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Linguistica funcional teoria e pratica - Cunha (2003)

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lingüistica funcional:
teoria e pratica
Maria Angélica Furtado da Cunha
Mariangela Rios de Oliveira
Mario Eduardo Martelotta (orgs.)
Este livro apresenta-se com quatro palavras
pesadas: IingüÎstica, funcional, teoria e
pratica. Os pesos sac ponderados nas duas
primeiras, com complicaçao para 0
intérprete habituado a lidar cam as ciências
humanas, pois a funcional da lingüistica é
distinto do funcional da antropologia. Aqui
se trata de um tipo de abordagem que
privilegia 0 contato empfrico com os dados,
sem comprometer-se com os pressupostos
do funcionalismo c1assico.
o terceiro termo, teoria, dissipa parte das
duvidas do profissional da linguagem e
das pessoas interessadas na tematica
da ecologia da linguagem. A teoria
abordada e elaborada neste livra origina-se
de uma reaçao à Iingüfstica formalista,
desencadeada na Costa Geste dos Estados
Unidos nos anos 1970, tendo camo figuras
de praa Talmy Giv6n, Sandra Thompson e,
mais recentemente, Joan Bybee. A teoria
construiu-se e constr6i-se mais em termos
reativos do que proativos, pois os
squisadores avançam num constante
rcfcio de ensaio-e-erro, a partir dos
tulados formulados por Giv6n em 1979,
sua monumental On understanding
mar. Figura/fundo, transitividade,
icidade e gramaticalizaçao apresentam-
como pedras de toque do movimento.
termo pratica é mais ambicioso e,
portanto, mais prablematico. Em sua
., primeïra acepçao, pratica aponta para as
analises empfricas de fenômenos sintaticos
Lingüistica funcional: teoria e pratica
Lingüistica funcional: teoria e prâtica
Maria Angélica Furtado da Cunha
Mariangela Rios de Oliveira
Mario Eduardo Martelotta (orgs.)
Revisao de provas
Daniel Seidl
Projeta grâfico, diagramaçao e capa
Carolina Falcâo
Gerência de produçiio
Maria Gabriela Delgado
CIP-BRASIL. Catalogaçao-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livras, RJ
Lingüistica funcional: teoria e pratica / Maria Angélica
Furtado da Cunha, Mariangela Rios de Oliveira e Mario
Eduardo Martelotta (orgs.) Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
144p., 14 x 21 cm
Inclui bibliografia
ISBN 85-7490-240-3
1. Lingüistica 2. Comunicaçâo 1. Titulo.
Maria Angélica Furtado da Cunha
Mariangela Rios de Oliveira
Mario Eduardo Martelotta (orgs.)
Lingüistica funcional: teoria e pratica
Eduar Kenedy Areas
Lucia aria Alves Ferreira
arcos Antonio Costa
Maria Maura Cezario
Victoria Wilson Coelho
~APER.I
~~"'ChII!I-R""'''''__ra• Poo.qu.... RIo .... --....
•~DP&A..
edi1::ora..
© DP&A editora Ltda.
Proibida a reproduçâo, total ou pardal, por qualquer
meio ou processo, seja reprogrâfico, fotografico,
grâfico, microfilmagem, etc. Estas proibiçôes aplicam-se
também às caracterîsticas graficas e/ou editoriais.
A violaçâo dos direitos autorais é punîvel como crime
(Côdigo Penal art. 184 e §§; Lei 6.895/80),
corn busca, apreensâo e indenizaçôes diversas
(Lei 9.610/98 - Lei dos Direitos Autorais -
arts. 122,123,124 e 126).
DP&A editora
Rua Joaquim Silva, 98 - 2fd andar - Lapa
CEP 20.241-110 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil
Tel./Fax: (21) 2232-1768
E-mail: dpa@dpa.com.br
Home page: www.dpa.com.br
Impresso no Brasil
2003
j
/
Para Sebastiiio Votre,
criador do grupo de estudos Discurso & Gramâtica,
amigo emestre de todos nos
Sumario
Prefacio
Anthony Nara
Introduçâo
A visâo funcionalista da linguagem
no século XX
Mârio Eduardo Martelotta
Eduardo Kenedy Areas
Pressupostos teôricos f1.ndamentais
Maria Angélica Furtado da Cunha
Marcos Antonio Costa
Maria Maura Cezario )
A mudança lingüistic
Mârio Eduardo rtelotta
Estabilidade e continuidade
semântica e sintatica
Lucia Maria Alves Ferrei ra
Lingüistica funcional aplicada
ao ensino de português
Mariangela Rios de Oliveira
Victoria Wilson Coelho
Rumos da lingüistica funcional
Maria Angélica Furtado da Cunha
Mariangela Rios de Oliveira
Mârio Eduardo Martelotta
Bibliografia comentada
Referências bibliograficas
Sobre os autores
9
11
17
29
57
73
89
123
129
131
139
Prefacio
Ao final da década de 1970 surgiu no Rio de Janeiro uma nova
corrente de pesquisa lingüîstica orientada sobretudo para 0 estudo
do uso da lîngua em situaçoes diversas no mundo real. No inicio, as
pesquisas concentravam-se principalmente na ârea de
sociolingüistica e varia -0, corn um certo direcionamento para
questoes relacionadas a s reflexos da diacronia na sincronia. A
principal fonte intelectual era a obra de William Labov. Ja na década
seguinte, 0 espectro de estudo ampliou-se corn a inclusao da
orientaçao teôrica funci nalista norte-americana e, mais tarde, corn
um interesse especia ara 0 fenômeno da gramaticalizaçao.
o grupo ori . al, comprometido corn essas pesquisas, hoje é
conhecido coma Programa de Estudo sobre 0 U50 da Lîngua (Peul).
Na década de 1990, um de seus fundadores, 0 professor Sebastiao
Josué Votre, estimulado pela professora canadense Dianne Vincent,
criou outro grupo mais especific31nente voltado para investigaçoes
funcionalistas sobre 0 relacionamento entre Discurso e Gramâtica
(D&G), nome que adotou para 0 novo projeto. Esse nova grupo
inspirou-se principqlmente nas idéias de Sandra Thompson, Wallace
Chafe e Talmy Givôn.
o grupo D&G, em 1996, publicou um considerâvel toma de
pesquisas intitulado Gramaticalizaçiio no português do Brasil: uma
abordagem funciona1. Essa obra era dirigida aos niveis de graduaçao
e pâs-graduaçao das universidades e apresentava uma sintese das
pesquisas originais do grupo. 0 presente livro, por suavez, constitui
uma tentativa de dialogo corn os professores de lîngua materna
interessados nas recentes contribuiç6es da lingüîstica à sua pratica
DP&A editora
Anthony Nara
Professar titular de Lingüîstica
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
pedagôgica. Além dissa, oferece um resumo de suas principais
descobertas e conclus6es sobre 0 funcionamento do português do
Brasil em situaçao de comunicaçao. Trata-se de uma abordagem de
cunha didâtico, corn introduç6es te6ricas a cada subârea de estudo
e aplïcaç6es ao português do Brasil. Tenho certeza de que a livra
possibilitarâ a introduçaa de orientaç6es p6s-gerativistas à
camunidade acadêmica mais ampla.
10 LingüÎstica funcional: teoria e pratica
Introduçâo
Lingüîstica funcional: teoria e prtitica, como 0 titulo informa,
contempla duas faces ia investigaçao do uso da Hngua: 0
"tratamento introdut6rio de prindpios e pressupostos do
funci~.r:!alisI!l9....:D-Q!te-am~~icano~a$-IP-panhados de consideravel
cxemplificaçao, e a exerdC~',O de aplicaçao desse aparato ao ensino-
é.1prendizagem de lîngua m terna no Brasil. A produçao desta obra
teve coma ponto de parti a um relat6rio, com 0 mesmo titulo,
produzido par Sebastiao Josué Votre em 1992, e que até hoje tem
sida muito utilizado em squisas voltadas para a anâlise fundonal.
~
~. A relevânciadest 'vro configura-se, prindpalmente, devido à
é~~~~de - rial correspondente ou afim em circulaçâo no
., '-', _...~,~._"~~., ...,....
mercado editorial nacional. Via de regya, a referência bibliogyafica
de orientaçâo funcionalista encontra-se em lîngua estrangeira,
circula fundamentalmente em alguns cursos de p6s-graduaçâo stricto
sensu e os resultados de pesquisa nao sao considerados em termos
de sua aplicabilidade mais sistematica nas salas de aula de lîngua
portuguesa e mesmo de lingilistica. Evidencia-se, pois, a importância
de uma publicaçâo coma a que ora apresentamos à comunidade
acadêmica,
Lingüîstica juncional: teoria eprtitica é um empreendimento dos
'--------,--,;------:=----:-":
, membros do grupo de estudos Discurso & Gramatica (D&G), que
congyega pesquisadores da UFRJ, UFRN, UFE Uerj e UniRi~rata­
se do resultado da fase atual de nossos estudos, mais modalizada e
reflexiva, preocupada também cam as quest6es que cercam a
realidade educaciànal emnosso paîs em seusdiversos nîveis.
o gyupo D&G, que se dedica à pesquisa funcionalista, corn ênfase
DP&A editora
12 Lingüfstica funcional: teoria e pratica
nos fgDÔ.l}1~_!19~s,de continuidade, variabilidade e mudança do
portuguès, telYLn~s qu~~t6~~·c~~rfossintâticâs~~~ foco deinve~tigaçao.
Nessa tarefa, privilegiam-se nao so as estratégias de codificaçao mais
sistemâticas e regulares do usa lingüîstico, como também san
consideradas estruturas menos convencionadas, à margem da
gramâtica, principalmente em relaçao ao que é proposto pela
descriçao narmativa.
Além da orientaçao teorica, é marca do grupo 0 tratamento de
mesma fonte empîrica de pesquisa - os textos constituintes do Corpus
Discurso & Gramatica: aZingua jalada eescrita no Brasil, que consiste
em um banco de dados da comu;Yd estudantil de cinco cidades
" brasileiras: Rio de Janeiro (RJ),/Natal (RN), uiz de Fora (MG), Rio
'.' r:. ~,: !-,.----.~- .---~--,--- ..-.
Grande (RS) e Niter6i (RI). Esses textos, co~~.tados e or9~nizados nos
anos 1990, distribuem-se em cinco tipologias: narrativa de experiència
pessoal, narrativa recontada, relata de procedimento, descriçâo de
local e relata de opiniâo. Os informantes, divididos igualmente
entre sexos masculino e feminino, distribuîdos em todos os nîveis
de ensino, nas faixas etârias respectivas, foram convidados a produzir
~"t"l textos orais e, a partir dessa primeira etapa, redigiram 0 material .
. ).' Tl.' .
--;::,\ escnto correspondente. Trata-se, portanto, de um corpus relevante
l' para a tratamento da interface fq!a.__ x escrita, ârea privilegiada naf!)
atual fase da pesquisa sobre a funcionamento da lîngua em situaçao
de comunicaçâo, além de perspectiva bastante contemplada nos
recentes documentos legais sobre 0 ensino-aprendizagem de lîngua
portuguesa no Brasil.
