu ponto de 
3 1 
r--- ------ - --
7) Modo dramático 
Com o modo dramático, desaparece a figura do narrador. 
Lemos o texto como se estivéssemos assistindo a uma peça de 
teatro: aparecem apenas os diálogos entre as personagens e 
os marcadores de cena, que situam essas personagens no 
espaço. O modo dramático aparece com freqüência associado 
a outros focos, constituindo os diálogos da narrativa. Como 
exemplo, leia este fragmento de IJConversinha mineira", de 
Fernando Sabino, uma crônica inteiramente desenvolvida no 
modo dramático: 
_, 
- E bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo? 
- Sei dizer não senhor: não tomo café. 
-Você é dono do café, não sabe dizer? 
- Ninguém te_m reclamado dele não senhor. 
-Então me dá café com leite, pão e manteiga. 
- Café com leite só se for sem leite. 
- Não tem leite? 
-Hoje, não senhor. 
- Por que hoje não? 
- Porque hoje o leiteiro não veio. 
- - Ontem ele veio? 
- Ontem não. 
- Quando é que ele vem? 
' 
- Tem dia certo não senhor. As vezes vem, às vezes não vem. Só 
que no dia que de·Feria vir em geral não vem. 
- .: foFa tá e cri te '{Leiteria" ! 
••• 
-
-
-
-
-
.. 
• 
- E_tá bem. oce ............,.. 
Apud Para gostar d 
8) Câmara 
-
-
-
e: de qrrê? 
,....-:u.~ é eita a 
-
- -
Este último tipo de foco corresponde à m a·or exclusão do 
narrador. Para Norman Friedman, este foco é arbitrário, como 
uma câmara cinematográfica: não haveria seleção de imagens. 
Lígia Chiappini de Moraes Leite, em O foco narrativo, discorda 
dessa arb;trar\edade. Na verdade, o foco cr\a a impressão de 
que o autor desapareceu, mas ele está po( trás dos aconteci-
mentos aparentemente arbitrários. De acordo com a crít ;ca, 
Esta categoria fisto é, o foco câmara) serve àquelas narrativas 
que tentam transmitir flashes da realidade como se apanhados por 
u:rna câmara, arbitrária e mecanicamente. ( ... )' A câmara não é 
neutra. No cinema não há um registro sem controle. mas, pelo 
contrário, existe alguém por trás dela que seleciona e combina, pela 
32 
montagem, as imagens a mostrar. ( .. . ) Bom exemplo da "câmara" , 
( ... ) pode ser o livro de Ricardo Ramos, CiTClúto fechado, pelo menos 
em contos como o de ll0 4 que começa assim: 
Ter, haver. Uma sombra no chão, um segur:J qu .. s deSialoriwu, uma 
gaiola de passarinho. Uma cicatriz de operaflic na a e rnnis cinco 
invisíveis, que doem quando chove. Uma lâ1npadn ~ uni cachorro 
vermelho, uma colcha e os seus retalhos. L1"n; erti - . · .z "lTaJias não 
aquele álbum. Um canto de sala e o livro m.at·cr..&<.\A ;..: 
E prossegue mais ou menos da me Á u,,._._ 
enumerações que, no seu conjunto, sugere_ 
passado extinto, espanto com o temp~ 
'\jda em rascunhQ, sem tempo de passar a w= 
Atica, 1987. pp. 62-66) 
33 
-
• 
I 
• 
• 
' 
' 
\ 
, 
, 
ação integra-se, enquanto estrutura da narrativa, no do-
mínio da história, isto é, do un iverso f iccional evocado 
pelo texto narrativo. Uma história pode se desenvolver 
através de uma ação centrai..Ações subs"d iárias podem inter-
correr nessa ação central, produzindo e "e' s uanto ao de-
senvolvimento da história. No cont , a a~:-ão t.., de a aparecer 
de forma una e concentrada, sem -ssas -:e orrências. No 
romance, são comuns e variadas as · ·e~- c::: 5~-S e inhas de 
-açao. 