Nos parâgrafos a segllir, apresentamas uma sîntese do conteûdo
de cada capîtulo. Yale ressaltar que, embara sob a responsabilidade
de distintos autores, todos membros do grupo D&G, os capitulos
compôem um so projeta, um todo orgânico, que se inicia na clâssica
distinçâo entre os polos formalista e funcionalista dos estudos
lingüisticos, passa pela apresentaçâo dos pressupostos teoricos do
ûltimo pâlo na vertente norte-americana, discute e exemplifica a
mudança e seu contraponto, a continuidade, de acordo corn essa
il q~~~~~Ç;~~?j;,s;!:~~n~~;7~a~~J~,ce:,;;~Jâ~(;n~~~~~e~ta~âZ kb
r- t r_~/'II'..." eJc, e 1 S~J ({liC, tC>~..\>,·..i,l
(_;;'''/ ~ Y' ~ l '
Introduçao 13
te6rica funcionalista e sua aplicaçâo à resoluçao de quest6es
atinentes ao ensino-aprendizagem de lîngua materna no Brasil, e,
por fim, apresenta e discute os rumos dessa corrente, as pr6ximas
tarefas a serem cumpridas na investigaçao lingüistica de carater
funcional. Esses capîtulos obedecem, pois, a uma seqüência, que se
orienta do menas para 0 mais especîfico, do global para 0 pontual,
da teoria para a prâtica e as novas tendências.
o primeiro capîtulo, sob a responsabilidade de Mârio Eduardo
Martelotta e Eduardo Kenedy Areas, traça uma breve historia dos
----estudos lingüisticos na Europa e nos Estados Dnidos, demonstrando
que, a partir de Saussure, as pesquisas nessa ârea caracterizaram-se
pela alternância de duas grandes tendências te6ricas: uma atribuia
à funçao comunicativa das 1nguas 0 papel predominante; a outra
dava ênfase à forma lingüist ca, ficando suas funç6es em segundo
pIano. Esse capitulo for ece material para que se possam
compreender melhor as te dências funcionalistas da atualidade e
as opç6es te6ricas e met ol6gicas que as distanciam dos estudos
formalistas.
No segun capitulo, elaborado por Maria Angélica Furtado
da Cunha, Marcos Antonio Costa e Maria Maura Cezario, sao
introduzidos os pr~_!"!<:Jp~~~!~~~cos do funcionalismo, tais coma
iconicidade, marcaçao, transitividade, pIanos discursivos,
informatividade, gramaticalizaçâo, discursivizaçâo, cielo funcional
e unidirecionalidade. Esses princîpios sao apresentados,
primeiramente, em sua formulaçao original e, em seguida, em sua
versâo refarmulada, praposta pela grupo D&G a partir da aplicaçâo
dos mesmos nas pesquisas desenvolvidas. Cada um dos canc~itasé
exemplificado corn dadas dos trabalhos jâ realizados pelos membras
dogrupa.
o terceiro capîtulo, redigida por Mârio Eduardo Martelotta,
apresenta uma proposta de a~~!i_~~_~~J!d~~alingüistica corn
base em prindpios funcionalistas, demanstrando que, no que se
refere à trajet6ria hist6rica das lînguas, determinadas estruturas
modificam-se, enquanto outras se mantêm intactas. 0 capîtulo
,
/' ~~,,'J
/A--' ,-
f<J (1'
/le
C3,
/'
14 LingüÎstica funcional: teoria e pnHica
prop6e que 0 fenômeno da mudança lingü:istica nao pode ser
entendido segundo uma diacronia linear, ja que existem tendências
de natureza cognitiva e conversacional, que agem regularrnente sobre
os elementos lingilisticos, levando-os a ter seus valores modificados.
No quarto capitulo, Lucia Maria Alves Ferreira reune evidências
de estabilidade sintatica e semântica na lingua portuguesa, a partir
da analise contrastiva de enunciados representativos de diferentes
sincronias, e na üngua latina. Nos exemplos, observa-se a natureza
sistematica e estavel das relaç6es polissêmicas, dos usos e das
construç6es em que se encontram os itens focalizados. A analise
problematiza 0 prindpio da unidirecionalidade concreto > abstrato
na derivaçâo, no curso do tempo, de novos sentidos e usas para os
itens lingü:isticos.
o capitulo quinto, dedicado à apli~~ao do funcionalismo ao
e~~~Il5?=.~J?!~~.dizagemdo português, elaborado par Mariangela Rios
de Oliveira e Victoria Wilson Coelho, tem camo um dos objetivos
predpuos farnecer aos professores de Hngua portuguesa e aos
estudantes de graduaçâo e pôs-graduaçao uma releitura de alguns
fenômenos e categorias lingüisticas tematizados ao longo dos
capitulas anteriores. Sao abordados alguns objetivos do ensino de
Hngua partuguesa de acordo corn os prindpios postulados pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais, que, ao privilegiarem uma
perspectiva gramatical de natureza interativa e produtiva, vêm ao
encontro da orientaçao funcionalista que concebe a gramâticae a
l:ingua em funçâo do usa, ou seja, numa perspectiva pragmatica.
Dessa forma, propôem-se algumas sugest6es de atividades que
envalvem 0 binômio fa la x escrita, além daquelas que tratam dos
gêneros discursivos, a fim de proporcionar ao leitor uma
possibilidade de allar a teorizaçâo lingü:istica à prâtica pedag6gica
em sala de aula.
1:,~. ~~EfiIE, Maria Angéllca Furtado da Cunha, Mariangela Rios de
Oliveira e Mario Eduardo Martelotta apresentam e discutem os
ru~9.~ da pesquisa lingüistica de orientaçâo funcionalista no Brasil.
Apôs apontar para as tendências atuais da referida area de
lntroduçao 15
iIlvestigaçâo, os autores destacam os desafios a serem enfrentados
neste nova milênio, fundamentalmente os relativos ao viés multi- e
1ransdisciplinar que deverâ marcar os estudos da linguagem, em
termos tanto internos, coma a interface corn a sociolingüistica e os
l'studos de pidgins e crioulos, quanta externos, par intermédio do
diâlogo corn a filosofia, a antropologia e a educaçâo.
1
A visâo funcionalista da linguagem
no séculoXX
Mario Eduardo Martelotta
Eduardo Kenedy Areas
A lingüîstica do século XIX, em suas pesquisas de ordem
eminentemente hist6rico-c mparativa, deixou um importante
legado teôrico, sobretudo po intermédio dos neogramâticos e de
lingüistas comoHumboldt, oreen e Svedelius (MALMBERG,1974).
Entretanto,o surgimento lingüîstica moderna é normalmente
identificado corn 0 apa, imento do Cours de linguist_ique générale
de Saussure, em~ partir de entâo, conforme prop6em Dirven
c Fried (1987), très noçoes bâsicas passaram a caracterizar a evoluçâo
da lingüîstica no século XX: sistema, estrutura e junçtio.
'00 _o, _oooo __ o .,.L .0._._. .
A noçao de sistema deve-se a Saussure. De acordocorn
Benveniste (1976), a novidade da doutrina saussu~na reside
L'xatamente na visâo de lîngua como sistema, que (prevê uma
prioridade do todo em relaçao aos elementos que 0 comp6em.
o terma sistema mais tarde foi substituîdo pelo termo estrutura:
Illna vez aceita a visan de que a Zingua constitui um sistema - um
conjunto cujos elementos agrupam-se num todo organizado -,
('umpre analisar-lhe a estrutura. Foi a tendència que se desenvolveu
!la lingüîstica a partir da publicaçao do Cours, tendo sua primeira
t 'xpressao nos trabalhos do Circulo Lingüistico de Praga, a partir de
1028. 0 estruturalismo foi, entâo, adquirindo novos adeptos, como
()s que fundaram a Escolaode Copenhague. Hjelmslev (ap. BENVENISTE,
J976) define novamente 0 dominio da lingüistica estrutural:
DP&A eclitoril
ct (
18 Lingüfstica funcional: teoria e pratica
Compreende-se por lingüistica estrutural um conjunto de pesquisas
que se apôiam numa hipotese segundo a quaI é cientificamente
Iegitimo descrever a linguagem coma sendo essencialmente uma
entidade autônoma de dependências internas ou, numa palavra,
uma, estrutura. ,-, r}: .. , .r +., Î'" / Svl-M
; L. ..s?;! c·e. î ~ 1 1
"
A anâlise lingüîstica estava, entao, restrita à rede de
dependências internas em que se estruturam os elementos da lîngua.
No que se refere ao Cîrculo Lingüistico de Praga, Fontaine (1978)
indica outras influências, além das provenientes de Saussure, que
levaram os lingüistas a se dedicar ao estudo da lôgica interna do
sistema da lingua. Essas outras influências provinham do filôsofo
Husserl e, principalmente, da teoria da Gestalt (KoFFKA, 1935), que se
deu par meio de seu freqüente contato corn a psicôlogo alemao
Karl Bühler.
A estreita relaçâo corn Bühler parece ter dada à lingüîstica de
Praga uma feiçao diferente das outras escolas estruturalistas
européias. Nas palavras de Fontaine (1978, p. 40), ele foi 0" avalista
filosôfico do aspecta funcionalista do estruturalismo praguense",
ja que via a funçâo corna um elemento essencial à linguagem. Essa
concepçao nao pode ser atribuîda a Saussure, que deixou de fora
dos estudos lingüîsticas os aspectos relacionados à funçao, a partir
do momenta em que propôs a distinçao entre langue e parole, fazendo
da primeira 0 objeta de estudo da lingüîstica. Essa estratégia teôrica
retirou da âmbito dos estudos lingüîsticos 0 interesse por passîveis
influências sofridas pela estrutura gramatical das lînguas,
provenientes de aspectas pragmatico-discursivos.
A noçâo de funçiio é um pouco mais problematica, na medida
em que varios autares a utilizam para caracterizar suas analises, que
nem sempre apresentam caracteristicas semelhantes. Segundo
NichaIs (1984),funçiio é um termo polissêmico e nao uma coleçao de
homônimos. Todos os sentidos do termo de certa forma se
relacionam, par um lado, à dependência de um elemento estrutural
corn elementas de outra ordem ou dOffiinio (estrutural ou nao-
estrutural) e, par outro lado, ao papel desempenhado por um
J\ visao funcionalista da linguagem no século XX 19
~ 'Iemento estrutural no processo comunicativo, -ou seja, a funçao
~ '( Hllunicativa do elemento.
Os te6ricos de Praga utilizaram a noçao de funçao nesses dois
~;l'ntidos.De acordo corn Nichols (1984), a Escola de Praga praticou
lima variante do que ela chama fJlnçiio/!!!J!zçfio, na medida em que
f( lCalizou a relaçao do elemento cam 0 sistema lingüistico coma um
lodo. A noçao de funçao como relaçao, tal coma proposta por
Nichols (1984), prevê a relaçao de um elemento estrutural corn ou
(lentro de uma unidade estrutural maior. 0 status de funçâo/relaçao Çc
1
(lp6e-se ao status categorial, nao fazendo este ûltimo referência a y 1
lIIua ordem maior, mas simplesmente caracterizando a entidade l
('omo um portador de propriedades. !:v,! tI U Ir, Y l'co. fl'J ( N'
Nao é essa, entretanto, marca do funcionalismo dos lingiiistas
de Praga. 0 que caracteriz u suas analises foi a adoçao de uma
Iloçao~~ de funça (para eles, a lingua deve ser entendida
('omo um sistema funcion , no sentido de que é utilizada para um;
determinado fimjNas pa vras de Fontaine (1978, p. 22), referindo-
st' ao Cîrculo Lingiils· de Praga, lia intençao do locutor apresenta-
se coma a expli çao 1 mais natural' em analise lingüistica: essa
intençao do locutor é que fundamenta 0 discurso".
Dessas informaç6es, pode-se concluir que 0 estruturalismo nao
foi um movimento unificado, apresentandol ao contrariol aspectos
distintos de acordo corn diferentes autores. Dirven e Fried (1987)
prop6em que as varias abordagens da lingüistica estruturat
herdeiras da concepçao saussuriana da linguageml variavap-\
lambém de acordo corn a ênfase dada à significância da funçfio em
seus modelos te6ricosl podendo dividir-se em dois grandes p6los:
il) pâlo formalista, no quaI a analise ressalta a forma lingüîstical ) (Y\
ficando sua funçao num pIano secundârio; (cR9
b) p6lo funcionalistal no quaI a funçâo que a forma lingüfstica
desempenha no ato comunicativo tem papel predominante.
Essa visao bipartida das tendências dalingüistica atual, embora
desconsidere algumas divergências, é compartilhada por outros
'lUtores, como Schiffrin (1994) e Kato (1998).
20 Lingü[stica funcional: teoria e prMica
o polo formalista
o pâlo formalista caracteriza-se/ em termos gerais/ pela tendência
a analisar a Hngua coma um objeto autônomo/ cuja estrutura
independe de seu usa em situaç6es comunicativas reais. Segundo
Dirven e Fried (1987)/ a tendência para a pâlo formalista pode ser
vista entre os lingiiistas da Escala de Copenhague. ADinamarca tem
forte tradiçâo nos estudos da linguagem/ cam lingiiistas coma Rask/
Madvig/ Noreen e Jespersen/ mas foi cam Hjelmslev/ Uldall e,
anteriormente, Br0ndal que a lingüîstica tornou-se mais formaI e
abstrata. Nota-se nos trabalhos desses lingüistas "um marcante
interesse filosâfico e, em particular, lâgico" (LEPSCHY, 1971/ p. 61).
Hjelmslev (1975, p. 3) prop6e que a lîngua nao deve ser
interpretada coma a reflexo de um conjunto de fatos nâo-
lingiiîsticos/ mas coma uma "unidade encerrada em si mesma, camo
uma estrutura sui generis". Assim considerada, a lîngua apresenta
um carater abstrato e estatico, ja que é dissociada do ato
comunicativo.
o pâlo formalista teve sua mais forte expressâo no descritivismo
americano (Bloomfield/ Trager/ Bloch, Harris, Fries)/ mas foi aplicado
mais rigorosamente nos sucessivos modelas de gerativismo. Embora
os estudos lingüîsticos tenhmn sida dominados pela gerativismo,
que mantém uma forte tradiçâo até os dias de hoje/ a polo
funcionalista permaneceu vigoroso. Abordagens gerativas
alternativas/ coma a semântica gerativa, ou a gramatica dos casas
padem ser vistas coma um esforço/ no paradigma formalista/ de
questianar algumas das propastas desse paradigma, par UID ângula
semântica-funcionalista (DIRVEN e FRIED, 1987).
o polo funcionalista
o pâla funcionalista caracteriza-se pela concepçâo da lîngua
camo um instrumenta de camunicaçao, quel coma tal, nao pode ser
analisada coma um objeto autônomo/ mas coma uma estrutura
maleavel, sujeita a press6es ariundas das diferentes situaç6es
comunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gyamatical.
A visao funcionalista da linguagem no século XX 21
o p6lo funcionalista também pode ser visto em algumas escolas
lingüisticas p6s-saussurianas da Europa no século XX. Saussure
influenciou mais de perto a Escola de Genebra, cujas principais
representantes sao Charles BaUy, Albert Sechehaye e Henri Frei.
Enquanto Sechehaye limitou-se basicamente a discutir as idéias de
Saussure, BaUy, nas palavras de Leroy (1982, p. 94),
atacando 0 dificil problema da relaçao entre 0 pensamento e sua
expressâo lingüîstica, renovou a estilîstica, definindo-a como 0
estudo dos elementos afetivos da linguagem e dedicando sua
atençao aos desvios que 0 usa individual (a fala) é levado a impor
ao sistema (a lîngua).
Essaproposta baseia-se no fato de que nao ha separaçao
intransponivel entre esses dois aspectos da linguagem, posiçao
te6rica por definiçao funcionalista. Por sua vez, Frei notabilizou-se
par sua analise referente aos desvios da gramatica normativa, que,
segundo sua proposta, nao sao fortuitos, mas constituem tendências
conseqüentes da necessidade de comunicaçâo, constituindo,
portanto, uma rica fonte de estudos lingüisticos. Frei se fez 0
promotor da lingüistica de base funcionat que associa os fatos
lingüisticos a determinadas funç6es a eles relacionadas.
Essa influência chegou até Mar'tinet, que, de acordo corn
Mounin (1973), manteve freqüente contato corn os principais
lingüistas de Praga, sobretudo corn ITubetzkoy, parquem foi bastante
influenciado. Para Lepschy (1971, p. 101), Martinet e Jakobson sao
"os dois herdeiros mais importantes, no pensamento lingüistico
internacional, da Escola de Praga".
A herança funcionalista deixa também suas marcas nas escolas
de Londres, em que, por meio de Halliday, desenvolveu-se uma
tendência a estudar as linguas de um ponto de vista funcionaI.
Mathiessen (ap. NEVES, 1997, p. 58) afirma que a gramatica funcional
de Halliday esta baseada no "funcionalismo etnogrâfico e [no]
contextualismo desenvolvido por Malinowski nos anos 1920
[MACEDO, 1998], além da lingüistica firthiana da tradiçao etnognifica
de Boas-Sapir-Whorf e do funcionalismo da Escola de Praga".
'j 0 lj
22 Lingüfstica funcional: teoria e pratica
l
~••, j
A propensâo a analisar a lingua de um ponto de vista funcional
também estâ presente no grupo holandês. Reichling adotou a
postura funcionalista, influenciando a gramâtica de Dik (NEVES,
1997), que trabalha corn uma concepçâo tele?16gic~?~linguagem.
Para Dik, 0 principal interesse de uma lingüîst1ca funcionalista estâ
nos processos relacionados ao êxito dos falantes ao se comunicarem
por meio de expressôes lingüîsticas.
o funcionalismo nos Estados Unidos
Como visto anteriormente, a lingüîstica norte-americana foi
dominada por uma tendência formalista, que se enraizou corn
Leonard Bloomfield e se mantém até hoje corn a lingüîstica gerativa.
Entretanto, houve paralelamente uma inclinaçâo para 0 pâlo
funcionalista. Franz Boas nao influenciou apenas 0 descritivismo,
principal vertente lingüîstica dos EVA, mas também a tradiçâo
etnolingüîstica de Sapir e Whorf, assim como os trabalhos de
Bolinger, Kuno, Del Himes, Labov e muitos outros etno- e
sociolingüistas. Certamente, os ûltimos passos dados por antigos
gerativistas, como Langacker e Lakoff, que aderiram à gramâtica
cognitiva,l devem servistos como uma franca caminhada em direçâo
ao pâlo funcional (DIRVEN e FRIED, 1987).
A lingüîstica cognitiva caracteriza-se por adotar alguns
pressupostos contrârios à tradiçâo formalista. Entre esses
pressupostos estâ, por exemplo, a idéia de que asigni~se
------=baseia numa relaçâo entre sîmbolos e dados de um mundo real de
vida independente, mas no fato de que as palavras e as frases
assumem seus significados no contexto, 0 que implica a noçâo de
que ;SConceitos decorrem de padr6es criados culturalmente.
1 Salomao (1999) admite que a ênfase na acessibilidade da linguagem a seu uso
aproximaria 0 enfoque cognitivista à tradiçao funcionalista, mas acrescenta
que as analîses funcionalîstas da Costa Oeste americana e dos grupos
centralizados par Halliday e Dik na Europa estao ainda influenciadas pela
tradiçâo estruturalista, apresentando as seguintes caraeterîsticas: a) mantêm
o foco no significante; b) nao desenvolvem a importância do contexto,
reduzindo-o a um conjunto de variaveis inorgânicas; c) prop6em, de um
modo geral, uma abordagem estatica do significado.
r.........--------------------
A visâo funcionalista da linguagem no século XX 23
Os cognitivistas propôem também que 0 pensamento provém da
canstituiçao corporal humana, apresentando caracteristicas
derivadas da estrutura e do movimento do corpo e da experiência
ffsica e social que os humanos vivenciam por meio dele. Além dissa,
o pensamento é imaginativo, 0 que significa dizer que, para
compreender conceitos que nao sao diretamente associados à
experiência fîsica, emprega metaforas e metonîmias que levam a
mente humana para além do que se pode ver ou sentir. Senda assim,
a sintaxe nao é autônoma, mas subordinada a mecanismos
semânticos que nossa mente processa durante a produçao lingilistica
em determinados contextos de usa.
Por outro lado, determinadas areas de pesquisa, coma a
mudança lingüîstica e crioulîstica,2 pareciam indicar as 1~:t!litgç6.et?
teorl~i~.fj~~~~âtica gerativa. Portanto,lingüistas de formaçao
.... ,-.-,.,., ~"._..-
gerativista foram buscando alternativas teôricas que abordassem
melhor os fenômenos por eles estudados. É 0 casa de Elizabeth
Closs Traugott, que, devido ao seu interesse por fenômenos
relacionados à mudança lingüîstica, passou a adatar a teoria da
gramaticalizaçao, focalizando os aspectos semântico-pragmaticos
da mudança. Segundo essa teoria, as formas lingüîsticas têm seus
usos estendidos por p~~._!1nidirecionais~_ml;Lq.l!.nça,
motivados pelo uso e por fatores de ordem cognitiva.
o termo juncionalismo ganhou força nos Estados Unidos a partir
da década de 1970, passando a servir de rôtulo para 0 trabalho de
lingüistas como Sandra Thompson, Paul Hopper e Talmy Givôn,
que passaram a advogar uma lingüistica baseada no uso, cuja
tendência principal é observar a lingua do ponto de vista do contexto
lingüistico e da situaçâo extralingüîstica. De acordo corn essa
concepçao, a sintaxe é uma estrutura em constante mutaçâo em
conseqüência das vicissitudes do discurso. Ou seja, a sintaxe tem a
2 Ârea de investigaçao de crioulos,linguas que se desenvolveram historicamente
de um pidgin. Em poucas palavras, 0 pidgin é uma forma relativamente
simplificada de falar que se desenvolveu pelo contato de grupos lingüisticos
heterogêneos, como 0 tok pisin (lingua de Papua-Nova Guiné, ilha ao norte
da Australia).
ct-
24 Lingüistica funcional: teoria e pratica
, "
",
fonna que tememrazao das estratégias de organizaçao dainformaçao
empregadas pelos falantes no momento da interaçao discursiva.