No romance A ilustre casa de ã,.-.. .... _ _ = Q e"rós, 
por exemplo, há duas linhas narrat· ~ 
mesmo tempo. A primeira é a vida .c 
e ao 
e es 
Ramires, a personagem prota g a ~ s _a 
-
a de Trutesindo Mendes Ramires ~ - w.;: ... =L~;::lc: 
A forma encontrada por ca 
dramaticamente as duas rn as 
próprio Gonçalo escreve u a 
Ramires, em que conta a ·s a 
Gonçalo ao escrever a nove a 
modo, o leitor vai to ma d 
sindo e estabelece relac -es .._ ..... . ~ 
, 
cura na história do a e a.~a 
coragem. Sua libertaçã a 
tude similar à de Tru e 
narrador. 
-PROJEÇ ES 11 
NO DISCURS 
A ação press 
desenvolvem rum 
minhar ao curso 
lação aos fatos d 
• I " ti 
em sequenc1as o 
ação podem se 
valorizadas, a e 
discurso narr · 
escamotead 
não for co s ......... ~ 
Com 
narrat"vo 
destaca-~ 
discursi a 
-
a 
fatos pa a ~ - ......... 
. , 
t1va: o c max 
pio, um assas 
sobres uas ........ 
e 
es 
...... ,,,,,. ••11!1• lllf, .• ,,,,, 
' "'' "li 
' ' ' 't 
-
... ' "' •\ 
11 I o I ' 
-
-
""" - -
- que a 
esse ca-
--~.es em re-
.,. a narrativa 
eu üências da 
- o . Quando 
amento do 
- resumido ou 
arte da história 
a arece no discurso 
as do narrador, que 
os. Um a estratégia 
..., esca otear certos 
portante da narra-
~ 
ec ,.._e por exem-
te pa a a reflexão 
ocio "t icas .. ele pode 
-
,.. 
... 
ser relatado por várias personagens. Neste caso, no plano da 
ação (história) ocorre uma unidade narrativa (o assassinato), • 
mas no plano do discurso narrativo podemos ter vários relatos 
de personagens (isto é, várias unidades discursivas). 
-CORRELAÇOESENTRE 
CATEGORIAS NARRATIVAS 
Essas projeções da história no discurso serão estudadas 
no capítulo sobre o tempo na narrativa. Para exemplificar es-
sas projeções, releia o exemplo da onisciência multisseletiva, 
no capítulo anterior. Como você deve ter observado, na análise 
literária, uma categoria narrativa implica outra. 
Observação: estamos utilizando neste livro as categorias 
história/discurso. Elas correspondem à dicotomia fábula/in-
triga, ou ainda história/narrativa. Na crítica anglo-americana, 
utiliza-se o conceito de plot, que seria semelhante ao de in-
triga. ·: 
-o 
â s 
-s: ~ a t: s -e~ d a cc e 
- e s . a e se est e r e n 
se o vimento da ação. Se 
um gráfico de suas tensões, 
r ativa. 
ode ter suas expecta-
""~~~tí"ll'l í rr ente da 
e os 
e-
.. 
--- -~ 
Assim, numa estrutura mais tradiciona , a e são pode se 
mínima nos segmentos narrativos iniciais, q ando temos a 
apresentação da história. A tensão certamente subirá quando 
ficar configurado qual o conflito ou trama que será desenvol-
vida (o nó da intriga). Cada complicação da história também 
poderá trazer maior tensão ao leitor. Dessa forma, no gráfico, 
teremos pontos de alta ou baixa tensão, confluindo o desen-
volvimento da história para o ponto de mais alta tensão, o 
• 
clímax. Em seguida, a tensão cai no desfecho. Há histórias que 
começam in media res, isto é, no meio das coisas, diretamente 
na configuração' do conflito (nó da intriga) que será desen-
, 
volvido. Só depois é que teremos a apresentação. As vezes, 
em especial nos contos de enigma, o cl'max pode coincidir 
com o desfecho. 
36 
-
- -
Vejamos o gráfico
de uma· estrutura narrativa tradicional, 
na qual a estratégia discursiva direciona-se para propiciar um 
' impacto no leitor, a ocorrer no clímax da história: 
15 
14 
13 
12 
11 
10 
9 
Eixo da tensão 
dramática (efeito 
no leitor) 
• 
• 
• 
8 ---------------------- -- -----------------m 
7 -------------- --- ------ - - ----------- ---
. 
I h 6 - - ----- ----------- _...,... 
5 
4 
e 3 - - - - - - - ---- - - - -- - J. - - -- -- - - - -~ 9 I 
o 
..... 
tJ 
I 2 -------- -------- --~------f I j 
1 I 
I 
Eixo do 
desenvolvimento 
da narrativa 
• 
• 
• I 
I 
I 
I 
I 
I 
::---- Desenvolvimento---------;, 
I I 
I I 
I I 
I 
I 
I 
I 
I 
I 
I 
Apresentação Desfecho 
Observações: O aluno pode fundamentar as razões do 
aumento, manutenção ou diminuição da tensão dramática, 
colocando no quadro quantas seqüências julgar convenientes 
para caracterizar os níveis de tensão da narrativa (cada letra 
corresponde a uma seqüência). Observe que a letra d, ao final 
da apresentação, corresponde ao nó da intriga (configuração 
do conflito que será desenvolvido); a letra o, no caso., indica(a 
o clímax desse conflito; e a letra P o desfecho, com a -
minuição da tensão máxima ating·da o c , a--.. 
I 
TEXTO CRmCO 
ferênc~a 
e, an e 
. -gta. _ e ... ;:>~ .......... 
concebe 
vendo 
-
esuate-
e -e 
---~· ....... __....... · . pre-
... ~- ade-
quado e --~~ tingirem 
objeti? ,..,..~.~ ......... ·4. ...... e.. e e""' e .rza o -~--~ __ edade no 
âmbito --em ...... tar estratégia ..., ... _ ~a-se pre-
senteme.n e o freqüên a n.~..., ................ ~agens d ~,IJ .... ~ e da polí-
37 
' 
tica, bem como na metalinguagem 1 dos estudos literários e lin-
.. "" . guiStlCOS. 
As estratégias narrativas serão, pois, entendidas como ( ... ) 
procedimentos que, condicionando diretamente a construção da 
narrativa, se destinam a provocar junto ao narratário2 efeitos pre-
cisos ( ... ). Para atingir os objetivos que persegue, o narrador opera 
com códigos e signos técnico-narrativos3, também suscetíveis de 
serem sugeridos por imposições periodológicas: uma certa organi-
zação do tempo 4 ( ... ), o destaque conferido a certas personagens em 
prejuízo de outras, a orquestração de perspectivas narrativas5, e tc. 
Tomemos como exemplo o que se passa nas Memórias póstumas de 
Brás Cubas, de Machado de Assis: tanto a colocação post-mortem do 
narrador (ocasionando uma evocação desencantada da vida passa-
da), como sobretudo o registro autobiográfico e memorial ( ... ) 
concretizam estratégias narrativas que projetam sobre o narratário 
(o ''leitor' ' a quem Brás Cubas tantas vezes alude) a amarga ironia 
que domina o relato. (REIS, Carlos & LOPES, Ana Cristina M. Di-
, 
cionário de teoria da narrativa. São Paulo, Atica, 1988. pp. 109-111) 
• 
Comentário: A projeção da história no discurso depende 
das estratégias do narrador. Como indicamos neste capítulo, 
ele pode destacar, resumir ou esconder os fatos que nos 
apresenta. Numa narrativa policial, por exemplo, ele pode 
valer-se da estratégia de esconder a nomeação da autoria de 
um assassinato~ para revelá-la num momento mais propício, 
ganf:al"" o ass·m a atenção do narratário até o final do relato. 
Co rro cê eve ~er -ce'"cebido, sem essas organizações do 
disc rs a s .o ... ·a erderia boa parte de seu inte-
ress~. 
,_a.,.r-z:dru ~arnbér!l revelam a 
-
-
-
.... 
-
-
,.... 
a 
ad s efe· os ar a a - aa : 
estrateg icamente as categor·as aa 
expectativas desse leitor-mede o. 
-&3 'dade. Esse 
- a a 
~­
-
......... 
1. Linguagem da crítica: uma linguagem focalizando outra linguagem {um 
texto literário, por exemplo). 
2. Leitor-modelo, implícito na organização da narrativa (estudado anterior-
mente). · 
3. Isto é, organiza as categorias da narrativa (foco narrativo, ação, persona-
gens, espaço e tempo . 
4. Um retrocesso (flash-backt por exemplo, pode esclarecer um determ·nado 
comportamento de ~ma personagem. 