Dessa maneira, para compreender 0 fenômeno sintatîco, seria preciso
estudar a lingua em usa, em seus contextos discursivos espedficos,
pois é nesse espaço que a gramatica é constituîda.
o texto considerado pioneiro no desenvolvimento das idéias
da escola funcionalista norte-americana foi flThe origins of syntax
in discourse: a case study of Tok Pisin relatives", pliblicado par
Gillian Sankoff e Penelope Brown em 1976. Nesse traballio, as autoras
fornecem evidências das motivaç6es discursivas geradoras das
estruturas sintaticas de relativizaçao do tok pisin, lîngua de origem
pidgin de Papua-Nova Guiné, ilha ao norte da Austrâlia.
Em 1979, Talmy Givon, influenciado pelas descobertas de
Sankoff, publica "From cliscourse ta syntax: grammar as a processing
strategy", texto programatico da lingüîstica funcional, explicitamente
antigerativista, que afirma que a sintaxe existe para desempenhar
uma certa funçao, e é esta funçâo que determina sua maneira de ser.
Iconicidade, fala e pancronia
Uma maneira interessante de compreender 0 espîrito da
lingüistica funcional norte-americana é observar a refutaçâo,
proposta par Givon (1995), em relaçâo ao que ele caracteriza cama
t \'~J(;\' o~~s~~i~ da lingüîstica estrutural: a arbitrariedade do
\1'\ ---signa lingüistico, a idealizaçâo relacionada à distinçao entre langue
e parole, e a rigida divisâo entre diacronia e sincronia.
A dautrina da arbitrariedade separa, no signa lingüistica, a
significante do seu correlata mental, 0 sigtÜficada, deixando apenas
os dois termas observaveis da equaçaa: 0 signa e seu referente, a
que Givon caracteriza coma uma triste caricatura da visâa pasitivista
e behaviorista do significado coma referência externa. Essa posiçâo
parece dever-se ao fatode os estruturalistas (sabretudo os narte-
americanos) tenderem a naa trabalhar corn entidades mentais vagas
e pouco acessiveis à anâlise empirica, cheganda mesmo a negar a
A visao funcionalista da Iinguagem no século XX 25
existência de pensamento, ou qualquer estrutura mental organizada,
preexistente à linguagem.
Par outra lado, a pr6pria noçâo de arbitrariedade do signa, ao
menas em sua farmulaçâo mais radical, é questionâvel, de acordo
corn Bolinger (1975), para quem as lînguas saa em parte arbitrârias,
em parte icônicas - ou nao-arbitrârias. Saussure reconheceu que
havia exceç6es ao seu principio da arbitrariedlllie do signo lingüistico,
mas,s~~ann(1977, p. 169),"desprezou-as por serem pouca
importantes", assumindo uma postura diferente, nesse aspecta, de
lingiiistas camo Schuchardt eJespersen./
c' f
De fato, se c~ E~~'.l~~.~.~f9.E.~1!~E?9:~a.__!.~~.I_~~.~.~~.~t.~~_?!! seja, à \
maneira formalista de obs ar a lingua fora de seu contexto de usa, i.
a que inevitavelmente merge diante da visâo do analista é uma
relaçao nâo-necessâ ·a - arbitrâria ou nâo-natural- entre uma
estrutura sa e um si·g~ifi~~ë.îo---(ouu~-ôbjetoreferente).
Entretanto, quando se muda a foco de anâlise para uma abordagem
voltada ao uso da lingua, observa-se a existência de mecanismos
recorrentes, que refletem um pracesso mais funcional de criar r6tulos
novos para novos referentes.
Ocone que, para c~iar novos rôtulos, 0 falante naa inventa
arbitrariamente séqfrências novas de sons, mas tende fortemente a
utilizar material jâ existente na Hngua, estendendo 0 sentido de
palavras, no que Ullmann (1977) chama motivaçiio semântica ('pé da
mesa", "coraçiio da cidade"), ou criando palavras novas, pelos
processos de derivaçâo ("apagadar", "leiteiro") ou camposiçâo
CUaguardente", "pâra-quedas"), utilizando um mecanismo que
Ullmann (1977) chama de motivaçiio morfol6gica. A esses dois junta-
se um terceiro mecanismo, chamado motivaçiiofonética, caracterizada
pelas anomatapéias ('cacoracô","tilintar"), em que 0 sam da palavra
c1aramente imita a caisa designada.
Esses très mecanismas têmemcomum 0 fato de serem motivadas
na sentido bâsico do termo: a palavra assume uma forma especîfica
por um motivo determinado. Assim, a palavra pé, par exemplo,
apresenta uma relaçao semântica corn as partes da mesa, destinadas
26 Lingüfstica funcional: teoria e prÉltica
1V"
à sua sustentaçâo, ou 0 tenno apagador deve-se ao fato de tratar-se de
um instrumenta utilizado para apagar 0 quadro, normalmente em
uma sala de aula. Esses mecanismos sao mais comuns porque
funcionam bem do ponto de vista comunicativo e cognitivo, no
sentido de que um processo baseado em decis6es puramente
arbitnirias seria mais custoso para 0 falante e, sobretudo, para 0
ouvinte. Em muitos casos, essa motivaçâo se perde quando a
mudança semântica faz a palavra afastar-se de suas origens.
No campo da sintaxe, os funcionalistas consideram mais
aceitavel a idéia da nâo-arbitrariedade. Para citar um exemplo,
quando narramos seqüências de aç6es coma "Cheguei em casa,
tomei um banho e fui dormir", nâo ordenamos as clausulas
arbitrariamente, mas de acordo corn a ordem em que elas ocorreram
na realidade. A essas tendências, que se manifestam paralelamente
à arbitrariedade, refletindo algum tipo de motivaçâo, os
funcionalistas chamam iconicidade. Também sao explicados pelo
prindpio da iconicidade aspectos relacionados à extensâo da
sentença, assim coma àordenaçâo e à proximidade dos elementos
lingüisticos que a comp6em, dependendo de fatores como
complexidade semântica, grau de informatividade dos referentes
no contexto e proximidade semântica entre conceitos.
Outro dogma estruturalista refere-se à idealizaçâo associada à
distinçâo entre langue e parole. Corn essa dicotomia, Saussure
estabeleceu uma diferença entre 0 que é geral e 0 que é individual e,
conseqüentemente, entre 0 que é essencial e 0 que é acidental, ou
entre 0 que é regular e 0 que é fortuito. Para 0 trabalho do lingüista,
importavam somente os fatas relativas à langue, senda dispensada
atençâo diminuta à fala individual. TaI perspectiva difere muite
pauca da lingüistica gerativista no que se refere à distinçâa entre
competência e performance. Ambas as concepç6es priorizam a lingua
em detrimento da fala, considerando esta nao mais que mera
manifestaçâo das possibilidades de um sistema independente.
o pasicionamento funcianalista em relaçâo a esse aspecto
consiste em dar nova relevo ao discurso individual, passando a
A visao funcionalista da linguagem no século XX 27
compreendê-Io coma nîvel gerador do sistema hngüîstico. Este,
por sua vez, é definido à maneira de um corpo moldâvel e em
constante transformaçao. Nesse sentido, nao hâ coma separar a
langue da parole: 0 acidentaI ou casuaI que caracteriza 0 discurso
passa a ser a gênese do sistema, que, por sua vez, alimenta 0 discurso.
A proposta de Lichtenberk (1991), segundo a quaI existe uma relaçâo
simbi6tica entre discurso e gramâtica, é um 6timo exemplo dessa r~;
concepçao de linguagem. .....\' .
A dicotomia sincronia x diacronia, compreendida coma dois'" ~
eixos separados e nao-intercambiâveis, é a terceiro dogma àc:
estruturalista a ser revisto pelo funcionalismo. Para Saussure, os
princîpios e as consideraç es da anâlise sincrânica e da anâlise
diacrânica nao se confu em e devem restringir-se a seu domînio
espedfico de aplicaç- . Ou seja, 0 trabalho sincrânico lida com
fenômenos do' ma que nao têm relaçao necessâria, sendo, por
vezes, incompativel com 0 trabalho diacrônico.
Entretanto, pesquisas em gyamaticalizaçao têm demonstrado
que, ao lado de fenômenos que mudam corn 0 tempo, existem
determinados aspectos que parecemmanter-se ao longo da trajet6ria
das lînguas. Em outras palavras, hâ um conjunto de processof de
mudança que atuam corn relativa regularidade sobre os eleme~tos
lingüisticos, estendendo-Ihes 0 sentido. De uma perspec'tiva
hist6rica, esses processos podem dar a impressao de uma seqüência
de mudanças ocorridas no tempo; de uma perspectiva sincrônica,
a que se observa é UID conjunto de polissemias coexistindo.
A tendência que se percebe do funcionalismo norte-americano
a partir dos trabalhos sobre gramaticalizaçâo (HEINE, CLAUD! e
HüNNEMEYER, 1991; TRAUGOTI e HEINE, 1991; HOPPER e TRAUGOTI,1993)
é focalizar os mecanismos que geram a mudança camo senda
alicerçados emfatores comunicativos e cognitivas. Nesse sentido,
pode-se dizer que 0 funcionalismo tende a adotar uma cancepçâa
pancrônica de mudança (SAUSSURE, 1916/1973), observando naa as
relaç6es sincrônicas entre seùs elementos ou as mudanças percebidas
nesses elementos e nas suas relaç6es ao longo do tempo, mas as
28 LingüÎstica funcional: teoria e pratica
forças cognitivas e comunicativas que atuam no indivîduo no
momento concreto da comunicaçao e que se manifestam de modo
universal, jâ que refietem os poderes e as limitaç6es da mente
humana para armazenar e transmitir informaç6es.
Para resumir a visao funcionalista da linguagem, é interessante
o grupo de premissas com que Givôn (1995) caracteriza essa
concepçao:
• a linguagem é uma atividade sociocultural;
• a estrutura serve a funç6es cognitivas e comunicativas;
• a estrutura é nao-arbitrâria, motivada, icônica;
• mudança e variaçâo estâo sempre presentes;
• 0 sentido é contextualmente dependente e nâo-atômico;
• as categorias nao sao discretas;
• a estrutura é maleâvel e nao-rigida;
• as gramâticas sao emergentes;
• as regras de gramâtica permitem algumas exceç6es.