5. O narrador combina a sua voz narrativa CO":' a das personagens. Por 
exemplo, ele pode usar uma personagem para cesdizer a outra. 
38 
-
-
- "" 
-
' 
, 
, 
• • • 
• • 
PESSOA E PERSONAGEM. 
conceito de pessoa refere-se ao indivíduo pertencente ao 
espaço humano, enquanto personagem refere-se à per-
sona (máscara) da narrativa. A personagem é um ser 
fictício, que se refere a uma pessoa. Na arte dramática (teatro, 
cinema, televisão) e na literatura essa pessoa é construída de 
acordo com as formas específicas de cada uma dessas mo-
dalidades de representação. Historicamente, personagem era 
a representação da pessoa no teatro; posteriormente, por 
analogia, essa categoria passou para a literatura. 
, 
A personagem da narrativa não é, pois, a pessoa. E um 
ser fictício que representa uma pessoa. Para o crítico francês 
Roland Barthes, ela é um ser de papel, e não um indivíduo de 
carne e osso. Poderíamos acrescentar o seguinte: a persona-
gem é um ser construído por palavras. 
-CARACTERIZAÇAO DA PERSONAGEM 
Esse ser fictício, ao curso da narrativa, pelo fato de ser 
construído por palavras, recebe todo um sistema de pre-
dicação. Isto é, o discurso narrativo expresso nas palavras que 
f e mos no texto atribui à personagem uma série de predicados, 
conforrr.e o que essa personagem fala/pensa; o que outras 
persorage s o narrador dizem dela; e de acordo com o que 
ela ta ... e a 'stór"a. Podemos formalmente reduzir 
esses r ........ - a e ;a-f ·ou os referentes a um 
, -
~ ...... 
- "?'i' 
..... ,.u :% 
-e:e ma a a a a 
-age e co i g~ ada a a 
Luís é 
• 
., 
• 
moreno 
alto 
bonito 
, . 
opera no 
--i solidário 
consciente 
• 
corajoso 
so litá rio 
amoroso 
• 
• 
• 
~':"" - ~ a 
-
::: 
- ESsa -
-
es .-. fiY?• :lJ 
características físicas 
, . . . 
caractensttcas soc1a1s 
caracte rísticas psicológicas 
• 
40 
• 
I 
A predicação é direta quando a informação sobre a par-
sonagem vem através da voz do narrador, de outra persona-
gem ou pela própria voz dessa personagem. São informações 
explícitas, que não requerem dedução por parte do leitor. Já a 
predicação indireta envolve interpret ação: a partir da ação e 
das falas/pensamentos das personagens o leitor deve deduzir 
como a, personagem está sendo ca racterizad a. 
PERSONAGENS SIMPLES E COMPL~ s 
A economia da narrativa pede, para a caracterização de 
personagens mats simples, uma forma de construção mais 
rápida e direta. As vezes, a personagem reduz-se a apenas 
uma frase do tipo "João é um camponês" (no desenvolvi-
mento da narrativa essa personagem nã9 vai ser outra coisa, 
apenas um camponês). Uma personagem secundária, em face 
dessa economia da narrativa, costuma apresentar caracterís-
ticas redundantes, não modificando seus poucos atributos. 
Sua tendência é não evoluir, mantendo-se, assim, dentro de 
um sistema estático de atributação. Se uma personagem é 
''boa", ela permanecerá com esse atributo no decorrer da 
narrativa, com ações bastante previsíveis, confirmando sua 
"bondade". 
. De forma equivalente, também é o que ocorre com per-
sonagens centrais de narrativas de consumo de massa como, 
por exemplo, nos filmes em série da televisão: os traços do 
herói já são conhecidos e, em cada novo filme, ele vai con-
firmar os mesmos traços. Assim, ele sempre aparecerá em 
situações que confirmarão o fato de ele ser "corajoso", 
"justo", etc. - um comportamento previs~vel. 
Em relação a personagens mais complexas, a tendência é 
opost a., a de uma predicação imprevisível: o discurso narrativo 
coloca-as numa rede de traços caracterizadores em que muitos 
deles se epetem e outros se modificam, às vezes de forma 
ambf~g a. Se o herói num determinado momento é ' 'corajoso", 
noutro ·á e ·covarde";
se é 'Jpacato", logo depois se trans-
forma e se r a .~~vio lentou , etc-. Dessa forma quanto mais 
ambíg ua ; a edicação, mais complexa tenderá a ser a 
personage~ a e t retanto, limites para essa ambigüidade: a 
consistência da caracterização faz com que certos traços per-
maneça c:J a sformação de outros. As transforma-
ções de e"?"' re ação a uma lógica interna 
do rela+o asf ca, por exemplo, num 
exemplo e s stência interna a transfor-
mação de a em uma borboleta . 
... 
-
-
PERSONAGENS PLANAS E REDONDAS 
As personagens simples e complexas foram classificadas 
por E. M. Forster, em Aspectos do romance, como persona-
gens planas e redondas, respectivamente. Como vimos, as 
personagens simples são estáticas, elas não se transformam. 
Forster argumenta, nesse sentido, que vem dessa estaticidade 
o fato de essas personagens permanecerem por mais tempo 
na memória do leitor, constituindo os tipos. Por exemplo, a 
personagem Luísa, de O primo Basílio, de Eça de Queirós, 
pode ser classificada como uma personagem plana. Ela é o 
tipo da mulher burguesa da região central de Lisboa, na se-
gunda metade do século XIX. 
Na análise literária não basta, entretanto, que nos res-
trinjamos a essa simples classificação, apontando apenas se 
uma personagem é plana ou redonda, se constitui ou não um 
, 
tipo social. E necessário que ela seja vista em sua construção 
de forma comparativa com outras personagens. Assim, uma 
personagem caracterizada como plana (ou redonda) pode ser 
mais ou menos plana (ou redonda), conforme a previsibilidade 
ou não de seus atributos. Essa classificação entre plana e re-
donda depende também da experiência do leitor. Por isso 
parece-nos conven iente que a personagem seja comparada 
com out ras personagens da narrativa, para que possamos 
drsc~!ir se sua construção foi adequada, tendo em vista a 
função -.4e era aí desempenha. 
p s ara exemplificar a personagem plana, um 
tipo social e E ~- e eirós - u'sa/ de O primo Basílio. Ela 
:ro· :_ ~ e ma burguesia su.perf icial, 
- . 
-
-
age 
. , . 
-~- - ~r: ;.JJ ::: p e s ve ~ com o o seu 
............. -=:::::.m s - ""eende ... quando 
':; - e e e a~ do 
.. .., 
-
:xa, de e fi gurar en re as ars -..a~ e s -
E a é imprevisível e suas pred'cações e a 
apresentar complexidade psicológ ica, a pers age 
pede focalizações internas, seja dela própria ou d e o as 
, 
personagens que a observam. E o caso de Capitu, de Dom 
Casmurro, de Machado de Assis, observada pela personagem 
narradora Bentinho, seu marido. Note a subjetividade de 
Bentinho, quando ele tenta definir os olhos ... de Capitu: 
Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, 
' 'olhos de cigana oblíqua e dissimulada' '. Eu não sabia o que era , 
oblíqua 1, mas dissimulada sabia, e queria ver se se podiam chamar 
• 
' 
1. Ardilosa. 
42 
-
' 
assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que 
era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura 
eram minhas conhecidas. A demo~a da contemplação creio que lhe 
deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para 
mirá-los de perto, com os meus olhos longos. con -rantes. enfiados 
neles,. e isto atribuo que entrassem a ficar cre cidos crescidos e 
sombrios, com tal expressão que .. . 
Retórica de namorados, dá-m e uma comparação exata e poé-
C) 
tica para dizer o que foram aqueles olhos de CapinL ~ -ão me acnde-
imagem capaz de dizer, sem quebra d a dignidade do estilo; o que 
eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. E o que 
me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido m is-
terioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a 
vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arras-
tado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos 
cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pu-
pilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava3 e escura, amea-
çando envolver-me, puxar-me e tragar-me. (São Paulo, Editora Três, 
1974. pp. 64-65) 
Comentário: O ponto de vista subjetivo de Bentinho e 
seus sentimentos em relação a Capitu impedem-no de uma 
caracterização mais clara e direta de como seriam os olhos 
(isto é, a personalidade) de sua amada. Ao procurar compará-
los com a ressaca, sem deixar de considerar o ponto de vista 
de José Dias (''olhos de cigana oblíqua e dissimulada"), ele 
constrói uma imagem ambígua e mais complexa de Capitu. A 
predicação torna-se mais implícita. E, sob esse aspecto, os 
olhos de Capitu seriam devoradores, vorazes e arrebatadores, 
como as perigosas vagas do mar em dia de ressaca. 