1
Pressupostos te6ricos fundamentais
Maria Angélica Furtado da Cunha
Marcos Antonio Costa
Maria Maura Cezario
o funcionalismo r güistico contemporâneo difere das
abordagens formalista - estruturalismo e gerativismo - primeiro
par conceber a lin~ em coma um instrumento de interaçao social
e segundo par seu interesse de investigaçao lingüistica vai além
da estrutura gramatical, buscandono contexto discursivo a
motivaçâo para os fatos da lîngua. A abordagem funcionalista
procura explicar as regularidades observadas nouso interativo da
lingua analisando as condiç6es discursivas em que se verifica esse
usa. Os dominios da sintaxe, da semântica e da pragm~icasao
relacionados e interdependentes. Ao lado da descriçâo sit\ltâtica,
1
cabe investigar as circunstâncias discursivas que envolvem as
estruturas lingüisticas e seus contextos espedficos de uso. Segundo
a hip6tese funcionalista, a estrutura gramatical depende do uso
que se faz da lingua, ou seja, a estrutura é motivada pela situaçâo
comunicativa. Nesse sentido, a estrutura é uma variâvel dependente,
pois os usas da lingua, ao longo do tempo, é que dao forma ao
sistema. A necessidade de investigar a sintaxe nos termos da
semântica e da pragmâtica é comum a todas as abordagens
funcionalistas atuais.
Iconicidade e marcaçâo
Em lingüistica, iconicidade é definida coma a correlaçao natural
entre forma e funçâo, entre a c6digo lingüistico (expressâo) e seu
DP&A editora
30 Lingüistica funcional: teoria e pratica
designatum (conteudo). Os lingüistas funcionais defendem a idéia
de que a estrutura da lingua reflete, de algum modo, a estrutura da
experiência. Como a linguagem é uma faculdade humana, a
suposiçâo geral é que a estrutura lingüîstica revela as propriedades
da conceitualizaçâo humana do mundo ou as propriedades da
mente humana.
As discuss6es em toma da motivaçâo entre expressâo e conteudo
na lîngua remontam à Antigiiidade clâssica, corn a famosa polêmica
que dividiu os filôsofos gyegos em convencionalistas e naturalistas.
Enquanto os primeiros defendiam que tudo na lîngua era
convencional, mera resultado do costume e da tradiçâo, os
naturalistas afirmavam que as palavras eram, de fata, apropriadas
por natureza às coisas que elas significavam. Essas especulaç6es
filos6ficas têm seus desdobramentas no debate posterior entre
anamalistas e analogistas acerca da (ir)regularidade da estrutura
lingüîstica.
No inîcio do sécula XX, essa controvérsia foi retomada por
Saussure, que adotau pasiçâo favorâvel à concepçâo
convencionalista, reafirmando 0 carâter arbitrârio da lîngua: nâo
existe relaçâo natural entre a "imagem acûstica" do signo lingüîstico
(0 significante) e aquilo que ele evoca conceptualmente (0
significado) .1
o fil6sofo Peirce (1940) discorda parcialmente da idéia de total
arbitrariedade, recuperando, em certa medida, a posiçâo adotada
pelos antigos naturalistas e conjugando-a à postura dos
canvencionalistas. Segundo ele, a sintaxe das linguas naturais nao
1 Nao parece haver uma correspondência estrita entre naturalistas x
convencionalistas, por um lado, e analogistas x anomalistas, par outro. Apesar
de aigumas afinidades, eles tinham preocupaç6es distintas e, de certa forma,
independentes. Enquanto naturalistas e convencionalistas discutiam a
relaçào entre as U coisas do mundo" e suas designaç6es, anaiogistas e
anomalistas discutiam as regularidades do sistema lingüistico. Tomemos
Saussure camo exempio. Em reIaçao à conexâo entre significado e
significante, ele se alinha aos convencionalistas (arbitrariedade do signo
lingüistico); quanta ao carater regular e sistematico da lingua, ele se posiciona
junto aos analogistas (a lingua é um sistema).
é totalmente arbitrâria, e sim isomârfica ao seu designatum mental.
No entanto, esse isomorfismo da sintaxe, ou correlaçâo transparente
entre fonna e funçao, nao é absoluto, e sim moderado. Na codificaçâo
sintâtica, principios icônicos (cognitivamente motivados) interagem
corn prindpios mais simbâlicos (cognitivamente arbitrârios), que
respondem pelas regras convencionais.
Peirce estabeleceu dois tipos de iconicidade: a imagética e a
diagramâtica. A primeira diz respeito à estreita relaçao entre um f
ri.
item e seu referente, no sentido de um espelhar a imagem do outro 1
(p. ex., pinturas, estâtuas); jâ a segunda refere-se a um arranjo icônico
de signos, sem necessâria intersemelhança. Ambos os tipos de relaçâo
icônica têm interessado a pe quisadores de orientaçâo funcionalista.
É corn Bolinger (1977 que a isomorfismo lingüîstico revela sua
face radical, quando R stula que a condiçao natural da lîngua é
preservar uma for para um sentido, e vice-versa. Estudos sobre
os proœ variaçao e mudança lingüîsticas, ao constatar a
existência de duas ou mais formas alternativas de dizer"a mesma
coisa", levaram à reformulaçâo dessa versao forte. Na lîngua que
usamos diariamente, especialmente na lîngua escrita, existem por
certo muitos casos em que nao hâ uma relaçâo clara, transparente,
entre forma e conteûdo. Ha contextos comunicativos emque a
codificaçao morfossintâtica é opaca em sua funçâo. Tom~das
sincronicamente, determinadas estruturas exibem acentuado grau
de opacidade em relaçâo aos papéis que desempenham. Assim,
encontramos correlaçâo entre uma forma e vârias funçoes, ou entre
uma funçâo e vârias formas. 0 uso do sufixo -inho ilustra 0 primeiro
caso. Essa forma, que originalmente indica tamanho diminuto, coma
em criancinha, desenvolveu-se para marcar afetividade, camo em
paizinho, pejoratividade, como em gentinha, ou ainda um valor
de superlativo, como em devagarzinho (R.J. SILVA, 2000). A funçâo de
impessoalizaçao do agente da açao verbal pode ser codificada, em
português, por vârios recursos: verbo na terceira pessoa do plural
(Construîram uma ponte na cidade"); particula se apassivadora
CConstruiu-se uma ponte na cidade"); voz passiva (Uma ponte·foi
construîda na cidade"); pronome indefinido ('i\lguém construiu uma
Pressupostos te6ricos fundamentais 31
ponte na cidadefl); pronome de terceira pessoa do plural sem referente
explicita ("Eles construiram uma ponte na cidadefl), entre outros.
Em sua versâo mais branda, 0 prindpio de iconicidade
manifesta-se em três subprincîpios, que se relacionam à quantidade
de informaçâo, ao grau de integraçâo dos constituintes da expressâo
e do conteûdo e à ordenaçâo linear dos segmentos.
Segundo a subprincipio da quantidade, quanta maior a quantidade
de informaçâo, maior a quantidade de forma, de tal modo que a
estrutura de uma construçâo gramatical indica a estrutura do
conceito que ela expressa. Isso significa que a complexidade de
pensamento tende a refletîr-se na complexidade de expressâo (SLüBIN,
1980): aquilo que é mais simples e esperado expressa-se corn 0
mecanismo morfol6gico e gramatical menos complexo.
o subprincfpio da integraçiio prevê que os conteudos que estâo
mais pr6ximos cognitivamente também estarao mais integrados no
nivel da codificaçâo - 0 que esta mentalmente junto coloca-se
sintaticamente junto.
o subprincfpio da ordenaçiio linear diz que a informaçâo mais
importante tende a ocupar a primeiro lugar da cadeia sintatica, de
modo que a ordem dos elementos no enunciado revela a sua ordem
de importância para 0 falante.
Vejamos aIgumas aplïcaç6es da versâo branda do principio de
iconiddade. No estudo danegaçâo (FURTAOO DA CUNHA, 1996), a negativa
dupla fomece evidência favoravel ao principio icônico da quantidade:
\
32 Ungüistica funcional: teoria e pratica
1) ...um motorista dele... nesse tempo ele... num era... num era um
motorista dele nao... era do hote!... porque ele fkau sem motorista...
(corpus D&G;Natal, p. 244).2
2 Na transcriçâo desse exempla, e nos demais de modalidade falada, foram
utilizados os seguintes critérios: a) ... - qualquer pausa; b) ( ) - incompreensâo
de palavra ou segmenta; c) / - truncamento; d) :: - alongamento; e) « )) -
comentarios descritivos do transcritar; f) [ ] ~ inforrnaçâo elucidativa
cornplernentar; g) (...) - trecho saltado; h) eh - fâtico; i) l}) - sintagrna ellptico.
É importante observar que na transcriçâo de falas adota-se 0 usa de
minûsculas, ao passo que na reproduçâo de textos escritos usam-se
normalmente as maitisculas quando necessario.
1 Na exemplificaçâo da modalidade escrita, os textossao apresentados
exatamente coma produzidos par seus autores.
3) ...0 pai dele tava... tava tomando banho... 0 gato apareceu na... na
janela lâ do... do... do banheiro ele tava tomando banho nabanheira .
ele pulou dentro e rasgou 0 ... 0 0 pai dele todinho num matou nao .
56 fez arranhar né?... depois ele pegou um cabo de vassoura... meteu
no gato e 0 gato foi embora... (corpus D&GINatal, p. 28).
2) Hâ pouco tempo atrâs, dois Mrbaros assassinatos, 0 da atriz Daniela
Perez e 0 da menina que foi queimada pelos sequestradores
ressuscitou a polêmica da Pena de Morte (corpus D&G/Natal, p. ~1).3
\
Em relaçâo ao principio da ordenaçâo linear, a dâssico exem~lo
citado é "Vim l vi, vend"l cuja distribuiçâo das palavras na ora~âo
corresponde à seqüência cronolôgica das aç6es descritas. Ainda
outro exemplo: 0 trecho a seguir foi retirado de uma narrativa
recontada, em que 0 falante reproduz 0 filme Cemitério maldito.
Note-se que a apresentaçâo dos eventos narrados obedece à ordem
cronol6gica e 16gica em que ocorreram na trama:
33l'n~ssupostos te6ricos fundamentais
No discurso falado, a pronuncia do niio tônico que precede 0
vl'rbo freqüentemente se reduz ao num atono, ou mesmo a uma
si mples nasalizaçâo. Para reforçar a idéia de negaçâo, 0 falante utiliza
Il III segundo nao no fim da oraçâo, como uma estratégia para suprir
() cnfraquecimento fonético do niio pré-verbal e 0 conseqüente
l'svaziamento do seu conteûdo semântico. Assim, 0 acréscimo do
segundo niio tem motivaçâo icônica: quanta mais imprevislvel se
1orna a informaçaol mais codificaçâo ela recebe.