""" FUNÇOESDASPERSONAGENS 
As personagens interagem, no desenrolar da história, 
desenvolvendo, entre si, alianças ou confrontos. Essas rela-
ções são variáveis, modificando-se conforme a parte da nar-
rativa considerada: numa determinada passagem/ uma per-
sonagem encontra apoio em outra personagem; essas re-
lações podem se modificar depois, num segmento narrativo 
subseqúe te. Tais relações, em que as personagens entram 
em alia ças o confrontos, são motivadas pelas funções que 
as persa age s exercem na narrativa. 
2. Ocorre. 
3. De forrr. a .;..-....,.. -
-
- -
43 
As personagens podem ser classificadas conforme essas 
funções. Embora as funções ocorram entre uma personagem e 
outra, independentemente de sua importância, a classificação 
a seguir - por razões práticas e didáticas - restringe-se à de-
limitação de funções em relação à personagem protagonista. 
1) Protagonista ou personagem sujeito 
, 
E a personagem central da narrativa, o sujeito da ação. Os 
conflitos desenvolvem-se em torno dela, que é ponto de re-
ferência para as alianças e confrontos entre as personagens. A 
personagem protagonista é o foco de interesse da história, e o 
discurso narrativo se organiza em função do desenvolvimento 
de seu conflito. Este se dá quando ela procura conseguir o 
objeto da ação, um determinado bem desejado ou temido. 
Em certas narrativas, podemos ter mais de uma perso-
nagem protagonista. Neste caso, elas podem ser subdivididas 
em personagem protagonista maior e personagem protago-
nista menor, de acordo com a importância de cada uma no 
desenvolvimento da narrativa. Para exemplificar, podemos 
citar o caso de Dom Casmurro, de Machado de Assis: a per-
sonagem narradora Bentinho - embora tenhamos sua voz 
narrativa em toda a extensão do romance - é menos im-
portante que Capitu (esta última coloca-se como um foco de 
interesse da ação mais evidente do que Bentinho). Nesse caso, · 
Capitu exerce a função de protagonista maior e Bentinho de 
protagonista menor. 
Noutras narrativas pode ocorrer o contrário: a ação pode 
pri i egiar .. urr corjunto de personagens, com traços sociais 
co u s. E e o r-e e Ga "béus, romance do ficcionista 
as s :: ' e em torno de um 
• 
e :a 
a e. E Ga ·be s. a e 
po·s, por esse coletivo. 
• • es e caso, pnvr-
,_ a erso agem 
: -essa e -
Quando temos personagens com pred ca s -
sitivos, eles podem ser chamados de heróis; se fore pre-
dicados negativos, de anti-heróis ou heróis demoníacos; se 
muito ambíguos, de heróis problemáticos. Um exemplo de 
anti-herói é Macunaíma, personagem do romance que tem o 
mesmo t ítu lo, de Mário de Andrade. O herói problemático 
ocorre nas narrativas que discutem a estrutura social, em que 
a personagem protagonista se divide entre va1ores positivos e 
negativos, com o ocorre nos romances de Graciliano Ramos, 
por exemplo. 
2) Oponente • 
, 
E uma per:sonagem secundária que coloca obstáculos à 
ação da personagem protagonistar sujeito da ação. Graças às 
44 
- - -- -
personagens oponentes é que temos o desenvolvimento de 
' 
um conflito. Um caso particular de personagem oponente é a 
antagonista: além de colocar obstáculos à concretização
dos 
desejos e objetivos da protagonista, esta personagem ainda 
disputa o mesmo objeto pretendido pela personagem prota-
gonista. Esse objeto pode ser literalmente um objeto (o te-
souro), uma idéia (uma ideologia política ou uma perspectiva 
filosófica existencial, por exemplo), uma pessoa (a amada, 
neste caso, personagem objeto, o objeto desejado pela per-
sonagem sujeito ou protagonista). Quando a personagem an-
tagonista só possui predicados éticos negativos/ eJa é cha-
mada de vilão. 
3) Adjuvante 
I 
E uma personagem secundária que auxilia a personagem 
protagonista, na busca de seu objeto. As personagens ad-
juvantes opõem-se às oponentes. Numa narrativa mais ambí-
gua ou de maior extensão, uma personagem adjuvante pode 
mudar de função, tornando-se oponente e vice-versa. Observe 
que a personagem adjuvante (que auxilia a personagem pro-
. 
tagonista a conseguir o bem desejado) não é a personagem 
coadjuvante, designação comum nas narrativas dramáticas 
(cinema, teatro, telenovela) e que se refere a um ator que de-
sempenha papel secundário. 
, 
TEXTO CRITICO 
• 
. 
Quando pensamos nas personagens que povoam a tradição 
literária e que nos tocam tão de perto que temos a impressão de 
terem existido numa dimensão que as torna imortais e capazes de 
falar eternamente das inúmeras possibilidades de existência do 
homem no mundo, tocamos necessariamen te no poder "e ca.. -
terização de seus criadores. De H omero a Pro _ 
Zola, Balzac .. DostoiéYski. Stendhal4 _ ~acha · 
-Rosa, Clarice Lispector. Eça de ~e; , ... 
• tores, no che_~u.:.~ 
escritura6 Q e 
~ -
. . -
cr1a e 1mpoe 
A sensibL.:da 
mundo e pinçar n '"""...:J; ::l!a::...-.:::. ...__ e 
o habitam realiz~""n- e 
4. Autores importantes da literat -.J '"õ """as s~ ' r a '11 modelos 
narrativos fundamentais. 
5. Autores que servem de paradig~a ; - • - ::L .... ãS e ; a ortuguesa . 
6. Discurso narrativo, considerado ã:n ..., - ........_- .... rita r te .... á ·a e não da nar-
rativa contada oralmente. 
45 
• 
Nesse mundo de palavras, nessa combinatória de signos, o 
leitor vai se alfabetizar, vai ler o mundo e decifrar a sua existência7. 
Nos olhos de ressaca de Capitu, assim como na ambigüidade de 
Diadorim e Riobaldo8, o leitor vai perseguindo, palavra a palavra, 
traço a traço, uma construção que, pelo seu encadeamento parti-
cular, garante a sua própria existência, a sua independência, 
criando os seus referentes e abrindo um mundo de leituras. 
(BRAIT, Beth. A personagem. São Paulo, Ática, 1985. pp. 66-67) 
Comentário: O escritor, ao caracterizar uma personagem, 
o faz a partir de modelos literários de sua tradição cultural. 
Essas formas verbais são assim atualizadas, de acordo com a 
época do escritor, num trabalho de modelização em que são 
importantes: os modelos da tradição, conforme indicamos, os 
códigos sociais e culturais da época do escritor e o seu modo 
de pensar a realidade. 
Não podemos nos esquecer de que a personagem é um 
ser fictício que se refere à realidade. Ou melhor, um ser fictício 
que se refere aos múltiplos discursos existentes sobre essa 
realidade (o discurso da sociologia, da filosofia, da psicologia, 
etc.). Ao construir uma personagem, o escritor incorpora esses 
discursos, pelos quais ele ''vê" a realidade, associando-os ou 
transformando-os na interação com os modelos da tradição 
l iterária. Além disso, essa personagem é construída por pa-
lavras, com um sistema de predicação, como vimos, de forma 
que qualquer característica nova concretiza-se não apenas em 
re lação ao discurso referido (da sociologia, da filosofia, da 
ps~co'ogia, e:~.,), ~as em oa·avras, onde o peso da t radição 
t , • r 
"'era a e as~a e e 
/ 
7. O leitor }}alfabetiza-se '". dominando os signos lingüísticos e os códigos so-
ciais e culturais, aprenderdo assim a Jlver/' o ~undo. · 
8. Personagens de Grande sertão: veredas, de Gt. ·marães Rosa. 
-
-
- - -
-
' 
• 
• 
' , 
es 
-~ 
' 
.. 