Em seu trabalho sobre os procedimentos de manifestaçâo do
sujeito, Costa (2000) utiliza 0 prindpio icônico da proximidade para
l'xplicar a ausência de concordânciaverbal em oraç6es em que sujeito
(' verbo encontram-se estrutur ente distanciados. Aintroduçâo de
material de apoio entre 0 suj . 0 e 0 verbol como 0 aposto do exemplo
<lbaixo, enfraquece a int açâo entre sujeito e predicado no pIano
do con 0 resulta na falta de concordância verbal:
Do que foi exposto, conclui-seque a lingua nao é um
mapeamento arbitrârio de idéias para enunciados: raz6es
estritamente humanas de importância e complexidade refletem-se
nos traços estruturais das lînguas. As estruturas sintâticas nao devem
ser muito diferentes, na forma e na organizaçao, das estruturas
semântico-cognitivas subjacentes. Como opçâo teôrica, 0 principio
da iconicidade, em sua formulaçao atenuada, permite uma
investigaçâo detalhada das condiç6es que governam 0 uso dos
recursos de codificaçâo morfossintâtica da lîngua.
o principio de marcaçiio, herdado da lingüîstica estrutural
desenvolvida pela Escala de Praga, estabelece três critérios principais
para a distinçâo entre categorias marcadas e categorias nao-marcadas,
em um contraste gramatical binârio:
a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser mais
complexa (oumaïor) que a estruturanao-marcada correspondente;
b) distribuiçao de freqüência: a estrutura marcada tende a ser menas
freqüente do que a estrutura nao-marcada correspondente;
c) complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a ser
cognitivamente mais complexa do que a estrutura nao-marcada
correspondente. Incluem-se, aqui, fatores coma esforço mental,
demanda de atençao e tempo de processamento.
Hâ uma tendência geral, nas lînguas, para que esses três critérios
de marcaçâo coincidam. Admite-se que a correlaçâo entre marcaçao
estrutural, marcaçâo cognitiva e baixa freqüência de ocorrência é 0
reflexa mais geral da iconicidade na gyamâtica, dada que representa
o isamorfismo entre correlatos substantivos (de natureza
comunicativa e cognitivaj"·~· ~~;~~ï~t~~f~;~~i~·d~~a;câçao:Assim,
• ,_.U'" .•_ ..~__ '""~""''-+'. ''W. '-••..,."."..........~••_.,.....,., ....,'"'-
as categorias que sao estrutura1mente mais marcadas tendem também
a ser substantivamente mais marcadas.
Givôn (1995) adrnite que Ulla mesma estruturapode sermarcada
num contexto e nâo-marcada em outro, e acrescenta que, desse
modo, a marcaçao é um fenômeno dependente do contexto,
devendo, portanto, serexplicada cornbase em fatores comunicativos,
34 Lingüfstica funcional: teoria e prética
Essas três estruturas negativas nao se op6em binariamente, mas
se distribuem num contî:fiuo, exibindo diferentes graus de marcaçao
quanto à freqüência d'e uso, à complexidade estrutural ou à
l' ,1
i (1 ../ l'
/CO pi .~; (; ,:,,9· /)"( C:,'
\" .c' 1 ~
4) ...a nova regente... ela naD tava sabendo reger direito a regente do
coral... tava errando lâ um monte de coisas... né? (corpus D&G/
Natal, p. 278).
5) •••e teve uma pessoa que chegou pra mim e perguntou... l'Gerson .
você aceita fkar no cargo e tudo fl num sei que... eu disse... nao .
num aceito naD (corpus D&G/Natal, p. 178).
6) •..tudo eu faço sabe? tem isso comigo naD... (corpus D&G/Natal, p. 264).
socioculturais, cognitivos oubiolôgicos. Cita, C011'\O exemplo, que a
lendência para a~erçao do agente como sujeito e tôpico da oraçao \rc
l ransitiva, que representa 0 cason~cado, provavelmente reflete !,,~:
r c
Lima norma cultural de falar egocentricamente mais acerca de seres \~
humanos volitivos do que sobre objetos inanimados.
Outra observaçao importante feita por Givôn é que a marcaçao
nao se restringe apenas às categorïas lingilisticas, mas pode estender-
se a outros fenômenos, como a distinçao entre 0 discurso formal e a '~:\,
conversaçao espontânea. Por tratar de assuntos mais abstratos e
complexos, 0 discurso formaI é mais marcado em relaçao à
conversaçâo informaI, que é cognitivamente processada corn mais
rapidez e facilidade, por se referir, em geraI, a assuntos comuns e
fisicamente perceptiveis do tidiano social.
A titulo de exemplo, 0 ntraste entre afirmaçao e negaçao ilustra 6
bem a atuaçao dos c . érios de marcaçao. Como afirmar algo é
cognitiv mais simples e esperado, portanto mais frequente
li
na interaçâo verbal, isso se reflete também na estrutura lingüistica, l
representando a (orma nao-marcada. A negaçao, ao contrario, por
ser mais complexa emtermos cognitivos e menos esperada, é também
menos freqüente e estruturalmente maior (tem, no minimo, um
morfema a mais que a afirmativa), constituindo 0 casa marcado.
Entretanto, essa marcaçâo sera relativizada se considerarmos as
diferentes estruturas negativas em português (FURTADü DA CUNHA,
2000), tais coma:
35l 'ressu postas teôricos fundamentais
Lingüfstica funcional: teoria e pratlca36
complexidade cognitiva. Considerando esses très critérios de
distinçâo entre estruturas marcadas e nao-marcadasl podemos
estabelecer a seguinte hierarquia que ordena as oraç6es negativas
de acordo corn 0 seu grau de marcaçao: negativa-padriio (ex. 4) >
negativa dupla (ex. 5) > negativafinal (ex. 6). Apesar de a negativa-
padrao ser marcada em relaçao à afirmatival esta clara quel das trèsl
ela é a menas marcadal sob todos os aspectos: a) quanta à freqüência l
é a que registra maior ocorrència; b) quanto à complexidade
estruturall é a morfologicamente mais simples; c) quanta ao contexto
de USOI é a menos marcada pragmaticamentel pois pode ocor~rnos
contextos que favorecem tanto a negativa dupla quanta a final Dado
\ 0 carater fluido e criativo da lingual é necessario adotar parâmetros
~r' de gradualidade na analise da marcaçaol em vez de considerar as
\ categor~as lingüîsticas em termos discretos ou binarios. j
A necessidade de superar a dicotomia marcado x niio-marcadol
redefinindo 0 prindpio de marcaçao l também é questionada por
Oliveira (2000)1 em seu trabalho sobre as oraç6es adjetivas. Exemplos
camo 7 e 81 em que se combinam informatividade do nûcleo SN4
(menor integraçao) e definiçao da adjetiva (maior integraçao)1 sao
os de maior freqüència nos corpora pesquisados:
7) As pessoas que 0 acusam confundem 0 ato de governar com
disposiçao e honradez (carta de leitor, Jornal do Brasil).
8) ...meu primo estava dirigino umacamionete que estava sem Jreio...
(lîngua escrita, quarta série, corpus D&GlNiterôi).
"..
'Z: Os resultados preliminares a que Oliveira chegou na pesquisa
(; sobre a clausula adjetiva levaram-na a um impassel assim expresso\,,~ ,
por ela: se a freqüència é 0 parâmetro de maior visibilidade e saliència
_\:: perceptual para a aferiçao da marcaçaol entao teremos de admitir que
..... as adjetivas restritivasl que sao mais integradasl configuram-se coma
"'-,
~ as nao-marcadas. Por outro ladol seu maior vînculo semântico-
sintatico é traço caracterizadorde complexidade estrutural e cognitival
o que as classificaria como formas marcadas face às explicativas.
4 SN = sintagma nominal.
" d 1 l rj 1 cl,r\ '. .,,,\_,e(- t i~ '( /:-.l
f..,A.\ ;' ", _ !t: G\: \..
'Id) Batman derrubou 0 Pingüim com um soco.
'!h) A Mulher Gato nao gostava do Batman.
'JI} Esse rio tem uma forte correnteza.
37
_ ..v~
Transitividade alta Transitividade baixa
ticipantes / dois ou mais um
~'~_~'~._------~ _~.~~
ese / açao nao-açao
.-.~ ... " ~_---
------- -- .-
-
"._..•...•.. ,..." .-'---"-"-- ,._,_.~ ----- --_. '-'~_-
ecto do ver perfectivo nao-perfectivo
.= .-._'------ " .-
ctualidade do verbo punctual nao-punctual
.u______
ncionalidade do sujeito intencional nao-intencional
-----,.• '.-'-.-" "' ._--------------------_. ------_._-,---,-- ~.~_.....__._-_._..._..
aridade da oraçâo afirmativa negativa
_~~___~·~~___.o.o_f---.- -_....._.. ._-
dalidade da oraçâo modo reafis modo irrealis
-_._~ __~_----~-~_-
-------_.
ntividade do sujeito agentivo nao-agentivo
_"_0 "'~ _________ -----,--___0-.___-
--_.
tamento do objeto afetado nao-afetado
......:;,;,,,,
..
dividuaçâo do objeto individuado nao-individuado
...-----t=. / fJ u rCi 1". I/r!·{· ·;CC:
"
!
l 'IüSSUPOStos te6ricos fundamentais
S.Age
9. Afe
10. In
4. Pun
5.lnte
3. Asp
6. Pol
2. Cin
1. Par
7. Mo
Transitividade e pianos discursivos
Para a gramatica tradicional, transitividade refere-se à
1l'a nsferência de uma atividade de um agente para um paciente.
J':, portanto, uma propriedade dos verbos, classificados camo
1ransitivos, quando acompanhados de objeto direto ou indireto, ou
ÎIl transitivos, quando nao ha complemento. Segundo a formulaçao
t Il' Hopper e Thompson (1980), a transitividade é concebida camo
lima noçao continua, escalar. Trata-se de um complexo de dez C!
IllHâmetros sintatico-semânticos independentes, que focalizan1
,.,-,.---~,----------~ ........,
(1iferentes ângulos aa transferência da açâo em uma porçâo diferente
da sentença. Sao eles: 1
<: ~.....------...--... '""-.,------ ....----".,.:;:s> <II
}' M t At!'> ,..? ri. r l.-.Y...
Cada um desses parâmetros contribui para a ordenaçao de
()raç6es numa escala de transitividade. Assim, é toda a sentença que
(; classificada com9 transitiva, e nao apenas 0 verbo. A tîtulo de
ilustraçao, vejamos alguns exemplos, extraidos de uma narrativa
(lue reconta a filme Batman:
38 Lingüistica funcional: teoria e pratica
Pela classificaçao da gramatica tradicional, as trés primeiras
sentenças sao transitivas, pois apresentam nm objeto coma
complemento do verbo. Segundo a formulaçao de Hopper e
Thompson, 9a é a que ocupa lugar mais alto na escala de
transitividade, uma vez que contém todos os dez traças do complexa:
dois participantes (Batman e Pingüim); verbo de açao (derrubou);
aspecto perfectivo (verbo no passado); verbo punctual (açao
completa); sujeito intencional; oraçao afirmativa; oraçaorealis (modo
indicativo); sujeito agente (Batman); objeto afetada e individuado
(Pingüim - referencial, humano, pr6prio, singular).
Ocupando 0 segundo lugar na escala de transitividade, temos
9d, clàssificada coma intransitiva pela gramâtica tradicional. Essa
oraçao contém sete traços: cinese; aspecto perfectivo; verbo
punctual; sujeito intencional; polaridade afirmativa; modalidade
realis; sujeito agente.
A oraçao 9b esta mais abaixo na escala, pois apresenta quatro
traços positivos: dois participantes (Mulher Gato e Batman), objeto
individuado (Batman), perfectividade do verbo e modalidade realis.