• 
espaço articula-se com as demais categorias da narrativa 
ao nível da história. No espaço, elas aparecem integradas 
com o lugar físico, por onde circulam as personagens e 
onde se desenvolve a ação. Num sentido mais abstrato, é 
importante que seja considerado o espaço social, a ambiência 
social pela qual circulam as personagens, e o espaço psico-
lógico, as suas atmosferas interiores. Entre os espaços físicos, 
sociais e psicológicos são estabelecidas relações ao nível do 
discurso narrativo. Por exemplo, uma personagem, devido à 
crise socioeconômica (espaço social), fecha-se num quarto 
(espaço físico), que favorece sua introspecção (espaço psico-
lógico). A atmosfera da narrativa, então, em face dessa con-
fluência do espaço físico com o abstrato, torna-se mais densa e 
pesada, caracterizando melhor os conflitos dessa personagem . 
• 
ESPAÇO E Ai\1BIENTE 
' As vezes, a crítica denomina espaço apenas o espaço fí-
sico, reservando o termo ambiente para a intersecção a.pon-
tada acima entre os espaços físicos, sociais e psicológicos. No 
ambiente, aparecem, além do lugar ·em que se desenrola a 
ação, características sociais (conceitos filosóficos, antropoló-
gicos, sociais, religiosos, etc.) da época em que se desenvolve 
a história, e características psicológicas das personagens. 
O ambiente pode refletir a atmosfera psicológica vivida 
pela personager: : a pe .. sonagem está feliz e essa felicidad ~e se 
ext'"a'.·asa a b"e ~e r,_.. J csc ·cão e uminosos ·ardins 
~ . 
co .r J es E --a e. ... ..rrl» .. a e:s .. cão pode esta,.. em 
c: 
~~--e :::t.... E 'P' _ ~ - e -
.~~ ___ ,.r. f 't , consf · do - s e 
e adoras de acontecimentos fut ros - , oo c -: ·--
para acentuar a atmosfera dramática: o ambiente esc o 
exemplo, pode ser índice de um acontecimento trágico, q e 
, . 
ocorrera a segutr. 
ESPAÇO REFERENCIAL E ESPAÇO TEXTUAL 
As narrativas referem-se a um determinado universo e a 
tendência do leitor é de "ler" esse unrverso procurando cor-
respondências com a realidade, com o espaço referencial. Essa 
preocupação natura l de perceber o texto conio llrear" não 
pode desconsiderar o fato de que há igualmente um espaço 
textual, isto é, palavras escritas que provocam no leitor o 
' 
' • ~·'A .... ~ ; : ' 0 • 
• 
I 
:... ~ U""":,n~q: ............ ~t.oa...:-
:::"·-ado "efeito do rea l". Esse efeito vem da construção da 
_ .... at!va, que, ao levar em conta o espaço referencial (suas 
es- ~tu ras e seus códigosL estabelece um espaço textual, com 
re~ras próprias. Por exemplo: do ponto de vista apenas do 
espaço referencia l/ seria incoerente ou inverossímil um indi-
víduo transforma r-se numa borboleta, o que não ocorreria 
numa narrativa fantástica (espaço textual). Na análise da nar-
rativa, essa coerência interna - de acordo com as estratégias 
discursivas da narrativa- é que deve~er levada em conta. Não 
podemos nos esquecer, entretanto, de que, no caso do 
exemplo acima, uma personagem ou uma borboleta são ·in-
dividualidades que têm referência no espaço extratextual. 
-A REPRESENTAÇAO DO ESPAÇO 
Na narrativa cinematográfica, o espaço e a ação ocorrem 
simultaneamente. Essa simultaneidade não ocorre na narrati-
va em prosa de ficção, em que o autor, para construir o espaço 
físico, precisa fazer uma descrição, interrompendo o desen-
volvimento da história. A representação da história no cinema 
é, pois, simultânea, enquanto na narrativa escrita é sucessiva. 
A representação de uma personagem em movimento (falando 
e gesticulando) num quarto, por exemplo, pode ser feita, no 
cinema, enquadrando-se, num movimento de recuo de câ-
mara, essa personagem entre os móveis e objetos desse cô-
modo. No texto escrito, haveria a necessidade de uma re-
presentação sucessiva: narração da ação da personagem e 
descrição dos aspectos físicos do quarto (dimensões,

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