Por ultimo, a oraçao corn menor grau de transitividade é 9c, que s6
apresenta os traços modalidade (realis) e polaridade (afirmativa).
Hopper e Thompson associam a transitividade a uma funçao
( discursivo-comunicativa: 0 maior ou menor grau de transitividade
de uma sentença reflete a maneira coma 0 falante estrutura 0 sen
discurso para atingir sens prop6sitos comunicativos. A
universalidade do complexo de transitividade parece residir no
fato de que os parâmetros que 0 comp6em estao relacionados ao
.
J.. .event()5~~sa.1 pfototlpico, qu~_~..~~.~!l.i.g..2.E??:10 um evento em que
~ um agente animado intencionalmente causa uma mudança nsica e
, perceptivel de estado ou locaçao em um objeto. Sao esses os eventos
que a criança percebe e codifica gramaticalmente mais cedo. Ha,
portanto, nma correlaçao entre os traços que caracterizam 0 evento
causal prototipico e os parâmetros que identificam a oraçao transitiva
canônica. Desse modo, por refletirem elementos cognitivamente
salientes, ligados ao modo pela quaI a experiência humana é
',~ 1
Pressupostos te6ricos fundamentais 39
apreendida, os parâmetros da transitividade assinalam elementos
salientes no discurso.
A transitividade oracional esta relacionada a uma funçâo
~-------- --.,
pragmâtica. 0 modo como 0 falante organiza seu texto'é
..,.'".....'~ ......_--~
determinado, em parte, pelos seus objetivos comunicativos e, em
parte, pela sua percepçâo das necessidades do seu interlocutor.·
Nesse sentido, a texto apresenta uma distinçâo entre 0 que é central
e a que é periférico. Para que a comunicaçâo se processe
satisfatoriamente, ou seja, para que os interlocutores possam
partilhar a mesma perspectiva, 0 emissororienta a receptora respeito ,.
."",\.~
do grau de centralidade e de perifericidade dos enunciados que C' \1
constituem seu discurso. Em termos de estrutura de texto, ou de
plan~s,a divisâo entre centr~l?..~lj.cocorresponde à y},!f
distinçâo entre figura e fundo. 0 grau de transitividade de uma rR/2-;
oraçâo reflete sua funçâo discursiva caracterfstica, de modo que
oraç6es cam alta transiti~dade assinalam porç6es centrais do texto,
correspondentes à fi,gufa, enquanto oraç6es combaixa transitividade
marcam as porç6es periféricas, correspondentes ao fundo. Hâ,
portanto, uma correlaçâo forte entre a marcaçâo gramatical dos
parâmetros da transitividade e a distinçâo entre figura e fundo.
Por figura entende-se aquela porçâo do texto narrativo que
àpresenta a seqüência temporal de eventos concluidos, pontuais,
afinnativos, realis, sob a responsabilidade de um agente, que constitui
a comunicaçâo central. Jâ fundo corresponde à descriçâo de aç6es e
eventos simultâneos à cadeia da figura, além da descriçâo de estados, /;,
da localizaçâo dos participantes da narrativa e dos comentârios
avaliativos. Vejamos a seguinte fragmenta, extraido de uma narrativa
falada de um informante do ensino médio:' . \
10) .••al quando vinha aH no rio Tietê... num sei se você conhece... jâ
ouviu falar... lâ de Sâo Paulo... quando vinha lâ do rio Tietê... tava
chovendo muito..: a pista escorregadia né? ai 0 carro perdeu 0
controle... 0 motorista perdeu 0 controle né?... aî quando ele viu
que 0 carro ia cair dentro do rio... ai eIe... colocou 0 carro num... pra
cima de outro carro... que tava um casaI de namorado assim ...
namorando... (corpus D&G/Natal, p. 222).
40 Lingüistica funcional: teoria e pratica
Figura Fundo
...al quando vinha ali no rio Tietê...
num sei se você conhece... ja ouviu
falar... la de Sao Paulo... quando
vinha la do rio Tietè... tava chovendo
muito... a pista escorregadia... né?
ai 0 carro perdeu 0 controle...
o motorista perdeu 0 controle... né? ..
ai quando ele viu que 0 carro ia cair
dentro do rio...
..~--_._---ai ele... colocou 0 carro num...
pra cima de outra carro...
-
que tava um casal de namorado
assim... namorando...
-
--~-----
o texto acima mostra oposlçao de tempo, aspecto e
dinamicidade: as sentenças da coluna da figura contêm perdeu
e colocou, verbos punctuais no tempo perfeito, enquanto no fundo
apresentam-se oraç6es que contextualizam 0 evento narrado, corn
comentarios descritivos e avaliativos do narrador.
o fundamento cognitivo para plana discursivo, corn suas
'fimens6es originais de figura e fundo, provém da psicologia
;gestaltista: identifican10s mais prontamente as entidades que se
!apresentam em primeiro pIano, coma figuras bem-recortadas e
fi
1 focalizadas, em oposiçao a tudo 0 mais, que passa a ser percebido
contrastivamente como em plana de fundo.
Tipologicamente, a lingua portuguesa é classificada como
sendo de ordenaçao SVO (sujeito-verbo-objeto), ou seja, a posiçao
tipica, nao-marcada, do sujeito é anterior à do verbo. As construç6es
oracionais em que 0 sujeito é deslocado, ocupando posiçao posterior
à do verbo, parecem limitar-se a certos contextos discursivos. Par
exemplo, a estrutura VS corresponde, normalmente, às circunstâncias
que estao fora da seqüência narrativa propriamente dita (fundo),
conforme a seguinte exemplo:
Il) 0 drama começa quando a secretaria de um empresario descobre
que 0 seu patrao quer construir uma usinanuc1ear, nao para gerar
energia, e sim para sugar energia da cidade. 0 patrao chega
repentinamente no escrit6rio e flagra a secretaria mexendo em seus
documentos. Temendo ele que a secretaria resolvesse contar a todos,
ele tratou de mata-la empurrando-a pela janela do escrit6rio que
ficava no andar muito alto de um edificio (corpus D&G;Natal, p. 317).
Extrapalanda a daminio da narrativa, Martelatta (1998) testa a(
possibilidade de aplicaçâo dos parâmetros da transitividade a outras
lipos de gênero textual, demonstrando que as noç6es de figura e
fundo também podern ser extremamenteuteis naanalise de desoiç6es, C
relatas de procedimento ou relatas de opiniâa. Mostra que um tipo 6
de texto pode servir de fundo a outro tipo textual. Dm trecha narrativo, \~
por exemplo, em um contexto maior nào-narrativo, pode servir de \
fundo, pois, neste caso, esta em posiçao secundaria em relaçaa ao
foco central do texto. Em situaç6es como essas, a seqüência narrativa
('In segundo plana pode apresentar-se, ao mesmo tempo, camo figura
l'm relaçâo a outra nao-narrativa de nîvel inferior. Para ilu~traresse
1)(mta, tomemos 0 segtiinte fragmenta de um relata de opiniào falado,
dl' um aluno da oitava série do ensino fundamental: ~
Pressupostos te6ricos fundamentais
Figura Fundo
o drama começa quando
1------'---- ,
a secretâria de um empresârio
descobre que a seu patrao quer
construir uma usina nuc1ear,
nao para gerar energia, e sim para
sugar energia da cidade.
-
o patr"o chegn rcpentinan~,
no escrit6rio e flagra a secre' ria
mexendo em seus docum tos.
/ Temendo cie que a secretâriaresolvesse contar a todos,
.-~--~
eie tratou de mata-la empurrando-a
pela janela do escrit6rio
i --1--------------------
1 que ficava no andar muito alto
1
de um edifîcio.
1
--_._-- --,----...... ,.....--,--" -._--,-_._----,---,.,--_.".. , ---, ,-- -_ ..... ,
____________ - _ •• 0___ -
. ". -_.~~_.._-,_ ....,."._~._ ...,._--'"--".-
41
42 Lingüfstica funciona/: teoria e prâtica
\
12) E: Emerson... quaI é... a sua opiniâo acerca da pena de morte? você
acha que é um... uma forma correta de... de... punir por um crime?
você acha que se a pessoa comete um crime barbaro até hediondo
coma a gente... coma a gente vern... tem ouvido falar você acredita
que a pena de morte é... é uma soluçâo?
1: eu acho que nao... ha pouco tempo... ha pouca tempo atras houve
dois casos que... fez corn que ressuscitasse a polêmica da pena de
morte no Brasil... foi 0 assassinato da Dan! da atriz Daniela Perez e
de uma menina que foi seqüestrada e depois queimada... as pessoas...
pela emoçao... achavam que deveria ser implantado a pena de
morte ... mas cada casa é um caso... (corpus D&G/Natai, p. 313).
Respondendo à pergunta do entrevistador, 0 informante da
sua opiniao sobre a pena de morte. Nesse caso, a seqüência narrativa
encontra-se num pIano de fundo em relaçao ao foco principal do
texto. Contudo, essa mesma seqüência sobressaicomo figura quando
comparada ao trecho em que ele faz 0 esc1arecimento quanta à
opiniao das pessoas acerca dos acontecimentos narrados.
Atualmente nao se trabalha mais corn a concepçao dicotômica
de figura e fundo. AIgumas pesquisas (TOMLIN, 1987; SILVElRA, 1991)
mostraram a necessidade de redefinir a categoria pIano discursivo,
nao mais em termos binarios, e sim como um continuum, cujos pâlos
seriam a superfigura, do lado mais :?aliente oUJelevante, e
< '-.. ~- ··--'--"'C"_' .-",-, ~- .....·_.c. _____
superfundo, do lado mais difuso ou vago. Observe-se nesse sentido
nm fragmenta do corpus de Silveira (1991), sobre a mae que acorda a
filha para a escola:
13) Ai... ela acordou... ela tava dormindo... aî ela levantou... penteou 0
cabelo... aî fol foi la onde tava a filha dela aî €la acordou a filha
dela... aî vestiu ela... pôs a mesa para 0 café elas tomaram café...
Figura Fundo
Ai... ela acordou...
ai ela levantou...
ela tava dormindo...penteou 0 cabelo...
al fol foi la
onde tava a filha dela...
..---"
ai ela acordou a filha dela...
al vestiu ela...
pôs a mesa para 0 café...
elas tomaram café...
----
1nformatividade
fÎ ~A A }~f J
/"? ..,/"" S
Na coluna da figura, a clâusula aî ela acordo1faftlh~ dela tem um
nîvel mais proeminente do que aî ela acordoû~ Podemos perceber
também que as duas clâusulas em fundo têm graus distintos de
fundidade, jâ que uma apenas localiza a filha, enquanto a outra dâ T
conta de uma caracteristiça a mais, ao identificar 0 estado progressivo
de dormir.
43Pressupostos teôricos fundamentais
No exemplo 14,0 tema é acarteiro trouxe e 0 rema é uma encomenda;
no exemplo 15, 0 tema é 0 sujeito e 0 rema é todo 0 predicado; no
t 'xemplo 16 verifica-se 0 contrârio: 0 tema é 0 predicado e 0 rema é 0
~';II jeito. Na lîngua oral, a ênfase é0 recurso mais usado para delimitar
1) status informacional da clâusula. Aqui a anâlise foi feita mediante
t 'xcmplos descontextualizados, mas, num texto real, 0 que se verifica
('t lin freqüência éa informaçâo velha estar contida no sujeito (tema)
,'il nova,nop.redicadoou p~rte.. dopre~~ç~do (ren~a?·i. ). 1/"1'\' . \.. r
/\î dll., 0 t\'(YVv1Çf.l ~t\çv'v:~ ((V l") A VOOf!C1 (i'dlAl1ffî) '
[. ,..{I. '-1'" - 1 .. L l',. ('C f C.<l
" (1 (/ ! ;"... r.'-. \1 (\ li} ., li -fl C( 1/; '1 ' ~ v Il·t,(""-ï Ir- >!A,·tr(\-~
.: ' /l';" . /' ... '.
, \ r '\-. -"~, JO t} ~ \j é~'(/>J v"'-' ':"/\ v ~t-l1/Vvt~1. Cf. )
if"" '. ...' '( r '. r ' .. ' l" r~ f\ "" 1r'l
...., f.\( (, .... r,· ;it \èV\) y l'\''/vv
_.'. <'1
l,A informatividade manifesta-se em todos os rnveis da codificaçâc,
lingiiistica e diz respeito ao que os interlocutores compartilham, ou
supoem que compartilham, na interaçâo. Do ponto de vista
cognitivo, uma pessoa comunica-se para informar 0 interlocutor
sobre alguma coisa, que pode ser algo do mundo externo, do seu
prôprio mundo interior, u algum tipo de manipulaçâo que
pretende exercer sobre e e interlocutor. .J
Tradicionalment parte da clâusula que apresenta a informaçâo
velha-é-El-e Inada tema, enquanto a parte que apresenta a
.... - <-
informaçâo~a é denominada ~e!!!a.Alguns exemplos presentes (
cm l.lari e Geral3i (1985) s.erâo retoma~os.a.qui: .... )
l,/à qu~J;.;u~~~ ~~~~e:,J:ca~:1r~? ·~ ~{ '1 ", '} r 'I
Desta vez, 0 carteiro trouxof'uma encomenda.J Gkt7 (à-f"(QA" C Vl/ Ci l)
Isla que fez, desta vez})'~~;~?
I-Oesta vez, 0 carteiroC~rouxe uma encomenda.J ç...;;c...o f'·'--(ij:1>!/t C L~' [ I~
1li) rQueri\1trouxe a encomenda?
~ carteiroJtrouxe a encomenda.
44 LingüÎsticafuncional: teoria e pratica
o primeiro esforço para formular um rnodelQ~cie._..Qiêcurso em
- .que 0 grau de co~~~igH~!}tQ_çQmpélrtilhadodesempenha um papel
essencial deve-se a :ertDs:e (1981).0 domînio que tem registrado mais
avanço refere-se à coclificaçâoda informaçâo nos referentes nominais.
Mesmo aquÎ, as tipologias de status inforrnadonal sâo ainda muito
incompletas, e as escalas propostas como refinamento da dicotomia
c1assica entre informaçâo velha e informaçâo nova nâo cobrem todos
os casos e concentram-se exclusivamente nos nomes.
A partir do trabalho de Prince, muitas pesquisas foram realizadas
para a descriçâo do status informacional dos nomes em varias
lînguas, entre as quais 0 português. Dm dos trabalhos em que 0
tema é tratado com profundidade é a obra de G6rski (1985)/ da quaI
é retirada a maioria dos exemplos desta seçâo.
A questâo da informatividade é abordada na lingüfstica
funcionalista principalmente a partir da cIassificaçao semântica e
da codificaçâo de referentes no discurso, demonstrando que a forma
f como um referente é apresentado no discurso é determinada por
. ,.:{J \ fatores de ordem semântico-pragmâtica. Segundo Lyons (1981)/
le a referência é a relaçâo que se estabelece entre expressôes lingüfsticas
'--------\, e 0 que elas representam no mundo ou no universo discursivo.
Muitos lingüistas utilizam a noçâo de referência. No entanto, 0
conceito é de diffcil formulaçâo, porque a relaçâo entre referente e
;denominaçâo envolve questôes de diferentes ordens coma quest6es
/ de ordem psicolôgica e social. Quando, por exemplo, uma criança
1chama gato e cachorro de au-au, ela esta tomando como parâmetro
( para a denominaçâo 0 traço Ilquadrûpede'l; ou, quando a criança
. usa um sô nome para se referir a frutas camo maçâ e laranja, ela
I;;J
) tem camo parâmetro os traços 11forma" (drculo) e IItamanho".
A categorizaçâo dos objetos ou dos eventos nâo depende apenas da
percepçâo, mas também da interpretaçâo e do desenvolvimento
cognitivo. 0 adulto, devido às suas experiências, utiliza outros traços
para dar nomes a diferentes seres.
Chafe (1977) postula que, antes da produçâo discursiva, a falante
tem em mente apenas uma idéia geral acerca do evento. À medida
A partir desses elementos destacados, algumas questoes sao
levantadas:
17) foi uma situaçao dificil... né? eu nao sei... eu nao sei onde que engloba
isso mas eu fui a Petrôpolis corn uma amiga que nunca tinha subido a
serra estava dirigindo ha poueo tempo (...) quando a gente esta
voltando eomeça a chovelJ assim... torrencialmente... e fura 0 pneu do
carro dela e a gente nunc 'nha trocado pneu... nenhuma das duas...
e aquela serra totalmen deserta... né? aî a gente encostou 0 carro
assim do lado... 0 carro" oi puxando (...) meu eoraçao assim disparado...
a gente desespera ... (...) desatarraxando tudo (...) a gente... demorou
umpouqu-i 0 ... né? aî a gente entrou no carro... estava tudo molhado
(...) paramos num posto... pra ver se estava tudo bem atarraxado e
tal... ai a mecânico falou que... (<p) nao sabia quaI 0 homem que tinha
apertado aquilo ((tiso)) (corpus D&GlRio de Janeiro).
que produz 0 discurso, esse falante organiza e detalha 0 conteûdo
ao mesmo tempo que situa os seres no evento e assinala os papéis
que eles desempenham por meio de uma categorizaçao adequada
(CHAFE, 1977; GbRSKI, 1985). Chafe enfatiza 0 processo criativo da
verbalizaçao, uma vez que a estruturaçao da idéia dâ-se no momento
da enunciaçâo. 0 estudo da codificaçao de referentes é importante
para entender a estruturaçao discursiva.
o trecho da narrativa oral a seguir apresenta alguns recursos
morfol6gicos para a codificaçao de referentes. Entre eles, destacam-
se os sintagmas nominais:·
45Pressupostos teôricos fundamentais
a) 0 que levaria um informante a produzir uma anâfora zero ao
invés de um SN pleno ou Ulll pronome em que ~ nao sabia quaI 0
homem que tinha feito aquilo? (0 sîmbolo q> representa urn sintagma
elîptico);
b) por que 0 informante apresenta um SN longo corn uma clâusula
adjetiva em uma amiga que nunca tinha subido aserra?
c) por que a expressâo 0 mecânico é apresentada coma uma ~
informaçao definida, se é a primeira vez que aparece no texto?
d) por que a segunda mençao da expressao a carro, em ai agente
encostou 0 carro assim do lado... 0 carro ja foi puxando é codificada
por meio de um SN pleno mesmo quando a sua ûltima mençao
estâ muito prôxima.(a informaçao é previsivel)?
c) por que hâ tantos recursos gramaticais para codificar referentes?
46 LingüÎstica funcional: teoria e prâtica
Essas e outras questôes saD tratadas pelos lingüistas
funcionalistas no estudo do tema injarmatividade. .
l', Prince (1981, p. 235) classifica os referentes (ou entidades) do
1 (') ~ discurso a partirda noçâo de conhecimento compartilhado, que é assim
" descrito: "0 falante assume que 0 ouvinte conhece, admite ou pode
. y inferir aIgo particular (sem estar necessariamente pensando nisso)".
1
Organiza as entidades em três grupos: novas, evocadas e infenveis.
\ "~ Dm referente é nova quando é introduzido pela primeira vez
no discurso (camo no exemplo 18). Quando 0 referente é
{"}l inteiramente novo, é chamado novo-em-jolha. Se ja esta na mente do
...- .'! '\
ouvinte, por ser geralmente um referente ûnico (num dado
X:-~ contexto), é chamado disponîvel. Sao exemplos de referentes
disponiveis termos como a lua, 0 sol, Pelé ou Petrôpolis (como no
'x< exemplo 19). Os referentes novos-em-folha podem vir ancorados a
outras entidades, como émostrado no exemplo 20, em que 0 referente
um rapaz é novo, mas apresenta uma clausula adjetiva que Ilancora"
esse referente a um referente conhecido, que é a pessoa que fala (eu).
18) Comprei um carro semana passada.
19) ...mas eu fui a Petrôpolis.
20) Um rapaz com quem trabalho foi assaltado ontem.
Dm referente pode ser evocado ou velho se jâ tiver ocorrido no
texto (referente textualmente evocado) ou se estiver disponivel na
situaçao de fala (referente situacionalmente evocado), camo os
prôprios participantes do discurso:
21) al 0 mecânico falou que... (p) nao sabia quaI 0 homem que tinha
apertado aquilo ((riso)) (corpus D&G/Rio de Janeiro).
22) Você poderia me dizer as horas?
Para Chafe (1976), a distinçâo entre novo e evocado (ou velho) é
determinada pelo falante e esta relacionada ao conhecimento que
! ele presume que 0 ouvinte tenha. Assim, numa frase coma IIVi seu
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:Q) Quando eu vinha de Turiaçu pra ca, vinha um caminhâo, entrou numa
curva, entao ele acabou de entrar na curva ele pegou um ônibus.
:',H) Eu tinha levado comida.
23) 0 ônibus parou e 0 motorista desceu.
24) .•.paramos num posto... pra ver se estava tudo bem atarraxado e
ta!... ai 0 mecânico falou que... nao sabia quaI 0 homem que tinha
apertado aquilo ((riso») (corpus D&G/Rio de Janeiro).
25) A beirada da mesa esta suja.
26) ...e fura 0 pneu do carro de a...
Dm referente denomina-se inferivel quando é identificado por
meio de um processo de inferência (exemplos 23 e 24) a partir de
outras informaçoes dadas. As entidades inferiveis padern estar
contidas em outras que jâ fazem parte do modela de discurso,
camo evocadas ou mesmo inferiveis, coma nos exemplos 25 e 26.
Os referentes inferiveis geralmente sao codificados corn um artigo
definido:
47Pressupostos te6ricos fundamentais
o referente codifica a como 0 motorista é inferivel porque foi
mencionado 0 refere e 0 ônibus: hâ um consenso de que ônibus
têm motoristas. exemplo 24, a informante toma coma consenso
que nuJU-' osto hâ mecânico e apresenta 0 referente coma inferîve1.
No exemplo 25, hâ também um conhecimento compartilhado de
que mesas têm

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